3 – A imensidão pontilhada de branco
por Dietrich– Gabrielle, obrigada pela refeição. Agora, tenho que ir.
– Puxa, como está apressada!
A guerreira deu um sorriso. A verdade é que não estava apressada. Apesar de no começo ter ficado incomodada com o ambiente barulhento e de ter aceitado o convite da mulher simplesmente para não desagradá-la, acabara gostando de passar aquele começo de noite na companhia da gesticulante loirinha.
– E o que você sugere então? – perguntou Xena.
– Tem todo tipo de festa acontecendo em Atenas hoje. Tem bastante coisa para fazer.
– Não sou muito de festas. Já passei dessa fase.
– E em que fase está?
– Na fase que quer estender um cobertor na relva e olhar o céu em um lugar muito silencioso até adormecer.
– Vamos fazer isso, então.
– Ah, Gabrielle. Com certeza uma jovem como você quer aproveitar as festas em Atenas. Não quer a companhia de uma guerreira velha e calada.
– Velha? Por favor. Olhe pra você. Onde você quer olhar o céu?
A morena percebeu que Gabrielle estava falando sério. Normalmente a guerreira não admitiria companhia em seu acampamento, mas percebeu que não se importaria de fazer isso naquela noite.
– Você tem certeza disso? Não quer ficar por aqui e aproveitar o festival?
– Pra ser bem sincera, ainda estou meio sem ânimo com o que aconteceu hoje. Não acho que eu vá conseguir aproveitar nada. Estou querendo mesmo um pouco de silêncio e sossego. Acho que vai ser melhor se eu ficar um pouco com você. Isso, se não for te incomodar.
– Não vai. Bem, se realmente quer, então vamos.
– Espera, vou só pagar nossa refeição.
– Gabrielle… – Xena começou a argumentar.
– Shh, ainda não entendeu que não é para ficar discutindo comigo?
A guerreira balançou a cabeça, sorrindo meio contrariada, enquanto a mulher ia pagar a conta. Quando a barda voltou, saíram da taverna e a guerreira as direcionou para os estábulos.
– Vamos pegar meu cavalo, aí sairemos rapidinho de Atenas.
– Cavalo? – a guerreira ouviu a voz relutante da loira e riu.
– Não me diga que tem medo.
– Eles são muito altos. Não sou exatamente beneficiada nesse sentido.
– E como viaja por aí?
– A pé e de caronas.
– Que perigoso!
– Eu tenho minhas formas de me proteger.
– Vamos fazer assim. Você monta na frente, e eu te seguro.
– Xena…
– Por favor, Gabrielle, demora demais se formos a pé.
– Tudo bem – a loira estava pálida.
Foi buscar o cavalo e a palidez de Gabrielle arrefeceu um pouco ao ver o belo animal.
– Como ele é lindo!
– Ela. Se chama Argo.
– Você é muito bonita, Argo – disse Gabrielle, passando a mão na crina branca do animal dourado – promete que não me derruba?
A égua meneou a cabeça e resfolegou. Xena achou graça.
– Ela prometeu. Vamos? Vem cá, te ajudo.
A guerreira ajudou a barda a montar. Lá de cima, a jovem olhava para o chão como se encarasse um abismo. Xena se compadeceu um pouco, a loira tinha suor na testa.
– Segura firme na sela. Vou subir agora, tá?
– Tá – a jovem disse, num fio de voz.
Xena subiu rapidamente, logo atrás da barda. Percebeu que ela estava reta, rígida e trêmula. Passou a mão na cintura da mulher e a puxou contra si.
– Encosta em mim, assim. Relaxa. Vai ser bem rápido. Deixa o corpo mole, seguindo os movimentos de Argo, e segura bem na sela, certo? Não vamos te deixar cair.
– Uhum – a loira começou a soltar os músculos do corpo, relaxando contra a guerreira. Xena sentiu o corpo dela responder de forma inesperada ao contato, e começou a se questionar se tinha sido, de fato, uma boa ideia trazer a mulher junto com ela. Mas, resolveu não pensar demais, e sacudiu as rédeas de Argo, que partiu em cavalgada.
– Oh, deuses! – Gabrielle segurou a sela, fechou os olhos e ficou rígida novamente.
