Capítulo 4
por Fator X - LegadoCapítulo 4
Uma vez dentro de seu quarto, Ronnie mexeu no interruptor de seu computador e se enfureceu jogando-se sobre sua cama. Deu uma olhada em seu quarto, dando-se conta, pela primeira vez do quanto silencioso e vazio este estava. Os grossos tapetes e o sólido chão de madeira faziam com que os sons abaixo não se filtrassem até ela. “Isto é estúpido”, franziu o cenho, voltando a mesa do computador e se sentando. “Tenho trabalho para fazer”.
No entanto, a pasta aberta, não era uma pasta de trabalho. Era seu jogo de solitária. Continuou repassando sua agenda e observou que o Natal estava há somente dezessete dias. Não faria mal a ninguém se desse uma olhada na Internet durante um tempo. Dar uma olhada em Macy’s não deu a Ronnie absolutamente nenhuma idéia sobre conseguir um presente para sua mãe. No entanto, havia visto vários artigos que achou que Rose gostaria. Quatro para as doze, Ronnie ainda não tinha nenhum presente para os membros de sua família. “O presente que sempre cabe”, decidiu, fazendo click na forma de um ‘vale presente’. Problema resolvido. Desligou o computador e encaminhou-se ao andar de baixo para almoçar com Rose e assistir juntas a juíza Judy.
Quando Ronnie entrou no quarto de Rose, ficou contente ao ver que Karen estava terminando. “Voltarei amanhã. Não se esqueça de fazer esses exercícios que lhe ensinei. A senhorita tem que manter esses músculos ativos tanto como seja possível ou isso vai retardar sua recuperação”.
“Eu sei, obrigada”, a jovem mulher respondeu.
“Bom”. A enfermeira virou sua atenção a Ronnie, assumindo corretamente que ela era que estava no comando. “Voltarei amanhã em torno das nove horas”.
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O almoço foi um simples prato de sopa com sanduíches de pão de forma, comeram enquanto escutavam a irritada juíza repreendendo a alguém que pensava que podia fazê-la acreditar que havia liquidado um empréstimo, embora este não conseguisse encontrar seu recibo. No momento dos comerciais, ambas mulheres olharam para seus pratos vazios.
“Maria pode fazer qualquer coisa que fica bom”.
“Ela é uma cozinheira maravilhosa”, Rose concordou. “Sempre trabalhou para você e sua família?”.
“Até onde eu posso lembrar. Sua mãe trabalhou para nós também, mas se retirou pouco depois que eu nasci. Maria tem sido tudo desde governanta, babá, juíza desde então”. O alto som do telefone a interrompeu. “Provavelmente outro telemarketing”, murmurou.
“Não vai atender?”.
“Não. Maria seleciona as ligações para mim”. Como se fosse um sinal, Maria bateu na porta. “Ok”. Disse Ronnie enquanto alcançava o telefone. “Verônica Cartwright”.
“Humm… sim, Srta. Cartwright sou eu, Jonatã Barker do First Albany Savings e Trust. Como a senhorita está hoje?”. Reconhecendo o nome do mais antigo vice-presidente do Banco, a postura de Ronnie se endureceu e empurrou sua cadeira para sua mesa. “Sim, Senhor Barker. O que posso fazer pelo senhor hoje?”.
“Bem… não queria lhe incomodar em sua casa, mas sinto que este assunto requer sua imediata atenção”. Ela não desapercebeu o tom de nervosismo em sua voz. “O Senhor Cartwright não retornou nenhuma de minhas ligações e temo que por esta razão tenho que procurar outra forma de resolver isto”.
Ronnie rodou seus olhos e pegou seu lápis, batendo-o levemente contra a mesa. “Do que se trata?”.
“Bem… como a senhorita sabe, quando um empréstimo não é cumprido, somos obrigados a procurar o aval para recuperar nossa perda e dado as circunstâncias sendo a senhorita a fiadora dos empréstimos pessoais do senhor Cartwritght…”.
“Eu fiadora de um empréstimo?”. O lápis parou o movimento. “Quando foi isto?”.
“Oh, eu um…”. Ela ouviu papéis arrastando-se sobre a mesa de Barker. “Sim, aqui está. Tenho sua assinatura firmada em cinco de abril como fiadora do empréstimo pessoal do Sr. Thomas Cartwright”. Um toque de nervosismo se arrastou em sua voz. “A senhorita se fez fiadora de um empréstimo pessoal para ele, não foi, Srta. Cartwright?”.
O lápis começou a bater rapidamente. “Acho que devo ter me esquecido disto, senhor Barker”.
“Bem, tenho certeza que foi só um simples descuido por parte do senhor Cartwright, mas visto que por não recebemos nenhuma prestação nestes últimos cinco meses, temo que realmente não posso deixar passar isto por muito mais tempo”.
“Não, claro que não”. O lápis se moveu com mais força. “O senhor pode transferir a quantia atrasada de minha conta de poupança pessoal”.
“Agradeço isso Srta. Cartwright, mas temo que ao chegar a este ponto o empréstimo está considerado em descumprimento e temos que pedir a completa liquidação”.
“Bem. O senhor pode tomar o que se deve de minha conta”. Acomodou o telefone entre seu ouvido e ombro, liberando sua mão para pegar um pedaço de papel. “O senhor pode, por favor, me dizer à quantia exata para a liquidação para que eu possa marcar em meus registros?”.
O lápis caiu da mesa e chocou-se barulhentamente contra o chão. “O que?”.
“Disse que o total com juros e últimos honorários ascendem a dezessete mil seiscentos e quarenta e dois dólares e vinte e três centavos. Terei isso retirado de sua conta imediatamente”.
“Senhor Barker?”.
“Sim?”.
“No futuro, assegure-se de comprovar comigo pessoalmente antes de aprovar mais algum empréstimo para qualquer membro de minha família”.
“Claro, Srta. Cartwright”.
Houve uma pausa antes que Ronnie se desse conta de que ele havia dito algo mais. “Desculpe-me, acho que não lhe ouvi”.
“Perguntei se há algo que o banco posso fazer pela senhorita hoje”. O banqueiro repetiu.
“Não, acho que o senhor já fez bastante, obrigada”.
“Tenha um bom dia, Srta. Cartwright”, disse, mas ela já havia desligado.
A poucos centímetros, do assento, Rose ouviu cada palavra da conversa do lado da executiva. Não foi difícil reconstruir o que aconteceu. “Ronnie?”. Tudo o que conseguiu foi à visão do respaldo da cadeira café e do furioso clic do teclado. “Ronnie?”.
“Precisa de alguma coisa, Rose?”. Seu tom soou muito mais severo do que foi sua intenção. O digitar parou. “Sabe, há momentos que desejo não ser a mais velha”, suspirou, girando sua cadeira para ficar de frente para a jovem mulher.
“Quer falar sobre isso?”.
O primeiro pensamento de Ronnie era dizer não, os problemas desta família eram sempre tratados em privado, mas então levantou o olhar até uns suaves olhos verdes e se deu conta de que queria falar sobre isso, queria dividir suas frustrações e sentimentos com Rose. “Tommy obteve um empréstimo pessoal e falsificou minha assinatura neste como sua fiadora”.
“Oh, isso é terrível”, a jovem mulher arfou. “Mas, por que você o pagou?”.
“Porque isso é o que se espera que eu faça”, suspirou. “Se não, Susan ou mamãe o fariam”.
“Mas está facilitando para que mais tarde ele faça outra vez”.
“Eu sei, mas não tenho outra opção”. Empurrou sua cadeira para mais próximo da cama. “Mesmo sendo considerada a cabeça da família tenho que fazer algumas coisas gostando ou não”.
“É muita pressão, às vezes, não é?”. Rose colocou sua suave mão no antebraço da mulher mais velha. “Deve ser estressante ter que agüentar tudo isso”.
Ronnie levantou o olhar em surpresa. “Sim”. Era a primeira vez que alguém havia expressado alguma compreensão de seus sentimentos desde que havia se tornado a guardiã da família. “Tommy acaba de absorver-me quase dezoito mil dólares”.
“Oh, meu deus” Dezoito mil dólares?”.
“Não é o dinheiro o que me incomoda”. Ronnie continuou, deliberadamente não se enfocando no fato de que a quantia significasse coisas totalmente diferentes a cada uma delas. Para ela, esta era uma fração de suas economias e na verdade não seria nada. Para Rose, bem… Nem sequer queria pensar sobre o que significaria para a jovem mulher que gastava menos de vinte dólares por semana em alimentos.
