Segunda Parte

-Bem-vinda a meu humilde lar. – Xênia disse enquanto fazia um gesto a Gabriela convidando-a a entrar em seu apartamento.

-Que lindo! Gostei, Xênia. – Gabriela observava atentamente cada canto que sua vista podia ver.

-Você gosta? Na verdade não é grande coisa. – Xênia disse levantando a sombracelha.

-É seu lar, seu, eu não tenho nada. – Dizia Gabriela agitando as mãos.

-Bem, na verdade não é meu, foi um presente de meu queridíssimo pai, o velho tem dinheiro, é sua forma de limpar sua consciência, mas a senhora tem seu lar com sua bem constituída família. Ele passou para mim, na verdade está em meu nome, mas estou juntando dinheiro para comprá-lo, não quero nada de graça.

-Quanto tempo não vê seu pai, Xênia? – A morena meditou um pouco antes de responder.

-Não me lembro quantos anos, não sei, não me interessa ter contato com esse senhor. – Xênia deixou a sala e voltou um minuto depois com um copo de coca-cola e a deu para Gabriela.

-Obrigada, ui e com três gelos! Você se lembrou de como gosto? – A loira disse com um sorriso no rosto, seus olhos verdes brilhavam de felicidade quando via qualquer pequeno detalhe da parte de Xênia.

-Claro que me lembro…o que pensa? Que não prestava atenção ou algo assim? – A jovem loira encolheu os ombros. – Gabriela olhe-me TE AMO, tudo o que você gosta e tudo o que me diz é importante para mim…- Gabriela só ficou vendo esses lindos olhos azuis, enquanto não podia apagar o sorriso de seu rosto.

-Eu também te amo…- Sustentaram o olhar.

-Bem, se nós não agirmos agora mesmo, jamais chegaremos a comer.

-Se nós não agirmos? Disse, nós?

-Isso parece que foi eu quem disse?

-Eu que pensei que eu era a convidada, os convidados se servem, sabe? Você cozinha sozinha.

-Disse que eu terei que fazer tudo sozinha?

-Exato, você sozinha. – Disse a jovem loira apontando para Xênia um dedo.

-O que eu poderia fazer para lhe convencer a me ajudar ainda que fosse só um pouquinho? – Xênia estava lhe dedicando a melhor cara de cordeiro degolado que lhe era possível mostrar. Gabriela girou os olhos ao teto com sua já conhecida expressão pensativa para Xênia.

-Deixe-me entrar em seu quarto e registrar tudo o que eu quiser. – Disse com um sorriso travesso.

-Vou cozinhar sozinha. – Xênia se colocou séria, deu meia volta e se dirigiu a cozinha.

-Xênia! Aborrece-lhe tanto que eu veja seu quarto?

-Não foi isso que você disse. Você disse registrar tudo o que quisesse, não só olhar ao redor. – Xênia surgiu da cozinha elevando uma sombracelha.

-Bem, então só me deixa ver seu quarto? Com isso me conformo, posso? – Xênia pareceu meditar um segundo.

-Pode…

Xênia fez um gesto a jovem de olhos verdes para que a seguisse, a morena abriu a porta e deixou que Gabriela entrasse no interior, esta quase não piscava olhando tudo ao redor. Era um quarto de tamanho médio, as paredes pintadas de cor azul claro como o resto do apartamento, a cama coberta com um cobertor negro, um tapete cinza, um televisor, um closet e um computador.

-Tem um computador! Tem Internet, verdade?

-Não, não tenho. – Disse Xênia encolhendo os ombros.

-Quê??? Tem um computador e não tem Internet? Então? Para que demônios lhe serve?

-Para nada, eu ganhei em uma rifa, tenho sorte em jogos, já sabe o que dizem “sorte no jogo azar no amor” assim era eu. Suponho que agora nunca mais voltarei a ganhar nada…

Gabriela a ficou olhando, eram inevitáveis as caras de amor e de ternura que refletiam seus rostos ao se olharem.

-É brincadeira, sim eu o uso, mas a Internet é só para enviar e-mails importantes e essas coisas, não para andar por ai chateando ou vendo páginas pornográficas, e é por linha telefônica e pago pelo que navego, “o típico eslogan”.

-Hey! Eu uso Internet e não ando vendo páginas pornográficas. – Xênia sorriu enquanto via o dedo de Gabriela agitando-se perigosamente perto de seu rosto.

-Por outro lado, tampouco necessito de sorte para os jogos, eu fabrico minha própria sorte, e quanto ao amor nunca a tive e nele sim é que não há forma de fabricar, assim que essa parte sim era certa…

Xênia pensa que tem sorte por causa de mim? Espero não a decepcionar nunca…

-E? O que lhe parece meu quarto?

-Não sei…Falta algo, está meio apagada, faltam cores, algo de brilho.

-Não gosto de cores, eu gosto assim como está. – Disse Xênia encolhendo os ombros.

-Deixe me ver, vem cá. – Gabriela agarrou-lhe a mão e a conduziu para perto da cama.

-Vai me levar para a cama? – disse a morena com um sorrisinho maldoso no rosto.

-Algo assim. – Respondeu Gabriela reproduzindo o mesmo sorriso no rosto.

-Bem, por mim não há problemas, mas pensei que havia dito que…

-Cale-se, não me tente e fique quieta aí.

-Para que merda eu vou ficar aqui parada como uma estúpida? – A morena estava alçando uma sombracelha, enquanto cruzava os braços.

-Bem, Xênia, cada um se pára como quer ou como pode.

-Olha!

-Não se mova, fica aí, agora sim que sim, veja? Aí está o que faltava em seu quarto para dar o brilho. Você…

Xênia se lançou sobre Gabriela e a agarrou pela cintura lhe deu um pequeno beijo e a abraçou forte.

-Linda…Mas eu creio que você daria mais brilho que eu. Vem cá. – A puxou por uma mão e a trouxe para onde ela estava há alguns minutos.

-Parece tão cômoda. Posso? – Gabriela pressionou a palma da mão no colchão.

-Pode, e se quiser até se meter dentro, a mim não aborrece. – Xênia sorria enquanto observava Gabriela esticando-se na cama.

-Mmmm é confortável, creio que vou dormir um pouquinho, depois não preguei um olho toda à noite pensando em você…- Se colocou de lado encolhendo-se enquanto mantinha os olhos fechados e percebia o aroma de Xênia impregnado no cobertor.

-Esteve pensando em mim à noite? – Gabriela sentiu a voz de Xênia próxima. – Abriu os olhos e a viu agachada no chão a seu lado observando-a de perto com as bochechas apoiadas sobre seus braços cruzados sobre a cama.

-Sim, estive pensando em você e no que aconteceu ontem. – Estirou a mão e agarrou na de Xênia para logo voltar a fechar os olhos.

