4 – História
por DietrichNo dia seguinte, foi Xena que serviu o desjejum do rei. Gabrielle permaneceu ajoelhada aos pés do homem, olhando para o chão. A loira sentiu os dedos dele começarem a acariciar seus cabelos.
– Quer trocar de lugar com ela, Ariadne?
Gabrielle cerrou os dentes. Não ergueu os olhos.
– O que mais lhe aprazer, meu senhor – respondeu a morena.
– E pensar que um dia você me odiou – disse o rei.
– Era uma tola, meu senhor.
– Muito melhor estar aqui, protegida e bem alimentada, do que liderando exércitos, não acha?
Gabrielle sentiu seu estômago se contrair. Liderando exércitos?
– Certamente… meu senhor.
A loira captou o milésimo de segundo de hesitação na voz da morena.
– Ariadne era uma rebelde de Anfípolis, sabia disso Aletheia? – o homem contou displicentemente – quando passei por lá, ela cometeu a tolice de juntar os aldeões para defender-se. Obviamente, foi inútil. Mas ela era selvagem, feroz, e eu soube na mesma hora que precisava tê-la comigo e mostrar-lhe um caminho diferente.
Gabrielle, o mais discretamente que conseguiu, ergueu os olhos para espiar Xena, seu coração pulava acelerado. O rosto da morena estava impassível.
– Já faz dez anos, e ainda não consigo superar o que sinto por ela – o homem suspirou – o que acha, minha pequena? – perguntou, dirigindo-se à Gabrielle.
– Tais assuntos são demais para mim, meu senhor. Minha única razão é servir-lhe – disse Gabrielle.
A loira foi pega de surpresa pelo aperto forte do homem em seu queixo, que a forçou a erguer os olhos para ele. O rosto do homem estava enfeitado por um esgar vil.
– Você foi muito bem treinada, não é mesmo? Tem todas as respostas certas. Não sei se isso me deixa feliz ou triste. Queria me divertir um pouco com você como me diverti com aquela ali.
Gabrielle engoliu em seco. O aperto do homem começava a doer.
– Se… se lhe agrada esse tipo de jogo, senhor – disse Gabrielle – ficarei feliz em satisfazê-lo. Posso oferecer resistência, se assim desejar.
– Argh! – o homem a largou subitamente e a empurrou. Gabrielle quase perdeu o equilíbrio, mas se firmou em sua posição – maldição! Não quero jogos. Ah, não se sinta mal, Aletheia – o homem se inclinou para beijar sua testa – perco meu temperamento as vezes. Fico feliz que não terei o trabalho de domar você. Até porque, com aquela ali, tive o suficiente para uma vida inteira.
O homem terminou de comer e ergueu-se.
– Não voltarei até amanhã pela tarde. Não terão minha companhia essa noite.
– Cuide-se e volte para nós, meu senhor – disse Gabrielle.
– Ariadne? Não vai se despedir?
Xena ajoelhou-se aos pés do homem e beijou-lhe a mão.
– Até breve, meu senhor.
O rei, finalmente, acariciou os cabelos negros. Gabrielle viu um discreto suspiro de alívio escapar dos lábios da outra mulher. Cortese saiu. Gabrielle só percebeu o quanto seus músculos estavam tensionados quando a porta se fechou, pois foi aí que eles se soltaram. Viu Xena sentar-se sobre os calcanhares e esconder o rosto nas mãos. A morena emitiu um barulho lamurioso.
Gabrielle foi até ela e sentou-se ao seu lado.
– Xena, o que houve?
A morena descobriu os olhos, e Gabrielle os viu mais uma vez cheios de lágrimas.
– Ele vai perceber – murmurou Xena.
– Não vai – disse Gabrielle.
– Eu não consigo mais esquecer, agora. Eu lembro.
Gabrielle encostou sua testa na da outra mulher.
– É só faz de conta. É só mentir, Xena. É tudo um teatro.
A morena soluçou, seus ombros sacudiram.
– Ele vai perceber que sei meu nome. E vai arrancar de mim novamente. Não posso passar por isso de novo, simplesmente não posso.
– Eu não vou deixar ele te machucar.
– Por que você diz isso? Sabe que é uma coisa estúpida de se falar.
– Pode até ser. Eu sou só uma escrava, eu não posso nada. Mas faria qualquer coisa ao meu alcance para impedir ele de te machucar.
– Por que? Eu não sou nada.
