Inocência.

Elizabeth havia sumido por boa parte da tarde, sem contar nem a Aeleen nem a John aonde havia ido.

-Ela às vezes vai lá, volta, depois espia as coisas novamente…enfim, ela volta antes da noite, não se preocupe.

Aeleen decidiu que não devia se preocupar mesmo, e continuou aplicando a poção na perna de John.Horas haviam se passado e perto pôr do sol ela chegou levemente amuada, e foi sentar-se nas areias da praia. A loira desceu até lá e se sentou ao lado de Lizzie em silêncio.

– Estive na cidade conversando com algumas pessoas. A barriga de Marguerite está crescendo a cada dia – resmungou contrariada. – Mas ainda assim para eles, é uma obra do demônio. Tenho medo do que ocorra a essa pobre criança quando a mesma nascer. Eles podem querer matar a criança.

-Você acha que seriam capazes de tanto?

-Reverendo Joseph seria capaz de qualquer coisa.

-E Marguerite?

-Capaz de qualquer coisa para agradá-lo.

-Pobre criança. Se tivesse algo que a gente pudesse fazer…

– Você não pode voltar lá, seria loucura. Mas talvez eu possa, quando a criança nascer.

Aeleen lhe olhou um pouco surpresa. Lizzie tinha um brilho sincero e determinado nos olhos.

-O que você está pretendendo?

-Não sei. Mas eu não posso deixar essa criança inocente morrer. Eu não vou deixar o reverendo fazer isso.

Aeleen podia saber que a morena estava falando mortalmente sério. Seus olhos não a deixavam mentir.

Algumas semanas mais tarde.

As duas jovens vinham correndo loucamente da praia em direção a cabana de John Mabe.Ambas tinham presas a seus corpos bolsas de palha com mariscos dentro, que seriam o jantar dessa noite. A areia densa tornava a corrida muito mais cansativa, e talvez por seu menor peso, Aeleen tomava a dianteira, contudo nos metros finais, pouco antes de sair da área arenosa, Lizzie se jogou agarrando a loira pelo tornozelo e ambas foram ao chão, rolando na areia e rindo de maneira descontraída. Permaneceram deitadas na areia até as risadas cessarem e as primeiras estrelas começarem a timidamente aparecer no céu.

-Olha, parece uma concha. – disse Aeleen apontando para uma constelação que já brilhava no céu limpo de Salem.

-Não seja boba – revidou Lizzie, rindo e abaixando a mão da loira e segurando-a contra a areia– é uma ursa. E você não deveria apontar para as estrelas. Vão crescer verrugas enormes no seu dedo.

Aeleen tentou responder em meio ao riso – Eu não sei o que é mais absurdo, a história da verruga ou você enxergar uma Ursa ali.

-É a constelação da Ursa Maior, sua branquela cética. – Riu Lizzie balançando a cabeça.

Ficaram em silêncio durante alguns minutos apenas contemplando os céus em completa paz, sem perceber que na areia, suas mãos continuavam juntas.

-Obrigada – disse Aeleen.

-Por?

-Ter me salvado. Quando eu estava naquela praça com a corda no meu pescoço, não era o medo da morte que me incomodava, mas sim os olhares daquelas pessoas que achavam que eu era má, ou daquelas que sabiam que eu não era, e mesmo assim não fizeram nada a respeito. Pra mim não fazia muita diferença morrer. Eu me sentia sozinha no mundo, depois que Pavati partiu. Mas agora olhando para esse céu e escutando o mar aqui tão perto, e sentindo essa brisa, eu percebi algo que havia esquecido. Que eu gosto da minha vida. E eu sei que ninguém mais nessa cidade teria feito por mim o que você fez, arriscado a vida pra me salvar, e ainda ter me abrigado.

-Não há motivo para agradecer, Aeleen. Salvar-lhe era a coisa certa a ser feito, e eu…eu e o tio John gostamos da sua companhia. Graças a você ele está andando tão melhor agora e essa cabana parece ter mais vida.

-Mas eu lhe disse que era uma condição temporária. Eu tenho de achar outro lugar para ficar.

-Não! Digo… Não é seguro. Você não pode sair por aí sozinha.

-Já se passaram quase dois meses…Talvez eles tenham desistido de mim.

-Eles não desistiram. Ontem mesmo, uma jovem que devia ter quase sua idade foi executada. Há uma semana um pobre velho que se recusou a testemunhar foi esmagado até a morte entre duas pedras. Eles estão procurando culpados para as coisas mais ridículas, acusando um monte de gente de envolvimento com o demônio. Você não entende? O plano do Reverendo é que o bispo lhe conceda a autoridade sobre a cidade, tirando isso do cargo do magistrado. Pra conseguir isso, ele tem que convencer a diocese de que só a ordem religiosa restauraria a fé em Salem. Aquele homem é tão ganancioso que eu não duvido que ele seria capaz de executar a própria Marguerite. Quanto mais o bebê.