-Eu também, de manhã quando despertei pensei que tinha sido um sonho, mas não…Gabriela voltou a abrir seus olhos verdes ao sentir a mão de Xênia acariciando sua bochecha suavemente.

-Vem aqui. – Gabriela deixou um espaço suficiente para que Xênia se deitasse a seu lado, esta obedeceu em seguida.

-Lembra quando dormimos juntas aquela noite? – A voz da morena se ouvia suave enquanto a olhava ternamente.

-Claro que me lembro, jamais acreditei que você me deixaria me meter em sua cama.

-Pensei que ia morrer com você tão próximo…

-Creio que foi aí quando não pude mais negar o que sentia por você, embora tentasse continuar me fazendo de surda, tonta…

-Te amo Gabriela, não sabe o que me faz sentir…- A mão de Xênia deslizou pelas costas de Gabriela enquanto que a mão desta acariciava o cabelo escuro da morena.

-Nem você sabe o que me faz sentir…- Seus lábios se juntaram, cada vez que se beijavam sentiam que a alma ia neles.

A mão de Xênia viajou até a cintura a jovem loira e seu corpo assustou.

-Que foi? Tem cócegas? – Disse a morena sussurrando próxima a orelha de Gabriela.

-Sim, minhas cócegas, malditas inoportunas.

-Tenta não pensar nelas…

-Acredite Xênia, não é nelas que estou pensando.

Xênia se separou um segundo e a olhou com um pequeno sorriso no rosto, para em seguida voltar a esses lábios que eram impossíveis deixar de beijar. Gabriela virou deixando suas costas descansar sobre a cama, enquanto os lábios de Xênia chegavam a seu pescoço e sentia os beijos úmidos neles. Nem se quer passou por sua cabeça a idéia de fugir, e mesmo que tivesse pensado, sinceramente era impossível, já estava se entregando ao momento, e em sua cabeça isto havia passado para segundo plano.

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-Seu pescoço me encanta, Gabby…Você me encanta inteira.- dizia Xênia entre beijos.

-A mim encanta seus beijos Xênia…- a morena sentiu as mãos de Gabriela acariciando suas costas. Ouch…

-Que foi? Machuquei-lhe? – Xênia a olhou assustada.

-Não se assuste, é que me doeu um pouquinho.

-Sinto muito…

-Não meu amor, não aconteceu nada…

-Disse, meu amor? – Xênia olhou esses lindos olhos verdes observando-a com ternura.

-Sim, isso é o que você é, meu amor…- Xênia sentiu que seu coração não cabia no peito.

-Nunca me disseram isso antes, não com um sentimento real…

-Pois eu lhe direi todas as vezes que quiser, e sempre será com um sentimento real…

-Gabby…- Xênia se aferrou fortemente ao corpo de Gabriela encolhendo-se a seu lado enquanto apoiava a cabeça no estômago desta.

-Xênia…- a morena sentiu a mão da jovem acariciando seu cabelo.

Assim ficaram por quem sabe quantos minutos.

-De quem é este umbiguinho tão bonito enfeitado com um aro? – Xênia levantou seus sorridentes olhos azuis até o rosto de Gabriela.

-Meu. – Gabriela disse com um sorriso quase infantil no rosto.

-Seu? Eu pensei que era meu… – disse a morena com uma expressão de desilusão no rosto, enquanto apoiava seu queixo não estômago de Gabriela.

-Das duas, seu e meu.

-Ah, assim está melhor. Já havia ficado com pena de mim mesma. Se então é meu também posso beijá-lo, não é?

-Não sei, suponho que terá que arriscar beijá-lo. – viu os olhos risonhos de Gabriela afirmando.

-Eu gosto dos riscos. – Xênia aproximou os lábios do estômago de Gabriela e beijou sua superfície suavemente, esta deu um salto enquanto tentava segurar umas risadas.

-Está me fazendo cócega Xênia! – Gabriela ria enquanto tentava se soltar dos braços de Xênia. – Eu não sou de ferro.

-Não, não quero sair daqui, você me disse que era meu também.

-Xênia, por favor, está me matando! – a loira se retorcia enquanto caia em gargalhadas.

-Não quero lhe matar, só lhe dar beijinhos, muac muac muac. – Gabriela pouco a pouco foi se acostumando ao contato até conseguir ignorar as cócegas por completo.

-Eu amo lhe ver assim Xênia. – Xênia sentiu os dedos de Gabriela entrando por seu cabelo.

-Ver-me dando beijinhos no umbigo? –a morena levantou os olhos azuis até os verdes que a olhavam com carinho.

-Não. Assim brincalhona, relaxada, sorrindo.

-É você que me faz ser assim, você é a responsável. – Xênia deixou seu labor de dar beijos e se acomodou junto a Gabriela enquanto a olhava nos olhos e acariciava suavemente sua cintura.

-Te amo…

-Eu também te amo, e também esse umbiguinho seu. – disse a morena passando suavemente seu dedo polegar ao redor e por sobre o piercing.

-Nunca me disse se na verdade se gosta de mim como me vê.

-Não lhe disse? – Xênia olhou para jovem de olhos verdes levantando uma sombracelha enquanto jogava para trás a cabeça. – Tem razão, provavelmente lhe dissesse que era muito sexy poderia lhe assustar.

-Acha que eu sou sexy? – Gabriela perguntou com um ar meio safado.

-Só não vejo sexy esse pirceng, se não fosse por ele seria completa. – Gabriela sorriu.

-Eu também lhe acho sexy, linda, você sabe não é? Sua altura, seus olhos, seu cabelo, essa imponência que tem sua presença, me faz querer estar sempre a seu lado, lhe beijar…Tocar…

-Faça então…- seus lábios voltaram a se juntar, mas nesse momento o estômago de Gabriela intervém.

-Perdão… – a jovem se ruborizou até as raízes do cabelo.

-Esquecemos o almoço! – disse a morena surpreendida. – Pobre da minha menina, e você morta de fome. – Olhou com ternura Gabriela. – Vamos. – Levantou da cama e estendeu a mão para Gabriela.

-Maldito estômago.

-Eu também estou com fome de verdade, que horas são? – Deu uma olhada no relógio. – São seis da tarde e você sem comer nada desde de manhã!

-Na verdade eu nem tomei café hoje…

-Como não tomou café? Gabriela está o dia inteiro sem comer? Está louca?

-É que não pude comer nada pela manhã, tinha o estômago apertado…- baixou o olhar envergonhado.

-Por quê? – os olhos de Xênia se suavizaram.

-Por você…

-Minha menina…

-E você? Comeu muito? – Xênia meditou a resposta.

-Só um café preto, supõe que também tinha o estômago apertado. – Gabriela lhe sorriu ternamente.

-Linda…

-Você que é linda…

-Olha! Quem é essa? – os olhos de Gabriela posaram em uma pequena fotografia que havia sobre a mesinha.

-Quem?

