Capítulo Único – A Insolência dos Campeões
por Xena's Little Bitch
“Quem é você para sequer pensar que sabe a diferença entre o bem e o mal?” – O mensageiro: A História de Joana D’Arc.
“Não, eu acabei sendo morta. Ela me trouxe de volta.”
“Você está errada!” a voz de Xena ecoa de algum lugar entre as árvores. “Eu te matei, e você mesma voltou!”
“Saia daí e diga isso na minha cara!” Gabrielle grita para a floresta. Nossas varas de pescar agora estão esquecidas na água.
“Admita que estou certa!” gritou Xena.
“Nunca!”
“Não significa o fato que você parou a guerra?!” eu grito.
“Gabrielle MORREU, Eve,” ela grita da floresta. Eu posso perceber que ela está se movimentando em volta. “Eu arrisquei a vida dela, a de Ephiny e a de Xenan. Foi INSOLÊNCIA minha! Você não entende? Gabrielle não gostava da guerra, então eu tinha que parar ela. Eu sabia que podia parar. Foi tudo em que pensei. Não pensei sobre os riscos. E eu não aprendi a lição! Meu enorme orgulho tem sido minha desgraça. Não escute as mentiras da Gabrielle, eu não sou uma heroína!” eu posso ouvir ela deixando as árvores e saindo tão rapidamente que ela sabe que nunca a alcançaremos.
“Acho que você estava certa,” eu digo, sorrindo pra Gabrielle e pegando nossas varas de pescar. Partes de mim estão tremendo. Eu nunca ouvi Xena falar daquele jeito antes, com tanta dor.
“Eu não estou mais com fome, Eve. Podemos ir em frente?”
“Claro. Onde estamos indo?” eu tratei de evitar perguntar a ela isso tão cedo, porque ela ainda não havia mencionado e eu temia que ela não tivesse uma resposta.
“Estamos indo em direção à Trácia, para ver quem está vivo.”
As famílias delas. Minhas famílias. Elas dizem que eu conheci minha avó, mas eu não me lembro. O tom da voz dela é tão triste. Eu acho que ela pensa que eles estão mortos. Eu não tenho certeza se ela realmente quer saber.
Nós caminhamos em silêncio por horas. O sol mancha o céu de laranja e rosa enquanto montamos acampamento, e achamos lenha, e fazemos todas as coisas que ela usualmente faz com Xena. Eu caço um coelho e ela faz um ensopado. As estrelas estão no céu, quando começamos comer.
“Sabe o que fizemos nesse ano? Quer dizer, naquele ano?”
“O que?” parece ser a resposta mais segura.
“Aquele não parecia o caminho dessa vez. Quer dizer, Eve, era como se tudo estivesse desconectado. Nós não pensávamos sobre o que estávamos fazendo, mas a extensão de nossa influência se tornou realmente imensa. Nós decidimos, de um jeito ou de outro, quem iria ou não governar a China, o Egito, Roma, a Nação Amazona, e os próprios Céus. Eu fico chocada quando paro pra pensar nisso, nós tivemos a oportunidade de governar metade do mundo naquele ano. Nós continuamente nos deparávamos com situações nas quais éramos requisitadas ou nos sentíamos compelidas ou de algum modo, destinadas a ajudar. Nós fizemos escolhas que não não cabiam a nós. E ainda, de algum jeito, éramos capazes de fazê-las e elas funcionavam.”
“Uau”, eu digo.
“Sim, uau”, ela diz.
“O que você acha que foi isso?” Posso sentir que Xena está perto. Gabrielle está tensa, mas continua.
“Muito aconteceu desde então. Nós ganhamos cada batalha em que entramos por anos, embora às vezes com enorme custo. Quando eu a conheci, eu achei que ela era invencível, e nada parecia mudar meu pensamento.” O olhar nos olhos dela quando ela olha para o fogo, me diz que ela ainda acredita profundamente nisso.
“Ela é como mágica para você, não é?” Gabrielle me olha curiosamente e franze o nariz.