Aeleen lhe olhou horrorizada. Não tinha certeza se acreditava que a ambição de alguém pudesse chegar a tanto. Mas também havia muitas coisas nas quais ela estava aprendendo a acreditar.

-Não posso depender de vocês para sempre.  – Disse a loira – Você está assumindo riscos por minha causa e eu não quero perder a sensação de poder viver sem me preocupar.

-Mas você não tem que partir. Você não sabe o quanto… o quanto meu tio e eu apreciamos a sua companhia?

-Eu sei Lizzie… Mas…eu não posso esperar que alguém venha em minha defesa sempre.

-Você tem razão, você não pode. Então eu lhe ensinarei a se defender.

Aeleen lhe olhou incerta de o quão sério a outra mulher falava.

-Na tribo, os guerreiros eram os responsáveis pela proteção das mulheres e das crianças. Quando minha mãe e meu tio saíram de lá, eles perderam essa proteção. Então enquanto eu crescia, meu tio sempre dizia que eu devia aprender a me defender, porque não havia guerreiros para me defender e ele não viveria para sempre. Eu odiava quando ele me fazia treinar com um cajado, tentando acertá-lo até minhas mãos fazerem calo, e quando os músculos do meu braço doíam por ficar puxando a corda do arco durante horas, ou quando meu braço parecia querer cair de tanta dor, após jogar a lança mais de cinqüenta vezes, mas hoje eu vejo que isso era necessário. Eu posso não ser tão forte quanto um guerreiro da tribo, mas eu nunca vou deixar alguém me subjugar sem lutar. E eu não vou aceitar que eles façam isso com você, se eu puder fazer algo.

Aeleen sorriu de modo afetado, sentindo algo dentro de si que não sabia explicar. Seu círculo de relações sociais durante toda sua vida tinha sido restrito à seus pais, sua avó e Pavati. Jamais tinha provado a sensação de ter uma amiga, alguém com quem se importava e que se importava com ela, sem necessariamente haver uma ligação familiar entre ambas. Sem pensar duas vezes, abraçou Lizzie com força. A morena foi pega de surpresa, e mesmo meio desconcertada de início, retribuiu o abraço sentindo nele uma sensação de aconchego que não se lembrava de ter provado.

-Eu não tenho certeza se eu conseguiria Lizzie. Você pode me ensinar a técnica e eu posso ganhar força, mas acho que muito da luta está aqui – disse apontando para a cabeça.

-Não estou dizendo para você sair matando alguém Aeleen. Só quero te ensinar a ter uma chance de se defender.

-Parece que seu tio lhe ensinou bem.

-Sim, ele me ensinou tudo que sabia.

-A usar uma espada também? – perguntou Aeleen rindo, sabendo que isso não seria típico de um nativo.

-Não, eu comprei a espada de um comerciante na cidade a aprendi sozinha. Mas você não precisa usar algo tão letal. Lutar não se trata de matar… Não acho que seja pra isso que algum poder superior nos deu força, embora às vezes seja essa a única saída.

Os dias quentes de verão passavam rapidamente…

            Diariamente Elizabeth ensinava algum golpe novo, ou o uso de alguma arma para Aeleen. Elas acordavam cedo e passavam boa parte das manhãs praticando com lanças, arcos ou cajados, entre um grito e outro de John que viviam lembrando Lizzie de “pegar leve com a menina”. Se aquilo não tivesse m propósito tão tenso, Aeleen poderia dizer que tudo era muito divertido. Depois de uma semana,  seus reflexos estavam muito mais rápidos, e depois de duas ela já conseguia fazer Lizzie suar um bocado para evitar sair na desvantagem. Seus braços estavam consideravelmente mais fortes e firmes, e ela começou realmente a acreditar nisso quando o saco de feno que Lizzie segurava para ela socar e chutar arrebentou-se depois de um último golpe.

Mas não era apenas na força da jovem loira que haviam ocorrido mudanças. Seu longo cabelo já não mais existia. Como havia planejado, abriu mão das madeixas com a intenção de mudar a aparência e quem sabe consegui um pouco mais de liberdade. Havia ido à cidade com Lizzie por duas vezes, ambas evidentemente disfarçadas. A visita ao centro comercial de Salem lhe rendera algumas boas pechinchas com um mascate vendedor de tecidos. Havia comprado algum material com o qual preparou algumas roupas mais adequadas para a luta para, já que vestidos longos tornavam a tarefa mais difícil.