“É o fato de que ele lhe usou”, a mulher loira conjeturou.
“Falsificou minha assinatura em um empréstimo de banco. Não posso imaginar por que precisasse de um fiador para uma quantia tão pequena, seja o que for não controlo suas finanças. Apenas não posso acreditar que estivesse quebrado para ter que fazer isto e nem sequer se incomodar em pagá-lo depois. Enquanto falava, a voz de Ronnie mostrava mais ainda sua cólera e indignação.”Sabia que eu cuidaria disto. Sabia que o banco nunca questionaria minha assinatura em um empréstimo para ele”.
“Ele usou você”.
“Ele me usou”. Olhou para sua mesa e para os problemas que ainda tinha a resolver que a estavam esperando ali. A magnitude do problema fez com que respirasse profundamente. “Vou ter que fazer uma auditoria na Divisão de Propriedades Imobiliárias”.
“Acha que está defraudando?”.
“Se tivesse me perguntado isso ontem, teria dito que não estava certa”. Inclinou-se e pegou uma pasta manila. “Hoje? Agora, sei que ele está defraudando, só que não posso provar”. Deixou a pasta cair novamente na mesa com frustração. Seu corpo era um feixe de nervosa energia e precisava sacá-la. “Rose, preciso ir até o andar abaixo e fazer alguns exercícios durante um tempo. Acha que ficará bem?”.
“Ficarei bem”, a jovem mulher lhe assegurou. “Sei que tem coisas para fazer. Não tem que me fazer companhia todo o tempo”.
Ah, mas Rose, pensou para si mesma. Eu gosto de lhe fazer companhia. Levantou-se e empurrou sua cadeira de volta a mesa. “Volto em mais ou menos uma meia hora. Se estiver acordada poderemos ir até a sala de estar e assistir alguns filmes”.
“Isso seria agradável”.
Sim seria, pensou a executiva.
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Uma cansativa sessão de exercícios nada fez para melhorar o humor de Ronnie, que só parecia pior mais cada vez que pensava em seu irmão e no que ele havia feito. A pêra de boxe sofreu um ataque de golpes, enfatizado por uma corrente de maldições que poderiam inclusive fazer com que o mais desbocado dos marinheiros se ruborizasse. Só quando ficou completamente exausta foi quando tirou as luvas de boxe e se dirigiu à pequena geladeira para pegar algo para beber. Quando tirou a última garrafa de Gatorade, Ronnie observou o relógio na parede. Eram mais de três horas, bem além da meia hora a qual havia planejado estar fora. “Droga”.
A porta do escritório se abriu quinze minutos mais tarde com uma recém banhada Ronnie levando um vídeo. “Desculpe, acho que me enganchei no que fazia. Nós ainda podemos assistir ao filme?”.
“Sim. Claro que sim”, Rose sorriu. Havia ouvido os afogados sons de Ronnie fazendo exercícios, ou exasperando, depende de como se olha, e seriamente duvidou que a executiva pudesse passar algum tempo com ela.
Como havia feito ontem, Ronnie usou sua força bruta para levar a cadeira de rodas e sua ocupante aos últimos degraus da funda sala de estar e ajudar Rose no sofá. “Achei que uma comédia romântica seria agradável… a menos que prefira algo mais”.
“Não tenho certeza de que o que você escolheu estará bem”, a jovem mulher respondeu com entusiasmo. E era a verdade. Rose teria ficado feliz em ver uma prova de modelo se isso fosse o que Ronnie queria. O incomodo início foi rapidamente se desfazendo, sendo substituído por um sentimento de amizade e afeto pela mulher que a amparou. Ficou surpresa quando a executiva não baixou a bandeja para aperitivos que havia servido como uma barreira entre elas e ainda mais assombrada quando Ronnie se sentou na almofada do meio, a uma pequena distância dela. “Não quer seu descanso para os pés?”.
“Não, quero me sentar um pouco”, respondeu, colocando os pés por baixo do corpo ao estilo Índio. “Você está cômoda?”.
“Muito”.
“Bom”. Pressionou o botão do play no controle remoto e rapidamente avançou até que viu o logotipo da característica apresentação. “Aqui vamos”.
O começo da cena estava quase terminando quando o nariz de Rose percebeu um delicioso cheiro. “Pipocas?”. Como um sinal, Maria apareceu da cozinha com uma tigela grande e com vários guardanapos dispostos como um convite.
“Se não precisa de algo mais, já vou indo”, Maria disse quando deu a tigela a Ronnie. “O jantar está na geladeira, ligue o microondas na temperatura media por três minutos para esquentar”.
“Acho que já temos tudo, Maria. Dirija com cuidado”.
“Só vou para casa, Ronnie. Acho que vivo a dez passos”, a mulher mais velha disse. “Poderia caminhar se não estivesse tão terrivelmente frio lá fora”.
“Eu sei, mas ainda assim me preocupo com você. Depois de tudo, quem ia cozinhar e limpar para mim se você não estivesse por perto?” O brilho em seus olhos azuis era o único sinal de que a mulher de cabelo escuro estava brincando.
“Ronnie!” Rose grunhiu. Maria riu levemente.
“Pense assim, Verônica Louise, e vai se surpreender”. Virou-se para Rose. “Tome conta dela”.
“Pode deixar”, a mulher mais jovem prometeu com um sorriso.
Uma vez que Maria se foi, Ronnie retrocedeu a fita até o princípio e as duas mulheres se acomodaram para ver Richard Dreyfuss tentar ganhar o coração de Marsha Mason. Com a tigela de pipocas apoiada entre elas ambas mulheres diligentemente metiam o tira-gosto untado com manteiga em suas bocas. Como se estivesse destinado a acontecer, a mão grande e a pequena entraram ao mesmo tempo e os gordurentos dedos se entrelaçaram. “Ooops”, veio a simultânea desculpa enquanto seus dedos soltavam-se ao mesmo tempo.
“Deliciosas pipocas”, Rose disse, desta vez se assegurando de permanecer em seu próprio lado da tigela.
“Sim, realmente deliciosas”.
Enquanto o filme lentamente passava e o suprimento de pipocas diminuía, suas mãos continuavam se tocando na busca dos saborosos grãos de milho. Depois da quarta ou quinta vez, ambas se deram por vencidas em desculparem-se e só deixaram que acontecesse sem fazer nenhum comentário. Rose ainda fez o possível para evitar tocar a mão de Ronnie, mas estas pareciam sempre estar no seu lado da tigela. Quando só sobraram os pequenos pedaços junto com os grãos de milho sem estalar estes foram deixados e a mulher mais velha passou a tigela para a almofada ao lado.
“Quer beber algo?”.
“Quero, obrigada”.
“O que você quer?”.
“Qualquer coisa. Água está bem”.
“Huh. Uh”. Ronnie se levantou graciosamente do sofá e foi até a cozinha, voltando um minuto depois com refrescos para cada uma.
“Obrigada”, disse Rose, pegando o copo. “Quer retroceder para ver o que passou?”.
“Não, já vi este muitas vezes”. Sentou-se e meteu suas pernas por baixo de si mesma. “Sou uma apaixonada por um bom romance”.
Tabitha preguiçosamente chegou para ver o que estava acontecendo. “Mrrow?”.
“Não vamos levantar daqui agora. Vai brincar”, disse Ronnie. Ao que parece o alaranjado e branco gato pensou que ela havia dito’vamos sobe’, porque fez exatamente isso, cruzando-se sobre o colo da executiva e se colocando debaixo entre as duas mulheres.
“Quer que a coloque no chão?” Rose colocou sua mão embaixo do estomago do felino, pronta para espantá-la.
Ronnie olhou para a ronronante gata. Até duas semanas atrás nunca havia deixado um animal tomar o controle de sua casa. “Acho que não vai estragar nada”. A verdade era que ver Rose feliz fazia com que a executiva sorrisse internamente e obviamente estar ao redor de Tabitha fazia isto. Estendeu sua mão e deixou que seus longos dedos se unissem aos menores em acariciar ao alegre ronronante felino.
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A terça-feira trouxe a Cartwright Corporation os assuntos que não poderiam ser ignorados por mais tempo. Ronnie tentou despedir-se da ainda adormecida Rose e se dirigiu até o jeep.
