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As lágrimas que escorrem de nossos olhos nos livram da dor, nos libertam. No entanto aquelas derramadas pelo ser amado nos aprisionam, atormentam. É preciso ter muita coragem para se deixar aprisionar a fim de que o outro se liberte. Só o amor verdadeiro nos dá essa força.

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“Right now your the only reason(I’m not letting go oh)

And time out if everyones worth pleasing(Ah woah oh)

You’ll trigger a landslide(victory)

To kill off their finite state of mind

It takes aqcuired minds to taste to taste to tastethis wine

You can’t down it with your eyes

So we don’t need the headlines

No we don’t want your headlines we just want…” [Born For This]

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Ao contrário de Gabrielle, Xena não gostava de escrever, mas sua mente era um imenso pergaminho onde estavam retratados todos os acontecimentos de sua vida. Nada escapava a esse relato secreto.

Naquele dia, eu acordei muitas horas antes do sol aparecer. Ainda estava abraçada frouxamente a Gabrielle. Ela não havia mudado de posição desde que dormira, apesar de ter passado mais uma noite de sono agitado. Eu sabia tudo que ela estava passando, mas não conseguia alcançá-la e, para ser bem sincera não sabia como fazer isso. Ela tinha se deitado longe de mim, na noite anterior e, eu com a desculpa de puxar conversa tinha me aproximado um pouco. Ela nem me olhava, apenas me respondia com monossílabos. Pouco depois que ela dormiu, eu vi seu sono se agitar, sua fisionomia se contorcer. Eu não sabia o que fazer… mesmo um pouco longe dela, me virei de lado e coloquei a mão cobrindo sua barriga, tentando protegê-la mesmo no mundo de Morfeu. Minha vontade era de puxá-la e aninhá-la em meus braços, como que para garantir que nada de mal lhe aconteceria. Mas ela não deixaria… ela fugiria de mim, se deitaria em outro lugar e, isso eu não queria ou melhor não suportaria.

Abri meus olhos azuis e, depois que eles se acostumaram à escuridão, pude ver o lindo rosto dela emoldurado pelos cabelos dourados que, na falta de luz adquiriam um tom prateado.

Minha mão ainda estava sobre a barriga dela, que dormira, como sempre, olhando as estrelas. Fechei os olhos e me concentrei em acompanhar a sua respiração. Era impressionante a paz que me invadia quando estávamos assim. Fiquei horas com os olhos fechados, apenas embalada por aquela sensação agradável. Perto da aurora, senti quando a respiração dela mudou; percebi na hora que ela estava acordada, no entanto, um instinto me pediu que eu ficasse de olhos fechados por mais algum tempo. Eu sabia que ela estava desperta, apesar de não estar olhando-a. Eu tinha certeza por uma única razão: sua respiração estava curta e rápida, o contrário de como estava quando dormia. Era como se todos os problemas que vínhamos tendo pressionassem seus pulmões a ponto de ela ter de se esforçar para respirar. Pouco depois, percebi que ela estava tentando se concentrar. Senti em minha palma o arrepio que percorreu o corpo dela quando pareceu se dar conta da nossa proximidade.

Eu queria tanto poder dizer a ela tudo o que eu pensava…dizer que naqueles pequenos momentos com ela era quando eu me sentia melhor. Quando podia ser eu mesma, não a guerreira, a lutadora, só Xena. Queria externar o tamanho do medo que me tomou quando pensei que íamos nos separar. Mas eu nunca fui boa com as palavras e, ultimamente toda vez que eu tentava falar com ela, nós acabávamos brigando. Eu preferia lutar com 100 mil romanos sozinha a ter que brigar com Gabrielle.

Desesperada, notei o coração dela se apressar e sua pele enrijecer. Tinha certeza das aflições que a açoitavam. “Droga”, eu pensei, “não deixe isso te dominar Gabby!”.

Lentamente ela se virou, de modo a ficar de frente para mim. Minha mão deslizou para a cintura dela e eu deixei que permanecesse assim. Senti que ela analisava cada parte do meu rosto, como se quisesse decorá-lo em cada detalhe. Seu coração, que já tinha se acalmado, passou a bater descompassado de novo. Dessa vez, porém, eu sabia que não era por medo.

