O Primeiro Solstício
por Melissa GoodEm uma Clara Noite de Solstício
Era a noite mais gelada do ano até aquele momento. O entardecer trouxe consigo uma geada intensa e um vento frio e cortante que varria entre as árvores nuas, oferecendo escassa proteção contra ele. Uma leve camada de neve adornava o solo, removida apenas na trilha que serpenteava em direção às montanhas.
Marcadas na brancura, seguiam-se pegadas que desviavam da estrada, encaminhando-se para uma pequena elevação onde um agrupamento de árvores baixas parecia prometer o abrigo mais acolhedor por muitos quilômetros.
As marcas no chão se prolongavam até alcançar duas silhuetas, envoltas em mantos, que enfrentavam o vento com dificuldade, progredindo aos poucos pela encosta.
“Estamos quase lá,” sussurrou Xena, encorajadora. “Só precisamos continuar caminhando.”
“Não t…tenho muita e…escolha,” Gabrielle conseguiu responder, com os dentes batendo visivelmente. “Nossa, como está frio.”
“Eu sei.”
Uma rajada de vento agarrou suas capas e as jogou para trás, levando consigo o pouco de calor que tinham. Xena agarrou o tecido e empurrou sua companheira menor os últimos passos à frente, até que passaram entre os galhos mais externos, entrando em um silêncio gélido e amargo. “Fique aqui.” Xena posicionou Gabrielle contra o tronco grosso de uma árvore antiga e retorcida, cuja massa bloqueava até mesmo os fios de vento que assobiavam pelo bosque. “Vou buscar lenha para a fogueira.”
Gabrielle assentiu, puxando sua capa ao redor enquanto Xena deixava as bolsas escassas que carregavam perto da árvore e partia, sacando sua espada. “Ó…ótimo,” sussurrou a barda, tremendo tão violentamente por um momento que mal conseguia pensar. “Que maneira m…maravilhosa de passar o Solstício.” Um momento de autopiedade, então Gabrielle suspirou e começou a mover-se pela neve espalhada, limpando o chão para a lenha que sabia que Xena traria de volta. “Bem, você queria que ela te levasse junto, Gabrielle.” O movimento a aquecia um pouco, e o tremor diminuía. “Cuidado com o que você pede da próxima vez.”
Um som suave de algo se esmagando sob os pés fez com que ela se virasse, vendo Xena retornar com uma grande pilha de lenha equilibrada em um ombro. A guerreira ajoelhou-se e depositou a madeira no círculo que havia limpado, e se endireitou, empurrando seus cabelos escuros e rebeldes para fora dos olhos com uma mão impaciente. “Não tem nada aqui para eu caçar.”
Gabrielle tentou não pensar em quão faminta estava. “Eu meio que imaginei,” ela sussurrou. “Eu tenho algumas nozes e coisas secas na minha bolsa… podemos compartilhar.”
Olhos cansados e de um azul sombrio a encararam. “Não era bem o que você esperava, né?” Xena perguntou.
O que responder a isso? Gabrielle mexeu em sua capa, tirada das costas de um saqueador que Xena havia matado nas terras baixas. “Eu nunca realmente pensei sobre…” Ela ficou em silêncio, então deu de ombros.
Xena abaixou os olhos e começou a arrumar a lenha em uma fogueira compacta e eficiente. Os hábitos de uma vida inteira moldavam seus movimentos, e ela aqueceu as mãos brevemente dentro de suas roupas de couro antes de tirar sua pederneira e isqueiro para começar a fogueira.
O som agudo da faísca ecoou pela escuridão. Finalmente, as faíscas tênues pegaram no musgo morto que ela havia colocado no chão ao lado de seu joelho, e ela o cobriu cuidadosamente antes de colocá-lo sob o acendimento e soprar gentilmente para incitá-lo à vida.
Não havia realmente nada para Gabrielle fazer, exceto sentar-se na borda da árvore retorcida e observar. Ela viu o brilho começar, rompendo a escuridão e delineando o perfil de Xena em tons de carmesim, suas feições marcadas por uma expressão severa e sombria. Depois de um tempo, o brilho aumentou, e ela ouviu o primeiro estalar enquanto o fogo consumia a lenha seca com avidez. Bem, ela suspirou. Pelo menos estariam aquecidas. Mais ou menos. Ela se aproximou, ajoelhando-se ao lado do fogo e estendendo as mãos em direção a ele.
Xena recostou-se e observou sua obra, satisfeita por enquanto. Viu Gabrielle se aproximar, estendendo as mãos enquanto sua capa se abria um pouco. A camisa leve e a saia longa que ela trouxera de Poteidaia eram uma defesa fraca contra o frio, e Xena podia ver os tremores percorrendo o corpo de sua jovem companheira.