– Para mim, você é tudo.
Xena a encarou, estupefata. Gabrielle piscou, surpresa com as próprias palavras. Arrependeu-se de tê-las proferido, pois não tinha certeza do que elas significavam.
– Quero dizer – Gabrielle pigarreou e baixou os olhos – você é a única pessoa que conheço no castelo inteiro, a única com quem posso conversar.
– Entendo – disse Xena, baixando novamente os olhos.
– Eu vou para o jardim. Vem comigo?
Xena ficou em silêncio por um momento. Depois levantou-se e abraçou o narguilé. Olhou para Gabrielle e fez que sim com a cabeça.
Quando chegaram ao jardim, Xena recostou-se numa árvore e acendeu o aparelho. Ficou ali, enquanto Gabrielle caminhava pela longa extensão verde. A loira arrancou algumas ervas daninhas, interagiu com os pequenos animais que ali rondavam e colheu algumas flores. Foi até Xena e enfeitou os cabelos dela com as plantas.
– O que está fazendo? – perguntou Xena, com seu sorriso amortecido.
– Te deixando ainda mais bonita do que já é.
– Você fala besteiras o tempo todo, Gabrielle.
– Falo bastante besteira quando tem quem me escute.
A loira queria muito saber mais sobre o que Cortese havia contado, mas sabia que ainda não era o momento de perguntar.
– Vou te contar algumas histórias que ouvi quando morei em África – disse Gabrielle – preste muita atenção, tá?
– Vou esquecer todas – Xena soltou a fumaça lentamente, os olhos voltados para o céu. Gabrielle reparou no quanto eles ficavam azuis sob a luz do sol.
– Tudo bem. Mas escute. A primeira se chama “A lua feiticeira e a menina que não sabia pilar”.
Xena riu, e Gabrielle ficou encantada com o som.
– Nunca ouvi nada assim.
– “A lua tinha uma filha branca e em idade de casar. Um dia apareceu-lhe em casa um monhé pedindo a filha em casamento. A lua perguntou-lhe…”
– O que é um monhé?
– Xena, não se interrompe um bardo quando ele está narrando!
– Ah, é uma barda agora?
Gabrielle suspirou, um sorriso triste em seu rosto.
– Eu seria, se tivesse outra vida. Agora escute. “A lua perguntou-lhe ‘Como pode ser isso, se tu és monhé? Os monhés não comem ratos nem carne de porco e também não apreciam cerveja… Além disso, ela não sabe pilar…’”
– Não tenho como ouvir essa história se não sei o que é um monhé.
– Se me interromper de novo, vou tirar seu narguilé.
Xena encostou as pontas do indicador e do polegar, aproximou-os da boca, fez um movimento de girar e depois sacudiu a mão no ar.
– Selada como um túmulo.
– Acho bom. “O monhé respondeu ‘Não vejo impedimento porque, embora eu seja monhé, a menina pode continuar a comer ratos e carne de porco e a beber cerveja… Quanto a não saber pilar, isso também não tem importância pois as minhas irmãs podem fazê-lo.’”
Gabrielle continuou a história até o fim. Quando a loira terminou, Xena pediu que contasse outra, o que Gabrielle atendeu de bom grado. A jovem percebeu que após um tempo o narguilé foi esquecido e Xena ficou simplesmente deitada na relva ouvindo-a falar, tentando não interrompê-la, mas sem realmente conseguir.
– Você é uma das piores audiências que eu já tive, Xena.
A morena riu novamente e, para Gabrielle, era melhor que música.
– Estou com fome – disse Xena.
– Vou pegar comida, espere.
A loira levantou-se e colheu diversas frutas, que trouxe para debaixo da árvore onde estavam.
– Esse lugar é maravilhoso. Não sei como você não passa o dia inteiro aqui, sendo que ele permite.
– A verdade é que eu venho, mas é raro e passo pouco tempo. Apenas para pegar um pouco de sol e não ficar doente. Não tenho interesse por plantas e animais como você tem.
– E pelo que tem interesse?
O rosto de Xena, até então leve e relaxado, contraiu-se, e ela agarrou mais uma vez o narguilé.
– Nada.
– Não é possível estar vivo sem algum tipo de interesse.
– Não creio que eu esteja viva – disse Xena.
Gabrielle baixou os olhos.
