Fanfic / Fanfiction Penumbra grega - Espinhos na coroa

Uma brisa gelada e bem típica de uma manhã de outono entrou pela grande porta de vidro e tocou o rosto adormecido de Gabrielle. As cortinas brancas balançavam e o som do Palácio movimentado estava em segundo plano. Lentamente os olhos verdes se abriram e olharam para o vazio. Até que com um pulo a menina se sentou na grande cama coberta de peles.

Gabrielle tocou seu rosto e desceu da cama aos tropeços. Onde eu tô? Foi o primeiro pensamento dela. Então se lembrou da noite passada. Se lembrava de ter chorado muito. Quando se recordou de ter chorado nos braços da imperatriz a menina sentiu uma enorme ressaca moral. Que decadência. Como vou olhar para a imperatriz sabendo que eu babei na sua camisa de algodão. Mas o que havia acontecido depois do chá? Gabrielle não se lembrava de mais nada. Tocou sua boca e conferiu seu corpo. Suas roupas estavam no lugar e não se sentia diferente. Provavelmente o chá a fez cair no sono e a imperatriz a deixou dormir ali. Essa mulher. O que ela está fazendo, o que quer de mim?

Não fazia sentido para a menina ser tratada daquele jeito. Escravos não dormiam com seus senhores, muito menos recebiam afagos quando choravam de angustiam. Se não fosse para usar e punir, então para que servia o senhor? Eles não eram em nenhum aspecto amigáveis.

O que estava acontecendo? Desde que chegou no Palácio teve que lidar com o sarcasmo da imperatriz e agora com seus gestos amistosos. Além do mais, havia conhecido Delia, uma senhora educada e gentil. Será que estou sonhando? O que mais uma menina de 21 anos que até então só conhecia a escravidão e o desprezo podia pensar. 

-Preciso sair daqui rápido. – Pensou Gabrielle em voz alta.

Quando ia sair do quarto notou que estava sem suas botas – droga!- O coração acelerou quando não conseguiu encontrar os sapatos. Você está no aposento errado, Gabrielle. Muito errado. Estava tão desesperada que por pouco se esqueceu que as botas estavam perto do sofá onde adormeceu. Quando chegou até elas e colocou o primeiro pé no calçado, sentiu algo dentro dele. Virou a bota de couro de ponta cabeça e um pequeno pedaço de pergaminho dobrado em três caiu no chão.

Quando Gabi pegou o pergaminho, logo descobriu que era um bilhete que dizia :

“Presumo que saiba ler porque os persas têm pelo menos o cuidado de letrar seus escravos.

Você pegou no sono ontem por causa do chá e devido seu estado não te acordei. Sinto que toquei em feridas que estavam com uma leve cicatriz ontem a noite, porém quero que saiba o quão importante é para o reino que homens que compartilham da índole de seus agressores sejam punidos da devida forma.

Não se preocupe em levantar rápido e começar suas tarefas. Tenha seu desjejum e procure por Delia. Ela tem uma tarefa diferente para você hoje.” X.

Gabrielle leu o recado e ficou parada por um tempo refletindo nas palavras que nele havia. Acho que esse é o mais próximo que a Conquistadora já chegou de pedir desculpas a alguém. Pensou a loira. 

Gabi colocou suas botas e saiu do aposento real. Atravessou o grande corredor e abriu a porta de seu quarto. Se ajoelhou de frente ao seu baú e guardou o bilhete muito bem dobrado debaixo das roupas.

A menina o manteve com carinho por muitos motivos, mas um dos principais era o fato de ter sido a primeira coisa que leu em muito tempo. Sabia ler e escrever como suposto pela imperatriz, mas mesmo assim não era permitido ter livros e pergaminhos. Também manteve o pequeno pedaço de papel porque foi uma das poucas considerações que havia recebido até então.

Em meio aos pensamentos e sentimentos novos, a menina não sentiu fome. Desceu as escadas e foi de encontro com a duquesa. Não sabia ao certo onde encontrar a senhora, então foi até a cozinha. 