-Essa. – disse a jovem loira com os olhos aborrecidos enquanto apontava a imagem.

-Não é ninguém, é só uma atriz.

-Sim, já vi que é uma atriz, a conheço bastante bem.

-Então para que pergunta?

-Estou querendo que me explique por que razão tem uma fotografia de Liv Tyler ao seu lado da cama.

-Porque admiro seu trabalho como atriz, então me inspira, é isso.

-Primeiro você não é atriz que eu saiba, assim não quero imaginar-me em que demônio lhe inspira, e segundo não acredito que você admire o seu trabalho como atriz, mentirosa. – Gabriela tinha o cenho franzido e agitava o dedo diante do rosto de Xênia sem cessar.

-Está fazendo uma cena de ciúmes por causa de Liv Tyler?

-Ninguém disse que são ciúmes. – a jovem de olhos verdes fez um exagerado descrédito a Xênia.

Que lindos seus ciúmes…

-Para mim parece que sim. Já passaram? – Xênia sorria diante da reação de Gabriela. – Vamos é só um auto-adesivo que me deram quando fui ver um filme, nem se quer me recordava que estava aí, imagina que havia ficado junto com todos os móveis.

-Não, não passaram, não quero que mi…Ou seja, que você tenha fotos de mulheres em seu quarto Xênia, ouviu?

-Mi quê…? – os olhos de Xênia se suavizaram enquanto esperava a resposta.

-Mi nada, e não mude de conversa Xênia, exijo que tira a foto dessa feia agora mesmo.

-Realmente acredita que ela seja feia? – Xênia estava tentando dissimular seu sorriso.

-Não me provoque Xênia, ouviu? Não me provoque…

-Bem, eu não fico sem foto, ou seja, não penso ficar sem nada.

-Ah, não? Então agüente as conseqüências.

-Não, e não me ameace eh.- disse a morena levantando uma sombracelha. – Mas, o que posso oferecer é uma troca.

-De que troca está falando?

-Troco essa foto por uma sua, que lhe parece? – o cenho se desfez em seguida e se converteu em um sorriso.

-Me parece bom…A próxima vez que nos vermos terá minha foto, agora levarei esta adiantada. – dito e feito agarrou a foto rapidamente e a guardou antes que Xênia pudesse fazer alguma tentativa de recuperá-la.

-Bom…O que vai fazer. – Xênia disse pacientemente. – Na realidade não está com ciúmes de Liv Tyler ou está?

-Ciúmes eu? Não me faça ri.

-Bom, então assunto resolvido. – Xênia a beijou na testa, pegou sua mão e a tirou de seu quarto. – Vamos comer algo.

-Xênia se você vai ter uma foto minha, e creia-me a terá sem falta na próxima vez que nos vermos, eu também quero uma sua, a que tirei ainda não mandei revelar, a propósito me deve outras mais, afinal eu me meti na piscina com você.

-Quer uma foto minha? Mmmm é difícil nunca tiro fotos, deixe-me pensar se tenho alguma por ali e se tiver lhe dou.

-Não pense que vou esquecer. Eu não saio este apartamento sem uma foto sua.

-Lhe darei, lhe darei.

-Acha que a Liv Tyler é mais linda que eu? – perguntou com o tom mais casual que foi capaz de reproduzir sua voz.

-Claro que não. Não só acho você mais linda que ela, mas creio que ninguém é mais linda que você.

-Jura? – Gabriela a estava olhando com sua acostumada carinha de ternura.

-Com todo meu coração…

-Pronta? – Xênia surgiu da cozinha.

-Pronta. – Gabriela estava sentada em uma cadeira frente à mesa.

-É só uns talharins, algo simples e rápido, espero que você goste.

-Eu amo massas! Talharins é a minha favorita, traga Xênia, traga que eu lhe ajudo?

-Não! Você é a convidada, eu lhe sirvo.

-Combinamos que se visse seu quarto eu lhe ajudaria, e nem se quer me deixou cozinhar, pelo menos me deixe ajudar a trazer os pratos.

-Está bem, mas eu saí ganhando deixando você ver meu quarto. – Xênia voltou a se perder dentro da cozinha, enquanto Gabriela sorria ao ouvir a última frase.

Não acredito que seja tão terna, sempre soube que no fundo era, mas não tanto…

-Aí está, viu como é fácil? Ah esqueci o vinho. Você quer um pouco, não é? – Xênia a olhava com cara de pergunta.

-Não gosto muito de álcool, mas creio que esta é uma ocasião mais que especial, certo?

-Certo…- Xênia lhe deu um pequeno beijo nos lábios e voltou a se perder pela porta da cozinha, para voltar em poucos segundos com uma garrafa de vinho tinto e duas taças.

-Que lindo! Xênia, ou seja, provei várias vezes sua comida, mas nunca ficou assim tão gostosa, por quê? – Gabriela saboreava enquanto atacava os talharins com seu garfo.

-Uma, porque não me interessava cozinhar para toda aquela gente, e outra porque antes não era feliz.

-E, agora é? – Gabriela a olhava atentamente.

-Como nunca antes. – Respondeu a olhando profundamente.

-Não posso crer como você é terna Xênia, eu amo, é tão doce…

-Não, não sou tanto, só com você. – Gabriela viu um pequeno rubor subindo pelas bochechas da morena de olhos azuis.

-Como quiser.

-Lhe sirvo? – Gabriela aceitou e Xênia encheu sua taça de vinho.

-Brindemos Xênia.

-Por quê?

-Por nós duas, por tudo o lindo que estamos vivendo.

-Saúde por nós duas, então…

-Por nosso amor…

-Por nosso amor…- as taças chocaram-se entre si, e ambas tomaram um grande gole de seu vinho.

-Muito bom.

-Que está fazendo? – disse a morena levantando uma sombracelha.

-Comendo, que mais?

-Gabriela assim não se come talharins, é bem coisa sua, não é verdade?

-Ah, não? Então como se come? – a loira falava com a boca cheia.

-Assim veja, se pega dois ou três fios com um dente do garfo então os leva a beira do prato e os enrola. Viu como é simples? – Xênia fazia a manobra lentamente.

-Assim jamais vou terminar de comer e estou com fome. – disse Gabriela tentando enrolar os talharins no garfo.

-Veja como é fácil. – Xênia levantou da cadeira e se colocou atrás de Gabriela enquanto tomava a mão da jovem na sua. – Isso, se pega dois talharins, os levam aqui e os enrola, viu?

-Acho que entendi, deixe ver se consigo sozinha. – nesse momento uma música chegou aos ouvidos de ambas.

-Que é isso? – disse Xênia levantando uma sombracelha.

-Meu celular, tem uma musiqueta dos Red Hot. – disse Gabriela com um sorriso. – Espera, onde deixei? – disse olhando para todos os lados.

-É bastante barulhento. Ali, olha está ali. – Xênia lhe indicou com a mão.