– Você quer me ajudar, eu posso ver isso – murmurou a morena. Aspirou profundamente um bom bocado de fumaça – mas tenho certeza que não sobreviveu até aqui apenas ajudando os outros, Gabrielle. Continue a fazer o que vem fazendo há anos. Ajude a si mesma. Eu não preciso de sua piedade. Já morri há muitos anos.
– Então porque ainda está aqui?
Xena voltou os olhos mortiços para a loira.
– Como assim?
– Se ingerisse de uma só vez o líquido que está fumando, morreria imediatamente. Em dez anos, jamais pensou nisso?
Xena olhou fixamente para a loira.
– Acredito que se ainda está aqui é porque quer algo, espera por algo. Ainda está viva – continuou a loira.
– Mais uma vez, você está falando coisas estúpidas.
Gabrielle ficou em silêncio, encostou-se na árvore e começou a comer as frutas. Xena também comeu. A loira distraiu-se com uns pássaros numa árvore próxima, mas seu devaneio foi interrompido pelo barulho surdo de algo que caia no chão relvado.
Ela voltou-se e viu Xena estendida no chão.
– Xena?
Gabrielle empalideceu ao olhar o rosto branco da mulher. Os lábios estavam sem cor e a loira percebeu, horrorizada, que a morena tinha parado de respirar. Olhou para o narguilé, mas ele ainda estava cheio. Tremendo da cabeça aos pés, foi até o córrego, pegou água e molhou o rosto de Xena, que continuou sem reação. Agarrou a mulher pelos ombros e a sacudiu.
– Xena! Xena!
A mulher balançava molemente em seus braços.
– Oh, deuses! Xena, acorde! – soprou ar dentro dos pulmões da outra – por favor! – sacudiu a mulher ainda mais forte e quase gritou de alívio quando a viu respirar e abrir os olhos.
– Gabrielle? O que…
– Oh, deuses! – Gabrielle abraçou a morena – Xena, você…
– O que aconteceu?
– Você exagerou no narguilé.
– Isso não é possível. Eu sempre sei a dose certa.
– Não, Xena, não sabe, ninguém sabe. Já vi isso antes.
– Isso nunca aconteceu comigo.
– E vai acontecer mais vezes, se não parar com isso.
– Não tenho como parar. É a única coisa que…
– Não! Quando eu estava contando histórias, você esqueceu dele.
– Pare com esse complexo de heroína. Já está escurecendo, vamos voltar para nosso lugar e esquecer que isso aconteceu. Não fumarei mais por hoje, está bem?
A morena desvencilhou-se dos braços da outra e levantou-se, pálida e trêmula. Gabrielle a seguiu, observando-a de perto até chegarem à câmara real. A morena foi direto ao quartinho, deitou-se e adormeceu quase imediatamente. Gabrielle deitou-se ao lado dela e a abraçou, mas ainda permaneceu acordada por muito tempo, verificando sua respiração com constância.
Quando despertou, Xena não estava mais na cama. Levantou-se de um salto e a encontrou no quarto do rei, sentada à mesa, devorando um reforçado desjejum repleto de queijos e sucos. Suspirou, aliviada.
– Bom dia, Gabrielle – disse a morena, ao perceber sua presença.
– Bom dia. Como está se sentindo?
– Muito bem. Muito bem mesmo. Melhor que nunca. Estava pensando. Acho que tem razão. Preciso ir devagar com o narguilé.
– É uma ótima ideia. Basta diminuir aos poucos e logo não precisará mais dele.
– Cortese vai perceber se eu diminuir meu consumo.
– Fácil. Você joga o excesso fora e ele nunca perceberá.
Xena sorriu.
– Você sempre tem uma solução, hein?
– Como você disse, não sobrevivi esse tempo todo apenas por meu bom coração. Você quer ir para o jardim?
– Não. Quero ficar na minha cama.
– Se ficar aqui sem fazer nada, vai acabar usando o narguilé.
Xena levantou-se e sentou-se na poltrona de Cortese. Apoiou o cotovelo no braço do assento e descansou a bochecha nos nós dos dedos.
– Você poderia me distrair com uma dança – disse.
Gabrielle arregalou os olhos e encarou a porta, ansiosa, como se de repente tivesse ouvido os passos de Cortese, mas sabia que era apenas sua imaginação. Ainda era cedo, o homem ia demorar.
– Não está com medo? – perguntou a loira.
– Sim – disse Xena – estou apavorada. Mas você não vai deixar ele me machucar, certo?
