1 – Amor
por DietrichGABRIELLE
Não sei nem por onde começar a narrar o que aconteceu nesses dias. São tantas emoções ao mesmo tempo, que eu não saberia como extrair de tanta intensidade algo coerente e razoável o suficiente para ser considerado um pergaminho válido, uma bela canção que honre as aventuras de Xena. Antes, preciso organizar esse turbilhão que se passa dentro de mim.
Já a tinha perdido antes, mas nunca como hoje. Hoje lhe disse adeus, hoje estive pronta para cremá-la, pronta para deixá-la ir. Hoje confrontei pela primeira vez a imensidão do vazio que seria minha vida sem ela.
Já fazia muito tempo que eu sabia que a amava. Creio que a amei desde a primeira vez que a vi, imponente e poderosa, lutando com tanta força e coragem para nos salvar dos soldados de Draco. Algo me atraiu imediatamente para ela. Ela era a última fagulha de coragem que eu precisava para abandonar a vida camponesa que não mais me saciava. Mas, ah! Como eu era inocente. Não fazia ideia do tipo de sentimento que aquela mulher iria despertar em mim.
Hoje, tendo passado praticamente dois anos e meio ao seu lado, tendo visto um bom pedaço do mundo e da humanidade, sei que não apenas a admiro como uma guerreira e um modelo a seguir, mas que a amo como mulher. Não admiro apenas sua força, coragem e personalidade implacável, mas o calor do seu corpo, seu sorriso raro, porém sempre lindo e honesto, seus belos olhos azuis que nos poucos momentos que me olham com vulnerabilidade, transmitem tanto carinho e ao mesmo tempo uma insondável e profunda tristeza. E que a desejo, desejo seu corpo, desejo seu toque, sua luz e sua escuridão, tudo que ela é.
Até hoje não tinha certeza da natureza dos sentimentos dela por mim. O que poderia, uma guerreira tão grande forte e experiente como ela, sentir por uma aprendiz tão pequena e inexperiente como eu? Creio que no começo me via como uma filha ou um bicho de estimação, mas que a conquistei o suficiente para ser sua amiga. Pensei ter flagrado alguns olhares de desejo dela em direção a mim, mas ela, sempre tão reservada, os disfarçava e encobria quase imediatamente, deixando em mim a dúvida se tinha realmente visto o que pensava que havia visto.
Além de tudo, percebi o quanto ela era vulnerável, o quando ela era ferida por dentro. E que se ela realmente sentisse algo por mim, jamais arriscaria dar o primeiro passo, a não ser que uma situação impossível acontecesse. E essa situação impossível aconteceu. Ela morreu, e, pelos deuses, podia não voltar. Talvez apenas por isso tenha me beijado, por pensar que não voltaria. Mas ela voltou e até agora está calada, taciturna, assustada, pois sabe que em algum momento vou confrontá-la.
Por enquanto estou jogando seu jogo, quieta aqui em meu lugar, escrevendo essas linhas. Sei que se levantar meus olhos a verei sentada na pedra, concentrada, afiando sua lâmina. O arranhado da pedra de amolar percorrendo o metal foi e é tudo que ouço enquanto escrevo essas reflexões. Não posso evitar de sorrir, pois sei que pelo tempo que ela está lá, essa espada já é a mais afiada de toda a Grécia.
XENA
Gabrielle parece especialmente inspirada pela Musa hoje, pois faz mais de uma hora que não larga aquele pergaminho. Sei apenas porque escuto o incansável som da pena arranhando sua superfície, pois não me atrevo a dirigir o olhar para ela.
Uma parte de mim torce com todas as forças para que ela pense que Autolycus a beijou, não eu, num último ato desesperado, motivado pelo medo de perdê-la, pelo medo de morrer sem que ela soubesse o quanto eu a amava. Mas pensar isso é insultar a inteligência de Gabrielle, coisa que ela tem de sobra.
Tenho um leve sobressalto quando paro de ouvir o barulho da pena. Será esse o momento que ela vai dizer que me abandonará?
– Xena, vou pegar mais um pouco de lenha pra fogueira, volto rapidinho.
Quando levanto minha cabeça para olhá-la, ela já está adentrando a floresta. A observo por uns momentos, para ter certeza de onde está indo. Houve um tempo em que eu não admitiria deixá-la só na floresta, ainda mais quando já estava escurecendo. Hoje ela sabe defender-se muito bem, e, embora eu não vá admitir, sabe manusear aquele cajado melhor do que eu mesma.