Eu comecei a sorrir, como se sonhasse com algo bem. Mas na verdade, era só pra tentar passar a ela uma sensação melhor. Eu não tinha motivos para sorrir, não com a minha melhor amiga daquele jeito. Ela nem notou que eu fingia. “Ah, Gabby, sempre tão crédula!”, pensei. Lembrei das vezes que ela tentava fingir que dormia. Centenas de vezes eu fazia que acreditava. Ela nunca soube que eu tinha conhecimento da mentira dela.

Eu reconhecia o fingimento só pelos sinais que emanavam do corpo dela: quando a pequena barda dormia, sua respiração era tranqüila, seus músculos descansavam e sua pele ficava mais fria. Ao passo que, em meio ao fingimento não conseguia coordenar seu corpo para igualar-se ao estado de adormecer.

Tudo isso eu decorei na primeira noite em que passamos juntas. Apesar de tentar afugentá-la, por dentro eu sabia que nossa história apenas estava começando. E estava certa, em pouco tempo nossa relação transcendeu tudo que eu esperava jamais sentir.

“Tem que me levar com você e me ensinar tudo que sabe!”, aquelas palavras ecoavam tão vívidas em sua mente que pareciam ter sido ditas naquela mesma manhã.

No início, ela era apenas alguém que estava sob os meus cuidados. Depois se tornou uma ótima companheira de viagem. Em seguida evoluiu para uma amizade realmente forte, nessa época eu a sentia como minha família. Após tudo o que passamos, descobri que a amava verdadeiramente. E isso era algo desconhecido para mim até aquele momento. Eu sabia que amava Marcus, mas era diferente. O que eu sentia por ele era algo designado pela natureza, homem-mulher. Era forte, eu sabia que ele tinha um espaço importante na minha vida. Mas com Gabrielle era tão infinitamente maior. Tão diferente. Não tinha sido escolhido pela natureza, nem pelos deuses. Tudo o que sentíamos, tínhamos conquistado sozinhas. Nossas almas nos tinham levado a isso. Era, sobretudo espiritual, além de todas as forças existentes. Marcus era corpo, Gabrielle alma. E eu era capaz de sacrificar meu corpo sem pensar duas vezes se Gabrielle assim o quisesse. Era tão imensamente forte que, por mais que eu tentasse não conseguia explicar.

“Não sei descrever isso, querida… por que não me ajuda?”, eu pensei, mas esperava lá no fundo que ela pudesse me responder. Afinal ela sempre respondia, ou melhor, falava, falava e falava. Era seu maior encanto. Às vezes isso arruinava tudo, outra nos salvava, como na vez que ela derrotou um ciclope só na conversa. E isso foi no começo, quando a voz era sua única arma. Naquela clareira eu tinha certeza que ela não era mais aquela garotinha que precisava ser protegida de tudo. Aos poucos suas habilidades tinham evoluído, a ponto de muitas vezes igualarem-se às minhas. Isso tudo estava marcado fundo na minha consciência, mas eu não conseguia deixar de sentir uma necessidade insana de protegê-la, não importava a que custo.

Todos os dias a minha mente me avisava que a minha superproteção irritava Gabrielle, porém meu coração sempre vencia e eu acabava fazendo de novo, de novo, sempre e sempre.

“Que lindo! A guerreira de coração mole!”, pensei. É, talvez Ares estivesse certo quando dizia que esse era o meu maior defeito. Quem sabe fosse verdade… No entanto eu sempre conseguia esconder isso muito bem…até Gabrielle chegar. Não conseguia deixar de defendê-la, mesmo que isso custasse a minha vida. E agora eu a via ali, travando sua maior batalha e, eu não podia fazer nada. Qualquer exército inimigo era mais fácil de controlar que essa sensação de impotência que corroia minhas entranhas.