“Sim, como mágica. Nós nos acostumamos com a adoração das pessoas, o olhar com que elas nos olham quando nos veem lutar ou fazer algum feito incrível. É quase como ser uma deusa. E mesmo quando nós morremos, nós voltamos. De novo, e de novo. Eu lembro do dia em que parei numa doca e Afrodite apareceu quando eu assobiei para ela. Tudo que Xena tinha que fazer era sussurrar o nome dele, e o deus da guerra estaria ao lado dela. Essas se tornaram os fatos de nossas vidas, então quando Xena engravidou sem razão aparente, e então descobriu que ela estava prestes a trazer uma criança que traria o fim dos deuses, bem, isso não pareceu tão estranho ou suspeito quando deveria parecer. Era quase normal que as regras fossem diferentes pra nós. Qualquer lugar em que fôssemos, parecíamos atrair a atenção dos mais poderosos inimigos.”
Neste ponto, é quase como se ela estivesse falando para Xena através de mim. Essas coisas, elas deveriam estar dizendo uma pra outra, são coisas secretas, que você mantém no fundo de sua mente, e não se atreve a dizer a ninguém.
“Então, você entende que quando ouvimos que o bebê traria o fim dos deuses, nós entendemos que de alguma maneira, aquilo fazia sentido, que nossa criança tivesse aquele poder. Mas não tínhamos tempo pra pensar, e de repente estávamos numa guerra. Havia um bebê pra se proteger, nosso bebê. Tudo que fizemos, fizemos pra proteger você. Esquecemos as outras coisas. Esquecemos tudo, pra proteger a você a todo custo. Esquecemos sobre o Bem Supremo, esquecemos uma da outra. Tudo que víamos era o perigo.
“Nós fomos usadas!” a voz de Xena vem das árvores acima de nós.
“Me diga!” eu grito pra ela.
“Aquele deus nos manipulou por não sei quanto tempo, talvez desde a Índia. Ele sabia que eu faria qualquer coisa pra proteger meu bebê, e eu caí nessa. Eu acreditei que meu bebê era a coisa mais importante no mundo. Eu achei que era SAGRADO. Escutou isso, Gabrielle! Xena, a Destruidora de Nações, SAGRADA! Eu engoli a coisa toda. Pelos deuses. Como você consegue aguentar mesmo ouvir minha voz?”
“Saia daí e sente-se perto do fogo!”
“Não!”
“Não significa que você não é mais heróica, Xena!” eu digo. “Só porque cometeu erros.”
“Cometi ERROS?!!?!” ela grita.
Gabrielle põe a cabeça nas mãos e olha para o chão. Agora Xena está pondo tudo pra fora.
“Eu conscientemente decidi fazer um homem se apaixonar por mim, sabendo que provavelmente o mataria, era a estratégia. Eu escolhi, tendo mais de uma opção. Eu não sei se você pode chamar isso de erro. Você sabe o que é um herói, Eve? Um herói é alguém que ajuda os outros. Alguém que está disposto a se pôr em risco pra ajudar estranhos, simplesmente porque é a coisa certa a fazer. Alguém que segue esse código SEMPRE. Não alguém que lute quando as pessoas que se ama estão em perigo, mas que lute por qualquer um que precise de ajuda. Esse deus me tirou isso, me induzindo a lutar por ele! E eu nem percebi! Todo o ano eu lutei pela minha família e meus amigos — você estava lá Gabrielle, diga a ela — que estranhos nós ajudamos?”
“Somente Daphne”, Gabrielle sussurra.
“O que?!” Xena repete.
“SOMENTE DAPHNE!!!”
“Como eu disse, eu não sou uma heroína. E sabe o que, depois de tudo que fizemos, ainda assim perdemos a guerra! Afrodite e Ares são os heróis! Eles foram capazes de passar sobre os laços de sangue para fazer a coisa certa. Vocês duas estariam mortas se não fosse por eles. Tudo que sou, é a pessoa que fez vocês morrerem!”
É agora ou nunca, então eu faço meu movimento. Eu a localizo e subo na árvore próxima a ela em segundos eu a agarro e a derrubo da árvore, caindo com ela no chão de modo que eu receba o impacto. Eu a seguro e ela me olha.
“Eu vou te largar se você ficar conosco por um momento.”
“Eu não faço tratos.”