A guerreira suspirou interiormente. Provavelmente ela ficaria doente. Uma rajada de vento frio a atingiu nas costas e ela se enrijeceu. Ambas provavelmente ficariam e, nesta selvageria abandonada pelos deuses, ela não tinha acesso a ervas ou qualquer outra coisa. Droga. Xena abaixou-se até o chão e sentou-se de pernas cruzadas ao lado do fogo, deixando sua cabeça descansar em um punho. De quem foi a ideia estúpida de tentar contornar as montanhas com suas tribos guerreiras desta forma? Ah sim, isso mesmo, minha. Seu cérebro congelou, Xena. Veja só onde você se meteu. Seus olhos se levantaram ao perceber um movimento, e ela viu Gabrielle puxando suas bolsas para mais perto, seu rosto uma expressão de miséria encardida. E ela. Aposto que deseja estar em casa, naquela casa quentinha em Poteidaia agora.
Gabrielle pausou em suas buscas e inclinou a cabeça pensativamente. “Xena?”
“Hm?” A guerreira resmungou.
“Você já notou como tudo soa mais claro quando está frio assim?” disse Gabrielle. “Você pode ouvir os galhos estalando ali, e escute – ” Ela seguiu seu próprio conselho. “Isso é uma coruja, não é?”
“É uma coruja.” Xena respondeu, observando seu próprio hálito formar uma leve névoa.
“E as estrelas estão tão claras.” Agora, a cabeça da jovem estava inclinada para trás, e ela olhava para cima, através dos galhos. “Tudo parece tão mais real.” Ela olhou para cima por um momento, depois olhou para baixo e cuidadosamente, com seriedade, dividiu o punhado de suprimentos que encontrou em duas pilhas, suas mãos ainda tremendo de frio. “É lindo.”
Xena balançou a cabeça, divertida. “Você sempre vê o lado bom de tudo, Gabrielle?”
“Bem.” Gabrielle enfiou as mãos contra o corpo por um momento e apertou a mandíbula para impedir que seus dentes batessem. “Eu poderia pensar em como está frio, e como estou cansada e com fome, e como me sinto miserável, mas… qual o sentido, Xena? Eu não posso mudar nada disso.” Ela pegou um punhado de nozes, frutas secas e meio pedaço de carne seca e entregou a Xena. “Aqui está.”
A guerreira estendeu a mão, mas em vez de aceitar a oferta, ela fechou os dedos de Gabrielle sobre ela e empurrou sua mão de volta em direção ao seu corpo. “Fique com isso. Não estou com fome.” Ela falou em um tom direto.
Gabrielle a olhou incerta. “Isso não pode ser verdade, Xena.” Ela disse.
Uma das sobrancelhas escuras de Xena se levantou. “Está discutindo comigo?” Ela rosnou suavemente. “Eu disse, vá em frente e coma.”
Por um momento, Gabrielle pensou em recusar, mas um olhar para a expressão tempestuosa no rosto de Xena fez com que ela se calasse quietamente e se aproximasse mais do fogo, cujo calor finalmente começava a penetrar seu exterior meio congelado. Ela mordeu um pedaço da carne seca e a mastigou lentamente.
Xena esperou, para ver se haveria mais algum protesto, e então tirou dois copos de metal com cabos de madeira de seu equipamento e se inclinou, enchendo ambos com neve antes de colocá-los quase dentro do fogo para aquecer. Ela tinha apenas ervas suficientes para fazer um pouco de chá, e depois disso teriam que beber água quente, mas pelo menos era alguma coisa. As chamas envolviam os copos, e ela os observava, perdendo-se em sua dança por alguns breves momentos.
“Ei, Xena?”
“Hm?”
“Qual foi o seu Solstício favorito?”
Xena soltou uma risada curta e sem alegria. “Eu não celebro o Solstício, Gabrielle.”
“Por quê?” A voz jovem e curiosa perguntou. “Eu pensei que todo mundo celebrasse.”
“Eu simplesmente não celebro.” Xena respondeu suavemente. “Não celebro há muito tempo.”
Isso causou um silêncio pacífico por alguns momentos. Xena voltou à sua contemplação sombria do fogo. Seriam mais seis dias até alcançarem o outro lado das montanhas. Ela achava que se lembrava de duas pequenas vilas entre aqui e as planícies.
Esperava que ainda estivessem lá.
“Meu favorito foi quando eu ainda era criança.” A voz de Gabrielle interrompeu seus pensamentos novamente.
Xena olhou para o rosto jovem e arredondado dela e sorriu apesar de si mesma. “Você ainda consegue se lembrar disso?”
“Bem, claro que sim.” Gabrielle parou e a encarou. “Você acabou de fazer uma piada?”
Xena apenas a encarou de volta, com o queixo apoiado em um punho.
“Enfim.” Gabrielle continuou, como sempre fazia. “Eu lembro que ganhei uma boneca de pano para brincar.” Ela pareceu olhar para dentro de si por um momento. “Era como se eu tivesse uma amiga que sempre estaria comigo.” Após um momento, ela balançou a cabeça e olhou para Xena com um toque de constrangimento. “Meio bobo, eu acho, né?”
Seria? Xena a considerou pensativamente. “Eu não sei.” Ela respondeu devagar. “Ter um amigo que sempre estará lá para você é uma coisa boa.” Ela fez uma pausa e olhou para a escuridão de suas memórias. “É uma coisa muito rara.”
