Capítulo 1 – Perspectiva de Gabrielle
por Panda_BardDepois dos eventos ocorridos com Alti, nós nos mudamos para uma casinha numa cidade chamada Westview. No Coração de New Jersey. Moramos lá ao lado da casa do casal Davis. Eles eram sorridentes e carinhosos, e a esposa, Sharon, sempre nos dava dicas sobre coisas como jardinagem, cafés e roupas.
Nós testemunhamos ali coisas que jamais poderiam ser descritas. O pavor que vivemos foi descomunal. Quando tudo acabou e nossas vidas voltaram mais ou menos ao normal, Xena passou a lidar com pesadelos. Pesadelos piores do que acordar achando que a segunda guerra era sua responsabilidade, e coisas piores do que Callisto também…
Em noites como estas, eu sempre lembrava de Sharon falando que uma xícara de chá de camomila a acalmaria.
Nós tínhamos um vasto conhecimento de história da humanidade. Além das nossas próprias histórias. Nossas vívidas memórias nos levavam para uma vida que poderia ter sido construída de muitas formas, mas nos fez ser além do que Gabrielle e Xena do tempo dos Deuses Antigos para sermos Gabrielle e Xena sobreviventes de Wanda. Aquela Pior que Alti.
Wanda Maximoff ficou conhecida como a Praga de Westview e muitos moradores tinham medo de pronunciar seu nome. A única coisa que nós nos lembramos dos tempos do Hex – para além das memórias que Wanda havia colocado em nós — era de Agatha. A bruxa que ousou enfrentar Wanda: A Feiticeira Escarlate.
Nós desafiamos os deuses, Xena matou um punhado deles. Nós lutamos contra Alti. Várias vezes e em várias vidas. Mas não estávamos preparadas para mantermos nossa sanidade em risco com alguém que sequer tínhamos noção da existência. O mundo era imenso e seus deuses, crueis.
Agatha fora condenada em sua luta com Wanda a viver como uma pessoa com outras memórias. Nós compreendemos isso como ninguém. Diferente de Agatha nós vivemos com as memórias de nossas vidas pregressas, no entanto, nós também temos a condenação do peso da história da humanidade sobre nós. Nós convivemos como anjos condenados a observar o progresso sem nele tomar parte. Por isso nós nos convencemos de que viver vidas comuns, em cidades comuns, faria com que pudéssemos sobreviver.
Vimos na televisão certa vez que três pessoas haviam despertado suas memórias de vidas anteriores, mas nós nunca pensamos em encontrar Anne, Mattie e Harry. Nunca pensamos que seria bom pra eles saber sobre nós. Sendo assim, cuidávamos de nossas vidas até notarmos que Agatha começou a apresentar um comportamento ainda mais incomum.
Herb nos contou outro dia que ela estava obcecada com séries de Crimes Reais. E séries policiais. Ela acreditava que era uma detetive condecorada, com um passado ruim, viciada passar suas noites jogando candy crush, tomando cerveja e comendo pizzas ruins. A casa tinha objetos estranhos que ela usava em seus delírios. Outro dia ela pediu a ajuda de Xena para construir um carro. E disse para as pessoas que tinha comprado o carro de Xena. Mas era só uma cadeira com um volante, uns pedais e acoplado na lateral, retrovisores. Isso estava no meio da sala dela … não tinha rodas.
Xena tinha pena de Agatha. Que agora se apresentava como Agnes por aí. Eu tinha pena de Agnes. E eu também me pesava por nós. Num desses dias, Xena chegou do trabalho – e ela realmente trabalhava como detetive porque era muito boa com análises de problemas e o físico era impecável para lidar com criminosos desde sempre – e falou:
— Amor, hoje a Agnes apareceu na delegacia. Ela parecia… perdida, como se estivesse se desintegrando aos poucos… enlouquecendo.
Franzi meu cenho e olhei curiosa. Ela então prosseguiu: — Lembra quando as Fúrias me cegaram?
— Lembro. Passei semanas achando que você era filha de Ares. Não foram boas semanas…
— Pelos Deuses, Gabrielle!
— O que eu posso fazer, Xena? Você sempre foi forte e … poderosa… e … — me aproximei tocando seus braços fortes e dando um beijo nela. — incrível..
