Um mensageiro
por PamjaxongEra início de outono e a estação era marcada por uma noite fria e chuvosa. Sua majestade imperial não estava em seu local habitual, o Palácio de Corinto, mas sim em um casarão pertencente à duquesa, que ficava a 30 km da cidade.
A imperatriz não havia se sentido muito bem nas últimas semanas e para recobrar sua saúde, aceitou o conselho de seu curandeiro e tirou algumas semanas de descanso. Escolherá o casarão pois pertencia a uma de suas damas de companhia mais próxima chamada Delia, a duquesa de Corinto. Seu marido era o Duque do Peloponeso, região onde se encontrava a capital da Grécia antes de Xena ser imperatriz e quando a mesma subiu ao trono o nobre não demorou para dar a ela sua lealdade. No entanto, o Duque faleceu depois de alguns verões e por ser um dos mais leais à Imperatriz a mesma prometeu tomar conta de Delia que começara a apresentar uma idade avançada.
A conquistadora escolheu o casarão também por ser o mais longe que poderia ir de Corinto e o local era pacífico por ser de frente ao mar. Já haviam se passado duas semanas e meia desde que a imperatriz saiu do seu palácio e finalmente estava se sentindo com saúde, no entanto isso não a deixava feliz. Xena estava com seus 45 verões, havia governado por 25 sem descanso algum e agora a idade a cobrava. Outra coisa que a idade transformou foi o temperamento da Conquistadora. A mulher estava amansando e tornou-se menos agressiva. Muitos passaram a sentir-se melhor por estar debaixo do governo da impetuosa, porém não queria dizer que suas explosões tivessem acabado.
Nesta noite em questão, a Imperatriz estava em sua poltrona de frente à lareira de pedra, lendo algumas cartas que haviam chegado de Corinto no fim da tarde, a maioria delas pertenciam a sua general e também segunda no comando, Mioll.
Enquanto lia de forma concentrada uma batida leve na porta dupla de madeira chamou sua atenção. Delia, uma senhora corpulenta, com rugas que deixavam claro seus incontáveis versões e olhos azuis acinzentados, abriu de forma sutil a porta e procurou pela imperatriz.
-Delia!- Xena exclamou com sua voz de timbre forte.
-Imperatriz.- A senhora fez uma reverência e diferente da maioria das pessoas, fez questão de olhar no fundo de seus olhos. – Me desculpe por incomodar a essa hora, tem uma visita na sala de estar para.
-Quem é essa hora, Delia? – Xena possuía uma paciência rara para com a duquesa, por isso a senhora era quem ficava com as tarefas que geralmente tiravam a imperatriz do sério.
– Seu capitão Pietro, majestade. O rapaz saiu de Corinto no meio da chuva para falar contigo.
Xena empurrou as cartas que estavam em seu colo para lado e colocou um roupão de seda por cima da camisola branca de manga comprida. Delia abriu a porta para a imperatriz passar e a seguiu pelo corredor com seu passo lento e cansado. Ao chegar na sala de estar, coberta de tapeçarias e sofás de madeira com almofadas macias, seu capitão da terceira frota de navios se fez visível. O homem balançava a perna nervosamente enquanto segurava firme seu elmo contra o peito. Estava claramente apreensivo.
-Capitão! – Xena o chamou e de imediato ele levou a mão direita ao peito e curvou-se.
-Majestade! – Era um homem de pele bronzeada e cabelos loiros enrolados.
-O que é tão importante que não pode ser dito a general Mioll que está no meu lugar? – Xena sentou-se preguiçosamente. – Delia, traga chá para nós.
– Claro, majestade! – Ela retirou-se para a cozinha.
-Me perdoe por incomodá-la tão tarde, majestade. Eu estava no porto a norte, onde alguns de seus navios estão sendo reformados e não na cidade em si. Já faz algumas semanas que estava vendo um navio suspeito perto daqui e resolvi averiguar. Ele estava atracado a 10 km do casarão da Duquesa. Como eu sabia que estava aqui recuperando sua saúde fiquei com receio de ser algum atentado de nossos inimigos.
-Com sua licença, majestade! – Delia serviu a imperatriz e ao capitão e em seguida a si mesma.
-E o que descobriu?- Xena com um tom surpreendentemente sereno perguntou enquanto levava uma xícara de porcelana Chinesa a boca.
Descobri que eram piratas persas. Tomamos o navio e meus homens descobriram tráfico de escravos e de comidas. No entanto, não sabemos quem estava ajudando os bastardos. Como estava aqui perto pensei que fosse conveniente lhe informar.