– O que você acha que está fazendo, idiota? – Gabrielle viu um dos mordomos mor do castelo puxar um pano da mão de uma criada. O homem parecia furioso, mas infelizmente ele seria a única pessoa que poderia dizer onde a duquesa estava.

-Com licença. – pediu a menina, mas foi ignorada.

-Da próxima vez que eu te ver fazendo essa nojeira, eu vou esfola-lá viva… Imprestável.- continuou ele a ignorando.

-Com licença, senhor— Gabrielle estava acanhada.

-O QUE É? – Com o rosto furioso, fitou a loira enquanto soltava fogo pelas ventas.

-O Senhor sabe onde a duquesa Delia está?

-E eu tenho cara de cuidador de idosos pra você? – Foi saindo da cozinha, mas Gabrielle o parou.

– Não, senhor. Mas sabe quem pode me dizer onde ela está? 

-O que uma escrava quer com uma duquesa?

– A imperatriz me pediu para falar com ela, mas não sei on…. – Interrompeu a menina.

-Aaahhh, você é a nova serva da imperatriz. Meus pêsames. – Respondeu e Gabrielle sentiu o olhar dos demais da cozinha sobre ela. – A Duquesa geralmente fica enfiada na biblioteca ou no jardim do Palácio. Divirta-se tentando encontrá-la. – Saindo da cozinha, ele a deixou falando sozinha.

– Senhorita, Gabrielle— uma voz veio da porta da cozinha e quando Gabi olhou viu que se tratava da mesma sentinela que a ajudou com as bandejas na noite anterior. 

-Pois não? – respondeu a loira indo em direção a sentinela.

-Tenho ordens da Imperatriz para levá-la até a duquesa de Corinto — A sentinela usava uma armadura roxa. Todos que usavam tal armadura eram identificados como centuriões da guarda real. Eram os melhores soldados do exército grego designados para a proteção direta da Conquistadora.

A sentinela em questão cuidava do quarto e quinto andar, mas somente na noite passada que Gabrielle a notou.

-Oh. Está bem – a menina respondeu seguindo a sentinela.

-Eu esperava encontrar a senhorita no corredor, mas quando me dei conta já estava descendo pelas escadas dos servos. – disse a sentinela.

-A imperatriz pediu para que me levasse até a duquesa quando me visse? – perguntou a menina surpresa com o cuidado especial da imperatriz.

-Sim, ela disse que você é nova e é melhor que não se perca pelo castelo.

-Já me alertaram que se perder nesse Palácio não é bom negócio.

-Não é. Os guardas que circulam aqui dentro são todos da guarda real. Eles recebem um treinamento diferenciado e por isso são conhecidos por serem os mais agressivo.

– Vou me lembrar disso.

-Ali. Aquela é a entrada para o jardim. A Duquesa costuma se sentar perto das roseiras bem no final do jardim, no canto direito.- disse a sentinela.

-Obrigada… É…. – Gabi não conseguia terminar o agradecimento por não saber o nome da sentinela que a ajudou.

-Najara.

-Obrigada pela ajuda, Najara. – Gabi respondeu com um sorriso.

-Disponha, senhorita.- A Sentinela ficou parada olhando a menina ir em direção ao jardim até perdê-la de vista. 

Enquanto isso Gabrielle caminhava encantada no jardim. Algumas folhas e arbustos estavam começando a morrer por causa do outono, mas ainda sim o jardim estava maravilhoso. Árvores, arbustos e roseiras estavam espalhados por todo lado. Jardineiros estavam cuidando do local e Gabi se surpreendeu com a diversidade. 

-Venha aqui, querida. – Chamou a duquesa que viu Gabi de boca aberta.

-Bom dia, duquesa. – Gabrielle sorriu e foi até Delia. 

-Vejo que gostou do jardim. – A duquesa estava sentada em um banco debaixo de uma árvore grande e uma roseira ao lado.

-Eu não esperava encontrar um lugar assim nesse Palácio.- respondeu a menina enquanto olhava a sua volta.

