Agatha parou, olhando fixamente para o ponto onde Rio desaparecera. A dor e a saudade eram palpáveis, e pela primeira vez, ela permitiu que suas defesas caíssem. As lembranças de noites passadas ao lado de Rio inundaram sua mente, trazendo à tona sentimentos que ela pensou ter enterrado há muito tempo.

As palavras de Xena pairaram no ar, e Agatha sentiu uma pontada de algo que ela não sabia ao certo se era dor ou aceitação. Aquilo que Xena dissera – sobre o fardo de Rio – era algo que ela sempre soubera, lá no fundo, mas que nunca havia permitido a si mesma reconhecer completamente. Afinal, era muito mais fácil odiar do que aceitar.

Agatha abaixou a cabeça, observando as próprias mãos, que já conjuraram feitiços poderosos e enfrentaram inimigos impiedosos. Mas, naquele instante, se sentia indefesa, nua diante de uma verdade amarga.

— Você acha que… ela sente isso? Esse peso? Será que ela se importa com o que deixou para trás? — perguntou Agatha, quase para si mesma, mas com esperança de que Xena tivesse uma resposta.

Xena respirou fundo, escolhendo as palavras com cuidado.

— Rio pode carregar uma máscara de indiferença, e talvez nem ela consiga expressar o que sente, mas… eu acredito que alguém como ela, que refaz o ciclo da vida e da morte, entende o valor de tudo o que viveu. Ela carrega o peso de vidas, de cada alma que parte e que chega. E isso inclui o que viveu com você, Agatha. Porque mesmo a Morte tem suas marcas.

Agatha fechou os olhos, permitindo que a dor e a saudade inundassem sua mente. Ela se lembrava das noites ao lado de Rio, das risadas, dos olhares silenciosos que diziam mais do que mil palavras poderiam dizer. Se o amor era a verdadeira magia, então talvez ainda houvesse algo entre elas que nem o tempo ou o destino poderia apagar.

— É difícil aceitar que o amor dela foi genuíno… que, em algum lugar, ela ainda se importa. Quando ela apareceu naquele dia… quando levou nosso filho e eu lhe dei meu coven… Eu achei que tinha sido um ato frio, calculado. Como se eu fosse apenas mais uma alma para ela.

Xena olhou para Agatha, a compreensão evidente em seu olhar.

— Eu também pensei assim, muitas vezes. Pensei que amor e redenção não podiam coexistir com o peso de certas escolhas. Mas aprendi que mesmo o coração mais endurecido é capaz de se lembrar do que importa.

Agatha sentiu um calor suave tomando conta de si, como se as palavras de Xena estivessem abrindo uma nova perspectiva para ela. Talvez, afinal, houvesse uma parte de Rio que também guardava aquelas memórias. Talvez, de alguma forma, Rio lamentasse os sacrifícios que seu papel exigira.

— Se eu tivesse uma chance, Xena… Agatha murmurou, sua voz um pouco mais firme, eu mostraria a Rio que ela é mais do que uma entidade. Que há algo além do destino. Mas talvez seja tarde demais para isso.

Xena colocou a mão no ombro de Agatha, com um toque firme, mas gentil.

— Nunca é tarde para mostrar a alguém que ela é mais do que acredita ser. Quando se trata de amor, Agatha, sempre há tempo. Talvez, no fim desta estrada, você encontre uma maneira de fazê-la ver isso. Mesmo que seja com um simples olhar. Eu não digo isso porque fiz isso, mas porque Gabrielle fez isso comigo.

Agatha respirou fundo, sentindo um resquício de esperança, algo que ela pensou ter perdido para sempre. Afinal, se havia algo que ela aprendera com a magia, era que até mesmo a Morte podia ser tocada pelo amor. E, talvez, no encontro final, ela e Rio poderiam, enfim, fazer as pazes com o passado.

O silêncio entre elas era denso, mas carregado de uma compreensão mútua que transcendia as palavras. Xena, com seu jeito simples e sincero, havia dito a única coisa que poderia trazer um fio de esperança para Agatha. Ela sentiu uma suavidade que parecia quase estranha para alguém como ela, acostumada a encarar o mundo com o coração blindado.

De repente, uma lembrança vívida, como um relâmpago na mente de Agatha, trouxe à tona uma das últimas noites que compartilhara com Rio. Era antes da escuridão final, antes das escolhas impossíveis. A cena era tão nítida que ela podia quase sentir o toque da pele de Rio, ouvir a sua risada pouco contida e se permitia ser apenas Rio, sua Rio.