-Fez bem, capitão, muito bem. O que fez com o navio?
-O levei para as docas, senhora. Devo informar a general Mioll? – Pietro perguntou com o peito estufado, num perceptível tom de confiança. O humor de Xena o causaram aquilo.
-Sim, vou escrever uma carta e você levará para ela. – Xena levantou e Pietro curvou-se novamente.
-Majestade, tem mais algo que eu gostaria de alertar. -Sem levantar a cabeça ele prosseguiu. -Os escravos são compostos por jovens gregas de 10 a 19 anos e alguns meninos de 10 a 15. – Xena encarou o capitão e suspirou.
-Crianças. – a imperatriz tocou a testa. – Típico dos persas. Capitão, essa noite eu dormirei bem em saber que existem homens leais como você por perto. Ficarei mais que honrada em recompensá-lo por isso quando voltar a Corinto.
-A honra em servi-la é toda minha, majestade. – Pietro não pode evitar em corar diante do raro reconhecimento da conquistadora.
Depois de alguns minutos Xena voltou até ele e entregou uma carta. Disse para entregar somente nas mãos de Mioll o mais rápido possível.
O jovem rapaz cavalgou em meio a noite tempestuosa e em menos de uma marca de vela chegou até o palácio. Adentrou a fortaleza murada de Xena, que ficava no alto de um monte. Dali, era possível vislumbrar toda metrópole e os estandartes roxos com o “X” em dourado. Inúmeros centuriões de armaduras douradas e elmos pontudos, deixava claro quem mandava ali. Ele foi até a sala do grande trono de pedra, coberto por seda roxa e tapeçarias egípcias e os archotes com enormes chamas tremulantes iluminaram as gotas de chuva que escorriam do capitão. Ali, ele exigiu urgentemente pela general e uma serva, vendo a gravidade na voz do homem, correu chamá-la.
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-O que foi? – Gritou a general Mioll de dentro de seu aposento no meio da noite.
Mioll era uma nórdica extremamente alta e forte. Tinha cabelos loiros quase brancos e um rosto massivo. Quem a olhava, a achava tão mortal quanto a própria imperatriz. Ela conheceu Xena quando a mesma estava nos países nórdicos em sua juventude. Depois de ter sua vida salva, prometeu servir Xena para o resto da vida. Hoje Mioll compunha o pequeno círculo que detinha a confiança máxima e amizade íntima da Imperatriz.
-General, me perdoe por perturbar. Mas o Capitão da terceira frota de navios está na sala do trono com uma mensagem urgente da imperatriz. – Disse a serva com um candelabro na mão e coberta por uma manta de lã.
Mioll estava no comando por duas semanas e meia e estava exausta. Sentia-se grata por ser da confiança de Xena, mas pelos deuses, como queria descansar. Como Xena conseguia viver com esses imprevistos no meio da noite? Depois de murmurar, desceu as escadas e encontrou o capitão.
-Pietro. – Mioll entrou na sala do trono e cumprimentou o homem ensopado.
-General!- O homem bateu no peito reverenciando sua superior. Em seguida a entregou um pergaminho com uma chancela na cor preta, que significava que o conteúdo do pergaminho era de máxima urgência.
Mioll abriu o pergaminho sem delongas e o leu com muita atenção. Quando terminou, olhou para o homem com as sobrancelhas erguidas.
-Muito bem feito, capitão. Tenho certeza que boas coisas te esperam. Amanhã me traga os escravos e os piratas o mais rápido possível. De preferência antes do almoço, pois a imperatriz retornará ao palácio.
-Sim, general. – Com mais uma reverência o capitão retirou-se e antes mesmo de deixar a porta principal, deixou um largo sorriso escapar.
Mioll não dormiu mais, acordou todos os empregados e escravos do palácio e começaram os preparativos para o retorno da imperatriz. Quando o sol nasceu, os guardas da terceira frota trouxeram os piratas acorrentados e uma fileira de escravos em estado deplorável. O cheiro deles empesteou toda grande sala e incensos tiveram que ser acesos. Todos eles pareciam não ver a luz do sol a décadas e o olhar assustado deixava claro que não havia esperança em seus rostos. Assim como os guardas de Xena, as almas mulambentas permaneceram ao lado tripulação do navio clandestino e não demorou muito para ser anunciado que a Imperatriz estava entrando na cidade.
Todos os guardas estavam apostos e Mioll colocou sua melhor armadura para aguardar a conquistadora na sala do trono. As feições apreensivas deixavam claro que Xena ainda não era a personalidade mais amistosa do recinto e quando as enormes portas duplas de bronze se abriram, todos prenderam o fôlego.
