Capítulo Único
por Concurso FanficsA noite estava fresca com uma brisa agradável. A fogueira crepitava e seu som se juntava aos sons noturnos. O céu estava incrivelmente iluminado, a lua cheia e as estrelas se amontoavam em pequenos pontos brilhantes, tornando a fogueira quase que desnecessária. Quase. A maioria das noites dormia ao relento, e montava o acampamento tal qual ela e Xena faziam. Essa era uma dessas noites. Não conseguia que fosse diferente. Na verdade, mesmo após tantos anos, não conseguiu mudar muito sua rotina. Não que ela tivesse se esforçado pra isso. Tudo ali lembrava a guerreira. E queria que fosse assim. Foi nos detalhes diários que ela fez com que Xena ainda se fizesse presente.
Olhou para trás, para uma casinha simples, pequena, mas de aspecto aconchegante. Os anos acabaram cobrando por isso. Um lugar. Paredes. Segurança. Estabilidade.
“Dizem que lar é um lugar. Ele pode ser uma pessoa.”
Fechou os olhos e sorriu com a lembrança. Olhou novamente para a casinha. Apenas madeira e pregos. Havia escrito aquela frase a anos atrás, mas continuava tão real quanto no dia que escreveu.
Sentada naqueles cobertores olhou novamente para o céu e se lembrou de uma das últimas noites que passou com Xena.
Gabrielle estava sentada olhando para o céu que estava tão estrelado quanto na noite de hoje. Adorava observar as estrelas antes de dormir, com Xena deitada ao seu lado, muitas vezes já dormindo, e divagar. Essas palavras depois se eternizariam, escritas em seus pergaminhos. Esse era um desses momentos.
– Olhando o cosmos, paramos e pensamos. Onde estamos? Onde estivemos? Pra onde vamos agora? – Xena que até então estava deitada, se apoiou sobre o cotovelo e olhou para Gaby.
– É, prefiro o aqui e agora. Gabrielle o que quer fazer? Ficar vagando pela Grécia a vida inteira procurando confusão? Vamos pra bem longe. Bem longe mesmo. O que acha?
– Nem acredito que está acordada, quanto mais me ouvindo. – Um sorriso surpreso surgiu.
– Vamos para o sul, para a terra dos faraós. Eu soube que precisam de uma garota com um chakram. – Xena disse com certa empolgação antes de serem interrompidas.
Por anos pensou o que teria acontecido se não tivessem sido interrompidas. Por anos desejou egoistamente que Kenji nunca tivesse encontrado elas.
Por anos amaldiçoou Akemi pela morte de Xena. Ela tirou o que Gabrielle mais amava. Tudo que ela e Xena construíram por anos foi tomado dela naquela noite. A noite que tinha a promessa de uma vida nova acabou sendo a noite em que ela perdeu a razão da sua vida.
– Está morta. Como deixou que a matassem? – Uma mistura de medo e raiva tomou conta dela.
– Desculpe Gabrielle por não ter te contado. Você teria tentado me impedir, e aí nós duas morreríamos.
– Diz isso pra que eu me sinta melhor? – Não era um consolo. Por anos não foi.
– Nós já vencemos a morte antes. Vamos descobrir um modo de me trazer de volta. Mas só me tornando espírito eu posso matar Yodoshi e libertar as almas. Eu posso acabar com todo tormento. Você não entende?
– Você é minha vida, Xena. Eu não vou perder você. – Disse abraçando forte a guerreira.
– Você não vai me perder.
Olhou para suas mãos, agora tão enrugadas pelo tempo.
Tempo.
Algo tão subjetivo.
A ampulheta escorreu rápido demais enquanto dividiu sua vida com a guerreira, mas depois de sua partida era como se a areia caísse um grão por dia.
Pegou sua sacola que estava ao seu lado, tirou um pergaminho, desenrolou e começou a ler.
Gabrielle está no alto do monte Fuji, diante da fonte, o sol já se pondo.
– Não, Gabrielle. – O espirito de Xena segura suas mãos antes que ela jogue as cinzas de Xena na fonte.
– Xena. – Sai em um sussurro.
– Não. – Seu olhar é de pura tristeza pelas suas próximas palavras.
– Xena, o sol está se pondo. Preciso trazê-la de volta à vida.
– Não, não se isso significar condenar as almas dos 40.000 que morreram queimados em Higuchi.
– As almas estão livres.
– Eles estão livres das garras de Yodoshi. Akemi não queria me contar isso caso eu não voltasse para ajudar, mas para que essas almas sejam libertadas e alcancem a graça, elas precisam ser vingadas. Eu preciso permanecer morta.
– Mas se eu te trouxer de volta à vida…
– Essas almas estarão perdidas para sempre.
– Mas, Xena…isso não está certo. – Ela diz entre lágrimas – Eu não me importo. Você é tudo o que importa para mim.