Os locutores da manhã estavam ocupados zombando das recentes atividades políticas, deixando a executiva sem escolha exceto para um CD de pop. Dirigia seu jeep azul brilhante nas ruas de um só sentido com uma série de intermináveis luzes até que chegou ao estacionamento Hudson Avenue. Impulsionou-se sobre a rampa depois ao elevador até que chegou ao reservado na fila dos espaços reservados para os executivos de Cartwright. Ronnie estacionou no lugar reservado para ela e desligou o motor. Tomou alguns minutos para concentrar-se no trabalho depois de ser a guardiã durante tantos dias. Sentindo-se pronta para fazer frente ao que lhe esperava, Verônica Cartwright saiu de seu veículo e se dirigiu até o elevador que levaria a seu andar. Desde ali teria uma caminhada a State Street e ao edifício Cartwright.
A pior parte sobre ter escritórios corporativos nos andares superiores de um grande arranha-céus no centro de Albany era que tinha que dividir o elevador com todo o mundo que trabalhava nos andares inferiores. Ronnie se encontrou apertada no canto enquanto mais e mais pessoas se convenceram de que elas poderiam caber no pequeno transporte. Agarrou sua maleta apertando-a contra seu corpo e esperou uma interminável quantidade de tempo para que as portas do elevador finalmente se fechassem e começasse o lento passeio até em cima. As misturas de colônias e perfumes atacaram seus sentidos, persistindo atrás depois que seus donos saíram a seus determinados andares. Quando o elevador finalmente chegou no vigésimo oitavo andar, uma Ronnie agradecida saiu para fazer frente às portas duplas de vidro que conduziam aos escritórios corporativos Cartwright.
“Bom dia, Laura. Algo importante que precise saber?” Verônica perguntou, tirando a pilha rosada de mensagens telefônicas de seu quadro. Mais da metade foi amassado e lançado no cesto azul ao lado da mesa da jovem secretária.
“Os relatórios estão na sua mesa”. A pequena mulher de cabelo castanho deu uma olhada na agenda de compromissos. “A senhorita tem uma reunião as dez com os investidores de Houston e sua irmã lhe deixou um recado que assim que chegasse ligasse para ela”. Pegou o casaco de sua chefa e cruzou a sala para pendurá-lo no armário. “Ela disse que é importante”.
“Sempre é importante para Susan”. Verônica respondeu, sem impressionar-se. Alcançando a maçaneta da porta de sua sala ordenou, “ligue para minha casa e coloque Maria no telefone para mim”.
Uma vez dentro da intimidade no canto de sua sala, Ronnie deixou seus sapatos debaixo da mesa e caminhou descalça silenciosamente ao redor, trazendo uma xícara recém feita de café de sua cafeteira pessoal que mantinha em sua sala. Poucos minutos mais tarde estava sentada em sua mesa, com o computador ligado. Uma educada chamada no interfone e o brilho da luz em seu telefone lhe disseram que a tarefa de Laura havia sido efetuada. Pegou o negro auricular e pressionou o botão para a linha dois. “Maria”.
“Aconteceu alguma coisa?” A governanta perguntou. Era raro que Ronnie ligasse para casa.
“Só queria saber como vão as coisas com nossa hóspede”.
“Rose ainda está dormindo. Quer que eu a acorde?”.
“Não”. Tentou esconder a decepção de sua voz. “Escuta, quando ela acordar, dê-lhe o número do meu escritório para que ela ligue para mim, OK?”. O som da porta do escritório se abrindo fez com que Ronnie levantasse a cabeça. Susan estava parada ali, sua linguagem corporal indicava que era algo de vida ou morte. “Tenho que desligar. Diga-lhe que me ligue”. Desligou. “O que foi?”.
“Conhece a essa sua ‘nova contratada’? Rose Grayson?”.
“Sim. O que tem ela?”.
“Ela nunca se apresentou para trabalhar. A documentação da rescisão acaba de chegar a minha mesa”.
“A documentação da rescisão? Quem autorizou isso?”.
“Grace fez isso. A Contabilidade é seu departamento. Disse que nunca havia ouvido falar desta mulher e que nunca se apresentou para trabalhar”.
Ronnie pegou o telefone e pressionou os dígitos para o telefone de Laura. “Ponha Grace ao telefone”. Devolveu sua atenção a sua irmã. Tudo o que envolver Rose tem que vir a minha sala imediatamente. Não deve fazer nada que a envolva sem meu consentimento”.
“Ronnie, o que está acontecendo? Contratou alguém para um nível de iniciante, lhe dá benefícios completos imediatamente e, além disso, ela não se apresenta para trabalhar?”.
“Não se preocupe com isso, Susan. Cuidarei disto”.
“Grace na linha três”, a voz de Laura saltou através do interfone. Ronnie pegou o telefone.
“Grace, há um problema com um novo empregado, Rose Grayson?”.
“Sim, parece que ela nunca se apresentou para trabalhar”. A prima respondeu.
“Não se preocupe com isso. Ela está de licença médica estendida. Só processe seu papel cada semana. Sob nenhuma circunstância a rescinda”.
“Por que? Ronnie, ela nunca se apresentou. Além disso, nunca vi essa mulher Grayson. Tudo o que tenho são alguns formulários enviados por fax de Susan na semana passada”.
“Sei de tudo isso”. Houve uma pausa e pensou que sua prima ia discutir um pouco mais sobre isto. “Grace não discuta sobre isto”.
“Bem. Você é a chefa”. Houve um clic seguido pelo som de linha. Ronnie desligou o telefone e deu uma olhada na tela de seu computador. “Algo mais, irmã?”.
“Claro que sim”. Susan respondeu, movendo-se ao redor da mesa até que parou ao lado de sua irmã mais velha. “Ronnie, vamos, o que está acontecendo?”.
“Nada que você precise se preocupar. Estou certa de que tem coisas mais importantes para fazer do que se preocupar com uma pequena empregada”.
“Uma pequena empregada a quem misteriosamente você contratou”. A ruiva se inclinou impensadamente contra a mesa de mogno. “Ronnie, nunca contratou diretamente alguém para um lugar exceto Laura”. Um pensamento lhe ocorreu. “Isto não é como quando estava em Stanford, não é?”.
A menção de seu grande fracasso pessoal trouxe a atenção da executiva afastando-a do computador. “Susan, não pode deixar este assunto morrer? Isso foi há dez anos!” Não podia deixar de notar seu tom irritado.
“Hei, tinha que ser mais sábia e não confiar em algum pobre lixo branco”.
“Christine não era um pobre lixo branco. Ela estava lá com uma bolsa acadêmica”.
“E que assunto vocês duas estudavam a noite em seu quarto?” Susan resmungou. “Não estava lá quando papai respondeu ao telefonema à noite quando ela ligou. Não ouviu as coisas que ela lhe disse. A maneira em que ameaçou trazer a conhecimento público”.
“Pare com isso, Susan”, avisou com um grunhido baixo. “Eu poderia ter cuidado disso”.
“Como? Teria preferido que todo o mundo soubesse que a herdeira evidente de Cartwright Corporation era diferente?”. Encolheu-se na olhada ardente nos olhos de Ronnie. “Olha, você é minha irmã e a amo. Posso entender que incorreu em um engano. Era jovem, não sabia muito. Só não quero que sofra com isso outra vez”.
“Isso não está acontecendo”. Ronnie pegou um lápis e começou a batê-lo levemente na mesa.
“Prometeu a papai que não aconteceria outra vez”.
“E não acontecerá!” O lápis foi lançado de maneira irada, caindo fora da mesa ao chão. Ronnie se levantou e olhou para fora pela janela o horizonte de Albany, vindo a seu interior a lembrança de sua grande humilhação. A visão dos olhos azuis da loira que uma vez a havia enchido de felicidade unicamente para se virar e se transformar em uma chantagista chupando sangue lampejava diante de seus olhos. “Eu nunca… quero dizer… desde…”. Deu-se por vencida e continuou olhando fixamente para fora pela janela.
“Ronnie…”. Susan que estava parada ao lado de sua irmã mais alta colocou sua mão no antebraço desta. “Senti-me tão mal por você quando mamãe e papai foram lhe apanhar no aeroporto aquela noite”. A ligação de Christine exigindo dinheiro em troca de manter silêncio sobre sua aventura veio duas horas antes de Ronnie subir no avião para o condado de Albany onde passaria as férias de Natal em casa com sua família. “Esse foi o pior dia de festa que posso lembrar. Tudo era gritaria e gritaria”.
Havia sido um assunto em que as duas irmãs jamais haviam tocado até então. Ronnie nunca havia sabido dos verdadeiros sentimentos de Susan sobre o assunto de sua sexualidade ou o inteiro incidente da chantagem. Sem se virar, a mulher mais velha falou. “Desejava vir para casa. Depois que Chris e eu terminamos faltei o dia de Ação de Graças”. Balançou a cabeça. “O que foi que eu fiz de tão horrivelmente incorreto?”. Perguntou reservadamente.