Xena entrou vestindo uma túnica roxa que deixava suas pernas morenas e torneadas à mostra. Um peitoral de metal dourado, manoplas e grevas no mesmo tom deram o ar divino. Por fim, uma capa roxa com detalhes brancos esquentava seu corpo naquele início de outono e os cabelos negros contrastavam com os olhos azuis selvagens.
Para o alívio de Mioll o rosto de Xena aparentava estar saudável outra vez e as bochechas coradas deixou evidente que seu reinado não estava nem perto de acabar.
A morena subiu as escadas de mármore que levava ao trono e parou frente a frente com sua general. Elas se encararam por alguns segundos, até a loira bater a manopla pesada no peitoral e curvar a cabeça. Todos que estavam no salão curvaram-se para a imperatriz e finalmente Xena ocupou seu trono.
-Majestade, é uma honra tê-la de volta. Espero que esteja se sentindo muito bem. – Mioll não escondia o sorriso. Xena ergueu uma sobrancelha e soube que a nórdica estava mais do que feliz em ter o trabalho pesado sendo tirado de seus ombros.
-Estou melhor sim, ficarei muito mais depois que arrancar a cabeça desses persas que tiraram minha paz essa noite. – O silêncio caiu sobre a sala. Xena olhou ao redor com fúria e poucos tiveram coragem de encará-la. A mulher fitou os escravos usando trapos e de rostos sujos e cerrou o punho que descansava no braço do trono. Ela até sentiria pena, se não fosse a raiva em ver um de seus decretos sobre contrabando de escravos sendo quebrado naquele momento. – Vamos lá, Capitão Pietro. Me diga as coisas relevantes deste caso.
-Majestade – O capitão curvou-se. – Estes são piratas persas – Ele apontou para uma fileira de persas trapentos acorrentados.- Pelo que conseguimos conferir, já fazem três luas(meses) que estão roubando os celeiros dos portos e traficando escravos. O capitão que é o homem do canto se recusa a abrir a boca e nos contar quem está os ajudando. Acredito ter traidores entre nós pois o navio persa recebia todas as mercadorias aparentemente no local atracado na noite passada. Fizemos uma lista de todos os suplementos e escravos que foram retirados do navio.
Pietro aproximou-se da imperatriz e entregou os rolos de pergaminho. Xena os abriu e encarou o papel amarelado por alguns minutos, então os enrolou e com uma cara de descontentamento os entregou a Mioll.
-Levem todos para as masmorras. Quero que um por um seja interrogado. Os que não apresentarem utilidade alguma nas investigações mate-os e coloque seus corpos nus pendurados no porto. Eu irei interrogar o capitão pessoalmente. – A primeira sentença foi dada. O capitão do navio cuspiu no chão enquanto era arrastado com os demais para fora do pátio.
-Estes são os escravos. – Pietro continuou assim que os passos dos persas sendo levados para as masmorras desapareceram.
Xena suspirou e tocou a testa quando observou melhor as crianças assustadas. Quando o assunto era escravos, Xena sempre ficava incomodada, ainda mais quando eram crianças. Com o cenho franzido, a imperatriz olhou para Mioll e a general sabia o que aquilo significava.
-Não temos espaço para tantos escravos, majestade.- A mulher se aproximou de Xena e falou baixo. -Podemos ficar com os meninos mais novos e transformá-los em garotos de recados do palácio. Mas a cozinha está cheia, bem como os jardins, estábulos e qualquer outra mão de obra. Estaríamos tendo mais bocas para alimentar. Vossa majestade sabe que a colheita não foi das melhores esse ano e o inverno está próximo. Se me permite dar uma sugestão, vamos interrogar as crianças, as que tiverem familiares podemos devolver. O restante fica por conta de… sua inteligência.- Xena riu quando sua inteligência foi mencionada. Foi um jeito sutil e baixo de jogar a responsabilidade em suas costas. Ela levantou-se e foi em direção aos escravos.
-Quem não tem família de um passo à frente. – Um total de 9 crianças se manifestaram. A imperatriz suspirou novamente e voltou ao trono. – Mate os mais velhos e leve os menores para o orfanato. – A frieza com a qual aquelas palavras foram ditas, congelaram até mesmo a boca que a proferiu. “Os verões realmente estavam pensando”, pensou Xena.
Suspiros foram ouvidos entre os que ocupavam o salão e muitas crianças que já entendiam o que estava acontecendo se colocaram a chorar. Guardas remexeram em seus lugares e Mioll controlou o desejo de fechar os olhos e não fitar aquela gente sofrida. Foi quando Delia deu um passo à frente e pediu permissão para falar.