-Ah, já vi. Que número é esse. Não conheço, deixe ver…Alô?

Xênia a observava com o celular na orelha prestando atenção ao que diziam, a via tão linda fazendo qualquer coisa.

-O que você quer? Estou ocupada_________não_________disse que não. – Gabriela deu uma pequena olhada para Xênia e viu que esta a estava observando atentamente, se afastou um pouco.- Logo_____________não sei_________________não sei já disse_________tchau.

-Quem era?

-Um…Amigo. – disse sentando-se novamente frente a seu prato sem olhar para morena.

-Parece que estão um pouco brigados.

-Não, que idéia!

-Porque não acredito em você? – estava sentindo os olhos de Xênia cravados em seu rosto, de novo teve a sensação de que a morena era capaz de ler sua mente.

-Era Pablo. – disse Gabriela sem olhar para Xênia.

-Ainda lhe liga o imbecil? Que merda ele queria?

-Nada Xênia, só me cumprimentar.

-Lhe cumprimentar? Para mim não pareceu isso. – Gabriela levantou por fim o olhar e viu os olhos furiosos de Xênia.

-Xênia… Eu lhe disse para não me ligar mais, mas ele insiste. Ele irá se aborrecer mais cedo ou mais tarde com as cortadas. Fica calma… – Gabriela colocou sua mão sobre a mão da morena.

-Sinto muito…Passei da conta, não tenho nenhum direito, é que…Ou seja,…

-Está tudo bem Xênia, você tem todo o direito de saber quem me liga ou deixa de me ligar, sobretudo se é alguém com quem eu…

-Melhor não dizer…

-Mas você deve saber, que eu jamais faria algo por suas costas. Você confia em mim?

-Sim, confio, é só que me dá raiva…

-Xênia, eu estou com você agora, e planejo seguir estando, não vamos envenenar nosso sangue por um imbecil que não significa nada para mim, eu te amo, é com você que eu quero estar…- Xênia a olhou com os olhos cheios de emoção.

Como fica linda com ciúmes…

-Eu sei, você é a pessoa mais honesta que eu já conheci em toda minha vida, esqueçamos isso e é melhor continuarmos comendo.

-Sim.

-Bem, empatamos você com ciúmes dessa atriz e eu desse maldito filho da puta. – apertou seu punho de forma tensa.

-Definitivamente você é mais linda que ele Xênia, se lhe interessa saber. – viu a morena sorrindo.

Nunca poderia lhe enganar Xênia, você é a melhor coisa da vida…

-Por que tem que ir tão cedo? – Xênia dizia a Gabriela com cara de desilusão enquanto acariciava sua mão.

-Porque amanhã vou trabalhar, deixei minha tia sozinha por mais de um mês, sinto muito…

-Na verdade eu também tenho algumas coisas para fazer amanhã.

-Que coisas? Olha o que aconteceu com seu trabalho?

-Eu o devolvi. Já que ia embora. – Gabriela baixou a cabeça. – Tenho que encontrar outro lugar agora, embora esteja farta de andar marcando gente na verdade. – Gabriela sorriu. – Vou procurar outro trabalho, me aborreço fazendo o mesmo sempre, isso só fazia porque me veio à oportunidade.

-Mas não pode sair aceitando qualquer oportunidade que lhe oferecem, eu sou da seguinte opinião que se deve fazer o que se gosta somente.

-Mas você sabe que sou mais prática, de toda maneira tenho algumas economias, do dinheiro passagem que não usei. – Gabriela sorriu. – Eu não gasto muito. Além disso, faço algumas traduções de vez em quando, uma outra aula particular de inglês, e as agências me chamam bastante para ser intérprete, enfim.

-Fala inglês? – disse Gabriela surpreendida.

-Yes, I do.

-Por que não me disse?

-Porque ia me fazer falar e eu odeio.

-Odeia? Deve estar brincando, eu apenas sei isso de “that is the window” “this is the pencil” – Xênia sorriu. – Agradeço a Deus que existe Internet e ali se encontra tradução de canções. Onde aprendeu?

-Minha queridíssima mãe, me colocou em um colégio inglês, cheio de riquinhos, pensou que se tivesse uma boa educação compensaria em parte suas ausências, embora jamais tenha visto algum caderno meu. – Xênia encolheu os ombros. – Tirou até a alma do velho, enquanto pôde, a mim nunca me faltou nada material, em fim uma coisa por a outra. – Xênia ficou pensando um momento como que relembrando algo. – Passei maus bocados nessa merda de colégio, obrigada a aprender, mas apesar de tudo serviu para alguma coisa.

-Existe a possibilidade de que algum dia saiba tudo sobre você? Já que cada vez mais sai com coisas novas, que fala inglês, que gosta de desenhar, que gosta de…- uma expressão de desagrado cruzou as feições de Gabriela…- Liv Tyler, que cozinha maravilhosas massas, que é uma pessoa incrivelmente terna…E que.

-E quê…?

-Beija muito bem…

-Eu faço isso?

-Faz…- se beijaram.

-Não mudou de opinião?

-Pelo contrário.

-Fico feliz.

-Vai me traduzir muitas canções? – Xênia girou os olhos.

-Todas que você quiser.

-Me dirá algo em inglês? – Gabriela disse com os olhos suplicantes.

-What do you want me to say?

-Quê?

-O que quer que eu diga?

-Não sei, o que quiser, algo lindo…

Xênia se aproximou do ouvido de Gabriela e sussurrou nele.

-You are the best thing that ever happened to me.

-Quê? Não entendi nada, mas parece lindo uyyy eu amo lhe ouvir falar inglês Xênia o que significa? – Gabriela a olhava com cara de pergunta enquanto que seus olhinhos brilhavam de entusiasmo.

-Descubra você mesma.

-Então escreva.

-Espera vou pegar uma folha. Toma. – Estendeu um pequeno papel depois de escrever uma frase nele.

-Você é ou está…- Gabriela levantou seus olhos sem entender. – Isto me lembra nosso método de conversação ultra-secreto, quanto li o papel que você me deixou naquele dia que você foi embora e que quase morri com o que me fez sentir, meu coração bum bum bum. – os olhos verdes de Gabriela brilharam emocionados, enquanto a jovem tocava o peito. – Xênia sorriu com ternura.

-Não leia agora, procure o significado em sua casa. Está bem?

-Está bem. Então eu já vou.

-Quer dizer que já vamos, porque eu vou lhe levar.

-Não precisa Xênia, não demora nada para chegar em minha casa, eu tomo um ônibus e chego logo.

-Absolutamente não, vamos as duas, fim da discussão.

-Ok, vamos então. – Gabriela sorriu enquanto pegava a mão de Xênia e ambas se dirigiam até a porta.

-Espera, vem aqui, uma vez lá fora não poderei mais lhe tocar. – Gabriela voltou a abraçou a Xênia, enquanto se colocava na ponta dos pés para chegar até seus lábios.