Numa manhã do fim do verão Aeleen tinha acordado bastante cedo e descido até a praia para se sentar na areia e observar o sol nascendo. Uma brisa leve agitava todo seu cabelo, arrepiando-o mais do que o usual.

-Eu tenho um presente para você – a jovem foi surpreendida pela voz de Lizzie.

-Você me assustou.

-Poderia ter me derrubado. E te disse o que fazer quando alguém chega sorrateiramente até você, não disse?

– “Faça algo inesperado”, eu sei.

Lizzie tirou de trás de si um arco e uma aljava cheia de flechas, entregando os objetos para a outra garota. Aeleen lhe olhou confusa. Já tinham treinado com um dos arcos de John antes, por que Elizabeth desceria até a praia com um?

-São seus.

-Mas…Eu…Lizzie!

-Não gostou? – perguntou preocupada – eu o terminei ontem à noite…achei que você fosse gostar de ter uma arma “sua”.

Aeleen se levantou a abraçou Lizzie com força, sorrindo.

-Obrigada! Claro que eu gostei – disse recebendo o presente nas mãos. – Obrigada de verdade, Lizzie.

-A gente pode praticar mais tarde.

Ambas se sentaram na areia.

-Você sabe que lhe agradeço muito pelo que tem feito por mim, não sabe? – disse a loira enquanto seus olhos estavam fixos no mar. O olhar da morena que também mirava o mar se desviou para o rosto de Aeleen.

-Você é uma pessoa de bem Aeleen. Uma peça rara num conjunto corrompido.

-Não são todos corrompidos, Lizzie. Há pessoas boas na cidade. Não são todos sádicos com sede de enforcamentos.

– Eu sei. Mas ainda assim são a minoria. É como se o que Joseph diz fosse uma espécie de erva daninha que cresce e se enraíza nas pessoas. Tantos lá são capazes de seguir cegamente o que ele diz. São poucas as pessoas que têm uma cabeça forte como você para discernir o correto do cruel.

-Talvez eu seja apenas uma peça sem encaixe. – Riu ironicamente.

-Então eu também sou uma peça sem encaixe.

-Isso não é verdade. Apesar de tudo você pertence a um grupo bem menos cruel que os discípulos beatos do reverendo.

-Em parte sim, apesar de tudo. Mas isso era por causa da minha mãe. Talvez eu tenha uma semente ruim dentro de mim, vinda do lado paterno.

-Ruim, você? Que tipo de pessoa ruim salva alguém de um enforcamento, lhe dá abrigo, condições de se defender, e se apieda de um pretenso assassino só para dar a chance de uma criança crescer conhecendo um pai?

Elizabeth virou o rosto para o lado oposto, soltando o ar que havia prendido até então. Seu maxilar estava tenso, e a loira podia notar isso pelo seu perfil. Uma rajada de vento bateu, fazendo com que os cabelos pretos esvoaçassem surrando-lhe de leve o rosto e escondendo o pouco de sua expressão que podia ser visto.

-E se eu não for somente a pessoa que você acha que sou? E se tiverem fatos na minha vida que não fazem de mim a pessoa boa que você acha que eu sou? E se eu tiver defeitos que talvez até eu mesma desconheça?

-Então eu vou te amar do mesmo jeito, porque você é minha amiga. E quando a gente ama uma pessoa, não o faz somente pelas qualidades, mas pelos defeitos também, porque eles também são parte do que a pessoa é como um todo.

Elizabeth balançou a cabeça e afundou o rosto em seus joelhos dobrados. Pela primeira vez na vida sentia que tinha alguém ao seu lado além de seu tio. E o medo de perder isso era avassalador demais. Mas havia coisas que Aeleen não sabia, coisas que ela precisava saber para que conhecesse quem ela realmente era.

Aeleen a abraçou e encostou o rosto nas costas de Lizzie que estava abraça aos próprios joelhos. – Talvez haja algo reprovável em você que eu não conheça ainda, mas esse algo não vai fazer eu perder o respeito e admiração que eu sinto pela Elizabeth que eu conheço. O ser humano está longe de ser perfeito. Talvez haja coisas em mim que você desconheça e que talvez você não gostasse de saber – suspirou Aeleen – Todo mundo tem algumas sombras guardadas.

-Você não vai me deixar se souber que eu não sou exatamente a pessoa que você acha que sou? – Lizzie levantou a cabeça, olhando a amiga receosa.