-Se me permite, majestade. Acredito que muitos empregados do castelo possam ser substituídos. Alguns já estão aqui a mais de 30 verões. Já que não convém vender os pequenos, venda os velhos e fique com eles. Muitos trabalhos serão melhor orquestrados por jovens. – Delia ganhou a atenção total de Xena. – Os meninos que não servirem para recados podem pegar água e trabalhar na cozinha. As jovens podem substituir as empregadas velhas na limpeza dos salões e assim por diante.
Xena tocou a boca e deu uma boa olhada à volta. Se fosse a verões atrás, teria bofeteado Delia e a repreendido por questionar sua primeira decisão. Mas já fazia muito tempo que não erguia a mão para dar um tapa desgovernado em alguém e sentiu que não aguentaria ter mais 30 fantasmas em seus sonhos naquela noite. Sem se importar se diriam que ela estava de fato envelhecendo, destampou os lábios e disse:
-Certo. Eu também preciso de uma nova criada, desde que a última morreu eu estou procrastinando em arrumar uma nova. Delia, dê a alguém a tarefa de organizar os escravos novos. Depois escolha uma escrava para me atender. – A Duquesa sorriu e acenou positivamente.
-Muito bem então, para terminar agora pela manhã eu gostaria que todos soubessem da minha satisfação com o trabalho do capitão Pietro. A partir de hoje o senhor, Capitão, será responsável pela minha segunda frota e não mais a terceira. Estarei oficializando isso ainda hoje. Aproveite e tire o dia de folga, mas não beba muito, a qualquer momento pode ser chamado. – A imperatriz se ergueu num pulo e com passos fortes saiu do salão na companhia de sua general e deixou o capitão com um sorriso escancarado.
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Xena e Mioll foram em silêncio para o segundo piso. Entraram no gabinete pessoal da imperatriz e então, toda formalidade que havia entre elas, sumiu.
-Está se sentindo bem mesmo? Acha que já está pronta para voltar? – Mioll perguntou enquanto se sentava em frente a mesa de Xena.
-O que foi? Se assustou em ficar sozinha por duas semanas? – Xena soltou uma gargalhada e sua general a acompanhou.
-Você é minha heroína. Eu não sei se conseguiria ser uma imperatriz.
-Bom saber, se eu morrer você ficará responsável por tudo isso.
-É por isso que eu a protejo bem, para não morrer e não ter que cuidar disso.
-Queria que todos pensassem assim. — A imperatriz sorriu mais uma vez.
-Falando nisso, acredito que não tenha lido minha correspondência onde falo que seu capitão Octavius está voltando da campanha.
-Não li.- Xena se jogou na cadeira e olhou para o teto.
-Xena, você sabe que sua coroa está com trincos por causa dele, não? Ele é jovem, simpático e tem aparecido mais em público que você. Temos que cortar a asa dele antes que perceba que está ganhando popularidade e já já começarão a implorar por ele.
-Eu sei. Eu estava muito cansada quando permiti que ele viajasse em campanha a seis luas atrás. E cá entre nós, acho que ele já percebeu que é popular. As cartas que tenho recebido mostram o quão arrogante se tornou. Provavelmente tem uma pancada de aristocratas fazendo a cabeça dele para tentar me desposar e fazer herdeiros. Ninguém me deixa em paz com esse assunto.
-Você está com um temperamento novo, Xena. Tem isso em sua vantagem. As pessoas têm comentado como a imperatriz tem sido mais flexível e tocável. – Mioll respondeu.
-Precisamos de um plano, marque uma reunião com os demais essa tarde. Quando Octavius chegará?
-Entre 4 ou 5 dias e não só ele, mas também os simpatizantes dele estão esperando um baile de boas vindas. Você sabe perfeitamente que não é bom contrariar nessa altura do campeonato.
-Você já mandou preparar tudo? – Xena perguntou com ar de nojo.
-Sim.
-Então está certo.
E naquele ritmo de pôr ordem na casa, Mioll e Xena passaram a manhã trancadas no gabinete
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Os escravos que disseram não ter família foram levados para o pátio atrás da cozinha. A Duquesa apareceu alguns minutos depois apoiada em sua bengala e avaliou escravo por escravo.
-Quem tem mais de 15 verões de um passo à frente – Com sua voz mais rouca, ordenou e cinco garotas deram um passo à frente. – Quantos verões tem, minha jovem? – Uma garota de cabelos pretos e pele bronzeada respondeu ter 17. – É você loirinha?