-Do que está sorrindo?

-Lhe vejo terna se levantando assim na ponta de seus pés.

-Hey! Não zombe de mim por eu ser baixa.

-Não estou zombando de você. É que lhe vejo tão terna, na verdade sempre lhe vejo terna. – Xênia inclinou novamente a cabeça e procurou os lábios de Gabriela uma vez mais, quem deixou de resmungar no instante.

Terna mais que terna.

-Lhe vejo amanhã? – Os olhos azuis de Xênia esperavam a resposta expectantes e quase suplicantes.

-A hora do almoço tenho livre e depois só depois das oito da noite.

-À noite então? Vou lhe ligar durante o dia. Posso?

-Pode. Estarei esperando sua ligação. O dia passou voando, queria que não tivesse acabado nunca…

-Eu digo o mesmo. – Xênia colocou a cabeça para fora da janela do carro, mas lembrou que não podiam fazer nada em público. Te amo, não esqueça…

-Te amo…Liga para mim, cuide-se, pense em mim.

-Penso em você cada segundo…Um beijo durma bem. – apenas tocaram suas mãos antes que Gabriela desaparecesse pelo interior de sua casa, Xênia partiu em seu carro, enquanto uma angustia ia crescendo em seu interior.

Gabriela fechou a porta de sua casa e ficou alguns segundos apoiada nela, enquanto o sorriso não desaparecia de seu rosto.

-Que faz aí parada sorrindo como uma boba? – a voz de sua irmã chegou a seus ouvidos.

-Nada irmãzinha, só olhava um pouco o teto, acho que está precisando pintar, não é? – agarrou Catarina pelo ombro enquanto esta tentava encontrar onde demônios faltavam pintura.

-Que é isso?

-Isso o quê? – Gabriela se assustou diante do grito de sua irmã.

-Isso que você tem aí, não me diga que também precisa pintura em você, porque eu sei que a pele não anda trocando de cor assim como assim em certos lugares.

-O que eu tenho? – Catarina agarrou Gabriela pelo braço e a levou ao primeiro espelho que encontrou para que essa pudesse ver.

-Isso! Isso que você tem. – a adolescente agarrou a cara de Gabriela bruscamente a girou um pouco até a direita, tirou o cabelo loiro para um lado e lhe mostrou uma mancha de cor violeta na pele branca de seu pescoço.

-Ai meu Deus. – Gabriela se ruborizou no mesmo instante.

-Ai meu Deus, sim, algo assim você deve ter dito quando lhe fizeram isso. – um sorriso de zombaria enfeitava o rosto de sua irmã menor.

-Que aconteceu? – Gabriela e Catarina se assustaram ao ouvir a voz de seu pai detrás delas.

-Nada! – disseram ambas ao mesmo tempo, enquanto Gabriela levava dissimuladamente a mão ao pescoço como se estivesse esfregando.

-Ah! São vocês. Gabriela, como está sua amiga?

-Minha amiga? Ah, sim, muito bem, sim, perfeitamente bem, passando muito bem.

-Não imagina o quanto…- disse Catarina entre os dentes, em seguida recebeu uma cotovelada de Gabriela.

-Bom, vou dormir. Não vão dar boa noite a sua mãe?

-Não, a menos que ela seja daltônica e não veja os tons violetas. – Gabriela deu uma olhada assassina a Catarina.

-Que disse filhinha?

-Nada paizinho. Eu já vou dar boa noite à mamãe, mas minha irmãzinha aqui presente a pobre está tão cansada depois de seu agitado dia, que já vai para cama. A vi todo o dia. – murmurou a última frase. Recebeu outra cotovelada.

-Então até amanhã meus amores. – o senhor um homem de meia idade, com um físico parecido ao de Catarina, se aproximou da Gabriela e deu um carinhoso abraço e um beijo na testa.

-Até amanhã. – Gabriela saiu correndo para seu quarto.

Xênia! E agora que saco como escondo isso.

Gabriela começou a dar mil voltas enquanto buscava algo para cobrir a mancha violeta que estava acentuada em seu pescoço. Agarrou um frasquinho de base de maquiagem, mas só conseguia ressaltá-la ainda mais. Tentou um curativo, mas ia ser pior já que alguém podia lhe perguntar o que tinha acontecido. Pegou um lenço e enrolou, era morrer de calor ou mostrá-lo com todo o orgulho, decidiu-se pela primeira opção.

-Agora negue, se for capaz, negue, negue. – Catarina entrou subitamente enquanto luzia um grande sorriso.

-Catarina! Que saco até quando vai entrar assim? Fora! – Gabriela disse irritada enquanto ajustava o lenço cuidando de que sua irmã não voltasse a ver a mancha.

-Sairei assim que você admita que esteve com Xênia e que ela fez isso aí. – a adolescente lhe indicou com um dedo apontando para seu pescoço.

-Por que insiste nisso? – Gabriela ligou o computador.

-Porque eu sei, porque sou sua irmã e lhe conheço, eu lhe vi Gabriela, vi na tv como você a olhava, como ela lhe olhava, como você esteve toda a semana que voltou para casa. Olha, os outros podem ainda ter dúvidas, mas eu não. – Gabriela dirigiu seus olhos verdes até os de sua irmã e a viu séria como poucas vezes a havia visto.

-E se eu lhe dissesse que você esta certa, e não querendo dizer que estou confirmando nada, que me diria?

-Que se você é feliz eu sou feliz por você. Olha, eu sei que para você eu sou uma fedelha irritante, e admito, ou seja, já sei que pego suas roupas sem permissão, que sou metida, que entro sem bater, mas algo que aprendi de você foi ter idéias próprias, e não vou lhe julgar porque você está apaixonada por outra mulher, pelo contrário. Bom agora já vou. – Catarina ameaçou sair pela porta.

-Espera Cata.

-Sim?

-É verdade. – Gabriela baixou o olhar, quase se arrependendo de ter lhe dito.

-Viu como não foi difícil admitir irmãzinha? Então você é…?

-Não sei se sou ou não sou, não me interessa analisar minha sexualidade, a única coisa que me importa é que eu quero Xênia e ela me quer, que me sinto bem com ela, me faz sentir coisas que nunca senti com outra pessoa, entende? E não é só físico, é algo interior, ela me enche a alma…

-Irmãzinha…Que profundo. – disse Catarina sorrindo. – Vem cá. – a agarrou e a apertou forte.

-Ai Catarina, não seja tão bruta, como é que você tem tanta força? Mal-educada, chata.

-Deve ser porque você está muito cansada por causa do dia que você teve hoje. – Gabriela viu sua irmã menor sorrindo amplamente.

-Suficiente, pára com isso, não aconteceu nada.

-Como nada? Então por que tem que usar esse lencinho no seu pescoço?

-Antipática, quero dizer, nada mais que isso.