Elas estavam em um campo, sob um céu estrelado, o ar perfumado com o aroma das flores que Agatha cultivara em segredo para uma poção. Rio estava deitada ao seu lado, observando as estrelas com uma expressão rara de paz.

— Você acha que existe um caminho diferente para nós, Agatha? Rio havia perguntado, sua voz um murmúrio suave, como se temesse que dizer aquilo em voz alta pudesse desfazer a quietude ao redor.

Agatha havia rido, passando os dedos pelos cabelos escuros de Rio.

— Eu não sei… mas acho que, se existir, nós encontraríamos juntas. Não há destino que eu não enfrentaria ao seu lado.

Rio havia segurado a mão dela, os olhos cintilando com algo entre o desejo e o medo. E então, em um tom que misturava carinho e seriedade, ela sussurrou:

— Se um dia você tiver que me odiar, Agatha, se um dia tudo desmoronar entre nós… saiba que eu sempre amei você.

A lembrança doía agora, e Agatha sentiu os olhos marejarem. Não era apenas saudade; era uma compreensão amarga e agridoce. Rio sabia, desde aquela noite, que o papel que carregava acabaria ferindo as duas. Sabia que, se viesse o momento de escolher entre seu dever e o amor, o dever venceria. Mas mesmo naquela escolha, o amor continuava a pulsar, escondido em algum lugar.

Agatha enxugou discretamente os olhos, e Xena, percebendo o movimento, deu um leve sorriso, compreendendo sem dizer nada.

— Você tem razão, Xena, sussurrou Agatha, a voz frágil, mas resoluta. Talvez eu tenha que conversar com aquela vaca de saias. — Disse tentando quebrar o clima emotivo que tinha ficado.

As duas seguiram adiante, mas agora Agatha sentia que, ao final daquela estrada, não encontraria apenas a Morte, mas talvez uma chance de resgatar o amor que fora soterrado pelos séculos. Um amor que, mesmo entre o dever e a destruição, continuava a ecoar, esperando para ser ouvido novamente.

Eu me aproximei de Xena por trás e falei — Alguém tem a vaga ideia do buraco que a gente caiu e porque diabos a Rio saiu do chão e agora virou fumaça? Tudo bem que bruxaria e tal… mas vocês tem que entender que eu sou nova nessas coisas e algumas regras deveriam existir.

— Existem — Disse Agatha e Lilia em conjunto.

Xena soltou uma risada curta, quase um suspiro, e lançou um olhar divertido para Gabrielle, sempre a voz da razão no meio das loucuras mágicas.

Xena eu espero francamente que você me conte depois o que você e Agatha estavam fofocando, a minha barda interior precisa de fatos para relatar.

Xena ergueu uma sobrancelha, seu sorriso ampliando-se de maneira ligeiramente provocadora.

— Ah, minha barda impaciente… disse ela, puxando Gabrielle para mais perto. Algumas histórias são tão antigas que preferem se manter escondidas. Mas, quem sabe, se você insistir… talvez eu te conte.

Gabrielle, cruzando os braços, lançou a Xena um olhar exigente, mas divertido.

— Você sabe que vou insistir, Xena. Aliás, se eu tenho que estar aqui lidando com fumaça, bruxas e a Morte se materializando como se fosse algo normal, mereço no mínimo um relato completo.

Agatha, que tinha permanecido em silêncio, esboçou um sorriso cínico, mas os olhos dela denunciavam uma faísca de ternura.

— Intrometida e fofoqueira.

— Nossa que ofensivo, bardos precisam de histórias ué. E eu to testemunhando uma. Só preciso de mais fontes…

Agatha estava cansada já, mas isso e o bico que Gabrielle fez tiraram dela uma risada honesta. Gabrielle estreitou os olhos, claramente determinada a arrancar a história de qualquer jeito.

— Só para constar, eu nunca desisto de um bom mistério, principalmente quando ele envolve minha guerreira e uma história completamente misteriosa entre uma bruxa e a Morte em pessoa. Isso vai render capítulos, posso sentir.

Xena riu, segurando a minha mão.

— “Você é mesmo impossível, Gabrielle. Mas tudo bem. Vamos atravessar essa estrada, sobreviver à nossa dose de loucura mágica… e então, quem sabe, numa noite tranquila, eu conto tudo o que você quiser saber.”

Gabrielle sorriu, satisfeita, e entrelaçou os dedos nos de Xena, pronta para o que quer que viesse a seguir. Afinal, uma boa história merecia ser contada, e Gabrielle sabia que, ao lado de Xena, cada momento era uma história em si.

Nota