-21, senhora -A jovem respondeu.
Delia se espantou porque a menina parecia ter menos idade.
-Tem 21 mesmo? Não está mentindo? – A garota respondeu somente com a cabeça. Para Delia não tinha o porquê a garota mentir. – E as demais? – uma respondeu ter 15, outra 16 e outra também 17. – Vão se lavar ali, quero todas limpas e arrumadas o mais rápido possível.
As cinco jovens entraram na sala fria e com pouca luz, tiraram suas roupas e começaram a se lavar. Delia reparou que de todas as cinco, somente a de 21 anos não possuía marca alguma no corpo e as demais pareciam ter receio dela. Dentre elas, a loira era a que tinha o semblante mais triste também, talvez por ser mais velha tenha enfrentado coisas piores. As meninas terminaram e colocaram os trapos entregue a elas.
No ponto de vista de Delia, a pessoa que fosse cuidar das tarefas direcionadas a Conquistadora deveria ter uma postura impecável, falar pouco e o mais importante, ter psicológico para aguentar Xena. Delia nutria sentimentos e carinho por sua imperatriz, mas sabia o quanto ela era difícil e temperamental. Talvez agora que a Imperatriz estava mais branda, a nova escrava teria mais sorte que as anteriores.
-Qual seu nome? – Delia com sua postura um pouco curvada devido a idade se aproximou da loira.
-Gabrielle, senhora! – A menina agora com os trapos novos parecia um pouco melhor.
-Você será a premiada, Gabrielle. Diferente das outras você não parece um gato medroso. Venha.- Delia com seus passos mais lentos saiu da sala escura, atravessou o pátio e entrou na cozinha. Pegou um pedaço de pão e entregou a menina. – Espero que consiga comer e andar ao mesmo tempo.
A jovem pegou o pão e continuou seguindo atrás da senhora. Enquanto caminhavam, Gabrielle reparava no Palácio. Nunca servirá um senhor com um palácio antes e consequentemente, um senhor de status tão alto.
-Preste atenção, essa é a escada dos servos. Você só terá acesso ao quinto andar por aqui. Seu aposento será também no quinto andar. – Delia começou a subir as escadas estreitas dos servos com dificuldade. Em determinado momento escorregou e só não foi pior o tombo porque Gabrielle a segurou. – Obrigada, está cada vez mais difícil envelhecer neste lugar. – Delia falou.
-Eu imagino, porque ainda insistem que suba as escadas? – A jovem com um aparente zelo perguntou e Delia sentiu-se interessada pela menina.
– A única insistência é por minha parte, é difícil envelhecer, querida. Vamos.
As duas chegaram ao quinto andar e um pouco depois das escadas estreitas Delia abriu uma pequena porta.
-Esse será seu quarto. – Gabrielle no entanto parou na porta e contemplou o grande corredor com inúmeras portas e a enorme tapeçaria no chão. – Rurum- Delia despertou a jovem com o som de sua garganta.– Regra número um, não fique dormindo pelos corredores. Principalmente este corredor. A segurança da Conquistadora é pesada e os guardas têm permissão para interrogar qualquer um com atitudes suspeitas. E tenho que dizer que não costumam ser delicados.– Delia falava enquanto abria um baú no canto do quarto.
-Eu te ajudo.- Gabrielle vendo a dificuldade da Duquesa, caminhou até o baú e retirou o que estava lá dentro.
-Obrigada – Delia sorriu e Gabrielle com um certo espanto sorriu de volta. – coloque isso e penteie o cabelo. – Gabrielle fez como mandado, colocou o vestido empoeirado de algodão, foi até a penteadeira simples e penteou seus cabelos. – Já terminou? – Delia parou surpresa ao ver a jovem arrumada. – Bom, isso está melhor do que eu esperava. – A senhora caminhou até a jovem encantada com sua aparência, agora mil vezes melhor que antes, tocou a boca de Gabrielle e avaliou seus dentes. Quando terminou deu um tapinha no rosto de Gabrielle e a jovem pareceu desconfortável mais uma vez.
-Você também terá que tomar banho todos os dias, seu trabalho vai requerer isso. Venha.- Delia saiu do quarto e seguiu pelo corredor.
Gabrielle já imaginava que teria de se limpar todas as vezes que se encontrasse com sua nova Senhora e de certa forma, ela não se incomodou, pois nas suas antigas funções, essa regalia quase nunca era dada.