“Confiar nela ou ter sexo com uma mulher?” Susan perguntou, virando-se e inclinando-se contra o parapeito da janela.
Ronnie encolheu os ombros. “Qualquer coisa… ambas… ah, não importa”. Virou-se se retirando da janela e sentando-se em sua cadeira. “Ambas temos trabalho para fazer”.
“Não está bem”. A ruiva disse, puxando uma cadeira para se sentar ao lado da mesa de sua irmã. “Olha, o que eu disse anteriormente sobre ser diferente, eu não quis dizer…”.
“Esqueça”.
“Não. É sua vida. Não tenho nenhum direito de lhe julgar. O Senhor sabe, eu fiz coisas das quais estou envergonhada”.
“Não há julgamento nessa declaração, ou há?” Ronnie disse sarcasticamente, virando sua cadeira um pouco e tirando a gaveta do teclado. “Acho que não há nada de mais ter uma aventura com seu personal trainer, mas não com alguém do mesmo sexo, correto?”.
“Não achava que sabia sobre André”. Susan disse com indecisão, se perguntando quanto sua irmã sabia.
“Muita coisa não me escapa”. Digitou a contra-senha, trocando a tela da insígnia corporativa a sua sala. “Olha, eu aprendi minha lição, OK? Não freqüento bares gays, não cruzo os campos de sofball, ou tenho um desfile de mulheres que entram e saem de minha cama”.
“Tem também trinta e três anos e não está casada, Ronnie. Isto é um negócio. Temos que manter certa imagem”.
“E eu faço isso!” Levantou-se e começou a andar. “Sempre fui a todas as funções de caridade com um acompanhante masculino de boa aparência. Não faço isso? Não faço nada para aborrecer a preciosa imagem da família”.
“De que se trata isto, uma mulher?” Susan levantou-se para ficar de frente para sua irmã. “É isso? Realmente. Ajude-me a entender, irmã. Crescemos juntas. O que está acontecendo?”.
“Susan, estamos no trabalho. Vamos deixar as coisas assim, OK?”.
“A misteriosa Rose Grayson permanece na folha de pagamento e seguro porque assim você disse”. A ruiva estava obviamente enfurecida pelo tom brusco. “Há algum outro problema no que esteja interessada ou este é só ela?”.
“Sou a presidenta, não é assim?” Ronnie franziu o cenho. “Tudo sobre Grayson não é grande coisa, Susan. Tampouco não tem que se preocupar em me ver de cabeça orgulhosa no próximo desfile gay. Agora podemos falar de algo mais?”. Foi até sua mesa e se sentou. “Fiou algum empréstimo para Tommy?”.
“Por que Tommy precisaria de um fiador? Ele está faturando muito dinheiro. Ele inclusive, além de uma casa própria possui uma cabana no Adirondacks”.
“Ele não cumpriu um empréstimo que tinha meu nome falsificado nele como fiadora”.
“Deve haver algum tipo de erro”.
“Nenhum erro. Vou receber as cópias do contrato para que eu possa compará-lo com a minha assinatura”.
“Talvez alguém tenha inventado também o nome de Tommy”.
“Sim, talvez. Vou descobrir assim que receber os papéis. Enquanto isso lhe sugiro que dê uma olhada nos seus registros bancários”. Alcançou o mouse e clicou abrindo sua conexão bancária. “Ah, uma coisa mais. Estou pedindo uma auditoria de Propriedades Imobiliárias”.
“O que?”. Está auditando os livros de Tommy?”. Susan não foi nada educada. “Sabe como ele enxergará isso?”.
“Como se eu não confiasse nele. Não confio”. Um rápido digitar de seu número de conta e contra-senha e Ronnie dava uma olhada em suas recentes transações. O cartão magnético que parecia de repente um cartão Visa de platina era prático. Todas as compras foram destinadas a sua conta corrente em menos de dois dias, fazendo com isto a verificação fácil de que seu cartão não estava comprometido. Olhava a listagem, observando os artigos familiares como os brinquedos de Tabitha e a cama de Rose. “Você mesma disse que pensava que algo estava acontecendo. Quer descobrir isso agora, ou quer esperar até que saia na imprensa? Pensei que estava preocupada com nossa imagem“.
Susan eriçou-se com o comentário, mas concedeu contrariada que sua irmã tinha razão. A confiança era um reparto grande com a imagem pública. Os nomes públicos eram recordados e se não o fizessem cada noite as noticias seriam mais que felizes em recordá-los. Os escândalos eram assim recordados durante muito tempo em Albany. Até o momento Cartwrights havia tido muita sorte em não estar implicados publicamente, não importava os custos privados. “Está bem”, a irmã mais jovem suspirou. “Não posso ver nada de mal se ele é inocente”. Dirigiu-se até a porta. “Ronnie?”.
“O que?”.
“Se ele for inocente, terá que lhe pedir desculpas. E se assegurar de que mamãe não descubra sobre isto”. O interfone tocou, rapidamente se ouviu a voz de Laura.
“Rose na linha um para a senhorita”.
Ronnie levantou o olhar até ver os olhos de sua irmã se iluminar com o nome. “É essa a misteriosa Rose Grayson?”.
“Adeus Susan”. Pegou o articulador e pressionou o botão. “Oi…”. Não havia como não notar a mudança na voz de Ronnie. Ficou mais suave… Mais gentil. Havia uma doçura nela que era um contraste direto com seu tom anterior. “Pode esperar um minuto?”.
“Já vou, já estou indo. Mas isto não é o final desta conversa”.
“Susan!”. Olhou de maneira mordaz a porta. A ruiva se foi, determinada mais que nunca em solucionar o quebra-cabeça de sua irmã e Rose Grayson.
“Oi, desculpe. Dormiu bem?”. Disse Ronnie, sentando-se em sua cadeira e apoiando seus pés na mesa.
“Muito bem. Maria disse que queria que eu ligasse?”.
“Sim… hum… Acho que só queria que soubesse que se precisar de qualquer coisa, diga a Maria. Vai ficar aí até que eu chegue em casa. Fará qualquer coisa que você quiser para o café da manhã, só lhe peça. Oh, e se houver algo que queira que lhe compre no supermercado, é só lhe dizer”.
“Estou muito bem, obrigada. Como está indo o trabalho?”.
“Oh, justo um dia típico”, Ronnie respondeu sarcasticamente. “É inacreditável que não tenha uma ulcera às vezes”.
“Gostaria de poder fazer algo para melhorá-lo para você”. Rose disse sinceramente.
Já o faz, a mulher de cabelo escuro pensou para si mesma. “Estou muito bem. Conte-me você. Gostaria de mariscos esta noite?”.
“Soa maravilhoso”.
“Pedirei a Maria que nos prepare algo delicioso”. A linha dois começou a piscar. “Acho melhor eu voltar a trabalhar, só queria saber como você estava”.
“Fico feliz que quisesse”.
“Hum… se quiser pode me ligar mais tarde”.
“Ok, bem, talvez depois do almoço? Não quero lhe incomodar”.
“Certo. Depois do almoço estará bem. Não acho que vou estar todo o dia deste modo”.
“Está bem… bem… acho que falarei com você mais tarde, certo?”.
“Ok, Rose. Relaxe e faça o que a enfermeira lhe disser”.
“Adeus”.
“Adeus. Ronnie escutou o desligar e depois o sinal da linha por alguns segundos antes de pressionar a linha dois. “Verônica Cartwright”. Sua voz era outra vez, puro negócios.
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Ronnie se surpreendeu ao ver à luz da cozinha acessa quando voltou para casa, até que lembrou que havia pedido a Maria que ficasse até que chegasse em casa. Ela e Rose, haviam falado brevemente à tarde, mas uma reunião interrompeu a ligação. Agora, afinal em casa, desejava passar o resto da tarde com a mulher loira. Pendurou seu casaco no guarda-roupa e chutou seus sapatos antes de entrar no escritório.
“Oi!”. Rose cumprimentou com entusiasmo e um enorme sorriso veio a seu rosto.
“Oi para você também”. Voltou sua atenção a Maria que estava recolhendo as cartas que ela e a jovem mulher haviam estado jogando. “Obrigada por ter ficado até tão tarde”.
“Não me custou nada. É melhor no Rummmy do que você é”, a governanta comentou, tirando um sorriso de Rose. “Posso ficar até tarde amanhã também se precisar”.