Criando coragem, fiz a única coisa que podia na hora: me ajeitei nos cobertores (de um modo que não denunciasse estar acordada) e cheguei mais perto. Minha mão envolveu sua cintura totalmente, como se fosse uma torre capaz de afastá-la de seus pensamentos nefastos. Senti quando ela prendeu a respiração para em seguida relaxar e aceitar meu gesto. Minha respiração batia na sua testa e eu percebia seu cabelo agitando-se levemente. Notei seu coração disparar de novo. Naquele instante compreendi que ela estava lutando contra seus sentimentos outra vez. Acho que nem as Fúrias eram capazes de infligir tanta dor quanto a consciência de Gabrielle.

Eu queria dar mais espaço a ela, mas mais uma vez minha vontade fraquejou diante dos meus impulsos. Abri os olhos. Ela estava com os olhos cerrados, tentando concentrar-se. Mesmo com o semblante conturbado como estava, ela ainda parecia a imagem da pureza.

“Dez dinares pelos seus pensamentos!”, eu disse, tentando colocar um tom divertido em minha voz para esconder minha preocupação.

Ela não se mexeu, seus olhos continuavam fechados e sua pulsação elevou-se outra vez.

“Estava pensando quando você acordaria para levantar de cima do meu cabelo!”, ela respondeu sarcasticamente. Era lógico que ela estava mentindo, dava para notar mesmo sem olhar o cabelo dela. Aliás, eu nem precisava olhar, já tinha decorado cada pedaço dela. Eu sentia que se esquecesse de como era um fio de cabelo dela, eu perderia um pedaço enorme da minha vida.

O modo de responder não me incomodou, eu sabia que era só mais uma forma de defesa. Ela vinha usando muitas e, o sarcasmo era uma de suas preferidas.

Tentei imprimir em meu rosto o sorriso mais convincente de que fui capaz e disse:

“Tá, eu levanto, mas você vai ter que admitir que estava pensando em levantar e fazer um café maravilhoso para sua melhor amiga!”.

Levantei com a intenção de puxá-la comigo, mas antes que eu pudesse fazer isso ela virou-se de costas para mim.

“Gabrielle…”, deixei escapar e, naquela instante tive certeza que tinha traído minha emoção.

“Dê espaço a ela Xena!”, eu pensei e relutante fui arrumar as armas. Vi com o canto dos olhos quando ela sentou-se, ainda recusando-se a me olhar. O brilho do sol no rosto dela revelou o que eu mais temia: uma lágrima. Então me dei conta que, o que eu mais queria era passar o resto da vida fazendo o necessário para não ver aquela lágrima uma segunda vez.

“Xena…eu…”, ela balbuciou e outra lágrima escorreu por seu rosto.

“Eu sei como você se sente…”, eu disse, ajoelhando-me a sua frente e pegando com o indicador a lágrima que já alcançara o queixo dela.

“Mas eu queria poder te contar…”, ouvi-a dizer com os olhos baixos, cravados no chão.

“Não precisa, eu entendo…”, eu falei passando as mãos em seus olhos molhados, numa leve carícia.

A verdade era que eu não queria que ela falasse para não vê-la chorar mais. Senti que estava quase a convencendo, que finalmente ela aceitaria a minha ajuda. Todavia ela levantou-se e encaminhou-se ao outro lado da clareira. Fiquei olhando ainda por alguns segundos as minhas mãos que brilhavam levemente os sol, revelando as marcas da dor da pessoa que eu mais estimava no planeta. Subitamente entendi tudo. Eu estava sendo egoísta demais. Queria ajudá-la e, contudo não queria sofrer com isso.

Mesmo que ela estivesse incapaz de falar, eu a ajudaria a colocar tudo para fora. Eu compartilharia daquela dor até que se desvanecesse ou até que consumisse a nós duas.

“Eu falo sério quando digo que sei como você se sente”, eu disse ainda ajoelhada e de costas para ela.

“… como se algo dentro de você estivesse quebrado e nada no mundo pudesse colar!”.

Quando completei essa última frase, percebi que a tinha atingido. Ela disse: “O quê…” e isso me deu a impressão que estávamos pensando exatamente a mesma coisa. Eu a estava alcançando e não podia perder isso.