– Você não sabe o quanto eu quero deixar você fazer isso? – o que viria a seguir doeu como o Tártaro – Mas se existe um motivo para nossas viagens juntas, é porque eu precisava aprender com você, o suficiente para saber o que é certo, o que é bom, o que é correto fazer. Eu não posso voltar. Eu não posso. – As lágrimas agora vinham sem controle.
– Eu te amo, Xena. Como vou conseguir seguir em frente sem você?
– Estarei sempre com você, Gabrielle. Sempre.
– Xena. – Xena desaparece e Gabrielle apenas olha o sol se pondo.
Lembranças.
Foram elas que me ajudaram a lembrar do amor de Xena, do seu altruísmo e principalmente do seu caminho. O caminho do guerreiro.
Quantas vezes nos vimos diante desse embate. Eu no caminho da paz e ela em um caminho que achávamos tão contraditório ao meu. Guerra e paz.
Quantas vezes tentamos proteger uma à outra para que não cruzássemos nenhuma linha.
Ledo engano.
O caminho do guerreiro e da paz sempre estiveram entrelaçados.
A espada precisa da pena, tanto quanto a pena precisa da espada.
Um tem um pouco da essência do outro, pois só assim são completos.
O meu egoísmo na despedida de Xena me fez entender, anos após, que Xena já tinha cumprido seu caminho. Ela estava pronta. Eu por outro lado ainda precisava de mais um tempo para entender mais sobre mim. Mais sobre o amor e meu próprio caminho.
Não imagino o quão difícil foi para Xena tomar aquela decisão. Mas entendo porque ela tomou.
Escrevendo nossas memórias fui pouco a pouco sentindo esse amor novamente e entendendo que todas as nossas decisões sempre nos levam uma à outra. Não importa quantas vidas tenhamos que passar ainda.
O pergaminho em minhas mãos hoje não tem mais o peso da dor, mas sim a promessa de um reencontro.
Gabrielle e o espírito de Xena estavam em um barco.
– Uma vida de viagens te levou às terras mais distantes, aos confins da Terra. – A loira dizia sem tirar os olhos do horizonte.
– E para o lugar onde sempre permanecerei, seu coração. Então, para onde vamos agora?
– Acho que deveríamos ir para o sul, para a terra dos faraós. Ouvi dizer que eles precisam de uma garota com um chakram.
– Para onde quer que você vá, eu estarei ao seu lado.
– Eu sabia que você diria isso. – Gabby diz e Xena sorri depositando um beijo na cabeça dela.
Essa frase foi o que deu forças para que Gabrielle seguisse. A promessa de que Xena nunca a deixaria.
Isso não tornou as coisas mais fáceis. Nada foi fácil depois daquela despedida.
Mas foi necessário. E hoje ela compreende isso. A necessidade de um “até logo”, para terem um “eternamente”.
Morpheus já a estava vencendo. Fazia alguns dias que vinha sentindo um cansaço acima do normal. Como se toda sua energia vital estivesse perto de acabar. A idade não ajudava muito, e mesmo se mantendo em repouso, aquela sensação só amenizava.
Não lutou mais. Simplesmente se rendeu a ele.
– Boa noite Xena.
Abriu os olhos e estava em uma floresta. Seria um sonho? Os sons pareciam familiares, o cheiro, o ar, a sensação da terra sob seus pés. Olhou para os pés descalços e sorriu. Começou a caminhar olhando tudo ao seu redor. Certamente nunca tinha estado ali, apesar da familiaridade as cores eram totalmente diferentes de tudo que já tivesse visto. Seu cansaço havia sumido. Se sentia revigorada como se tivesse muitos anos a menos. Podia jurar que conseguiria dar uma pirueta. Saiu da floresta e chegou a uma campina de um verde semelhante ao dos seus olhos.
De repente seu coração acelerou, como se fosse rasgar seu peito. Uma euforia tomou conta dela. Fechou os olhos e sorriu aproveitando. Não sentia aquela sensação a anos. A mesma sensação que sentia sempre que Xena aparecia. Sentiu alguém se aproximar por trás dela e antes mesmo de se virar, apenas para confirmar o que seu coração já sabia, ela perguntou:
– Demorei muito? – depois disso se virou e pode ver Xena exatamente como da última vez.
– Eu esperaria a eternidade por você.
Xena estende sua mão e Gabrielle a tocou. Os olhares presos. Os olhos úmidos. Assim que as mãos se tocam a aparência da loira vai rejuvenescendo até que ela esteja igual a última vez que se viram naquele barco.
A guerreira a puxa para seus braços e a envolve com urgência como se a qualquer momento ela pudesse desaparecer.
– Estou em casa. – Gabrielle diz entre soluços e lágrimas.
– Estamos em casa. – Xena a aperta mais forte e sorri entre lágrimas.
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