A primeira resposta que veio a cabeça de Ronnie era que não seria necessário, mas meditando no que havia acontecido hoje no escritório e no que ia acontecer quando Tommy descobrisse sobre a auditoria, reconsiderou sua resposta. “Realmente, acho que vou aceitar isso. Talvez possa chegar mais tarde de modo que não tenha que trabalhar tanto. Posso fazer meu próprio café”.
“Fazer seu próprio café e sujar cada peça de meus utensílios na minha cozinha”, Maria ofegou. “Estarei aqui as sete como sempre. A única noite que não posso ficar até tarde é quinta-feira. Carrie e Mônica se preocuparão se não me vêem chegar às seis e trinta”.
“Noite de bingo”, explicou Ronnie a sua hóspede. “Bom, já que está aqui, por que não fica e janta conosco? Tenho certeza que fez mais do que suficiente”.
A mulher mais velha riu suavemente. “Sabe que sua mãe teria um ataque se soubesse disso”.
“Por que? Sua mãe não gosta dela?” Rose perguntou, sua curiosa expressão virou um tímido cenho franzido quando Maria riu e balançou a cabeça.
“A senhora Carwright gosta de mim, criança. Mas considera de mau aspecto compartir uma refeição com a empregada doméstica”.
“Oh”, a jovem mulher murmurou, a vergonha tingiu seu rosto. Perguntava-se se a mãe de sua companheira a desaprovaria também.
“Mas minha mãe não decide com quem janto”, disse Ronnie firmemente. “Agora gostaria de comer na sala de jantar ou aqui mesmo?”.
“Hum… onde você quiser estará muito bom”.
“Colocarei alguns lugares na mesa. Levará só alguns minutos esquentar tudo”, Maria disse, ao sair do quarto.
“Obrigada”, disse Ronnie quando a mulher mais velha passou a seu lado, a pessoa que ela havia mantido na casa todo o longo dia. Agora sozinha com Rose seus ombros caíram, seus pés cansados protestaram de estar parados, e a dor de cabeça com a qual havia estado lutando fez sabida sua presença com total força. Cruzou o quarto e se deixou cair em sua cadeira. “Que dia!”. Levantou sua perna esquerda, apoiando-a sobre seu joelho direito, e começou a esfregar seu dolorido pé.
“Você enfrentou o Tommy?”.
“Não. Ele não apareceu”, Ronnie suspirou. “Ordenei a auditoria”.
“Oh”.
“Sim. Não vai ser uma bonita visão quando descobrir”. Começou a esfregar seu pé com mais força, usando ambas mãos para massagear os doloridos músculos. “Em cima disso tudo, tive uma montanha de papéis para despachar. Laura saiu no meio do dia”.
“Laura?”.
“Minha secretária”, esclareceu.
“Deve ter sido ela quem atendeu ao telefone quando liguei”.
“Sim, foi ela”. Ronnie inverteu a posição de suas pernas e começou a massagear seu pé direito. “Oh, genial”, franziu o cenho, olhando rapidamente no crescente desfiar que se movia em sua perna. “Sabe, alguém deveria ser capaz de encontrar uma maneira de fazer meias que não se rasgassem no instante em que as põem”. Levantou-se alisando a saia cinza escura. “Vou lá em cima me trocar. Com certeza quando voltar o jantar já estará pronto”. Seus olhos caíram sobre os filamentos dos cabelos circundado no rosto de Rose. “Depois do jantar acho que nós poderemos lavar seu cabelo”.
“Como vamos fazer isso? Não posso tomar uma ducha”.
“Tenho uma idéia”.
********
Depois de trocar-se por seus jeans e tênis, Ronnie pegou um molho de chaves e se dirigiu através do caminho da entrada pela cobertura de neve até a garagem. A construção original havia sido derrubada há três anos para dar lugar ao que conforme seu conceito deveria ser uma verdadeira garagem. Com a capacidade de guardar quatro carros comodamente, a garagem luzia múltiplas fileiras de luzes fosforescestes e um separado sistema de alarmes. A metade da parte traseira da garagem servia como um depósito. Entrando através da porta lateral, Ronnie caminhou rapidamente sobre o painel de controle e desativou o alarme.
Um rápido puxão do interruptor e os quatro enquadramentos foram banhados em um mar de luz branca. O primeiro enquadramento continha um carro escondido por uma capa de lona. Distraída por um momento, Ronnie caminhou até a parte traseira do carro e puxou a capa. A estigmatizada placa branca da estátua da liberdade no lado esquerdo e as letras azuis anunciavam o carro como “o brinquedo de Rons”. Puxou mais a capa para revelar a tampa da gasolina com o familiar logotipo do Mustang. “Logo”, se prometeu. Seu apreciado carro havia sido meticulosamente restaurado e o severo frio dos invernos de Albany significava que este teria que permanecer em hibernação até que as flores começassem a florescer outra vez. Seus dedos se arrastaram sobre o intenso azul metálico da pintura e sua mente vagou ao passado quando havia comprado o carro.
Era seu último ano em Dartmouth. Embora usasse o Audi que seu pai havia lhe dado em seu vigésimo primeiro aniversário, se encontrou sempre desejando o potente Mustang que o namorado de uma de suas irmãs da fraternidade possuía. A pintura estava falhada, a superfície oxidada era a cor dominante, mas quando se apertava o pedal até o fundo, o carro podia descarregar sua potência e não se levava em conta isto. Quando Ronnie pediu a seu pai permissão para sacar dinheiro suficiente para comprar um para ela, Richard Cartwright negou-se firmemente, dizendo que ela tinha um bom carro e que o Ford era um veículo muito perigoso. Ronnie estava serena, no entanto, economizou sua mesada durante todo o semestre até que conseguiu comprá-lo ela mesma. O dirigiu até em casa durante as férias da primavera, para tristeza de seus pais. Seu pai o classificou como uma sucata e sua mãe insistiu que ela só conseguiria se matar nessa ‘armadilha mortal’. Tentaram lhe oferecer um Mustang novo, ameaçando-lhe cortar a mesada, inclusive utilizaram a velha expressão de que ‘as damas de educação apropriada não dirigiam carros potentes’, mas nada funcionou. Antes do final de semana tudo o que haviam conseguido era fazer com que Ronnie ficasse mais determinada a conservar e restaurar seu veloz demônio azul. Embora há muito tempo não fosse seu carro principal, ainda o tirava para dar uma volta de vez em quando e, a beleza azul metálica continuava sendo o seu favorito.
Um suave vento a atravessou, puxando Ronnie do trilho das recordações e a regressando ao presente. Recolocou a capa sobre seu Mustang e caminhou ao enquadramento seguinte. O Porsche vermelho estava acomodado ali. Era a primeira vez que o via desde o acidente. No quarto enquadramento era onde estacionava seu jeep e deste modo afastava o carro esportivo com o objetivo de não se aproximar dele. Agora lentamente caminhou ao redor do carro, os olhos azuis percorriam todas as reparações. A fita verde rodeava as bordas do novo pára-brisa, sem dúvida permitindo que a nova borracha selasse fixando-o. A capota, a grelha, o pára-choque e o vidro do quarto direito dianteiro foram todos retirados, o cinza metal do chassi foi mantido firme em contraste com o resto do veículo. Uma caixa de ferramentas, com rodas, situada contra a parede dava evidências das visitas de Hans. Ronnie desviou o olhar do carro e inclinou as mãos contra a caixa de ferramenta lutando para manter seu estômago sob controle. Sabia perfeitamente que nunca mais poderia dirigir o Porshe outra vez. Engolindo em seco o ressurgimento da culpa se dirigiu rápido até a porta do depósito, todo o tempo se dizendo que tudo ia se resolver, que Rose se recuperaria totalmente, que o mal que havia causado poderia ser reparado. Provou três diferentes chaves na fechadura até que encontrou a correta e caminhou na escuridão do depósito.
Ronnie levou um minuto para encontrar o interruptor da luz. Quando o achou, imediatamente encontrou o que procurava. No canto, debaixo de um monte de trapos abandonados estava uma bombona utilizável de cinco galões que uma vez continha concreto de secagem rápida. Aproximou-se da utilizável tina e a limpou minuciosamente até que a leitosa água embranquecida corresse limpa. Completada sua tarefa, voltou para casa.
********
“Então, o que achou da última pergunta?”.
“Ainda digo que era muito fácil. Todo o mundo sabe que os números pares das rodovias correm de leste a oeste e as ímpares correm do norte ao sul”, Rose respondeu, ajustando a almofada atrás de sua cabeça. Maria havia ido embora há alguns minutos e elas estavam agora relaxadas no escritório.