– Ei, assim – Xena a puxou novamente – já disse, não vou te deixar cair.
– Ce-certo – a barda estava branca, mas abriu novamente os olhos. Devagar, foi relaxando de novo, e logo já tinha um sorriso no rosto. Pediu para segurar as rédeas e Xena entregou, focando em segurar a mulher no lugar.
– Uau! – a loira já se divertia e acelerava a velocidade do cavalo. Xena estava feliz em ver a empolgação da jovem, mas estava atenta para caso precisasse fazer qualquer intervenção. Quando chegaram na parte que teriam que entrar na floresta, pegou as rédeas.
– Agora eu guio, essa parte é mais difícil – disse.
– Tudo bem – a barda voltou a segurar a sela e recostou novamente na guerreira, dessa vez bastante tranquila.
Entraram na floresta e Xena às guiou até uma clareira. Desceu e ajudou Gabrielle a desmontar.
– E aí? Não foi tão difícil, foi?
– Nunca imaginei que ia enfrentar meu medo de cavalos. Hoje está sendo um dia cheio de surpresas.
– Nem me fale – disse a guerreira – vou montar o acampamento.
Rapidamente, Xena fez uma fogueira e estendeu os cobertores. Quando começou a tirar as peças de armadura, Gabrielle foi ajudá-la.
– Essa é a hora que você se arrepende e me pede pra te levar de volta para Atenas? – perguntou a morena.
– De jeito nenhum – Gabrielle retirava a última peça de ferro – aqui está lindo – a barda respirou fundo – tem uma paz aqui. Uma coisa… não sei explicar.
– Você não acampa quando viaja?
– Algumas vezes, mas tento evitar. É perigoso e não quero colocar tudo nas mãos da pobre Afrodite. Tento me proteger o máximo que posso.
– Sábia decisão.
– Mas você não tem medo.
– Não tem muita coisa nesse mundo capaz de me assustar.
A guerreira deitou-se no cobertor e a barda deitou ao lado dela.
– Me diz uma coisa que te dá medo – pediu Gabrielle.
– Está procurando minhas fraquezas?
– Sim.
Xena observou a jovem, que a olhava, curiosa.
– Hum – a guerreira pigarreou – algo que tenho medo – uma coisa passou pela cabeça de Xena, mas era pessoal demais para compartilhar. Devolveu as memórias sobre seu filho ao mais fundo de sua mente – realmente não consigo imaginar algo.
– Tem medo da morte? – perguntou a barda.
– Não. Vivo ao lado da morte todos os dias.
– Tem medo de cobras, ou outros bichos assim? Sapos?
– Gabrielle, eles que tem que ter medo da gente.
– Medo dos deuses?
– Nem um pouco.
– Medo de altura?
– Não tenho nenhum desses medos comuns. Não posso me dar ao luxo. Sou uma guerreira. Vivo de me colocar em risco e em situações perigosas.
– Nenhum medo comum – a barda refletiu – e medo de amar?
A guerreira não pôde evitar uma risada um tanto quanto irônica.
– Já deixei isso pra trás há muito tempo.
– Então já amou?
– Já.
– O que aconteceu com seu amor?
A guerreira suspirou.
– Ela morreu.
A barda sentiu seu coração dar um salto.
– Ela?
– Sim. Isso a incomoda?
– Não. O que houve com ela?
– Foi assassinada pelo próprio filho. O matei por vingança.
Gabrielle ficou em silêncio, olhando para a guerreira. Esta não tirava os olhos do céu estrelado, sua expressão ao mesmo tempo calma e triste.
– Sinto muito, Xena.
– Não tem problema. São coisas do passado. Não me prendo a isso.
Gabrielle estendeu o braço e segurou a mão da guerreira. Xena finalmente tirou os olhos das estrelas e olhou para os dedos entrelaçados nos seus.
– Pra que isso? – perguntou a morena.
– Estou consolando você – a barda respondeu.
– Eu estou bem.
– Quer que solte sua mão?
Xena levantou os olhos para a mulher ao seu lado.
– Não.
Gabrielle sorriu e voltou novamente seus olhos para a imensidão pontilhada de branco. Apertou a mão de Xena na sua. A guerreira também voltou a olhar para o firmamento.
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