-Vai ter que me apresentar Xênia, viu? Ela é meio famosa e tudo mais.

-Se lhe pedir um autógrafo sou capaz de lhe agarrar pelo pescoço, ouviu? – Gabriela começou a sorrir visivelmente mais relaxada.

-Que autógrafo que nada. Eu quero saber se tem algum irmãozinho para me apresentar, ou seja, que seja assim alto, moreno e de olhos azuis.

-Cata!

-Quê? – disse a adolescente encolhendo os ombros.

-Se alguma vez suceder a remota possibilidade de que você e Xênia estejam no mesmo espaço físico, lhe proíbo, e me escute bem, lhe proíbo que lhe pergunte se tem um irmão, ouviu? – Gabriela agitava um dedo próximo ao rosto de Catarina enquanto a olhava severamente.

-E não é para tanto! Por que isso é tão terrível?

-Nada, só lhe previno disso Catarina, me prometa que jamais vai lhe perguntar isso.

-Prometo, prometo, já que insiste tanto. – a jovem adolescente dizia enquanto olhava sua irmã maior com cara de não entender nada. – E? – um sorriso travesso começou a formar-se em seu rosto enquanto subia e baixava ambas sombracelhas.

-E quê? – Gabriela começou a sorrir diante do cômico gesto de sua irmã.

-Como são os beijos de Xênia? É assim meio agressiva como quando ficava furiosa e agarrava o pescoço de Andrés? Ou é mais terna como quando estavam sós as duas?

-Na verdade… – Gabriela começou a lembrar os momentos que passou com Xênia enquanto um sorriso se formava em seus lábios. -…Ela é assim com… – de repente se deu conta do que estava fazendo. E – Que saco, não tenho que lhe contar nada. Mal-educada, metida vai saindo que eu quero dormir, já contei bastante. – Gabriela pegou sua irmã pelo braço e levou até a porta.

-Mas, Gabriela, irmãzinha do meu coração e da minha alma, não me deixe com a dúvida, anda não seja malvada, estávamos indo tão bem. – Catarina dizia com olhos suplicantes.

-Não! Vá embora, falo sério.

-Só quero saber se Xênia beija bem ou mal. Vou achar que beija mal já que você não quer dizer. Além disso, se não fosse por mim não haveria conhecido ela nunca, pense, se eu não lhe tivesse desafiado você não entraria no reality, nada de Xênia, viu? Mal-agradecida. – se encolheu os ombros e se começou a sair pela porta.

-Bem, ok. Beija incrivelmente bem! Está contente? – empurrou a jovem para fora de seu quarto e fechou a porta no seu nariz.

-Obrigada. – ouviu as risadas de sua irmã do outro lado da porta. – Até amanhã irmãzinha, você está abrandando.

Gabriela se sentou em frente ao computador, enquanto sorria e negava com a cabeça. Buscou o papel em que Xênia havia escrito a frase em inglês, a colocou sobre a mesa e abriu a página de um tradutor, digitou as palavras, e deu enter para traduzir, em seguida obteve a resposta.

“Você é a melhor coisa que me aconteceu”.

*************************************************************************

Xênia estacionou o carro no estacionamento do supermercado. Fechou a porta e saiu do carro com um sorriso extraordinário no rosto. Nunca havia sido uma fanática por compras de nenhum tipo. Mas desta vez era diferente, tudo era diferente agora que tinha alguém a seu lado, alguém a quem amar e que lhe amava também. Pegou um carrinho, olhou a hora em seu relógio de pulso, este marcava 9:00hs da noite em ponto, ainda tinha algum tempo antes que fechassem. Moveu-se com seu acostumado passo firme e seguro até o interior do supermercado apesar de estar exausta. As luzes irritavam um pouco seus olhos a faziam piscar, segurou um bocejo com sua mão.

Gabriela o que você diz quando alguém boceja? Ah, sim, que uma engole um demônio, minha menina…Agora vou ter que espirrar para expulsá-lo, que livros você lerá me pergunto…

Começou a percorrer os corredores, havia uma quantidade de pessoas consideráveis, mas sem chegar a ser uma multidão, o qual Xênia agradeceu. Chegou ao setor de laticínios, deixou cair no carro o quanto necessitava, parou diante dos iogurtes.

Será que gosta de iogurtes? Não, come de manhã e sempre o deixa pela metade.

Aproximou-se das frutas, pegou uva, pêssego, uma melancia. De repente alguém lhe falou.

-Você é aquela da tv, não é? Seu nome é Xênia, não é? Poderia me dar um autógrafo? – Xênia baixou o olhar e um menino de doze anos a estava observando atentamente enquanto lhe estendia um papel e uma caneta com um sorriso pintado no rosto.

-Não menino, você está me confundindo, eu não sou esta.

-Perdão, agora que lhe vejo bem tem razão, você está muito sorridente para ser ela, tchau. – olhou o menino se afastar e seu sorriso se ampliou mais ainda.

Como que muito sorridente? As pessoas me pedindo autógrafos? Isto é ridículo Gabriela vai rir quando lhe contar…

Alguns minutos mais tarde, depois de ter enchido seu carrinho de bebidas, pacotes de arroz, xampus, etc. tudo que necessitava, e depois de perceber os olhares curiosos de várias pessoas, sua paciência começou a chegar a um limite. Tentava encontrar o corredor das guloseimas, mas não o encontrava já que não tinha o costume de visitá-lo.

Aqui está, vejamos, pinguinhos. Onde estão esses pinguinhos? Ah, ali, já estou vendo-os.

Aproximou-se e jogou vários pacotes de cor azul em seu carrinho, enquanto sorria lembrando como Gabriela gostava deles, também um ou outro pacote de biscoitos, e chocolates.

Pronto.

Dirigiu-se aos caixas e viu alguém a observando insistentemente.

-Que merda olha?

-Você. Por quê? – um jovem de dezoito anos não tirava os olhos de cima dela.

-Porque está me irritando. – Disse Xênia entrefechando perigosamente as pálpebras.

-Não se altere, não gostaria que você tivesse um de seus ataques de fúria comigo.

-Então deixe de me encarar e suma.

-Sabe? Ainda não me decidi, ou seja, sapatão você não é, porque não tem essas atitudes, já sabe. – O jovem fez gestos toscos com suas mãos e pernas.

Xênia tentava ignorá-lo.

-Para mim pode ir a merda com suas indecisões, a mim não me interessam.

-Então me diga você. Se você queima ou não o arroz?

Filho da puta.

-Vamos Xênia, não custa nada me tirar essa dúvida que está me matando, é ou não é, é simples, só me diga sim ou não, e de quebra me diga se já comeu a Gabriela.

Sua paciência chegou ao limite e se virou com os olhos enfurecidos, agarrou o jovem pela gola da camisa enquanto o assassinava com o olhar.