“Se todo mundo sabe disso, por que tantas pessoas se perdem quando estão viajando?”. A mulher mais velha perguntou, recostando-se em sua cadeira e colocando seus descalços pés em cima na beira da cama próxima ao quadril esquerdo de Rose. Desde que os meses de inverno haviam começado e Ronnie não tinha motivos para usar sapatos com ponta aberta, não se incomodou em fazer as unhas dos pés como normalmente fazia. No processo de mexer seus dedos, uma unha arranhou contra a do outro lado. “Não me surpreende que esteja rasgando todas minhas meias. Acho que é hora de ligar para uma pedicura”. Viu uma distante olhada absorver a cara da jovem mulher. “Que foi?”. Perguntou suavemente. “Divida comigo”.
“Você falou de uma pedicura e eu estava lembrando quando tinha treze anos”. Vendo o expectante olhar gravado no rosto de sua companheira, Rose continuou. “O Estado encontrou a família Foster para mim por algumas semanas e eles tinham uma menina justamente de minha idade. Stacey gostou muito de me ter ao redor, porque eu era uma muito disposta cobaia para ela praticar sua cosmetologia. Gostava de brincar com os esmaltes de unha. Tinha fileiras e fileiras de esmaltes sobre sua penteadeira de todas as cores que podia imaginar”. Rose distraidamente esticou sua mão para baixo e colocou seus dedos sobre os dedos do pé de Ronnie. “Uma noite estávamos animadas. Pintamos cada unha de uma cor diferente. Lembro que em minhas unhas de meus dedos dos pés podiam se encontrar desde ameixa ao abacate a esse horrível púrpura”. Enquanto falava, seu dedo indicador tocava atravessando cada unha do grande pé descanso. “O mais divertido era que ficamos acordadas até muito mais tarde do horário que deveríamos ir para a cama e não tivemos tempo para tirá-lo. Fomos para a escola no dia seguinte e quando estávamos tomando uma ducha depois da aula de ginástica todos viram nossos dedos dos pés”. Riu suavemente. “Realmente foi divertido. Quero dizer, entre nós duas estavam vinte diferentes cores em nossos pés. Depois disso, Stacey usou deliberadamente diferentes tonalidades de esmalte em suas unhas. Essa foi à última vez que pintei minhas unhas dos pés”.
Ronnie a olhou de maneira zombadora, depois se levantou e foi ao pé da cama. Em menos de segundos as meias de grande tamanho foram tiradas para revelar os dedos dos pés de Rose. “Quando foi à última vez que foi a pedicura?”.
“Foi essa vez, se é que se pode chamar isso de ir a pedicura. Só uso o cortador de unhas para mantê-las curtas agora. Ai, calma”.
“Desculpe”, Ronnie se desculpou, deixando o pequeno dedo do pé que havia movido para poder olhar melhor o seguinte. “Pode sentir isso no seu tornozelo?”.
“Sim, é por isso que não o movimento. Minhas pernas doem bastante quando faço isso”.
“Quando foi à última vez que tomou algo?”.
“Não, não é que esteja mal agora. Prefiro esperar até que realmente o precise”.
Ronnie levantou o olhar e lembrou o que queria fazer essa noite. “Está pronta para lavar seu cabelo?”.
“Encontrou uma maneira?”. Incorporou-se, preparando-se para se instalar novamente na cadeira de rodas.
“Não, fique aqui. Resolvi de modo que não tenha que sair da cama”. Olhou a cama ajustável, neste momento a levantou a um cômodo ângulo. “No entanto, terá que colocar a cama em uma posição plana.
Poucos minutos depois Rose estava acomodada de costas na cama, sua cabeça suspensa em um costado. Pendurada ao redor de seus ombros uma toalha para proteger o colchão contra qualquer água com sabão. Ronnie estava situada sobre um banquinho que havia pegado na cozinha, a bombona branca de cinco galões acomodada entre seus joelhos. Uma toalha grande foi colocada no chão para proteger contra qualquer goteira. “Está pronta?”. Perguntou.
“Sim”.
Ronnie derramou a água lentamente sobre as mechas loiras, usando sua outra mão para ajudar a distribuir o líquido sobre todo o cabelo. Derramou uma quantidade generosa de xampu em sua mão e a trabalhou em uma espuma. Ronnie fez todo o possível para sustentar a cabeça de Rose, para não forçar excessivamente o pescoço da jovem mulher. “Como está sentindo isto?”.
“Deliciooooso”, murmurou como os olhos verdes fechados. “Você tem dedos fortes”.
“Os exercito. Estou pressionando muito?”.
“Oh, não, está muito bom”.
“Bom”, Ronnie continuou movendo seus dedos no suave cabelo, minuciosamente lavando este. “Hora de enxaguar. Mantenha os olhos fechados”. Usando sua mão esquerda levantou a cabeça de Rose, pouco a pouco enxaguou o xampu. Uma vez que havia eliminado a maior parte, colocou mais um pouco do líquido com essência de morango em sua mão. “Segunda rodada”.
“Vai lavá-lo outra vez?”. Rose perguntou surpresa.
“Claro. Sabe as indicações. Lavar, enxaguar, repetir”. Trabalhou o xampu no dourado cabelo antes que a jovem mulher pudesse dizer que não. “Assume que o lava só uma vez?”.
“Sim, se usa menos xampu dessa maneira. Meu cabelo sempre parece limpo. Muita gente o lava só uma vez”. Rose se reclinou com a pressão suave, mas firme dos dedos de Ronnie. Não só foi tratada com uma segunda lavada, senão teve o condicionador penteado através de seu cabelo. A executiva teve que ir duas vezes buscar mais água, mas os resultados valeram a pena. A suave luz de cima ricocheteava várias mechas do cabelo de Rose, criando uma aureola de ouro ao redor do rosto da jovem mulher.
“Ficou maravilhoso”. A mulher de cabelo escuro disse, observando o sorriso que veio da cara de sua companheira ao se olhar no espelho que Ronnie sustentava em sua mão. “Não é mesmo, Tabitha?”. Perguntou ao gato que decidiu que a água não era uma grande ameaça.
“Mrrow?” Depois de dois segundos, a alaranjada e branca máquina ronronante estava acomodada no ventre de Rose.
“Ooof, está definitivamente ganhando peso”.
“Acho que Maria está lhe dando as sobras, mas não posso provar”, Ronnie disse com um sorriso.
“Só sei que cada vez que ela está cozinhando esta bola de pêlos sai da cozinha lambendo seus bigodes”.
Ding, ding, dong, dong. Os agudos sons da campainha soaram ao longo da casa. “Quem poderá ser a esta hora?”. Ronnie perguntou, olhando o relógio sobre a mesinha. “São quase dez horas”. A campainha soou outra vez, desta vez acompanhada por furiosas batidas contra a sólida porta de carvalho.
“Ronnie? Ronnie abra esta fodida porta!” Ouviu o grito seguido por mais batidas e sons da campainha.
“Volto já”. Colocou seu tênis e meteu o excesso do cordão nos lados. Tabitha saltou da cama, detectando que algo mais interessante estava a ponto de acontecer no outro cômodo. “Oh, não você não. Fique aqui com sua mãe”. Ronnie pegou a protestante felina e a colocou novamente sobre a cama, desta vez ao alcance da mão de Rose.
********
“Ronnie! Abra esta fodida…”. As palavras morreram na garganta de Tommy quando ele viu a luz exterior se acender e ouviu a fechadura sendo girada. “Bem, já era hora”.
“Que está fazendo aqui há essa hora?” Franziu o cenho, não tendo dúvida de que seu irmão mais novo estava completamente bêbedo.
“Que demônios está tentando me fazer?” Tommy passou por ela e atravessou o vestíbulo entrando para a sala de estar. “Não vou trabalhar um dia e você ordena uma fodida auditoria?”.
“Este não é o momento para se falar sobre isto, Tommy. Vá para sua casa e durma”. Ronnie se colocou entre ele e o escritório, tentando levá-lo novamente até a porta. Colocou sua mão em seu braço unicamente para afastá-lo.
“Vá a merda, Ronnie!”. Passou para o outro cômodo e deu um chute na frente da madeira do móvel do centro de entretenimento. Ronnie se virou e ficou de frente a ele, podendo notar claramente a barba crescida de vários dias assim como o descuido do cabelo e as roupas. Tommy havia obviamente estado fora do ar e só agora havia ouvido as notícias. “O que acha que estou fazendo? Roubando de minha própria companhia?”.