-Esse jardim foi todo montado pela Imperatriz. Aqui existem árvores e flores de vários lugares do mundo. Essa árvore atrás de mim, por exemplo, é uma cerejeira que a Imperatriz trouxe das terras de Japa. Infelizmente ela só nos dá o ar da graça na primavera. Já chegou a ver uma cerejeira florida? – perguntou Delia.

-Nunca, senhora.

-Então quando ela florescer na primavera você irá me dizer se é ou não a árvore mais bela desse jardim. – Delia se levantou com a ajuda de Gabrielle e então se apoiou em sua bengala e começou a andar. – Você está aqui para sua tarefa, certo?

-Sim, a Imperatriz pediu para eu vir aqui. – Gabrielle caminhava ao lado da Duquesa lentamente.

-A imperatriz tem umas encomendas importantes para serem pegas na cidade. Pediu para que eu levasse você junto para ajudar. – Delia fingiu não ver os olhos verdes da escrava brilhando.

-Na cidade? Que dizer, eu ajudar a senhora no centro da capital? – Gabi jamais pensou que iria poder pisar lá um dia.

-Sim, foi o que eu disse. A duquesa de Loyola que geralmente me acompanha, mas hoje ela não se sentiu muito bem, então a imperatriz me emprestou você. –

-Bom, eu fico honrada em ajudar. – Gabi estava radiante com a notícia e mal podia esperar para ir até a cidade.

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-EU QUERO ABRIR A CABEÇA DELE E MASTIGAR SEU CÉREBRO – Enquanto gritava, ela fazia gesto com a mão, como se fizesse jus a sua ameaça. – IMPETULANTE, ARROGANTE, IGNORANTE, ORDINÁRIO, ACÉFALO, ENERGUMENO, FILHO DE UMA BACANTE IMUNDA BANHADA PELO FOGO DO TÁRTARO. – o rosto da imperatriz estava vermelho e era possível ver veias em sua testa.

-Majestade, por favor. – pediu Mioll que estava na sala de reunião com os outros duques. – Nós nem sequer temos certeza.

-É CLARO QUE TEMOS CERTEZA, QUE OUTRO PORCO IMUNDO ESTARIA TRAFICANDO MINHAS MERCADORIAS. – Xena estava extremamente irritada pelas notícias recebidas sobre o navio de piratas persas.

-Nós não conseguimos nomes, majestade. Simplesmente informações tão vagas como as outras. – Disse o duque de Acaia.

-Deixem de ser cegos. Só existem três duques que estão fora de Corinto. O Capitão do navio persa disse que não recebeu ordens por três luas porque o tal duque não estava aqui. Os malditos saíram em campanha com o Capitão Octavios a 6 luas, 6 LUAS… Nenhum deles sabia que eu havia mandado fechar o rio ao sul. Ou seja, só pode ser um dos três ou os três.-Xena estava prestes a devorar alguém.

-Vamos supor que o duque de Tebas, Esparta e Argos sejam os traficantes. O que eles estariam fazendo com a mercadoria? Ou melhor, por que o Capitão persa diria que não podia voltar para casa sem o tráfico?- Perguntou o Duque de Delfos.

-Você se lembra o porquê eu autorizei a campanha do capitão Octavios.– Xena perguntou de maneira retórica. – Eu autorizei aquela merda de campanha porque metade do meu povo se deixou levar pela ideia de que meu reinado estava fraco e não estava trazendo expansão territorial. Eu autorizei aquela desgraça, porque meu exército estava supostamente entediado, dando despesas e precisava sentir a batalha real no campo para valorizar o investimento que estava sendo feito com equipamentos e treinos. Eu autorizei aquele monte de porcaria porque Octavios se achava competente para liderar um exército e fez a cabeça de metade do meu conselho dizendo que eu estava velha e sem visão para com o reino. Sabe o que eu decidi então, DUQUE? EU AUTORIZEI ESSA BOSTA DE CAMPANHA. Eu mandei Octavios e seus amiguinhos para um dos locais mais pobres e sem recursos da Pérsia justamente para que ele tomasse o local em menos de 3 luas e voltasse para cá e acalmasse os ânimos do povo. – Xena bateu na mesa e aceitou o cálice de água que sua general a ofereceu. Logo depois continuou. 