-Você é a minha melhor e única amiga. Você e John são as únicas pessoas com quem eu tenho uma ligação nessa vida. Sim, eu lhe disse que pretendo retomar minha vida, talvez voltar pra minha casa, mas isso não significa que eu vá sair da vida de vocês. Ou pelo menos eu espero que isso não ocorra… Porque se ocorresse… Eu não sei se eu conseguiria.

-Eu nunca lhe disse meu nome completo. – disse a morena amargamente.

-O que há pois em um nome? – sussurrou Aeleen com o traço de um leve riso, mantendo seus olhos fixos no mar.

-Meu nome é Elizabeth Mabe Stokes.

O olhar da loira, confuso, voltou-se rapidamente para a sua interlocutora.

            – Joseph e Marguerite Stokes são meus meios irmãos – continuou a morena – por parte de pai. O pai deles… O nosso pai… Abandonou a esposa e os dois filhos para viver com minha mãe. A casa onde moramos agora foi construída por ele e pelo tio John. Ele e minha mãe moraram juntos por algum tempo, eu tinha poucos meses na época. Mas a esposa dele mandou um assassino contratado, e ele foi morto por vingança. Meu tio costumava dizer que minha mãe morreu de tristeza por causa disso…

Aeleen olhava para os olhos azuis e cabelos escuros de Elizabeth. Era evidente. A cor era a mesma dos olhos de Marguerite e Joseph, embora os olhos dos dois expressassem sempre frieza e ódio, e os de Elizabeth mostrassem na maioria das vezes uma expressão de calor humano e conforto.

            -Então você nunca o conheceu? – perguntou a loira.

-Não. Não cabe a mim julgar um homem que nunca conheci, embora eu não ache certo o que ele fez. Mas eu olho para Joseph e para Marguerite, e meu coração se enche de desgosto e de medo de ser como eles. E se meu sangue for ruim? E se eu me tornar alguém com a mesma ganância deles? – o tom de voz de Elizabeth era sofrido e amargo.

– Lizzie… – Aeleen tirou uma mecha de cabelo que insistia em cair nos olhos da morena. Com o gesto acariciou seu rosto, e inclinou levemente o maxilar da amiga fazendo com que ela lhe olhasse – Eu acredito em você. Acredito na bondade que você tem como parte de você. Você provou tantas vezes que é diferente deles. Não é o sangue que faz o caráter de uma pessoa, Lizzie.

-E você consegue suportar a idéia de que eu tenho o mesmo sangue das pessoas que tentaram te matar?

-Você me salvou. Isso diz tudo. Me salvou de tantas formas…

Aeleen viu uma lágrima escorrendo pela bochecha da morena e puxou seu rosto, enxugando a lágrima e encostando sua testa na da amiga.

-Como alguém criada pelo generoso John Mabe pode ser uma má pessoa? Como a responsável por eu ainda estar viva pode ser uma má pessoa? Isso não faria nenhum sentido. E para eliminar qualquer dúvida, porque Pavati apareceria em sonho para você, se você não fosse uma heroína em sua essência?

Lizzie suspirou soltando o ar com alívio, como se seu peito estivesse mais leve agora. Abriu os olhos que ainda ardiam levemente e seus lábios tremularam com a incerteza que sentia. Aeleen lhe retribuiu o olhar e aproximou mais seu rosto até que seus lábios se tocassem. Segurou então o rosto de Elizabeth com ambas as mãos e deixou-se abraçar pelos braços firmes da morena enquanto uma enchente de emoções novas atingia todo seu ser numa espécie de turbilhão confuso.

Uma forte rajada de vento bateu, fazendo os cabelos de ambas se esvoaçarem, mas isso não impediu que ambas continuassem abraçadas e muito menos quebrou o contato dos lábios que agora se exploravam. Não era um beijo envolto em sentimentos de volúpia ou paixão. O que sentiam era sereno, era como uma sensação família de voltar para a casa. Era a tentativa mais desesperada de mostrar que não importavam laços sanguíneos, não importavam acusações, não importava o clero ou o magistrado ou qualquer conexão do passado. O que tinha real importância agora eram os laços que tinham se estabelecido nos últimos meses entre aquelas duas pessoas.

Um monte de flechas cravadas …

            … No tronco de uma árvore era o resultado de uma tarde de prática. A aljava estava vazia, e os círculos, desenhados com alguma tintura qualquer mostravam um progresso significativo na habilidade da portadora daquele arco. Uma última flecha agora fazia o cordão do arco se distender, e os olhos verdes focados olhavam para o alvo com uma determinação homérica. A mão soltou o cordão e a flecha voou acertando o círculo central do tronco.

            -Muito bom – disse Lizzie.