Em determinado momento Gabrielle sentiu seu nariz irritado pelo pó do vestido e começou a espirrar. Quando deu por si, a duquesa já não estava em sua frente, havia sumido no corredor gigante. Com medo de ser parada por um dos guardas, seguiu em frente e em tom baixo chamou pela duquesa.
-Duquesa? – a menina chamou e não teve resposta – Duquesa? — Gabrielle começou a se desesperar. Tudo o que precisava agora era se perder no corredor dos aposentos da Conquistadora. Com certeza se um dos guardas a visse sozinha ali iria prendê-la. – Pelos deuses.- Gabrielle começou a ouvir passos e pensou em voltar correndo para seu quarto. Sem perceber, ela começou a andar rápido enquanto olhava para trás. Foi quando seu corpo abruptamente parou. Sentiu-se tonta e bateu as costas na parede devido ao choque. Ela tentou seguir em frente, mas o pavor a dominou e ainda olhando para trás tentou seguir, até que uma mão segurou seu braço e a fez voltar a virar para frente.
-Que tipo de idiota é você? – A voz grave a questionou e quando a menina olhou para cima, deparou-se com ninguém menos que a Conquistadora. – Primeiro, por que está aqui em cima e segundo, o que diabos está fazendo correndo assim? – Xena ergueu o braço da menina e a puxou para mais perto – Se roubou algo é melhor falar agora.
Parabéns Gabrielle. Era a única coisa que a jovem conseguia pensar. – Eu estava com a Duquesa, majestade. – Gabrielle apertou os olhos já esperando o pior.
-E cadê ela? – Xena apertou o braço da menina mais forte.
-Eu não sei, estava logo à frente… – Agora nas pontas do pé a jovem tentava acompanhar a altura do braço pendurado.
-E do nada ela desapareceu e você resolveu correr quando escutou alguém chegando? – A Conquistadora estava com um sorriso sarcástico no rosto, mas Gabrielle não conseguia encará-la. – Digamos que eu acredite nisso. O que diabos estava fazendo com a Duquesa aqui?
-Ela ia me apresentar seus aposentos para servi-la, Majestade.- O pavor era tanto que a jovem serva, sequer notar que seu corpo pequeno estava a poucos centímetros do de Xena.
-Então você é a escrava que ela escolheu? – Xena soltou o braço da menina e a observou esfregar o local em que sua mão apertou.
Sem conseguir responder pelo susto, a garota somente concordou com a cabeça.
-Então Venha.- Xena pegou a garota pelo ombro e a arrastou até a porta enorme de seu aposento, abriu e atirou para dentro.
O quarto era enorme, depois da porta havia uma parede que formava um corredor. O lado direito ia para uma câmara e o esquerdo para os aposentos. Havia uma lareira e sofás em um canto, uma mesa redonda em outro e uma cama enorme encostada na parede. Por todo ambiente haviam cortinas brancas caindo do mais alto do teto e tapetes de peles.
A imperatriz atirou a menina no meio do quarto e saiu fechando ela lá dentro. O coração de Gabrielle estava saindo pela boca, seus braços tremiam e o choro estava quase escapando.
Até quando? A menina se perguntava. Não restava nenhuma outra opção a ela a não ser respirar fundo e tentar manter a calma. Quando o choro foi engolido, Gabriel retirou seu vestido e permaneceu nua no meio do quarto onde a Conquistadora a deixou.
Alguns minutos depois a porta se abriu e Gabrielle escutou o som das botas da Imperatriz. Seus olhos estavam vidrados no chão, porém o som das botas pararam logo a sua frente, o que a estranhou. Quando olhou para cima, viu a imagem da Conquistadora vidrada em seu corpo.
– O que você está fazendo?- Lentamente a Conquistadora caminhou até a menina.
-O que fui designada a fazer, minha senhora. – Gabrielle podia sentir o cheiro da imperatriz. Um cheiro de lavanda e seda misturada.
Xena por sua vez parecia hipnotizada com a beleza da garota a sua frente. Havia um tempo que não se deparava com uma situação assim. Gabrielle jurava que seria agarrada e usada, porém Xena simplesmente se abaixou, pegou o vestido do chão e cobriu a frente da menina.
-Você foi designada para limpar o quarto, trazer minhas refeições e limpar meus espaços pessoais. Eu não tenho intenção de tocar em você.– De uma maneira surpreendente a Conquistadora parecia constrangida, o que fez Gabrielle se espantar pois as histórias da imperatriz impetuosa não se pareciam com a mulher a sua frente.
-Pelos Deuses. – A voz da Duquesa ecoou do fundo do quarto. – Me desculpe pela confusão, Majestade. Eu me descuidei por um minuto e isso aconteceu. – a duquesa puxou Gabrielle pelo braço e a retirou do quarto ainda nua.