Largo a espada que já está mais do que afiada e tento não observar Gabrielle, mas meus olhos me traem e sempre voltam para ela. Rapidamente ela junta uma pilha de lenha e gravetos e começa a voltar para o acampamento.
Como uma tola, agarro novamente a espada e a pedra de amolar e volto a me retrair. Mas sei que estou apenas adiando o inevitável. Sei que ela virá e vai falar alguma coisa.
Arrisco levantar meu olhar brevemente e a vejo empilhando a lenha no fogo com cuidado e zelo. Tem o ar bastante pensativo e sério, as sobrancelhas franzidas, mas mesmo assim faz a fogueira com esmero. Repentinamente um sorriso que não posso decifrar surge em seu rosto enquanto ela observa as chamas. Ela está tão linda naquela roupa de amazona!
Quase derrubo a pedra de amolar quando vejo ela começar a se despir, provavelmente para vestir sua roupa do dia-a-dia. Volto imediatamente os olhos para a espada e mordo a parte interna da minha bochecha para controlar o meu olhar, o que consigo fazer até que ela esteja vestida novamente. Meu corpo inteiro se tensiona ao ver que ela está vindo em minha direção.
GABRIELLE
Ela pensa que não sei que me observou o tempo inteiro, que largou a espada assim que saí e recuperou assim que voltei. Me sinto um pouco mal por ter prolongado tanto a ansiedade dela. Mas já está na hora de colocar todas as questões em seu devido lugar. Sento ao seu lado na pedra e ela sequer levanta os olhos para mim. Percebo que não é apenas ela que está com medo. Eu também estou. E se a partir daqui tudo desmoronasse?
– Xena, você vai mesmo me evitar o dia inteiro?
Bem, parece que meu medo não era tão grande assim, pois as palavras saíram sem hesitação. Ela para de amolar a espada e pela primeira vez olha diretamente pra mim. O que eu vejo em seus olhos quase me desarma. Ela está resignada, como se tivesse passado esse tempo inteiro se preparando para uma derrota inevitável. Está tão vulnerável que quase a abraço e beijo ali mesmo, antes de sequer pensar ou dizer qualquer coisa.
– Não, Gabrielle, não vou.
Eu sustento seu olhar o máximo que posso.
– Xena… preciso que você faça uma coisa. Preciso que feche seus olhos.
Mil emoções diferentes cruzam o rosto dela naquele momento.
– Gabrielle… o que…
– Apenas confie em mim, por favor.
Relutante e confusa, ela faz o que peço. Percebo o quanto ela está tensa, sua mão fortemente agarrada ao punho da espada que ela não largou. E quase como se estivesse em guarda e pronta pra ser atacada. Sorrio ao pensar que é mais ou menos o que está acontecendo.
Levanto-me e fico em pé diante dela. É tão alta que mesmo ela estando sentada na pedra, fico apenas um pouco mais alta que ela. Por alguns segundos me deto apenas a apreciá-la, mas não consigo mais suportar a vontade de beijá-la, então simplesmente me inclino e o faço.
Ela tem um susto tão grande que larga a espada e esta cai com um estalido metálico no chão. Parece que vai fazer menção de se afastar, mas eu seguro seu rosto e seus lábios firmemente contra os meus e em poucos segundos seus lábios estão me beijando de volta, tão perfeitos e macios, e uma de suas mãos também está em meu rosto.
Não consigo resistir e me aproximo ainda mais. Pressiono minha língua contra seus lábios e ela cede imediatamente e posso prová-la por inteiro, meu corpo agora quase colado no dela, meus dedos perdidos em seus cabelos. Em resposta, suas mãos cercam minha cintura e me puxam ainda mais, acabando com qualquer distância entre nós, me deixando tão perdida de paixão que não consigo segurar o gemido que sai de minha garganta.
XENA
O som do gemido de Gabrielle me chama de volta à realidade.
O que estava acontecendo ali? Num ímpeto um tanto agressivo e brusco eu a empurro pra longe de mim. Me arrependo quase imediatamente ao ver o olhar magoado em seu rosto.
– Xena porque…
– Gabrielle, o que está fazendo?
Mal consigo pensar e registrar o que falo e o que penso. Minha pergunta também tem um tom agressivo. Vejo lágrimas se formarem no rosto de Gabrielle e imediatamente me levanto, vou até ela e seguro suas mãos.
– Gabrielle, me perdoe, não quis te machucar ou te tratar mal.