Gabrielle não conseguiu captar o tom de voz da outra. Era uma mistura de ironia, ressentimento, resignação e algo mais que a loira não soube muito bem como definir. Mas, em vez de interpretar, resolveu fazer o que a mulher lhe pedia.
Fechou os olhos e ouviu com a alma o ritmo dos tambores, e seus quadris começaram a balançar. Como sempre, esqueceu até mesmo da presença de Xena a observá-la. Quando voltou a abrir os olhos, seus músculos saltados, sua respiração, ofegante, estava muito perto da poltrona e encontrou os olhos azuis cheios de desejo mergulhados nos seus.
– Um dos efeitos da diminuição das drogas – disse Gabrielle – é um aumento da necessidade sexual.
– Oh, é mesmo?
– Sim. O corpo começa a buscar outras fontes de prazer para substituir o anterior.
– Isso pode ser um problema.
– Não precisa ser – disse Gabrielle, ajoelhando-se entre as pernas da morena.
– Gabrielle… – Xena advertiu.
A loira subiu as mãos pelas coxas da outra mulher, levantando a túnica até os quadris e descobrindo seu sexo. Beijou os joelhos e lambeu as coxas diante dela.
– Oh, Xena, deixe… eu a quero tanto…
A morena apenas gemeu e escorregou na poltrona, abrindo as pernas diante de Gabrielle. Apressada, assustada e cheia de desejo, a loira mergulhou novamente naquela fonte de prazer. Gostaria de estar em algum lugar onde não tivesse que preocupar-se com mais nada além de fazer a outra mulher sentir-se bem, mas viviam com uma espada encostada em suas gargantas. Afoita, foi direto ao centro da necessidade da morena. Meteu dois dedos nela e chupou-a avidamente, e logo ela gozava em seu rosto.
De súbito, viu-se estendida no chão, e Xena estava sobre ela, beijando-a com fervor. A boca veloz começou a percorrer seu pescoço, logo indo sugar seus seios. Gabrielle manteve a promessa do silêncio, mas suas mãos não paravam de percorrer a outra mulher, enquanto se contorcia sob seu toque. Também célere, Xena meteu a cabeça entre suas pernas, e Gabrielle sentiu pela primeira vez a língua ávida da mulher percorrer suas reentrâncias, e achou que fosse desfalecer. Cobriu a boca com as duas mãos, incapaz de segurar os sons quando o poderoso clímax a trespassou, suas pernas sacudindo como se recebessem uma descarga elétrica. Receou perder a consciência, mas sentiu sua conexão com a terra se reestabelecer quando os beijos suaves contornaram seu rosto.
– Acho que você estava certa sobre a coisa da necessidade sexual – disse Xena, mordendo seu pescoço.
Ainda perdida em seu enlevo e sem saber muito bem o que fazia, Gabrielle deslizou um braço entre seu corpo e o de Xena e enfiou novamente os dedos na mulher, que prontamente os capturou e começou a esfregar-se em sua coxa. Abriu os olhos e viu a morena de olhos fechados, o rosto rosado e os lábios vermelhos, os cabelos longos e pretos caindo pelos ombros. Gabrielle teve certeza que nunca tinha contemplado nada tão bonito em sua vida, mas logo percebeu seu engano quando os olhos azuis adicionaram-se aquele conjunto e a morena deu seu grito incontido de prazer enquanto gozava em seus dedos, não uma, mas muitas vezes, até o corpo colapsar sobre o dela.
Gabrielle agarrou-a, trêmula, seu peito estava tomado por uma vontade misteriosa de chorar e gargalhar simultaneamente. Sua confusão, no entanto, não pôde durar muito tempo, pois ouviu passos no corredor. Xena praticamente saltou de cima dela e correu até a sala de banho como se a Medusa a perseguisse, Gabrielle em seu encalço. Seus corpos estavam impregnados com o cheiro do sexo, e mergulharam apressadas na banheira. Perceberam que ninguém entrou, era provavelmente algum soldado fazendo a ronda.
Ainda assim, olharam-se em silêncio, meio assustadas, meio confusas. Lavaram-se. Gabrielle lamentou quando o cheiro da outra mulher saiu do seu corpo.
A história contada nesse capítulo pode ser encontrada no link: https://muralafrica.paginas.ufsc.br/files/2011/11/CONTOS_AFRICANOS.pdf. Recomendo muito a leitura!
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