“Não sei o que você está fazendo, mas não vou deixar que isto continue”, devolveu o grito, mostrando um pouco seu próprio mau humor. “Que é isso, Tommy? Drogas? Jogo?”.
“Vá pro inferno, Srta. Forte e deusa toda poderosa!” Seu punho se fechou se encontrando com bastante força contra o gabinete golpeando um pequeno vaso de cristal. Só que o grosso tapete salvou a antiguidade de se quebrar.
“Saia da minha casa, Tommy”.
“Sua casa”, zombou. “Cresci nesta casa de merda. O que lhe dá o direito de dizer para eu sair?”.
“Comprei a casa honradamente e a carta cabal de mamãe e você sabe disso”. Seus olhos diminuíram em uma olhada selvagem, quase desumana nos olhos de seu irmão. Tommy era muito forte por si só, mas se ele estava drogado…
As suspeitas de Ronnie foram confirmadas alguns segundos depois quando levantou o extremo da pesada mesa de café e a virou. “Age como se fosse um anjo, mas não é, Ronnie”. Por um momento, ele ficou parado, mas mesmo assim ela manteve distância. Seu coração batia fortemente com a adrenalina bombeando através dela. “Você se senta nesse escritório dia após dia. NÃO tem idéia de como é trabalhar para uma vida”, cuspiu, “não posso só mergulhar meus dedos e fazer com que a carteira fique maior”.
“Não, mas pode falsificar minha assinatura em um empréstimo”, ela replicou.
“O que?”.
“Não cumpriu um empréstimo que tinham meu nome nele como fiadora. Por que precisava de um fiador, Tommy?”.
O homem de cabelo loiro piscou algumas vezes quando compreendeu a informação. “Merda. Isso é tudo o que sempre lhe preocupou, não é? A merda do dinheiro?”.
“Alguém tem que se preocupar com isso. Claro que você não. Agora saia da minha casa!”.
“Não é sobre isso! Não me importa o que vai aparecer em sua maldita auditoria, não pode me chutar da companhia”. Um pensamento lhe ocorreu. “Pode possuir a maioria das ações, mas não tem o controle dos interesses. Pensa que alguém vai votar com você para conseguir se livrar de mim?”. Deu um curto riso, sua energia começou a desaparecer já que para completar havia cavalgado. “Enfrente, Ronnie. Não pode fazer nada sobre mim. Acha que mamãe vai votar com você para me destituir? Frank? Susan? Não pode ganhar esta batalha”. Dirigiu-se a porta. “Qualquer tonto pode ver isso. Só deixe-me em paz, irmã, ou vai lamentar”. Tommy fechou a porta atrás dele com uma pancada, o som que se propagou através do cômodo. O coração de Ronnie estava batendo com força e poderia supor que Rose estava com medo.
“Você está bem?” Ronnie perguntou quando entrou no escritório. Notou a palidez do medo na cara da mulher loira. “Hei, está tudo bem”.
“Ele estava muito irritado. O que se espatifou?”. A expressão de Rose era mais serena agora que sabia que Ronnie estava segura. Acariciou o lugar vazio na cama a seu lado. “Aqui, senta aqui”.
“Não, obrigada”, a alta mulher continuou em pé, embora o suave travesseiro lhe fizesse sinais. “Ele empurrou a mesa de café e socou a superfície do gabinete. Nada quebrado”. Olhou na TV, ainda acessa, mas com o som silenciado. “Hei, há um desses programas de notícias de revista”.
“Sim, estão achando que tem uma coisa nesses caminhões de transportes e que são perigosos”. Acariciou a cama outra vez. “Vamos, o calor e a massagem estão ligados. Isto tem que ser mais confortável do que essa cadeira”. Acendeu a pequena lâmpada na mesinha a seu lado justo antes que Ronnie apagasse a luz de cima. Ambas preferiram o suave brilho para olhar a televisão.
“Ficaria surpresa de saber o quanto é confortável esta cadeira”, Ronnie respondeu, dando um pontapé em seus tênis e com reticências aceitou a oferta. Afundou-se no vibrante calor e fechou os olhos com prazer hedonista. “Oh! Isto é agradável. Tenho que conseguir uma destas para meu quarto”. Acomodou o travesseiro atrás de sua cabeça, deslizou os pés debaixo das cobertas. Rose pressionou o botão e começou a olhar o programa. Com a alta mulher a seu lado direito, sentia uma sensação de segurança e rapidamente as batidas de seu coração retrocederam a um nível normal.
Rose usou o controle remoto para desligar a televisão logo que as notícias começaram. “Isso não estava interessante?”. O não recebimento de resposta fez com que virasse sua cabeça para ver os olhos de sua companheira fechados. “Ronnie?” Nenhuma resposta, só o rítmico subir e cair do suéter que cobria o peito. Rose apagou a lâmpada. A cama era bastante grande. Não havia razão para acordar Ronnie só para enviar a mulher mais velha a sua própria cama. “Boa noite, Ronnie”, sussurrou, fechando os olhos e deixando que a regular respiração da mulher a seu lado a acalmasse colocando-a em um profundo sono.
*********
Os olhos azuis se agitaram abrindo-se pouco depois das seis e olhou ao redor, tentando encontrar seus travesseiros. “O que o… oh”, resmungou, dando-se conta que havia adormecido na cama de Rose. Tomando um momento para apagar o sono de seus olhos, Ronnie se apoiou sobre um cotovelo e desceu o olhar a sua adormecida companheira. Os raios da manhã ressaltaram o arrebitado nariz, as oxidas sobrancelhas, e os lábios cheios separados um pouco com o sono. Os segundos fizeram tic tac enquanto observava a adormecida mulher. Adormecer facilmente ao lado de Rose a assustou. Com exceção de Christine, Ronnie nunca havia dormido com alguém. Havia feito isso unicamente porque estava esperando por sua amante. Sinceramente, nunca se sentiu à vontade dividindo uma cama e podia freqüentemente desaparecer e dormir na costumeira cama de seu dormitório. No entanto, obviamente não teve problema em se enroscar e dormir ao lado de Rose. Era um curioso mistério, pois Ronnie sabia com certeza que não havia sido deliberado. Sentia um suave zumbido da massagem embaixo. Foi isso. Tinha que ter sido a massagem. Isto a relaxou bastante para fazê-la adormecer sem se dar conta da presença de alguém mais na cama. A executiva sorriu para si mesmo com a lógica de sua explicação, inclusive quando escolheu ignorar o fato de que ainda estava ali ao lado de Rose. Contemplava consentir-se, mas a voz da responsabilidade triunfou. Com um decepcionado suspiro de maneira lenta saiu da cama sigilosamente, cuidadosa de não incomodar sua companheira, e caminhou silenciosamente até o banheiro.
Uma vigorosa sessão de exercícios e uma reconfortante ducha prepararam Ronnie para o dia. Inalou no café que Maria fez para ela enquanto colocava seu longo casaco de lã. A temperatura havia caído consideravelmente à noite, descendo a só um digito. Dirigia-se até a porta quando o telefone tocou.
“Residência Cartwright”, Maria respondeu. “Agora mesmo. Ronnie, é Susan. Ela parece perturbada”. Ela pegou o telefone de cor creme e assentiu a sua governanta.
“Susan?”.
“Ronnie, temos um problema”.
“Tenho certeza que temos mais um. O que tem de tão grave que não pode esperar até que eu chegue ao escritório?”.
“Ricky e Timmy ambos caíram com varicela”.
“E? Susan, seus filhos estarem doentes não é o fim do mundo. É só varicela”.
“Ronnie, a festa de Natal da família é esta noite”.
“E?” Desabotoou seu casaco, decidindo que não ia ser uma rápida e fácil conversa telefônica depois de tudo. “Estou muito ocupada para ir. Por que teve que planejar a festa para quarta-feira à noite?”.
“Foi o melhor dia para assegurarmos que todos possam vir. As pessoas sempre têm festas para ir aos finais de semana. Colocar esta em uma quarta-feira garantia que todos poderiam estar presentes, mas esse não é o ponto. O ponto é que nós não podemos ter a festa aqui”.
“Então. Alugue um salão em algum lugar”. Então a ficha caiu. “Oh, não você não, Susan. Não vou fazer a festa aqui”.
“Ronnie. É muito tarde para alugar um salão e enviar o endereço a todos”.
“Não vai fazer em minha casa. Não, não, não”. O casaco agora se encontrava em um tamborete próximo. “Irmã, não posso ter a festa aqui. Tem alguma idéia de quanto trabalho isto poderia tomar?”.