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O dia estava acabando. Depois da confusão com a escrava nova, a Imperatriz teve sua reunião com os nobres da corte e um jantar casual com os mesmos. No fim da noite, depois de tanto insistirem para que a Conquistadora fosse ver seu curandeiro e ver se realmente estava bem, ela o fez.
O palácio estava escuro e com pouca iluminação, as tochas que eram muitas estavam trêmulas e davam um pouco de visibilidade. Dentro de um aposento estava a imperatriz sentada em uma mesa de mármore e seu curandeiro Phergus tentando iluminar o fundo da garganta da imperatriz com uma vela.
-Aparentemente está saudável mais uma vez, majestade – Phergus apagou a vela e se distanciou da imperatriz para que ela descesse da mesa.
-Acho bom estar. Eu não tenho tempo para ficar doente. – Xena que agora usava uma capa de pelo para se aquecer, fechou ela envolta do corpo.
-Caso volte a se sentir mal venha de imediato a mim. É melhor vir o quanto antes do que deixar piorar como dessa vez, majestade– Phergus a repreendia.
-Tenha vergonha nessa cara, Phergus. Não preciso levar bronca. – O orgulho de Xena inflamou.
-Como desejar, majestade. – Phergus a reverenciou.
Phergus era um persa. Quando Xena atacou parte do território inimigo a alguns anos atrás ela capturou escravos e Phergus foi um deles. No entanto, o homem mostrou talento para curandeiro e quando Xena adoeceu ele a curou de maneira surpreendente. Nem mesmo as habilidades de Xena superaram a dele. Depois de curada, Xena libertou Phergus da escravidão e ofereceu a ele o trabalho de curandeiro do Palácio.
-Tenha uma boa noite. – A imperatriz saiu do que seria o hospital real e ele se curvou pacientemente.
Xena gostava de caminhar pelo Palácio de noite. A luz das velas e das tochas a agradava, os corredores ficavam vazios e ela não precisava interagir com ninguém. Era um dos poucos períodos que não precisava ser acompanhada por sua guarda real.
Mesmo que a noite estivesse gelada, a Imperatriz não fez questão de ir para seus aposentos rapidamente. Ela fez questão de se perder pelos corredores e caminhou calmamente, avaliando canto por canto e ficou satisfeita em saber que as coisas estavam como ela gostava.
O Palácio era dividido por andares. No primeiro andar ficavam os salões do trono, das audiências públicas, a cozinha e o salão de banquetes. Do lado de fora ficava o jardim particular da imperatriz e nos cantos do Palácio as docas dos soldados, bem como onde os escravos e servos dormiam e se banhavam. No segundo andar ficavam as salas de estar, salas de treinos, biblioteca e sala de reuniões. O terceiro andar, além de ter o gabinete pessoal de Xena, ficava os quartos de hóspedes. O quarto é o quinto eram exclusivos da imperatriz e poucas pessoas tinham autorização de ir até lá. As armaduras, sala de descanso e uma adega particular ficavam no quarto andar. O quinto, possuía diversos quartos de hóspedes quase sempre vazios, o quarto do servo real e o aposento real.
Xena percorreu todos os andares lentamente até chegar no quinto. Logo no topo da escada estavam seus guardas reais de armadura roxa que a reverenciou quando passou. Antes de abrir a porta de seu aposento, a Imperatriz ouviu um leve ruído do outro lado da porta. Então puxou a adaga do cinto e abriu a porta tão rápido que a pessoa do outro lado mal notou o movimento.
A adaga parou na altura do pescoço do indivíduo, foi então que Xena viu que se tratava de sua nova escrava. Com um suspiro de alívio abaixou a adaga e acenou para os guardas que estava tudo bem. Os homens se assustaram quando a imperatriz abriu a porta e estavam correndo em sua direção. Gabrielle por sua vez estava branca e soltou as roupas que segurava.
-Isso não é hora de estar aqui?- Xena parada entre o corredor e a porta falou tomando fôlego.
-Perdão, majestade. Eu estava recolhendo as roupas sujas. – Gabrielle abaixou-se reverenciando a imperatriz e logo começou a pegar as roupas do chão.
– Delia não informou que depois do jantar ninguém mais entra no meus aposentos? – Xena com um tom irritado questionou.
-Receio que não, minha senhora. – A menina estava com um bolo de roupas na mão e a cabeça abaixada.