“-Se eu fosse um capitão de uma das frotas mais importantes da minha rainha, eu com certeza tentaria subir ao trono. Eu tentaria em primeiro lugar provar que suas estratégias de batalha e visão de governo eram velhas e ultrapassadas. Eu provaria isso tentando dificultar a batalha ao máximo para que quando ganhasse, fosse considerado herói. O território que o Capitão Octavios está já estava ganho a três luas atrás. Mas ele e seus lacaios preferiram roubar meus suplementos, escravos, armamentos e a puta que pariu ANTES MESMO DE SAIR EM CAMPANHA, para dar aos inimigos e fingir para o povo grego que estavam a beira de um colapso enquanto sua rainha tirava férias num casarão na beira do mar.- Xena tomou mais um gole de água e prosseguiu.

-Eu estava cansada para controlar a situação e agora o plano do bastardo do Octavios e os demais está quase pronto. Sabe o que vai acontecer, senhores? O povo vai clamar por Octavios, e os demais duques vão fazer comigo assim como o pai de vocês fizeram para derrubar o rei anterior. A diferença é que eu não possuo crimes de estado para ser destronado, então vão me pressionar para casar com Octavios e dar herdeiros a ele.

Todos da sala ficaram em silêncio até que Mioll prosseguiu.

-O único jeito de contornar essa situação é mostrar para a oposição os crimes que foram cometidos. Mas como? – A General não conseguia parar quieta na cadeira e andava de um lado para o outro.

-Eu tenho uma sequência de ideias. A primeira é para confirmar se os duques têm um informante aqui dentro do castelo. A segunda me aflige um pouco, pois pode pôr em risco a vida de uma pessoa inocente. Receio ser a única chance e só pode ser bem orquestrado no baile de boas vindas daqui três dias.- Xena parecia apreensiva, assim como os demais. 

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A cidade estava movimentada. Mercadores, feirantes e pessoas se aglomeradas nas ruas faziam jus ao espírito de cidade grande. A carruagem da duquesa fazia seu caminho pelas ruas de areia da capital sem muita dificuldade e uma vez ou outra crianças se aproximavam das janelas mostrando seus pães caseiros e tentando vender algo mais.

Gabrielle estava encantada, seus olhos brilhavam e tentavam acompanhar cada homem, mulher, criança, idoso, cavalos, barracas de frutas, pães e tudo que compunha um mercado ao ar livre. Gabi estava escorada na janela estreita da carruagem devorando todas as informações que vinham até ela. A duquesa estava achando uma graça. Se lembrará de si mesma quando foi ao mercado de Corinto pela primeira vez. Olhando para Gabi, tentava entender o que se passava na cabeça de uma jovem que viveu trancada até então. Aquele cenário parecia ser a confusão mais saborosa que se metera.

A carruagem parou e o cocheiro abriu a porta.

-Venha, minha filha.

As duas estavam na alfaiataria da cidade. A imperatriz havia pedido para que fosse feito um vestido roxo de seda.

-Duquesa, que prazer recebê-la nesta manhã – Um homem alto de cabelos claros e um bigode muito bem cuidado recebeu a duquesa com uma reverência na porta da alfaiataria.

-Como está hoje, senhor Didymos? – Perguntou a duquesa enquanto entrava no prédio.

Gabrielle seguia logo atrás e nem sequer prestava atenção na conversa. Quando entrou na loja, olhou para os panos de várias cores espalhados por mesas, agulhas espetadas em novelos e cabides cheios de vestidos e camisas. O ambiente possuía um cheiro novo, era cheiro de madeira com tecidos e algodão. A loja muito bem iluminada tinha o piso amadeirado e Gabrielle se perdeu no meio das roupas.

Que sonho seria provar todos aqueles vestidos e capas. Com as mãos delicadas, Gabi tocava os tecidos de veludo e explorava a sensação de estar ali naquela manhã.

