Laranja. Vermelho. Calor. Escuridão. Sobressalto. Suor.

O ciclo se repetia há pelo menos três noites resultando em olheiras cada vez mais profundas que emolduravam seus olhos verdes.  Ela já havia lidado com pesadelos antes e nessas situações era de praxe Xena ser a responsável por espantá-los. Ela tinha um jeito único de repousar o braço ao redor de seu corpo e sincronizar a respiração com a dela, que fazia milagres.

Mas agora era diferente. Não sentia que poderia sobrecarregar Xena com isso, já havia problemas demais sendo depositados em ambas. Cuidar de uma criança recém-nascida enquanto se leva uma vida nômade já era o suficientemente complicado, mas fazê-lo com metade do panteão lhes caçando acrescentava uma camada ainda maior de complicações.

Na última semana haviam enfrentado mais de 50 guerreiros aleatórios entre mercenários e sacerdotes diversos tentando dar fim no trio, e como Xena ainda precisava de repouso devido ao parto recente, Gabrielle vinha sendo a principal lutadora agora. Não que isso fosse um problema. Já havia assumido esse papel havia meses, visto que fez de sua missão poupar Xena ao máximo de qualquer esforço que pudesse lhe prejudicar a gravidez, mas a exaustão física, a preocupação excessiva e a crescente pressão da perseguição que sofriam estavam somatizando de tal forma que passaram a ser um estopim para traumas que ela acreditava já ter superado há muito tempo.

Seu subconsciente infelizmente estava tentando lhe provar ao contrário. Esperança novamente aterrorizava seus sonhos de uma maneira tão vívida que seu estômago se retorcia ao acordar. Custava a pegar no sono, cobrando de si mesma que se mantivesse acordada pelo maior tempo possível para que pudesse ficar alerta e vigilante, permitindo que Xena e Eva dormissem serenamente, mas quando o cansaço finalmente lhe vencia, passava as horas de sono com Esperança. Esperança bebê. Adolescente. Adulta. Esperança no fosso de lava. Esperança sendo morta por Destruidor. E junto da torção que sentia em seu estômago, viria também o gosto amargo da culpa que pensava ter superado. A culpa por tudo ter se sucedido da maneira como ocorreu e a própria culpa por se sentir culpada por isso.  Ela havia tentado evitar tais lembranças, mas olhar para as pequenas mãozinhas de Eve se agitando e não lembrar das mãozinhas de Esperança recém-nascida era uma tarefa difícil.

Esse era o outro motivo pelo qual Xena não poderia ser quem espantaria seus pesadelos dessa vez. Não poderia dividir isso com Xena. Não era justo e não queria dar nenhuma margem para que Xena pensasse que Gabrielle imaginava que Eve tivesse qualquer origem obscura como Esperança teve. Ela já havia entendido desde o início que eram duas situações bastante diferentes, mas além de tudo isso, mencionar o mero nome de Esperança traria dolorosas lembranças de Solan e essa era outra coisa que a barda pretendia evitar. Infelizmente essa era uma das poucas vezes que ela teria que engolir sozinha suas angústias e tentar lidar com elas de algum jeito que não envolvesse Xena. Em outro momento sua válvula de escape poderia ter sido as histórias que amava escrever, mas elas haviam se tornado extremamente diretas e objetivas recentemente. Não eram mais histórias vivas e cheias de emoção. Eram mais como relatos frios sobre tudo que enfrentavam, escritos porque não achava justo que não houvesse registros daquele momento tão especial que era ter Eve na vida de ambas, mas frequentemente sentia-se frustrada por não sentir que havia poesia naquelas palavras.

Ela soltou um suspiro longo, deixou de lado o pergaminho recém terminado e arrumou sua bolsa de viagem que lhe servia como travesseiro no momento. Deu uma olhada em Xena e Eve e percebeu que ambas ainda dormiam tranquilas. Observou como estava a fogueira que havia feito mais cedo e calculou que pelo tamanho dela, não havia se passado muitas horas desde que adormeceu. Provavelmente ainda havia algum tempo até o amanhecer e um pouco a contragosto, fechou os olhos novamente. Não se sentia confortável com a ideia de baixar a guarda e deixar Xena e Eve expostas, mas sabia que se não o fizesse, logo não teria mais forças para lutar. A noite parecia tranquila dessa vez, talvez ela conseguisse alguns minutos de sono sem pesadelos…talvez.

Nota