-Estou tranqüilamente tentando comprar algo aqui, está vendo? Poderia ter a maldita gentileza de me deixar em paz se não quiser que lhe quebre agora mesmo essa sua estúpida cara e a deixe pior do que ela já está? – o jovem a olhou assustado e saiu correndo do lugar, enquanto olhava para trás.

Assim que eu gosto, nada como uma subida de adrenalina. – pensou sacudindo as mãos.

Claro que isto, não vou contar a ela…Vejamos que mais me falta? Nada, creio que já peguei tudo.

-Vejo você sempre na tv! – as pessoas lhe diziam por ai! – Seus olhos são lindos! – Ouvia do outro lado. – Diga a Gabby que a amo! – Lhe diziam do outro setor.

Tirou o dinheiro para pagar, o caixa, um homem jovem não tirava os olhos de cima dela, enquanto passava um por um dos produtos.

-SSenhorita, meu filho é fanático por você…

-Não vou lhe dar nenhum autógrafo, assim esqueça. – disse Xênia seriamente.

-Está bem, suponho que ficará feliz só por lhe dizer que lhe vi. – Xênia quem já havia perdido todo o rastro de sorriso em seu rosto fez esforços sobre humano para sorrir um pouco ao homem que ao menos havia sido o mais educado de todos.

Chegou com uma expressão de fastidio no rosto até o lugar onde havia deixado seu carro. Ia abrindo a porta, mas sentiu uma presença a seu lado, se virou rapidamente e aí se encontrou com uma jovem a observando atentamente. Xênia viu que suas mãos estavam tremendo tanto que teve medo que ela estivesse tendo um ataque.

-Você está bem? – disse levantando uma sombracelha.

-Ssssim, nnnnão, simmm.

-Sim ou não? –sua voz refletia a pouca paciência que lhe resultava.

-Sim! Olá…Eu meu chamo, eu sou…- a mandíbula de Xênia começou a apertar-se. – Cristina…E eu queria dizer que…

-Escuta eu não tenho tempo, se vai me dizer algo, diga logo.

-Obrigada por tudo que fez por mim, graças a você agora sou capaz de aceitar minha sexualidade sem me sentir culpada por isso, graças a você e a Gabriela aprendi que não é algo mal, mas sim muito lindo.

Xênia ficou a olhando tentando decidir se havia ouvido bem ou mal, definitivamente não era um insulto o que estava recebendo, assim que não correspondiam golpes nem olhadas assassinas neste caso.

-De nada, creio…- a jovem a olhava sorrindo tontamente enquanto praticamente babava.

-Tome isto, é meu número de telefone para se alguma vez quiser…Ou seja, se alguma vez precise…Você sabe…- deu um papel a Xênia. Esta não sabia se pegava ou não.

-Sabe que não vou ligar, não sabe?

-Eu sei, só ficarei feliz que você pegue. – Xênia a olhou um segundo enquanto a jovem se colocava mais e mais nervosa, finalmente aceitou e o pegou. – Obrigada. – a jovem se afastou e cada segundo se voltava e olhava Xênia.

Que merda foi isso?

Finalmente Xênia conseguiu entrar em seu carro depois de jogar as bolsas no assento traseiro. Fechou a porta com força e ia dar partida no carro quando ouviu que lhe gritavam desde longe.

-Te amo Xênia! Você é a melhor. – A jovem disse isto e saiu correndo como uma condenada, enquanto ria e gritava estupidamente.

Esta sim que é louca. Conto ou não para Gabriela?

Gabriela entrou em seu quarto com seu pijama vermelho enquanto escovava os dentes, lançou um olhar em seu celular, não tinha mensagem nem chamadas perdidas. Um gesto de desilusão cruzou seu rosto. Voltou a entrar no banheiro e saiu sem sua escova de dente. Sentou-se frente ao computador que ainda estava ligado. Voltou a ler a tradução da frase que Xênia lhe havia dito em inglês, sorriu, já havia se habituado a essa sensação de mariposas no estômago, sentir que se lhe apertava e que apenas podia respirar quando estava com Xênia ou quando se encontrava com qualquer coisa relacionada a ela.

Escreveu sua contrasenha de seu correio eletrônico, se levantou da cadeira enquanto a página terminava de carregar, e ligou seu som, procurou entre seus cds, mas não se decidia por nenhum, finalmente decidiu pelo rádio e procurou uma emissora radical e sintonizou na primeira em que encontrou. Voltou ao computador e seus olhos verdes passearam pela bandeja de entrada. Tinha cinco mensagens sem ler, três de propaganda e duas de pessoas desconhecidas. Abriu a primeira, era uma mensagem de uma amiga sua que não via a mais de um mês, entre outras coisas lhe perguntava o que todos estavam empenhados em saber ultimamente, embora por algum motivo sempre terminavam respondendo negativamente a pergunta, como se na realidade não esperassem que pudesse ser certo.

Saco…Até quando, seria mais simples se gritasse a todos e pronto, mmm me pergunto se Xênia estará passando o mesmo, não falamos disso hoje…

Respondeu ao e-mail, tentando não dizer nada concreto. Doía-lhe ter a obrigação de dizer que não era verdade. Era difícil, inclusive teve a tentação de deixar entre linhas a verdade, para que assim tirassem suas próprias conclusões e deixassem de a irritar, depois de tudo, isso era o que havia feito todo o tempo.

Na realidade tanto se nos notava…?

Abriu o segundo e-mail, já sabia de quem era e não tinha a menor vontade de saber o que lhe dizia esta pessoa, mas ia abrir, nunca se sabe quando pode ser algo importante, como lhe dando a noticia que ia embora do país ou pelo menos que fosse se mudar de cidade para uma bem longe. O Chile é pequeno, mas bastante largo.

Pablo, nosso namoro se acabou, agora estou com outra pessoa, espero que não me procure mais.

Gabriela.

Aproximou o cursor do botão de enviar, mas se deteve na metade. Que aconteceria se ele insistisse em saber quem era essa pessoa, que ela havia se referido no e-mail. Que aconteceria se ligasse para sua casa e perguntasse com quem ela estava saindo e finalmente seu pais voltassem com o interrogatório e suas tentativas de proibir as coisas. Não queria ter que dar explicações, não queria ter que negar Xênia, não queria ter que tentar fazer com que as pessoas vissem algo que jamais poderiam ver, porque na verdade não estavam sentindo em seu coração. Deletou o e-mail e optou por não responder nada, como havia dito a Xênia antes, cedo ou mais tarde o jovem ia se aborrecer e no voltaria a incomodá-la.

Estava disposta a fechar o correio eletrônico e ir dormir, enquanto esperava ao aviso de apagar, jogou sua cabeça para trás, escutou uma melodia que chegava a seus ouvidos, era uma canção romântica que imediatamente a fez lembrar de Xênia. Era inevitável qualquer coisa a fazia lembrar dela, inclusive as coisas que nada tinham que ver com a jovem. Se via algo azul, seus olhos instantaneamente viam a sua mente, se via algo negro, seu cabelo, qualquer frase a fazia lembrar das conversas que haviam tido, era algo obsessivo.