-Gabrielle!- Delia chamou e despertou a jovem do transe.– Quero que conheça Didymos. Ele é o alfaiate da imperatriz e de quase todos os nobres de Corinto. Sempre que a Conquistadora pedir para buscar algo no alfaiate, será esse homem que deve encontrar.

-É um prazer conhecê-lo, senhor Didymos.

-O prazer é meu, senhorita.

Gabi saudou o alfaiate e logo voltou a se distrair. Caminhou para longe da duquesa e enquanto explorava as araras cheias de roupas viu um vestido de veludo na cor vermelha. A curiosidade foi tanta que a menina pegou o vestido e o admirou quase babando. Era o vestido mais belo que já havia visto. Era um veludo vermelho quase num tom de vinho. Era o meio termo entre as túnicas gregas e um novo tipo de vestimenta vinda do norte que jamais conhecera. Uma única alça prendia no ombro direito e contornava os seios, caindo numa cascata opaca e vincada. Havia ainda um bordado amarelo trançado sutil, que lembrava linhas de ouro. 

Agindo como uma garota de 21 anos, Gabrielle pegou o vestido e colocou na frente de si e se olhou no espelho. Que visão era aquela, se ao menos pudesse prová-lo. A jovem suspirou e devolveu o vestido no local que achou e voltou ao lado da duquesa.

-Leve isso para a carruagem, querida. —Delia entregou o vestido da imperatriz que estava no embrulho. – Leve esse outro embrulho também e me espere lá fora.

Gabrielle fez como pedido e carregou tudo para a carruagem. Esperou pela duquesa logo após que saiu da loja minutos depois com outro pacote muito bem fechado.

-Vamos até o sapateiro agora.- Disse Delia para o cocheiro e entrou na carruagem com a ajuda de Gabi. – Está se divertindo, Gabrielle? 

-Bastante, senhora. – Com um sorriso autêntico Gabi respondeu.

-Já esteve em uma cidade grande como essa antes?

-Uma vez, até meus 15 verões. Mas nunca sai na rua. Isso é melhor do que eu imaginava. – Respondeu empoleirada na janela mais uma vez e Delia sorriu. Manteve os olhos na jovem até que pararam de novo.

A loja seguinte era uma sapataria muito importante de Corinto. Xena encomendava todas suas botas e sapatilhas de couro de lá.

Gabrielle entrou na sapataria com a duquesa e um cheiro forte de cola fez seu nariz torcer. Sem dúvidas aquele lugar não tinha o mesmo glamour da alfaiataria. Haviam pilhas de couro nos cantos da loja e vários meninos trabalhando em mesas ao fundo. O homem que as recebeu era baixinho e com uma barriga um tanto grande, seu sorriso amarelo tirava o pouco de charme que sobrava nele. Mas mesmo sendo feio e com a roupa um pouco suja, Gabrielle gostou de seu senso de humor.

-Não é todo dia que duas donzelas se perdem nesse canto da cidade. – disse o homem que beijou a mão de Delia e Gabrielle.

-Donzela? Se estiver se referindo a mim receio que chegou atrasado, Dion. – Delia tirou uma gargalhada do homem.

-Quem vamos calçar hoje, hein? Será seus pés, senhorita? – O homem que supostamente se chamava Dion perguntou para Gabrielle.

-Creio ser os pés da imperatriz, senhor. – Com uma risada tímida Gabi falou.

-É claro que é. Esperem aqui que já volto. – O homem saiu da vista das mulheres e em minutos voltou com os braços cheios de pacotes e um ajudante também. – Aqui. Tudo o que a Imperatriz pediu. Pelo jeito ela irá calçar uma centopeia. Hahaha. – A piada havia sido horrível, mas Gabrielle estava tão extasiada com a nova experiência que riu.

-Ainda bem que você trabalha com couro e não piadas, Dion. – respondeu Delia subindo na carruagem.

– Era o que meu pai dizia. Mas eu sei que a senhora sempre vai voltar para ouvir outra, duquesa. —Dion ajudou Gabrielle a subir e se despediu dela com um beijo na mão. – Apareça mais vezes, senhorita. Quem sabe na próxima não faço algo especial para seus pés. 