— Agora está tentando consertar a bobagem não é? Acho que meu pai era um humano comum. Nunca soube e não dá pra saber mais nada a essa altura das nossas existências.
— Pois é. Quanto mais envelhecemos, mais linda você fica! Mas a gente falava de Agnes… o que ela fez?
— Te juro, está cada vez mais doida… ela chegou lá brigando com o chefe e pedindo fotos dos crimes da semana. Ela viu alguns arquivos, imprimiu um monte de fotos de flores dizendo que eram os arquivos que ela iria trabalhar e voltou pra casa. Quando eu cheguei, Herb me disse que ela achava que ele era o parceiro dela. Te juro!
— Quer visitar a Agnes amanhã?
— Amanhã é impossível. Estão falando de um novo caso… preciso analisar e..
— Tudo bem amor.
— Como está o livro?
— Estou na parte em que vamos para a Índia. Quero seguir nossas aventuras por todas as partes da História da humanidade e nunca saberão que somos nós. Vamos só manter como se você realmente fosse filha de Ares e Afrodite tenha me dado um presente de imortalidade e tudo vai ficar ok.
Xena gargalhou. — Filha de Ares… aham.
No dia seguinte a esse, eu estava no jardim da frente vendo o Lírio Rosa que florescia e ia me dirigir para o quintal para pegar ervas para fazer o jantar quando ouvi Agnes gritar. Fiquei parada observando e notei que Herb saiu para olhar também. Herb é engraçado. Ele é bondoso e tudo mais, sem ele Agnes não teria sobrevivido aos últimos três anos. Ele entrava nas ilusões dela — bom, todos nós entrávamos — mas ele era realmente um bom amigo para ela.
Ele sempre fingia que estava podando os buchinhos quando ela surtava, pra conseguir ganhar tempo de entender a ilusão da vez. Mas acho que ele não estava pronto para o que viu.
Agnes estava nua… — nem eu estava pronta para o que vi — e ela chegou nele como se fosse Agatha e não Agnes.. e ele não sabia exatamente o que fazer, só foi respondendo as questões dela com a verdade… Ela ficou muito irritada. Mas muito irritada mesmo! E eu fiquei parada olhando tudo… afinal o que fazer… mandei uma mensagem para Xena…
E eu realmente fui me trocar. Coloquei uma calça jeans, uma camiseta branca, arrumei o cabelo e fui pra casa do Herb. Ele saiu pálido na porta. Aí me contou que a Agatha lembrou de tudo e ainda nos chamou de covardes.
— A verdadeira covarde é a Wanda. Filhote de Alti.
— Quem?
— Não importa. Vou lá visitar ela e perguntar se posso ajudar em alguma coisa…
— Ih, ela saiu com um adolescente.
— PELADA?
— Não.. rsrs ela saiu com roupas e um chapéu. Ouvi eles falarem alguma coisa de Coven. O menino parecia gente boa…
— Entendi. Se você notar que ela tá estranha ou se precisar de alguma coisa… aparece lá em casa tá?
— Pode deixar. Obrigado por tentar ajudar Gab.
— Imagina Herb.
Estava voltando pra casa e mandando mensagem pra Xena. Rindo sozinha. Quando notei que tinha um corvo me observando da árvore.
Senti um frio na espinha mas nem falei isso pra Xena, senão era capaz de pensar que eu tinha pego a maluquice da Agatha. Quando eu estava chegando, tive a impressão de ver uma raposa na esquina… me senti morando no Texas, porque dizem que lá você não deve andar sem calça comprida e botas porque pode ser atropelado por uma cobra no meio do mato.
Chegando em casa eu fui direto olhar as cópias dos pergaminhos que nós adquirimos, sobretudo a parte que falava das amazonas do norte. Precisava relembrar dos rituais daqueles tempos, vai que eu precisava deles né. Mas sabia eu que realmente NÓS precisaríamos…
Passou algum tempo, a Agatha bateu na minha porta e ela tava com um magrelo desconhecido junto. A Xena tinha acabado de chegar e tava sentada na sala tomando suco.
— Oi! Estou montando um Coven.
— Quem?
— Não se faz de besta, eu sei que você e a outra ali são do Coven das amazonas do norte.