Observou a fotografia que havia conseguido esse dia, Xênia tão séria como quando recém lhe havia conhecido, no entanto era uma foto linda, ela não estava olhando a câmera, parecia como se nem se quer sabia que estava sendo fotografada, seus olhos azuis entrefechados protegendo-se dos raios solares que claramente se viam caindo sobre seu rosto. Gabriela se perguntou quem havia batido essa foto, sentiu raiva, ciúmes de não ter sido ela quem o tivera feito, ciúmes de não ter estado presente em sua vida nesse momento, de não haver estado desde o começo de seus dias com essa pessoa que agora era mais importante que o ar que respirava, sem exagerar, porque só uma hora que estava separada dela já lhe parecia ser um século, sessenta minutos apenas de não ver esses olhos observando-a e já sentia que lhe custava respirar. Por que havia levado dezenove longos anos para encontrá-la?

Beijou a fotografia, a olhou por um minuto inteiro, por dois, quem sabe por quantos…A guardou com cuidado dentro de um livro, lamentavelmente não podia deixá-la a vista dos intrometidos que chegariam lhe perguntando. Apagou a luz e tentou atrair o sono, mas não conseguia, as imagens do dia passado com Xênia sucediam uma e outra vez, com a mesma força que na noite anterior. Ligou novamente a luz, abriu o livro e voltou a observar a foto.

Gabby deixe de andar nas nuvens. Que pensaria Xênia se soubesse tudo que penso dela…? Será que está pensando em mim?

Nesse momento seu celular tocou. O pegou com seu costumeiro susto, não pela surpresa do som, mas pela possibilidade de que fosse Xênia. E efetivamente era.

“Passei x o supr, v vai rir quando lhe conte, tô chgando em casa, dorme bem, 1 beijo em seu umbiguinho, TA…”

Gabriela sorriu.

Estava pensando em mim…

Esticou a mão e subiu o volume do rádio enquanto começava a cantar. Primeiro devagar para logo fazê-lo a todo pulmão.

Que merda me tem dado ultimamente para ficar cantando?

Subiu a janela do carro, a noite começava a ficar fria, e foi inevitável pensar em com ela estaria muito mais quente se estivesse com Gabriela a seu lado, mas que ia fazer, ambas tinham vidas separadas e não podiam estar todo o tempo juntas, por mais que Xênia gostasse da idéia.

Será que já dormiu?

Chegou à curva aonde o táxi havia lhe atravessado aquele dia, estava perto de seu edifício, sorriu ao recordar aqueles momentos uma vez mais, nem se quer lembrou de seu carro, simplesmente o deixou ali jogado e se não tinha levado uma multa real era simplesmente porque o policial estava fascinado de ter sido parte do encontro de ambas.

E se conta a alguém? Eu diria que ele andava juntando casais do mesmo sexo “em nome da lei”, não vai se atrever.

Saiu do carro e se dirigiu com as mãos carregadas até a entrada de seu edifício, de repente tocou seu celular, rapidamente deixou as bolsas no chão, e começou a ler a mensagem de texto.

“Morro x para sabr q acont no super. Já q signfc su frase…stou snrind…ja sto saudades…TA…”

Xênia sorriu enquanto colocava o telefone de volta em seu bolsinho, mas nesse mesmo momento tocou novamente. Voltou a ler nele.

“Me djou 1 marca no pesco! Advna q…lhproib voltar ai… bem na realidd não lhproib, só tm + cuidad…:p”

Merda lhe deu um chupão? Agora o que vai pensar?

Seu rosto corou levemente.

Que eu amo seu pescoço, isso que vai pensar.

-Xênia…Xênia…Xênia…Tão linda como sempre. Sentiu saudades minhas? – uma bastante conhecida voz chegou a seus ouvidos fazendo-a se assustar, se virou rapidamente.

-Que merda faz aqui? – Carla a estava olhando com seu costumeiro olhar lascivo, enquanto a corria dos pés a cabeça com seus olhos castanhos.

-É essa a forma de saudar a uma amiguinha, Xênia?

-Você não é nenhuma amiguinha, e agora se afaste que quero entrar.

-Acreditaria se lhe dissesse que ia passando por aqui e topei com você sem querer? Sabe como esse mundo é pequeno.

-Está me seguindo?

-Ai Xênia. Acredita que eu tenho paciência para dar uma de detive particular? – apontava a si mesma com um dedo. – Não sabe como é simples fazer um homem cantar quando o tem…Bem você sabe, não quero lhe fazer enrubescer já que ainda se empenha em explorar seu lado santo, como ia lhe dizendo, minha queridíssima Xênia, as pessoas na tv não são exceção.

-Você vai sair daqui e não vai mais voltar. – Xênia se aproximou perigosamente da ruiva, enquanto esta não deixava de sorrir. – Estou sendo clara?

-Não tanto na verdade. Talvez se você se aproximasse um pouquinho mais aqui eu possa ouvir melhor. – Carla lançava gargalhadas de zombaria enquanto continuava do lado de Xênia.

-Maldita…

-Ui Xênia. É assim que me agradece pelo que fiz por você? Eu que vim por minha recompensa. – olhou as unhas enquanto uma de suas mãos descansava em sua cintura.

-Que merda supõe que fez por mim?

-Lhe ajudei com a sua querida loirinha, se não lhe houvesse dito sobre “suas tendências”, – disse a última frase baixando a voz. – esta hora estaria ainda morrendo e sofrendo por ela, que patético…- uma expressão de fastidio cruzou por suas feições.

-Você não me ajudou em nada, sua única e maldita intenção era fazer mal a ela e a mim, agora fora. – Xênia tentou entrar em seu edifício.

-Não tão rápido darling. – Xênia sentiu os dedos de Carla aferrando-se a seu braço. – Está bem admito que o fiz para ferrá-las, mas, ainda assim resultou melhor, isso você não pode negar.

-Que merda quer, Carla?

-O que quero…Que quero, a eterna pergunta. – dizia a ruiva olhando para o céu. – O mesmo de sempre darling, nem mais nem menos. – Carla se aproximou de Xênia cujo rosto estava absolutamente tenso. – E você vai me dar, captas?

-Já me aborreci de ouvir sua maldita voz e ver sua asquerosa presença, vou embora, por mim pode ficar aqui toda à noite esperando por algo que jamais vai obter.

-Não esteja tão segura amorzinho, eu sempre obtenho o que quero, custe o que custar, e você…- a apontou com um dedo – não será a exceção, agora já vou bye – deu meia volta e começou a se afastar do lugar enquanto soprava beijos a Xênia fazendo fastigiosos movimentos com suas mãos e corpo.

Não posso acreditar, quando melhor estou aparece esta maldita filha da puta.