-Vai ser uma honra. – A carruagem se colocou em movimento e agora o destino seria o Palácio mais uma vez.

-Antes de voltarmos eu quero que prove uma coisa. – Delia fez o cocheiro parar no mercado e caminhou com Gabrielle até uma tenda com um cheiro maravilhoso.

-Pelos deuses, essa tenda vende Ambrósia? – Gabi perguntou e Delia riu.

-Escolha o que quiser. – A duquesa ordenou se divertiu com o jeito que os olhos de sua nova companhia arregalou.

-Eu não posso aceitar, duquesa. Eu fico constrangida com tanta gentileza. – Gabi deu um passo para trás. 

-Bobagem, que jovem não quer um pão doce? Senhor, me veja um embrulho desses pães doces. – Delia pediu ao dono da tendae o mesmo obedeceu.

Quando Delia e Gabi caminharam de volta para a carruagem, a menina viu uma construção singular e parou para admirá-la.

-Aquilo é um templo, senhora? – Gabi olhava sem piscar para o templo enorme que se destacava entre os outros.

-Sim, aquele é o panteão. Existe um altar para cada deus.

-Tem um altar para Afrodite? – Sem notar que não piscava, Gabi perguntou.

-Por que não descobre por sí só? – Delia apontou para o templo e recebeu mais um olhar de surpresa. – Eu te espero aqui. Não demore. – Delia entrou na carruagem e deixou uma Gabrielle perplexa na rua.

Caminhando devagar a menina foi se afastando da duquesa e quando se deu conta de que estava tendo um pouco de autonomia, saiu correndo na direção do templo. Quando entrou nele, havia algumas pessoas colocando oferendas em alguns altares. Gabrielle passou de altar por altar até ver o nome de sua deusa patrona “Αφροδίτη”. Se aproximou lentamente e se ajoelhou.

-Me desculpe por não poder trazer nenhuma oferta.- sussurrou a menina. – prometo que da próxima vez eu trago um pouco do perfume que a Imperatriz me deu. Eu não posso dar tudo porque se não vão brigar comigo. – Sem se dar conta das palavras inocentes, Gabrielle fechou os olhos e depois de alguns minutos se levantou e saiu do templo correndo na direção da carruagem.

-Pronto? – Perguntou Delia.

-Sim, senhora.

-Então vamos voltar para o Palácio enquanto comemos pão doce- Delia abriu o embrulho e se empanturrou com Gabrielle.

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Xena estava em seu aposento sentada em uma poltrona. A sua volta estavam os inúmeros pacotes que Delia e Gabrielle haviam buscado de manhã. Na sua companhia estavam as duquesas de Ląoyola, Delfos, Delia e sua serva Gabrielle.

-Esses calçados não estão apertados, majestade? – A duquesa de Delfos perguntou para a imperatriz que provava as sapatilhas de camurça.

-Um pouco, mas acho que irá ficar melhor com o tempo. – Xena respondeu.

-Que tempo? Você só usa aquela bota suja ou as sandálias. – Disse Delia se esquecendo das formalidades e deixando Gabrielle notar que ambas nutriam uma afeição a mais.

Xena olhou para ela e a duquesa de Loyola segurou uma risadinha.

-É porque são melhores e mais confortáveis. Não entendo porque me forçam a usar essas vestimentas do norte, quando claramente aqui é mais quente.- Resmungou  e os risinhos continuavam no rosto de suas damas. – Oras, você se tornou bem insolente, Delia.– Xena respondeu. -Veja só! Graças a você minha criada aprendeu que pode rir da minha cara.- Por fim, atirando uma sapatilha na direção de Gabrielle que a princípio fez cara de espanto, mas quando o sapato bateu de leve em sua perna, entendeu se tratar de uma brincadeira. Aquilo foi interessante. -Tá certo. Chega por hoje. Eu quero jantar e descansar. Fora todas vocês. – Xena se levantou e “expulsou” as mulheres de seu aposento. – Não demore com meu jantar, Gabrielle. – Com uma piscada Xena fechou a porta.