“Mas considera pedidos? Poderia ficar, por favor?”
“Certo”, ela diz, se soltando. Ela senta diretamente perto do fogo e olha para as chamas. Gabrielle enche um copo de vinho e o alcança a Xena, então senta-se ao lado dela, no chão. Todo comportamento dela está diferente agora que Xena está aqui. Ela está mais gentil, e completamente concentrada em Xena. Eu observo ela acariciar a mão de Xena, enquanto lhe dá o vinho, e então senta mais perto dela, tão perto que elas encostam-se.
“Lembra quando costumávamos lutar contra gigantes?” Xena pergunta, bebendo. Gabrielle sorri e coloca a cabeça no ombro de Xena.
“Sim, eu lembro. Com espelhos e coisas voadoras.”
“E eu tive a audácia de tentar trazer o poder de Zeus à terra.”
“Funcionou, eu lembro.”
Elas sorriem uma pra outra e posso perceber a tensão deixando seus corpos.
“Xena, lembra a primeira vez que achamos a ambrosia?”
“Claro, o tesouro sumério.” “E lembra como falamos sobre isso, o que você disse quando perguntei por que você não ficava com ela?”
“Sim, eu disse que não queria ser uma deusa, queria somente ser humana.”
“E não é o que nós provamos esse ano? Que depois de tudo, cada feito heróico, cada batalha, cada reviravolta, nós somos somente humanas? Eu sei que você gosta de se concentrar em seus dias de guerra, reparar as coisas que fez as pessoas. Mas antes disso Xena, antes de tudo, você foi uma heroína. Você nem correu, nem desistiu ou se acovardou por medo. Você lutou pelo que acreditou. É isso que ainda vejo quando olho pra você, aquela garota jovem que tentou salvar todo mundo. Mas Xena, ninguém pode salvar a todos.”
“Eu estou cansada,” sussurrou Xena, sua voz é um mundo de tristeza.
“Me perdoe Gabrielle. Por não ser sua heroína, e por te magoar. Você está certa. Tudo que eu via era Eve. E mesmo agora, eu sou egoísta, porque eu me arrependo mais de magoar a desapontar você, do que por todos os meus pecados juntos. Há tantas coisas que eu quero ser por sua causa, e para você.”
“Eu sei.” “Eu quero que nós tenhamos uma vida mais simples Gabrielle, com escolhas menores. Uma vida na qual no final do dia, eu sei que vou estar viva.”
“É uma ideia maravilhosa Xena. Vamos dormir,” diz Gabrielle ternamente. Elas deitam em seus cobertores, e o fato de que estou aqui é completamente esquecido, como de fato, deve ser. Eu me retiro pra mais longe. Escuto os sons dos corpos delas se acomodando juntos, o couro rangendo, suspiros de ambas que me dizem que elas estão se abraçando agora. E foi por minha causa! Elas estão deitadas nos braços uma da outra por minha causa! Minha primeira boa ação!
“Você tem que me levar com você,” eu ouço Gabrielle sussurrar, “me ensinar tudo que sabe. Você não pode me deixar aqui em Potédia. Eu quero ir com você, eu estudei as estrelas, falei com filósofos, e a cada ano, meu dom da profecia melhora — eu posso ser muito útil para você. Me leve contigo. Eu quero tanto ser igual a você.”
“E eu quero ser igual a você,” Xena sussurra, com sua voz rouca de emoção. Cinco, ou vinte e cinco anos mais tarde, eu ainda poderei ouvir o que elas estão dizendo…
“Depois de tudo que passamos, meu amor, eu sinto por você exatamente o que senti no dia em que nos conhecemos.”
Eu ouço mais um sussurro e então um inconfundível som de um beijo. Beijo, uau! Pontos a mais pra Evie! Gabrielle geme e eu viro de costas e enrolo um xale em minha cabeça pra bloquear minha audição. Eu não acho que sei a diferença entre o bem e o mau, mas eu aprendi que o amor pode curar, e vi isso sendo provado hoje. A jornada de Cirra para o Inferno foi destino para mim? Eu nunca saberei. Xena e Gabrielle estão juntas, e isso me basta essa noite.