Xena não deixou de reparar nas bochechas vermelhas dela, deu um passo para dentro do aposento e fechou a porta atrás de si. Gabrielle sentiu uma tensão e seu corpo ficou rígido.
-Qual seu nome? – A imperatriz perguntou secamente.
-GA… Gabrielle, minha senhora. – a menina não conseguia mover um músculo enquanto a imperatriz se aproximava dela.
-E você recebeu esse nome aqui, ou é seu nome de batismo, GA… GABRIELLE!? – Xena fechou o espaço entre elas enquanto zombava da gagueira da garota e bateu a mão nas roupas fazendo a menina soltar elas.
-De… De batismo até onde me lembro, majestade – Gabrielle sentia que o ar a faltava.
– Por que até onde se lembra? – A imperatriz ergueu a mão e colocou uma mecha do cabelo loiro atrás da orelha da menina. Depois tocou seu queixo e ergueu o rosto assustado da escrava.
-Quando me tiraram de casa e me venderam eu tinha 10 verões, até onde lembro era como minha mãe me chamava, se… Senhora! – Gabrielle não conseguia olhar a imperatriz nos olhos.
-huuuum…. – Xena pressionou o corpo da menina no seu – E que tipo de escrava você costumava ser, Gabrielle? – Julgando pela atitude da menina mais cedo, a Imperatriz já sabia a resposta.
Gabrielle fugiu dos dedos da imperatriz e abaixou a cabeça. – Escrava corporal, senhora.- o tom da jovem foi tão firme e triste que Xena não conseguiu ignorar. Afastou-se da menina e agora com uma postura mais séria perguntou.
-É por isso que você pensou que eu iria usá-la mais cedo?
-Sim, minha senhora! – Gabrielle parecia querer chorar e Xena percebeu que amedrontar pessoas daquela forma, já não tinha tanta graça assim. Não possuía mais estômago para aquilo e só de notar os olhos verdes da loira marejar, sentiu um nó na boca do estômago.
-Eu… já tive vários escravos corporais, mas desde que fui pressionada a sancionar a lei contra estupro eu deixei de lado esse hábito. – Xena disse calmamente, mas percebeu que Gabrielle continuava parada e encarando o chão. Ela voltou a se aproximar da menina e tocar seu rosto. – Eu não vou te usar dessa maneira porque eu cumpro com as minhas leis, mas não pude ignorar o quão bonita você é. – Por um momento Gabrielle pensou que a Imperatriz não iria se controlar. – Eu sugiro que fique longe das docas dos soldados, Gabrielle. As minhas leis existem, mas nem todo mundo as cumpre. Ainda mais onde meus olhos não alcançam.
Xena observou mais um pouco os traços da jovem, até que enfim caminhou até a porta e a abriu para a menina. – Tenha uma boa noite.
A menina recolheu as roupas e saiu às pressas do quarto da Conquistadora sem nem responder. Xena bateu a porta em seguida e foi em direção a sua câmara de banho. Durante todo o momento, ficou claro que velhos hábitos não mudaram apesar da idade e a figura nua da jovem não abandonou sua mente. Sabendo que não poderia tocá-la, ela não se privou de ao menos imaginá-la.
Quando Xena subiu ao trono, ela não possuía respeito de seus súditos. Sua força bélica era a única garantia de que se manteria no trono. Haviam poucos homens que a davam suporte e os mesmos não confiavam o poder pleno nela. Por esse motivo, os duques que compunham o conselho da imperatriz a forçaram a manter damas de companhia por todos os lugares para mantê-la disciplinada. Essas damas eram as esposas desses duques e por mais que Xena não gostasse da ideia teve de submeter as vontades dos nobres para garantir sua ascensão ao trono. Uma vez que a Imperatriz entendeu a dinâmica de governo, foi forçada a sancionar leis como proibição de estupro, tráfico de crianças, venda de mercadorias ilegais e etc. Os nobres achavam que tais leis poderiam por em dúvida as histórias que rodavam o passado da imperatriz e com medo de que seu trono desmoronasse pela pressão popular a mesma se submeteu a tais condições. Era o máximo que uma jovem de 20 anos e imperatriz podia fazer para garantir a coroa.
Xena não era a preferida como rainha quando começou a reinar, mas o rei anterior era odiado ao ponto dos nobres quererem juntar forças com a destruidora de nações e dar a ela a chance de se provar melhor que o rei anterior. Ela possuía no mínimo força para defender o território grego dos romanos e persas.
Depois de um longo banho, Xena deitou em sua cama e notou o quanto sentiu falta do seu conforto. Fechou os olhos e não demorou muito para que Morfeu a levasse.