Alguns minutos depois a garota entrou no aposento com as bandejas, arrumou a mesa e quando ia se retirar a imperatriz puxou uma cadeira e ergueu uma sobrancelha. A menina entendeu o que aquilo significava e se sentou para jantar.

-Me conte como foi na cidade, Gabrielle. – Xena perguntou enquanto devorava uma coxa de frango.

-Foi incrível, eu nunca pensei que fosse andar pelas ruas como fiz hoje. Tinha tanta gente lá e eu comi pão doce, foi… – Gabi se lembrou então que estava falando com sua imperatriz – ah, sinto muito, majestade, eu me empolguei. 

Xena estava sorrindo. Como achou aquilo incrível. A última pessoa que a abordou dessa forma foi seu irmão Lyceus quando ela ainda tinha 15 verões e ele 13.

-Fico feliz que tenha gostado. A duquesa me disse que você se divertiu bastante. Me disse até que foi até o panteão.- A Conquistadora pegou Gabrielle de surpresa.

-Eu… Espero não ter ofendido com essa atitude, majestade. – A menina ficou preocupada. Os servos não tinham tempo e nem o porquê de ir a templos. Suas vidas eram infelizes demais para quererem adorar algum deus.

-Se eu soubesse que tinha interesse pelos deuses eu teria te mostrado o pequeno templo de Atena que tenho no Palácio.

-Onde? – Com surpresa a menina perguntou quase num sussurro e tirou um sorriso da imperatriz. – Pelos deuses, aquele sorriso era melhor que a cara carrancuda que ela mantinha na maior parte do tempo.– Pensou Gabi que por um momento esteve mais interessada no sorriso da imperatriz do que no templo.

-No fim do jardim. Pensei que tivesse visto quando foi até lá hoje.

-Não reparei, majestade.

-Quando tiver tempo livre pode ir. Ninguém é proibido de entrar no templo.

Xena notou como aqueles olhos verdes brilharam e deduziu que se pudesse sair dali agora, Gabrielle iria direto para o templo. Depois de muitos verões, ver um sorriso e um olho brilhante estava sendo melhor que ver expressões de pavor. O que essa menina tem? Xena se viu perguntando.

As duas comeram bem e conversaram sobre o dia. Gabrielle se mostrou bem observadora e detalhista. Descrevia as coisas com perfeição e se mostrou interessada por tudo à sua volta. Depois que terminaram, Xena se sentou no sofá como de costume e Gabrielle se sentou no chão em cima de suas pernas.

-Bom. Presumo então que você saiba ler. -Xena fez essa observação enquanto tomava seu vinho.

-Sim, me ensinaram a ler, majestade. – Fitou o fogo.

-Te deixavam ler algo ou só esporadicamente para treinar? – Xena observava a luz da lareira refletir na pele branca de Gabrielle.

-Esporadicamente… Quase nunca, majestade. As coisas que eu lia muitas vezes eram recados de outros escravos, ou os pergaminhos irrelevantes que ficavam abertos despreocupadamente sob a mesa do capitão do navio. 

-Hum…- Xena colocou o indicador sob o lábio. -Vocês trocavam mensagens então no navio.- Perguntou e Gabi respondeu positivamente com a cabeça.– Geralmente falavam o que? 

-Eram mais avisos do que conversas. Quando algum tripulante novo estava abordo, ou o capitão estava nervoso e me avisavam para tomar cuidado. Até mesmo quando parávamos em algum porto ou terra firme raramente avisavamos uns aos outros. – Até aquele momento Gabrielle não parecia incomodada com a conversa, então Xena pensou que poderia perguntar mais.

-Algumas vezes havia o nome dos lugares que paravam? – Com olhar de soslaio a imperatriz abordou a jovem.

-Não. – Gabi parecia pensativa. – Poucas vezes, mas era irrelevante. Uma das poucas vezes que paramos recentemente, eu me lembro que me falaram que estávamos na costa persa, mas não me recordo do nome do lugar.