            -Muito bom? Só muito bom? Isso é incrível. Eu não me considerava capaz nem se fazer uma flecha voar, muito menos acertá-la em algo.

            -Mas flechas são para ataques distantes.

Aeleen girou os olhos entendendo o que aquilo significava.

            -E se alguém te atacar corpo a corpo? Assim? – disse Lizzie abraçando a loira por trás e prendendo seus braços junto ao corpo. Aeleen puxou o braço esquerdo para frente e o girou simulando uma cotovelada no ombro de Elizabeth. Passou então a perna esquerda por trás da perna da sua atacante e puxou o outro lado do corpo soltando e lhe dando o impulso necessário para executar a rasteira. Elizabeth foi de costas ao chão macio coberto pela relva.

            -Hey, você deixou eu fazer iss…Ai!

Caída ao chão a morena prendeu as pernas de Aeleen entre as suas fazendo-a perder o equilíbrio e cair junto na relva. Girou então o corpo passando o braço por cima de Aleen e ficando por cima, prendendo-a contra o chão.

            -O que dizia? – perguntou com um sorrisinho cínico.

            -Que eu não vou baixar a guarda depois de conseguir um golpe certo – resmungou Aeleen.

            Lizzie riu e deu um rápido beijo na loira, levantando-se e estendendo a mão para ajudá-la.

            -Sabe qual é meu medo…- disse – eu posso até aprender a lutar, a atirar, flechas…, mas eu não sei se estou pronta para realmente brigar. Pode haver um momento em que eu vou ter que escolher entre minha vida e a vida de outra pessoa… e se eu hesitar por um segundo…

-Ninguém nunca está pronto. E eu espero de verdade que você não precise estar pronta para isso. Mas quando se trata de se defender de uma maneira justa, ou defender alguém que a gente ama, o coração diz o momento certo. O instinto. Não pense que para mim, tirar uma vida é algo simples, somente porque eu derrotei os homens de Wilhelm no bosque, naquela vez. Mas eu tinha que escolher entre as nossas vidas, e as vidas deles… e as vezes a gente só tem uma escolha. Você melhora a cada dia Aeleen. Pode não achar isso, mas eu não deixei você me derrubar. Você realmente tem força para isso.

A loira ponderou por alguns segundos e então com um sorriso zombeteiro perguntou:

-Tenho?

-Totalmente.  – Disse a morena, se referindo a tantos sentidos diferentes.

-Também tenho um presente para você. – Mudou de assunto. – Mas antes de lhe entregar recomendo fortemente que a gente dê um mergulho. Você está suada e cheia de areia e relva.

-Ah é, e você não?

Ambas riram e saíram numa corrida em direção ao riacho, sem se preocupar com mais nada.

De longe, sentado debaixo de uma árvore, John observava o quadro, pensativo e desconfiado sobre o rumo que muitas coisas tomariam dali pra frente

Um lampião rudimentar iluminava aquele pequeno quarto…

Elizabeth tinha as sobrancelhas erguidas em surpresa enquanto Aeleen segurava diante dela uma peça de roupa clara.

-Um vestido? – perguntou a morena.

-É, eu… – balbuciou Aeleen-… eu queria te dar algo como presente…por tudo que você tem feito por mim. Mas eu não sabia o que. Eu entendo se você não quiser usá-lo, não é prático para lutar, ou caçar, eu sei, mas…

-A última vez que eu usei algo assim devia ser quando eu tinha uns 4 ou 5 anos – riu Lizzie – Você sabe que não é o tipo de roupa com o qual estou habituada, mas acho que é disso que se trata, de hábito.

Minutos depois Elizabeth colocou o vestido e saiu para o ambiente mais iluminado da cozinha da cabana.

John que estava sentado perto do fogão de pedras ergueu uma sobrancelha surpreso.

-Bom… Isso é algo incomum. – comentou.

Elizabeth lhe olhou rolando os olhos e em seguida olhou para Aeleen. Era um vestido simples, de uma tonalidade clara, batia pouco abaixo dos joelhos e tinha alças largas, mas não era fechado ao extremo como a maioria das roupas da cidade. Ele deixava evidente as curvas que as roupas usuais de Lizzie escondiam, e lhe davam uma aparência mais leve. O tecido claro em contraste com seu cabelo preto tornava a visão algo muito bonito

-Você está linda – disse Aeleen sorrindo sem conseguir parar de olhar.

-É mais confortável do que eu pensei. Obrigada, eu realmente gostei, Aeleen.

-É, mesmo com minha idade algumas coisas ainda me surpreendem – disse John, arrancando uma risada de Aeleen e um olhar indignado de sua sobrinha.