— São de onde? Digo. Nunca ninguém falou desse jeito…
Xena e seus ouvidos caninos falou do sofá. — Entrem vocês, vamos conversar melhor porque esse tipo de coisa não é tão simples assim…
Agatha entrou e falou — Olha só, eu não sou nenhuma heroína e não tenho paciência pra heroínas, se puder cortar qualquer sermão agradeço. Só preciso de um Coven pra entrar no Caminho das Bruxas.
— Não faço ideia do que você tá falando.
— Mas sua força de vontade podem nos ajudar.
— Quais os riscos disso?
— Todos.
E aí o adolescente disse: — A Agatha vai nos proteger.
— É aí que tá. Eu não confio em ninguém a não ser a Gabrielle — disse a Xena sem tirar os olhos de Agatha para o menino.
— Sabe que nós quase morremos atravessando caminhos além da vida. — eu disse.
— Imagino que saibam dos riscos. — Disse Agatha.
— E quem vai ficar aqui pra cuidar dos nossos corpos? — Perguntou Xena.
— Os corpos vão conosco — Disse Agatha — Que tipo de bruxaria vocês faziam????
— Bruxaria nenhuma. Xamanismo. Não era um Coven, Agatha. — eu falei em pé ao lado do adolescente.
— E o que nós ganhamos? — Perguntou Xena.
— O que quiserem. O final da estrada dá aquilo que você mais quer.
— Tudo que busquei na vida já encontrei.. — Disse Xena olhando pra mim — Isso me basta.
Notei que Agatha revirou os olhos. — Achei que queria dormir em paz. Eu conheço seu tipo Xena. E se eu me lembro bem… também conheço você. Guerreira.
— Deve saber que não sou quem você procura.
— Você e a loirinha ali são exatamente quem eu procuro. Mas, — ela levantou — vamos embora moleque…
— Achei que vocês quisessem poder pra mudar a própria sorte. — Disse o jovem.
— Eu não sou mais assim — Disse Xena.
— Xena, eu realmente estou curiosa pra entender essa bruxaria delas. É diferente da nossa.
— É sim, e você sabe que tipo de bruxaria é. Mas nós não somos bruxas. — Xena colocou as mãos sobre os joelhos, ainda estava vestida com a farda da delegacia, de meias.
— Caso vocês se interessem, sabem onde me achar. Achei que gostassem de colocar pessoas crueis no lugar delas. — Disse Agatha
— De quem estão falando? — Disse Xena
— Existiu uma Lenda no meu Coven. Uma lenda pior do que a Lenda da Feiticeira Escarlate. Contava a história de uma mulher cruel que se alimentava do que havia de mais impuro… Alti era o nome dela… mas eu não tenho tempo pra contar sobre isso e eu acho que vocês sabem do que estou falando.
Xena havia tentado ocultar seus sentimentos por trás de uma máscara impassível, mas eu estava me denunciando porque bem, Alti era o pior que havia e nós bem sabíamos, estávamos vivas por causa de sua loucura. Nós — clones.
Nisso Agatha levantou e foi embora nos deixando com mais perguntas do que respostas. E eu odeio ter perguntas, eu preciso das histórias, todas elas. Elas me movem e me fazem conseguir escrever. Eu era uma barda, ou uma escritora, considerando os tempos atuais. Admito que depois de sair do feitiço da Wanda eu quis ir atrás dela. Mas Xena me impediu e eu percebi que precisava de terapia… e não de mais pecados de sangue no currículo.
— Xena, eu fiquei curiosa com tudo isso.
— Eu sei disso Gabrielle, mas é perigoso, faz tempo que não fazemos isso e bom…
— É uma daquelas coisas que você optaria por me deixar de fora, mas lembre dos meus pecados também, eu não sou mais aquela Gabrielle, Xena.. — disse isso olhando pro chão, sentindo certo pesar por todas as minhas lembranças de uma outra vida. — Eu não vou ficar aqui esperando você voltar para casa. Eu vou com você! Eu sei xamanismo também e … estamos juntas nisso.
— Eu não ia tentar te impedir, mas também não sei me vestir pra esse tipo de evento, nós não temos nada que combine com essas bruxas daqui…
— Será que podemos levar armas? Será que deveríamos??
— Nós sabemos lutar e você, além das suas habilidades, aprendeu kung fu, Gabrielle… não precisamos de armas… nós… somos as armas…