Xena desceu do sofá e se sentou no chão ao lado de Gabi.

-Tente se esforçar, Gabrielle. – Os olhos azuis da imperatriz estavam diferentes nessa noite.

-Eu… Eu acho que começava com M ou N.– Gabrielle estava mais próxima da imperatriz do que notará.

-Mileto?

-Eu acho que…. Sim, era isso. Mileto. – Então a expressão de Gabrielle mudou repentinamente. Seu semblante se tornou melancólico e vazio.

-Foi lá que você desceu do navio e viu o homem fardado? – E como resposta a imperatriz recebeu um “sim” silencioso. – Você se lembra se te levaram para uma tenda grande de cores roxa e branca, Gabrielle? – Aqueles olhos verdes encheram de água e outro sim silencioso apareceu.

Não havia dúvidas, Octavios e os outros duques estavam por trás do tráfico.

Xena não ia suportar ver Gabrielle aos prantos de novo, então decidiu parar antes que a menina saísse dos trilhos.

-Você tem um sonho, Gabrielle? – A imperatriz perguntou repentinamente e Gabi simplesmente a encarou com descrença.

-Hein? – que tipo de pergunta era aquela. Escravos podem ter sonhos? – eu… acho que não entendi, majestade. — Respondeu Gabi enquanto secava as poucas lágrimas que escorreram.

– É isso mesmo que ouviu. Você tem algum sonho ou desejo?

– Bom… Eu gostaria muito de poder escrever as inúmeras histórias que vem na minha cabeça, majestade.

Como era inocente. De todas as coisas do mundo ela só queria poder escrever. Nem mesmo sua liberdade contava como sonho ou desejo. Talvez ela nem se quer via essa possibilidade.

– Eu vou providenciar alguns pergaminhos e tinta para você fazer isso. É o mínimo que posso fazer para te recompensar. 

Gabrielle soltou uma risada de descrença. – Me recompensar de que, majestade?

-Você me deu pistas sobre os traficantes e tem sido uma boa companhia.

Gabrielle estava perdida. Não sabia como reagir, então sorriu e simplesmente perdeu a fala.

Xena se aproximou mais um pouco e colocou uma mecha de cabelo loiro por trás da orelha. As duas se olharam por um momento e Gabrielle reparou pela primeira vez que apesar da idade, Xena era uma das mulheres mais bonitas que já havia visto. Com seu rosto a poucos centímetros da imperatriz perguntou:

-Sua majestade também têm sonhos ou desejos?

Que engraçado isso. Imperatrizes não possuem sonhos, somente ambições, mas a pergunta foi interessante ao ponto de vista de Xena que ergueu uma sobrancelha e respondeu:

– Eu desejo que um dia você possa me beijar por vontade própria, Gabrielle. – por essa a menina não esperava.

Qual era o problema dessa mulher? Era só ela puxar e beijar a menina, mas ainda sim optará por ter o consentimento de Gabrielle. Eram tempos interessantes e ninguém jamais imaginou que um dia a imperatriz pudesse ter essa atitude.

Gabrielle sorriu largamente e olhou para o tapete de pele que estava sentada, Xena acariciava o cabelo loiro de leve e também tinha um sorriso no canto da boca.

-Acha que consegue dormir em seu aposento hoje? – a imperatriz falou.

-Sim, majestade.

-Tenha uma boa noite então, Gabi- Xena se levantou, ajudou Gabrielle a se levantar. A acompanhou até a porta e se despediu mais uma vez. A imperatriz estava com um sorriso bobo no rosto, estava se sentindo ridícula por parecer uma adolescente. Mas fazer o que, cortejar moças tinha sua graça. 

Aquela noite a imperatriz passou a maior parte do tempo lendo documentos e fazendo planos. Logo logo seu capitão Octavios chegaria e era preciso em primeiro lugar defender sua coroa. Só então poderia pensar em se apaixonar, afinal, Gabrielle ou até mesmo a imperatriz poderiam não estar mais presentes dali 3 dias.