“É perfeito. Todo mundo sabe onde você mora e gostarão da idéia de uma boa festa ao estilo antigo na casa Cartwright”.
“Já lhe disse antes. Esta é minha casa agora e não quero cada parente pisoteando ao redor daqui”. Olhou para Maria que preparava ovos para o café da manhã de Rose. “Irmã, tenho a Companhia que permanece comigo. Não é realmente conveniente ter gente aqui”. O tom da ligação em espera sinalou. “Não desligue, Susan, tenho outra ligação”. Pressionou o botão que piscava. “Fala Verônica”.
“Ronnie, sou eu sua mãe”.
“Olá mamãe”. Rodou seus olhos, tirando uma divertida olhada de sua governanta.
“Estarei aí depois que chegar do aeroporto para ajudar com o bufê e me assegurar de que não colocará algum desses chamativos enfeites”.
“O que? Susan ligou primeiro para você? Ela está me aguardando na outra linha”.
“Sim. Falou. Decidimos que a casa seria a solução perfeita”.
A perfeita solução para todos menos para mim, Ronnie pensou para si mesma. “Mamãe, não posso ter a festa aqui. Não poderíamos só voltar a programar esta festa ou conseguir um salão em algum lugar?”.
“Não. Nós não podemos”. Beatrice Carwright respondeu. “Agora Verônica, não temos tempo para todos estes tontos egoísmos. Tenho que pegar sua tia Elaine no aeroporto as três. Envie um carro para pegar nós duas e se assegure de não enviar aquele incompetente idiota da última vez. Ele demorou uma hora para chegar aqui”.
“Mãe, foi por causa da tempestade de neve que parou o tráfego por quilômetros. Não foi culpa dele”.
“Ele deveria ter tomado a rota alternativa. Não pôde inclusive nem entrar em frente ao terminal. Só se assegure de conseguir alguém diferente desta vez”.
“Mas…”.
“Nenhum, mas para você, jovenzinha. Agora tenho que conseguir uma hora no salão de beleza. Fale com sua irmã e não se esqueça de ligar para meu carro”.
“Ma…”.
“Adeus, querida. Gosto de falar com você”. Click. Ronnie tirou o telefone de seu ouvido e olhou fixamente o auricular por um momento antes de bater no botão que piscava.
“Susan? Ainda está aí?”.
“Estou aqui. Acho que era a mamãe na outra linha”.
“Achou corretamente. Nada como trazer a artilharia pesada”.
“Lamento isso”. Ronnie duvidou da sinceridade de sua irmã. “Levarei alguns enfeites que as crianças fizeram. Ooh, são tão lindos. Ronnie, você vai amar. Ricky fez uns com ouropel verde…”.
“Irmã, preciso conseguir o que será necessário”. Deu um suspiro de derrota. “Suponho que tenho uma festa para deixar pronta”.
“Oh, com certeza. Jack e eu estaremos ai por volta das seis. Deixarei a família saber”.
“Tenho certeza de que mamãe já fez isso”, Ronnie disse em um tom seco. “Se ocupe de conseguir o decorador e o bufê para aqui. Oh, e Susan?”.
“Sim?”.
“Isso nos dá um empate”.
*********
Rose estava surpresa de ver Ronnie entrar e ligar o computador. “Bom dia”.
“Bom dia, Rose”, respondeu, deixando sua xícara de café sobre a mesa e digitando sua contra-senha. “Maria trará seu café em alguns minutos”. Fez um click em seu arquivo de correio e rapidamente escaneou alguns sem ler.
“Aconteceu alguma coisa ruim?”.
“Ruim? O que poderia ser provavelmente ruim? Minha mãe e minha irmã decidiram que a festa de Natal da família se levará a cabo em minha casa, esta noite”.
“Oh”. Uma pausa momentânea, então. “O que vai fazer?”.
“O que posso fazer? Suponho que me toca conseguir que este lugar esteja pronto para eles”. Começou a dar batidinhas com o lápis em sua mão esquerda sobre a mesa. “Pelo menos um terço deles fuma. Coloquei esses tapetes faz três anos e estão ainda perfeitos. Acha que permaneceram dessa maneira? Ah. Acredito que vão estar aqui pelo menos meia dúzia de buracos de queimaduras neles antes que a noite termine”. Ronnie parou de gritar o tempo suficiente para tomar um gole de café. “Tenho que mudar todos os móveis, fazer que Maria limpe a sala de jogos e abastecer o bar lá dentro, fazer que a loja de bebidas me faça uma entrega…”. As batidas aumentaram. “E, além de tudo isso, tenho que ir comprar para nós duas algo para usarmos”.
“Nós?”. Rose engoliu em seco diante do comentário.
“Claro”. Ronnie a olhou fixamente. “Não quer cumprimentar todo mundo usando minha camisa de Dartmouth, ou quer?”.
“O que? Humm…”. A impressão era que havia deixado a mulher loira perdida sem palavras. “Eu… bem…”.
“Rose, não estou tentando lhe castigar fazendo com que conheça minha família, mas não vou lhe trancar em um quarto sozinha toda à noite enquanto há uma festa acontecendo”. O lápis encontrou seu caminho em seus perfeitos dentes brancos, que começaram a roer na borracha. “Realmente”, murmurou entorno do amarelo utensílio de escrever enquanto olhava ao redor do quarto. “Acredita que ambas podemos nos esconder aqui por toda à noite?”.
Riram suavemente por alguns segundos antes que a seriedade da situação assumisse o controle. Ronnie deixou o lápis na mesa e moveu sua cadeira para mais próxima da cama. “Mesmo que lhe deixasse escondida, todo mundo sabe que há um banheiro aqui dentro”. As mulheres encontraram sua conversa interrompida por Maria, quando esta entrou no quarto com a bandeja do desjejum e uma jarra de café.
“Onde quer a árvore?” Perguntou a governanta.
“Na casa de outra pessoa”, Ronnie brincou, conseguindo um suspiro de sua companheira. “Não importa. Rose e eu vamos ficar escondidas aqui toda à noite”.
“Nem sequer pense nisso, Verônica Louise”. Maria deixou a bandeja sobre o colo de Rose e começou a servir o café na xícara de porcelana. Ronnie estendeu sua xícara na expectativa. “Não tenho tempo suficiente para limpar os tapetes”.
“Aspire-os estará bem. Obrigada”. Levou a xícara a seus lábios e tomou um gole agradecida. “Quer que chame algum lugar e lhe consiga ajuda extra para que o lugar fique pronto?”.
Uma olhada parecida com uma dor brilhou através dos olhos cafés da governanta. “Só porque não percorre ao redor como sua mãe, investigando para saber se há alguma poeira, não significa que deixo a casa desatendida. A prata é polida regularmente inclusive a que você não usa. A exceção de um rápido trabalho de passar o aspirador e mover os móveis, nós estaremos preparadas para a companhia. Claro, que não posso colocar novamente a mesinha do café da maneira em que deveria estar”.
“Desculpe, Maria, eu não quis sugerir que você faz algo menos que um trabalho perfeito. Cuidarei da mesinha do café e todo o resto”. Pegou sua xícara. “Agora preciso sair e conseguir umas coisas”. Ronnie levantou-se e deu a Rose um sorriso. “Sua enfermeira deve chegar daqui a pouco e eu voltarei em um par de horas. Qual é a sua cor favorita?”.
“De verdade, eu não…”.
“Cor?”. Ronnie repetiu, deixando claro que não aceitava um não como resposta.
Rose olhou nos intensos olhos azuis e a resposta veio sem pensar. “Azul”.
“Fácil encontrar algo lindo nessa cor. Que tonalidade? Prefere tons claros como turquesa ou uns escuros como o cobalto?” Ronnie não deixou de notar que os verdes olhos continuavam olhando fixamente nos seus.
“Hum… um azul marinho suponho. Algo intenso”. Rose se moveu nervosamente e baixou o olhar a sua torrada. “Acho que qualquer tonalidade estará boa”.
“Vou me assegurar de escolher algo lindo”. Ronnie sorriu internamente ao pensar em poder escolher um vestido para que ela usasse.
“Se for muito problema pode me esconder no outro quarto. Poderia levar um livro para a lavanderia. Ninguém entrará lá”, Rose ofereceu, se sentindo insegura.
“Não”, Ronnie respondeu rapidamente. “Não vou lhe esconder. É uma hóspede em minha casa e eles terão que aceitar isso”. Olhou para Maria, que assentiu de acordo. “Voltarei antes do almoço”.
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