“Eu sei que é assim, pois era o modo com eu me sentia antes de você chegar e colar todos os meus pedaços!”, ouvi minha voz externando o que meu coração palpitava todos os dias e minha mente teimava em esconder. Minha voz estava pesada com a emoção que inundava minha traquéia.

Levantei-me e fui me encaminhando a ela. Podia ver que seu corpo tremia, enquanto ela tentava se controlar. Quando finalmente cheguei até ela, passei meu braço direito por sua cintura e outro por seus ombros. Eu queria que meus braços a envolvessem por completo e a isolassem de todas aquelas trevas.

Ficamos assim por alguns segundos. Dessa vez eu não a deixaria fugir.

“Por favor, me deixe fazer o mesmo por você agora!”, falei. E era o que eu queria mesmo, queria poder fazer um décimo de tudo que ela tinha feito por mim. As lágrimas me inundavam os olhos. Suavemente a virei e levantei seu rosto quando vi que seus olhos miravam a terra a nossos pés. Ela pareceu se espantar ao ver o quanto eu estava emocionada.

“Me mata ver que não consigo te ajudar!”, eu disse, enquanto encostava meus lábios levemente na sua testa. Eu esperava que aquele beijo mostrasse o mínimo do quanto eu precisava protegê-la e confortá-la. Esperava que drenasse toda a escuridão, e fizesse com que seus olhos voltassem a brilhar e trouxessem a luz para as nossas vidas. Eu necessitava daquela Gabrielle alegre e resplandecente como o sol para viver. Precisava daquele sorriso mais do que do ar. Mas por dentro eu tinha tanto medo, uma sensação relativamente nova para mim. Tinha medo de que ela não me aceitasse, que fugisse, que chorasse.

“Me deixe tirar esse peso de você!”, disse isso apesar de o meu beijo ainda estar nos ligando. Abracei-a intensamente antes que ela pudesse se esquivar. O coração dela batia tão forte, de um jeito que nunca achei que fosse possível. Eu lutava para que a minha pulsação se acalmasse, de modo que ela também o fizesse. Meus anos de experiência como guerreira me ajudaram a driblar minha emoção e estabilizar minha respiração e batimentos. Logo após, senti seu corpo relaxar e nossos ritmos cardíacos conciliarem. Eu havia chegado até a alma dela, um lugar que realmente sentia como minha casa. Lembro que naquele momento uma alegria sem tamanho invadiu meu corpo, eu estava conseguindo, ela finalmente se livraria de tudo aquilo que em parte era culpa minha. Ela voltaria a ser aquela de antes, pura em toda a sua extensão. Era uma promessa.

“Por favor…”, disse em seu ouvido. Puxei-a suavemente e o corpo dela assentiu. Levei-a de volta aos cobertores. Foi a viagem mais longa que fiz em toda a minha vida. Deitei-me e ela aconchegou-se ao meu peito. Compreendi que seus músculos haviam realmente relaxado enquanto acariciava seus cabelos. Em poucos minutos senti suas lágrimas quentes rolarem de seu rosto para a minha pele. Por muito tempo ela chorou e, a cada lágrima dela que escorria queimando meu colo em seu desespero, uma escorria dos meus olhos. Permanecemos assim, caladas e emocionadas por o que me pareceu uma eternidade, mas quando o coração dela serenou, eu soube que tínhamos vencido aquela batalha juntas e que nenhuma de nós jamais esqueceria isso.

E foi com isso, com essa fé de que podíamos enfrentar qualquer coisa juntas, que algum tempo depois tomei a decisão mais difícil da minha vida. Quando decidi abandonar esse plano para salvar as 40 mil almas, apesar de toda a minha dor eu sabia que estávamos ligadas em espírito eternamente e que nada mudaria isso.

Creio que foi naquele dia, naquela clareira que finalmente selamos nossos destinos. Mas um destino que nós escrevemos, com amor e sangue, mas pela nossa vontade.

 

“Gabrielle, o amor que sentimos é mais forte que o céu ou o inferno. Está além do bem e do mal. É um fim em si mesmo! Nossas almas estão destinadas a ficarem juntas.” (Xena)