Capítulo 4 – Perspectiva de Xena
por Panda_BardEnquanto o grupo começava a seguir pela estrada enevoada, Xena, que sempre observava tudo com olhos perspicazes, parou ao notar que Agatha ficara para trás, de costas para o caminho, olhando para o ponto onde Rio desaparecera. Um silêncio quase reverente envolveu o local, e por um instante, todas as máscaras de Agatha se dissolveram. Sua postura rígida desmoronou, revelando uma expressão de tristeza e algo que, para quem observasse de perto, talvez parecesse… amor.
Enquanto Agatha se afastava, uma sombra de tristeza parecia envolvê-la. Eu podia sentir que havia algo mais profundo em sua relação com Rio, algo que ela guardava com cuidado. Era como se um véu de mistério envolvesse seu passado, e eu não podia deixar de me perguntar o que realmente havia acontecido entre elas.
Xena se aproximou devagar, sem dizer nada, até ficar ao lado dela. A guerreira não se importava com o passado conturbado da bruxa, tampouco a julgava pela raiva evidente que guardava em relação a Rio. Mas, ao ver aquele olhar, Xena entendeu que a história entre Agatha e a Morte era muito mais complicada do que simples ódio.
Agatha suspirou, sua voz apenas um sussurro, como se falasse para si mesma:
— Ela não entende. Nunca entendeu.
Xena arqueou uma sobrancelha, a curiosidade despertando.
— O que ela não entende, Agatha?
A bruxa olhou para Xena, e por um breve segundo, o queixo trêmulo revelava um lado vulnerável que ela jamais deixaria transparecer para mais ninguém.
— Eu nunca quis que ela se fosse, Xena. Nem que meu filho pagasse o preço por escolhas que eu não fiz. Mas Rio… ela sempre teve essa maldita crença de que ela sabe o que é melhor para todos. Até mesmo para mim.
Xena ficou em silêncio, incentivando-a a continuar.
— Eu a amei, Xena. — A voz de Agatha saiu embargada, um fio de confissão entre lágrimas que ela segurava com teimosia. — Ela era minha vida, o meu tudo… e por um tempo, pensei que eu também fosse o mundo dela. — Ela engoliu seco, desviando o olhar como se tentasse afastar as lembranças. — Mas então… vieram as mortes. Meu coven, minha família… ela os tirou de mim sem um segundo de hesitação. Pra me salvar… eu também tive parte nisso…
Xena assentiu, compreendendo agora a profundidade daquela dor.
— Mas você sabe que ela não escolheu isso, Agatha. Ela é a Morte. É o destino dela. Assim como foi o seu destino permanecer viva.
Agatha fechou os olhos, tentando reunir forças para continuar, as palavras fluindo como um segredo finalmente libertado.
— Eu sei disso. Sempre soube. Eu tentei me convencer disso desde que ela levou nosso filho, desde que ela apareceu naquela noite e… e tudo se foi. — Ela apertou os punhos, a dor claramente ainda presente em seu coração. — Rio tentou me convencer de que era necessário, que ela estava apenas cumprindo o papel dela. Mas… quando você vê alguém que ama fazer algo assim, Xena… é como se algo dentro de você morresse também.
Xena colocou uma mão no ombro de Agatha, solidária. Sabia exatamente o que significava perder tudo por escolhas além de seu controle.
— E mesmo assim, você ainda a ama.
Agatha soltou uma risada amarga, desviando o olhar.
— A parte mais irônica, Xena, é que sim… ainda a amo. Mesmo sabendo que ela nunca deixará de ser o que é. Mesmo sabendo que, se o nosso destino for morrer nesse caminho, ela será a primeira a estender a mão para nos guiar.
Xena olhou para ela, compreendendo enfim a complexidade daquela relação. Agatha, a bruxa que parecia não ter medo de nada, era, no fundo, alguém marcada pelo amor e pela perda. Era essa cicatriz invisível que a mantinha tão ferozmente distante e a fazia carregar aquele peso.
— Então por que você continua? — perguntou Xena, gentil, mas firme.
Xena ergueu o queixo de Agatha, sua expressão endurecendo novamente, recuperando a postura determinada.
— Porque amar alguém não significa aceitar todas as suas decisões. Teve uma vez que Gabrielle me traiu. Não traiu com alguém, mas assim como você traiu minha confiança. Por causa de Gabrielle eu também perdi meu filho. E eu entendi, entendi que ela fazia tudo por amar demais. Ela não estava errada, a vida de Gabrielle foi dura. As coisas foram crueis demais com ela. A morte de Solan foi culpa de Hope. E eu pedi, implorei para Gabrielle para que Hope morresse. Mas depois de Eve, de ver seu bebê crescer, eu entendo como uma mãe realmente ama. Eu errei com Gabrielle, eu também errei com Hope. Como uma criança não daria lugar ao seu eu mais cruel depois de abandonada?
Agatha assentiu, respeitando aquela confissão, e ambas voltaram para o grupo em silêncio. Mesmo sem dizer mais nada, Xena sabia que havia muito mais em Agatha do que aparentava. Afinal, até mesmo a Morte podia ser amada – e talvez até, em algum nível, desejasse que fosse assim.
Enquanto caminhavam em silêncio de volta ao grupo, Agatha sentia as palavras de Xena reverberarem dentro dela como um eco profundo, mexendo em memórias que ela tentava manter seladas. Compartilhar aquela dor havia sido um alívio inesperado, mas a confissão de Xena havia feito com que algo mais florescesse em seu coração: um entendimento compartilhado, uma cumplicidade entre duas mulheres marcadas pelo mesmo tipo de perda e pelos erros inevitáveis de um amor obstinado.
Finalmente, Xena quebrou o silêncio, com um tom ponderado:
— Agatha, quando você ama alguém como nós amamos… você entende que o amor não é feito para ser fácil. Ele testa, exige escolhas que, às vezes, nem reconhecemos como nossas. E no fim… Xena hesitou, como se buscasse as palavras certas. “No fim, ele te transforma, quer você queira ou não.”
Agatha sorriu de leve, um sorriso triste, mas genuíno.
— Talvez seja isso que sempre me assombrou, Xena. Eu achava que o amor nos tornaria mais fortes, mas com Rio… eu descobri que o amor também pode te quebrar de maneiras que nenhum feitiço ou maldição jamais conseguiria.
Xena assentiu.
— Eu sei bem como é, Agatha. Mas talvez, se um dia você tiver a chance… a chance de mostrar a ela que há algo além do papel dela, algo além da Morte… isso valha a pena. Às vezes, a redenção é apenas uma questão de tempo. Mas, Rio não pode deixar de ser a Morte, ela não pode deixar de ser quem é. Ela não é a uma bruxa verde qualquer, ela é a bruxa verde, a responsável por refazer o ciclo da vida. Sabe Agatha, Rio não é cruel… eu não consigo imaginar o peso que ela carrega por ser quem é.