Gabrielle mastigou uma fruta seca. “Bem.” Ela finalmente respondeu suavemente. “Eu sou sua amiga, Xena.” Sua voz falhou um pouco, enquanto olhos azuis penetrantes se levantavam e encontravam os dela. “E… eu sempre estarei aqui para você.” Ela acrescentou em um sussurro, capturada por aquele olhar sério e intenso.
Xena observou a figura de sua pequena companheira desarrumada, em sua saia muitas vezes remendada e blusa suja, o rosto ainda infantil franzido em uma expressão de séria sinceridade. A amiga mais improvável que ela poderia ter imaginado nem sequer se aproximaria desta criança teimosamente obstinada, ingenuamente problemática, filha de pastores de ovelhas.
Xena suspirou com pesar. Deve ser a vingança do Destino sobre ela. “Obrigada.” Ela despejou as ervas nos dois copos e mexeu-os, entregando um a Gabrielle. “Aqui.”
A garota aqueceu as mãos ao redor do copo e sorriu. “Isso é ótimo, não é?”
“Sim, é.” Xena respondeu, a uma pergunta inteiramente diferente. Ela se levantou e andou os três curtos passos até o lado de Gabrielle, e então sentou-se novamente, para o deleite mal escondido da jovem. “Me dê aquela bolsa um minuto.” Ela pegou a bolsa oferecida e vasculhou dentro dela, selecionando seu conteúdo apenas pelo tato. Seus dedos encontraram um pequeno saco de pano e ela o retirou, desatando o topo e despejando seu conteúdo na mão. Quatro pequenos quadrados se destacaram contra sua pele. “Aqui.” Ela pegou dois deles e entregou-os a Gabrielle. “Esqueci que tinha estes.”
Gabrielle aceitou a oferta com curiosidade, examinando um dos quadrados. “O que são esses?” Ela perguntou, levando-o até o nariz e cheirando. “Oh.. isso é mel?”
“Sim.” Xena respondeu, mordendo um de seus petiscos. “Mel e gergelim.” Ela deixou o sabor permanecer em sua língua, o gosto de casa que era a única coisa que ela havia levado de Anfípolis consigo.
“Mm.” Os olhos de Gabrielle se iluminaram. “Nossa.. são ótimos! Onde você conseguiu? Eu não os vi nas últimas cidades por onde passamos!”
Xena deu de ombros. “Não me lembro.”
“Ah, que pena.. Você deveria tentar lembrar, Xena, para podermos conseguir mais algum dia se voltarmos para lá, onde quer que seja – podemos fazer isso, certo?”
Xena olhou para as chamas. “Provavelmente não.” Ela respondeu. “Então apenas aproveite-os, está bem?”
Gabrielle ficou em silêncio por um momento. “Tudo bem.”
Elas terminaram o doce e beberam o chá de ervas em silêncio pacífico. Então Gabrielle colocou seu copo no chão e puxou sua capa mais para perto enquanto o frio parecia se aprofundar. “Vai ser uma noite longa, né?”
Xena jogou outro galho grosso no fogo, fazendo-o saltar e tremer. Então ela se recostou na árvore velha e grossa, e observou sua jovem amiga. “Venha aqui e deite sua cabeça.” Ela apontou para sua própria coxa. “Uma de nós deve descansar.”
Gabrielle virou-se e piscou para ela, dando uma imitação perfeita de um coelho pego no brilho de uma tocha. Seus olhos foram para o rosto de Xena, depois baixaram para o lugar indicado, e então se levantaram novamente em uma admiração dolorosamente óbvia.
Xena sentiu um puxão no coração que não experimentava há muito tempo. “Eu não vou morder você.” Ela prometeu, meio que humoradamente. “Vamos.”
Gabrielle exalou devagar, então se aproximou e se encolheu em posição fetal, puxando sua capa sobre ela antes de se ajeitar cuidadosamente e, em total silêncio, deitar a cabeça na perna de Xena. “Obrigada.” Ela sussurrou. “Estou realmente cansada.” Seus olhos se fecharam, e a ponta de sua língua apareceu, removendo o último gosto de ervas e mel.
Xena esperou alguns momentos antes de arrumar sua capa, cobrindo parte do corpo de Gabrielle com ela, recusando-se obstinadamente a reconhecer para si mesma exatamente por que esta noite fria e faminta agora parecia tão mágica.
Mas era.
“Feliz solstício, Xena.” A voz sonolenta de Gabrielle chegou aos seus ouvidos.
Um sorriso cruzou o rosto de Xena, enquanto ela observava a paisagem de inverno. “Para você também, Gabrielle.”
As estrelas lá em cima piscavam com uma nitidez cristalina sobre uma terra fria e desolada. O vento gelado corria, seus dedos encontrando brechas e assobiando através de galhos que tremiam, buscando roubar o calor de tudo que tocava.
Mas, por mais que tentasse, por mais que girasse e uivasse, em uma pequena clareira de um pequeno bosque, uma nova chama ardia que ele não podia tocar.
Pois esta era eterna.