Gabrielle sentiu um calor intenso batendo em seu rosto e as gotas de suor grudando o cabelo em sua testa. Abriu os olhos em sobressalto percebendo que era mais tarde do que havia pretendido acordar. Seu cansaço lhe havia nocauteado fortemente. Levantou-se com um pulo, olhando ao redor e percebendo que a fogueira estava apagada. Isso não era comum, Xena teria reavivado o fogo assim eu acordasse para que preparassem a primeira refeição da manhã, mas Xena tampouco estava ali. Gabrielle sentiu o sangue correr pulsando forte em suas artérias e correu até o rio, onde pensou que a guerreira poderia ter ido, coletar água, mas também não a encontrou. Voltou para o acampamento e observou que a cama de Xena ainda estava esparramada ao lado da sua e seus pertences ali. Com desespero avistou o chakram e a espada caídos ao lado das cinzas da fogueira. Isso não era normal, a guerreira jamais sairia por aí desarmada, ainda mais na situação atual onde a sobrevivência dela e de Eve dependiam disso. Argo ainda estava sem sua sela, amarrado ao lado do seu próprio cavalo, indicando que Xena não o havia tocado naquela manhã. A cabeça de Gabrielle começou a pulsar, seu desespero crescendo a cada segundo.

-XENAAAAAAAAA – gritou a plenos pulmões, escutando sua própria voz ecoar, porém sem receber resposta.

Pegou seu cavalo e saiu em galope pelos arredores do acampamento, olhos atentos como uma águia, a garganta rasgando por gritar repetidamente sem resposta. Não podia ser verdade, ela havia falhado. Havia sido estúpida e egoísta, seu sono a havia sabotado e lhe impedido de proteger as duas pessoas que mais amava no mundo, de proteger a sua família. Ela tentou rastrear, como Xena havia lhe ensinado, mas não conseguia identificar nenhum rastro. Talvez fosse sua imperícia, seu desespero atrapalhando sua clareza de pensamento, ou realmente não houvesse rastros. Fato era que Xena e Eve haviam desaparecido como se fosse por forças mágicas e ela não tinha a mínima ideia do que fazer ou por onde começar.

Ela sentou-se ao chão, puxando os próprios cabelos e tentando pensar. Respirou fundo tentando se livrar dos pensamentos nublados e reaver um pouco de razão. O que Xena faria em seu lugar? Provavelmente procuraria todos os recursos possíveis para resolver o problema. Precisava ser lógica, se esse era um trabalho divino, talvez a única coisa que pudesse lhe socorrer fosse auxílio divino.

-AFRODITEEEE – gritou Gabrielle.

A deusa aparece numa explosão súbita e encarou Gabrielle.

-Gabrielle, eu ouço perfeitamente, se você me chamar num tom de voz normal, eu vou escutar e virei, CASO eu não esteja ocupada, é claro.

-Afrodite, me desculpe, é uma emergência. Xena e Eve desapareceram. Eu não sei o que fazer, eu sou um fracasso, eu deixei minha família sumir e não consigo nem começar a procurá-las, eu tentei tudo e eu só não sei mais como…

-Calma, minha criança. O que você acha que pode ter acontecido?

-Xena sumiu sem levar nenhuma arma, sem levar Argo. Tudo me faz acreditar que ela e Eve foram capturadas. Só na última semana nós tivemos que lutar contra dúzias de guerreiros que… Sua família colocou atrás de nós. – explicou baixando o tom de voz na frase final.

Afrodite lhe olhou com pesar.

-Gabrielle, você sabe que eu detesto essa situação com todas as minhas forças divinas, estar presa em fogo cruzado entre meus irmãos e vocês. Você sabe o que sua amizade significa para mim e o respeito que sinto por Xena. Eu prometi não interferir em nenhum dos lados e apenas deixar que as coisas se sucedessem do jeito que tivesse que acontecer…

-Afrodite, por favor. Apenas me ajude a achá-la. Me dê uma chance de lutar pela minha família.

Afrodite suspirou pesadamente e gesticulou com as mãos, angustiada.

-A chave está nos pergaminhos. Me desculpe, pequena – disse desaparecendo.

Gabrielle caiu de joelhos levando as mãos à cabeça e puxando as mechas loiras em desespero. Que grande ajuda Afrodite tinha sido. – Pensou ironicamente. – Mas por que ela havia mencionado os pergaminhos?

Sentindo-se derrotada engatinhou até sua sacola de viagem e sentando-se ao chão, esparramou as dezenas de rolos de couro em sua frente. Pegou o primeiro que viu e leu o título. “A Esperança de Gabrielle”. Seu desespero não era o suficiente, bela escolha para adicionar uma nova camada de dor. Riu secamente para si mesma e começou a ler algum parágrafo perdido sem saber ao certo como aquilo poderia trazer qualquer ajuda, mas não sabia mais o que fazer… Seguir o que Afrodite tinha dito parecia tolice, mas era o que tinha para o momento. Com a visão um pouco borrada pelas lágrimas que não conseguia conter, leu algumas linhas do primeiro pergaminho. Ao terminar o primeiro parágrafo, sentiu um puxão estranho em seu tronco e uma sensação gelada lhe percorrer o corpo. Sua cabeça girava como se tivesse levado uma pancada forte e a visão borrada começou a clarear dando forma a um cenário diferente. Sentiu um peso nos braços e ao olhar pra baixo viu aquelas pequeninas mãozinhas se agitando. Xena estava ali, alguns passos à sua frente, mas não eram as mãozinhas de Eve…

-Esperança?

Olhando para baixo, viu suas próprias mechas loiras sobre seu colo. Seu cabelo estava longo novamente. Se não estivesse alucinando, de algum modo o pergaminho a havia transportado para o passado. Seus olhos se encheram de lágrimas ao olhar o rosto angelical daquele bebê, mas ao mesmo tempo seu estômago se revirou sabendo o que ele significava. Se ao menos Afrodite tivesse sido mais clara com o que disse sobre os pergaminhos, jamais teria escolhido voltar tão longe no passado, muito menos para ESSE momento em específico.

                Como sairia disso agora?

-Gabrielle, ela é a filha de Dahak! – disse Xena exasperada interrompendo seus pensamentos. Ela sabia como aquele diálogo se sucederia. Nunca havia esquecido, ainda que pensasse ter superado todos os traumas que a situação toda havia causado em ambas.

-Eu sei – respondeu resignada – Tudo bem.

Xena lhe fitou um pouco perplexa pela falta de resistência. Do que adiantaria reviver todo o diálogo? Era doloroso demais e ela sabia o desfecho de tudo. Não havia sentido em lutar. Talvez algo pudesse ser feito já que havia se metido nessa confusão e veio para NESSE exato momento. Talvez algo pudesse ser diferente, afinal.

-Entregue-a à Caswallan. Deixe-o decidir o destino dela. Não é justo que nenhuma de nós duas sejamos responsáveis por isso – continuou Gabrielle friamente.

-Você sabe o que ele fará.

-Eu sei.

Nota