Ela olha em meus olhos um momento, parecendo considerar o que dizer. E o que diz me tira totalmente o fôlego.
– Xena, te amo mais que minha própria vida. Te amo tanto que mal consigo suportar. Porque me beijou hoje, pensei que também me quisesse além da amizade. Simplesmente não consigo mais fingir.
Suas palavras me atingem com tanta força que recuo e me recosto na pedra em que estava sentada. Meu cérebro parece ter dificuldade em processar a informação que jamais ousei admitir. Gabrielle correspondia meus sentimentos! Baixo a cabeça e seguro o rosto com as mãos, minha cabeça parece que vai explodir. Então ouço a voz dela novamente.
– Xena se quiser que eu vá embora… morrerei mil vezes por dentro, mas irei.
Ergo então os olhos para vê-la e ela está lá, tão linda e tão triste que mal consigo conter a ternura que sinto e corro para a estreitar em meus braços.
– Gabrielle… não quero que se vá jamais. Te amo.
– Oh Xena…- ela corresponde ao meu abraço – por que me afastou?
Recuo de novo, dessa vez, delicadamente, e a olho nos olhos.
– É difícil pra mim explicar Gabrielle… não sou tão boa quanto você com as palavras. Mas eu fiquei com medo. Medo da intensidade de tudo que sinto por você…. – sorrio, confusa – medo de te assustar com meus sentimentos, medo que você não soubesse o que estava fazendo.
Gabrielle me olha meio enraivecida.
– Xena por favor, tenha um pouco de respeito por mim. Você acha que não entendo o que sinto por você? Acha que sou o que, uma garotinha curiosa? Eu te amo, tenho te amado todo esse tempo e simplesmente quero você para mim. Não me subestime dessa forma.
– Me perdoe Gabrielle. Palavras não são meu forte. A verdade é que simplesmente não entendo como pode me amar. Não sou uma pessoa “amável”.
Gabrielle apenas sorri e acaricia meu rosto suavemente. Eu fecho os olhos e me entrego aquela carícia.
– Xena, se eu fosse falar tudo que há de lindo em você, passaria a noite inteira apenas falando. Queria apenas que se visse através dos meus olhos. Mas não quero falar mais…. – e dizendo isso ela novamente encosta sua boca na minha e não resisto nem a afasto. Sua boca é a coisa mais perfeita que já experimentei em minha vida.
As mãos dela entram em meus cabelos e me puxam, nos aproximando mais e aprofundando nosso beijo. Novamente não consigo resistir e a puxo contra mim, pois a sensação de seu corpo junto ao meu é intoxicante. Gabrielle me beija com paixão e fervor e eu retribuo, todos os pensamentos somem, tudo que existe é ela. Seus dedos em meus cabelos, massageando e puxando minha nuca estão me deixando louca, e o jeito que o corpo dela se move junto ao meu estão me levando ao meu limite. Ela é tão sensual e desejável e creio que nem tenha consciência disso. Ela apenas é. Preciso reunir toda a força de vontade que tenho para lentamente quebrar aquele beijo e me afastar suavemente dela, mas não a largo.
Quando me afasto e a vejo, arfante, os olhos entreabertos e escurecidos, sua paixão tão grande quanto a minha, minha resolução quase se dissolve e fico a ponto de tomá-la novamente em meus braços. Mas sei que ainda não podemos dar esse passo. Gabrielle pode pensar que sabe exatamente em que está se metendo, mas ela não sabe. Ela não conhece minha paixão, minha luxúria, como posso perder o controle de mim mesma. Eu mesma tenho evitado entrar em contato com meus próprios desejos, pois sei como eles podem ser o limiar entre a Xena que fui a Xena que sou.
Levo a minha mão até seu rosto e o acaricio lentamente e ela se reclina contra minha mão. Sinto tanta ternura naquele momento, tanto amor que mal aguento e dos meus lábios escapam palavras que me jamais imaginei dizendo a alguém.
– Te amo tanto, Gabrielle. Nunca imaginei que pudesse amar alguém como amo você.
O sorriso que ilumina os lábios dela aquece meu coração. Ela olha pra mim e lágrimas enchem seus olhos novamente. Ela me abraça num ímpeto e enterra o rosto em meu colo. Sinto seus lábios me beijando suave e carinhosamente.
– Estou tão feliz… – ela diz baixinho.
Eu a abraço de volta, com toda a ternura que posso transmitir.
– Eu também, meu amor.
Meu amor. Incrível como essas palavras saem com facilidade em relação a Gabrielle.
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