I am the soft stars that shine at night.

            No entardecer do dia seguinte uma pira funerária foi feita na praia onde seria cremado o corpo de Marguerite. Somente Elizabeth, com o bebê no colo, Aeleen e John estavam presentes, este último recitando um canto fúnebre típico da tribo, enquanto se apoiava numa espécie de cajado por causa das dores que ainda sentia.

            -Por que ela fez aquilo? – perguntou a loira, não como quem esperava realmente uma resposta, mas como uma forma de externar o que sua mente carregava agora. – Por que ela, que tanto me odiava?

            Elizabeth colocou a mão livre no ombro da loira em sinal de conforto.

            -Ela não era mais a víbora que te acusou. Aquela era apenas uma mãe desesperada e de cabeça confusa. Confusa por suas crenças, confusa pela violência psicológica que vinha sofrendo por parte de Joseph e por tantas coisas mais.  Eu disse a ela que você só estava ajudando a salvar o filho dela, e ela não me ouviu quando eu disse que você poderia se cuidar sozinha. A fé cega no irmão fez com que achasse que poderia impedi-lo de te atacar.

            -Lizzie, eu não queria que isso tivesse acontecido, se eu tivesse previsto que ela faria…, mas ela entrou na frente da minha barreira e … Não foi o suficiente pra salvá-la.

            -Em nenhum momento eu pensei que você deixou de salvá-la, Aeleen. Eu entendi o que aconteceu. Pelo menos assim ela será livre. Eu sempre duvidei que ela fosse capaz de amar alguém, mas eu tenho certeza que apesar de não estar completamente sã da cabeça, ela amou o filho. Ainda ama.

            As cinzas de Marguerite foram depositadas ao tronco de um imenso carvalho no bosque, ao lado do qual uma rocha com os seguintes dizeres foi deixada:

A Hopi Prayer[1]

Prece Hopi

Do not stand at my grave and weep
Não chore sobre meu túmulo
I am not there.I do not sleep.
Não estou lá. Não estou dormindo
I am a thousand winds that blow.
Eu sou mil ventos que sopram
I am the diamond glints on snow.
Eu sou o brilho de um diamante na neve
I am the sunlight on ripened grain.
Eu sou a luz do sol sobre o grão maduro
I am the gentle autumn rain.
Eu sou a chuva suave de outono
When you awaken in the morning’s hush
Quando você acorda na agitação da manhã
I am the swift uplifting rush
Eu sou o farfalhar agitado
Of quiet white doves in circled flight.
De pombas brancas em seu vôo
I am the soft stars that shine at night.
Eu sou as estrelas suaves que brilham à noite.
Do not stand at my grave and cry;
Não chore sobre meu túmulo
I am not there,I did not die.
Pois não estou lá, eu não parti.

            Recomeço

            Quase seis anos se passaram desde os meses de terror que Salem viveu. A paz agora estava restaurada no pequeno povoado, onde as coisas voltaram ao seu natural, com o clero cuidando da fé e o magistrado da lei, tal qual deveria ser. Perseguições religiosas foram banidas, e agora um velho mascate dizia para todos os seus clientes, que ele, um “tremedor” havia presenciado o dia em que Salem tremeu sob as mãos da filha do vento.

            Com a morte do velho xamã da aldeia Hopi, dois anos antes, John Mabe sendo descendente direto do velho homem, foi chamado para assumir o posto de líder. A tribo vinha sofrendo com perdas de seus membros que eram mortos pelo homem branco ou que acabavam contraindo doenças vindas da Europa e vinham a morrer.  Aqueles jovens nativos precisavam de alguém que lhes norteasse, e John Mabe aceitou sua missão retornando ao lar da sua juventude.

            Periodicamente Aeleen e Elizabeth visitavam a aldeia levando aos índios remédios que aliviavam machucados e até salvavam vidas e pouco a pouco Lizzie aprendia um pouco mais sobre a história de sua família. E mais do que isso, isso dava a chance de o pequeno Adam crescer em contato com a natureza, e não perto da ganância de algumas pessoas da cidade. O menino que agora estava com seis anos morava com Elizabeth e Aeleen na casa que outrora John também habitava e era criado como filho das duas, nada sabendo sobre as tiranias que sua mãe biológica um dia cometera, mas apenas que ela o amava tanto que deu sua vida para protegê-lo.

            Durante alguns dias Adam ficava na aldeia com John, onde aprendia coisas do dia-dia como pesca e caça e brincava com as crianças da idade dele, aprendendo que apesar de todas as diferenças de raça ali presentes, eles eram irmãos por serem filhos da natureza, do Criador e de Ina Maka, a mãe terra.

            Naquela manhã de verão o clima estava agradável, Adam havia passado a noite na aldeia e ambas as mulheres acabaram dormindo até mais tarde do que usual. As duas estavam deitadas de bruços numa cama grande, Elizabeth com um braço sobre as costas nuas de Aeleen, e uma pele leve cobria o resto do corpo de ambas. Uma corrente de vento entrou pela janela lhes acariciando a pele exposta, o que fez Aeleen se arrepiar e aconchegar-se melhor nos braços de Lizzie.

            -Seu vento está lhe incomodando? – riu Lizzie de maneira abafada.

A loira ergueu a mão no ar preguiçosamente e a agitou levemente. Uma corrente de vento passou e fechou as abas da janela.

-Não mais.

Lizzie se desvirou, ficando deitada de costas, mas Aeleen ainda estava aninhada em seus braços enquanto ela acariciava levemente a nuca da loira.

-Eu te amo Aeleen, nunca esqueça disso.

-Eu te amo, Lizzie. Você é toda a minha força.

[1] “HOPI PRAYER of The Soul’s Graduation”, autoria desconhecida.