Fanfic / Fanfiction Penumbra grega - Presa indefesa

A chuva fria do meio da tarde caia em Corinto. Poucas pessoas se arriscavam em sair nas ruas frias. Preferiam se manter aquecidas perto dos fogos de suas casas ou tavernas. Os dias ficavam cada vez mais frio e o verde exuberante da Grécia era roubado pelo marrom morto do outono.

No palácio, em uma das torres mais altas, estava possivelmente uma das poucas pessoas que preferiam o frio ao invés do verão.

Xena estava em seu aposento, mais especificamente em sua banheira romana de mármore. A água produzia vapor e transformava a câmara em uma sauna. Dentro da banheira estava o corpo da imperatriz submerso quase por completo, exceto por seus olhos. A figura podia ser comparada a um jacaré camuflado no rio, prestes a agarrar sua presa inocente. Xena conseguia visualizar perfeitamente essa cena, porém, antes mesmo que pudesse devorar sua presa, um monstro marinho ainda maior engoliu o jacaré e a água se manchou por sangue fresco.

A conquistadora afundou por completo na água e se imaginou morta. Nunca subestime seus inimigos, Xena. O maior dos imbecis pode ser um risco e deixá-lo ultrapassar sua linha de defesa pode ser o maior erro. Anos atrás o duque de Corinto (já falecido) alertou a conquistadora. Na época, a imperatriz era uma jovem que o duque vinha tentando domar. Agora depois de verões, a impetuosa percebia que cometeu um erro que julgava ter aprendido. 

O ar escapava de sua boca e bolhas subiam até a superfície pesadamente. Quando o ar de seus pulmões já estava quase ao fim e os olhos pareciam pesados, Xena levantou da banheira em um único impulso e deixou seu corpo emergir. Saiu da banheira atordoada e quando ia deixar a câmara de banho sua boca formou um sorriso.

-Eu trouxe as toalhas como pediu, majestade.- Gabrielle com o rosto vermelho por estar na presença de sua imperatriz nua falou.

Xena tomou uma toalha das mão da menina e caminhou lentamente até fechar quase completamente o espaço entre elas. Gabrielle engoliu a seco e não sabia ao certo como reagir.

– Tudo bem olhar, Gabrielle. Não precisa ser tímida. – A conquistadora com sua voz mais sexy que o normal olhava fixamente para o rosto de sua escrava.

Num gesto afrontoso, ergueu o rosto da menina com o dedo indicador e a obrigou a olhar em seus olhos profundos. Um sorriso maléfico e sedutor esculpiu os lábios de Xena ao notar a respiração ofegante da criatura à sua frente e como as maçãs se tornaram cada vez mais vermelho brasas.

– Você fica encantadora com as maçãs ruborizadas.- Sorriu ainda mais e se afastou, dando as costas para a serva e fazendo questão de tapar sua nudez somente ao sair de vista.

Não viu, mas teve certeza que na câmara ao lado, a garota respirava fundo, fechava os olhos e se recompunha. Uma fina camada de suor que se formou em seu pescoço e como desejou que ela se perguntasse se seria o vapor que as pedras de carvão da banheira formavam, ou algo além. Gabrielle surgiu segundo depois e encontrou mais do que depressa o olhar sedutor e ardente da imperatriz. Soube que sua senhora estava para falar ou fazer algo, quando uma batida quase estrondosa na porta fez Xena voltar em si. A loira assistiu o intenso azul escuro daquele olhar, clarear no pálido tom de gelo à medida em que ela caminhava até a porta e suas sobrancelhas se juntaram.

-O QUE É ?- Falou grosseiramente, deixando claro que algo havia sido interrompido.

Desde a reunião com seu conselho no dia anterior a conquistadora estava nervosa e apreensiva. Estava com medo de tomar decisões precipitadas e correr mais riscos do que devia.

– Imperatriz, o general Octavios está a um dia de Corinto e pediu para avisar que estará no palácio amanhã à noite. –Mioll falava quase sem fôlego para Xena.

A conquistadora sentiu um nó raro em sua garganta. Se antes tinha míseros 3 dias para pôr seu plano em ação, agora teria um dia e meio.

– Chame o duque de Loyola e me espere no gabinete. – Sem dizer mais nada Xena fechou a porta e foi para seu closet. Estava tão nervosa que quase ignorou sua serva.

– Precisa de mais algo, majestade – Gabrielle sentindo a tensão da imperatriz perguntou.

– Preciso. – Respondeu Xena. – Mas depois do jantar conversamos sobre isso. – mesmo irritada não quis deixar Gabrielle desconsolada ou se sentindo um objeto.

– Como quiser, senhora. – A jovem saiu sem dizer mais nada.

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Gabrielle estava em seu aposento sentada no chão com as costas apoiada em sua cama. Pelos deuses, o que acabou de acontecer? Seu corpo pequeno continuava quente e a sensação que a imperatriz havia causado ficava se repetindo e repetindo na memória. Isso que é desejar alguém?  A serva jamais pensou que um dia conseguiria se sentir atraída por alguém. Sexo se tornará banal e nojento, o simples fato de ter alguém a imaginando com perversão já causava náuseas. Mas como queria ver aquele olhar da imperatriz de novo. 

Com seus dedos delicados tocou o lábio e tentou imaginar como seria o beijo da mulher mais poderosa da Grécia. “Depois do jantar conversamos sobre isso” A última frase da conquistadora ecoava em sua mente.  O que será tão urgente ao ponto de tirar a paz da imperatriz? 

Ficar imaginando só deixaria pior os ânimos, então Gabrielle se levantou e foi continuar com a sua tarefa. Precisava buscar as roupas da imperatriz com as lavadeiras e coloca-las no closet.

Quando saiu de seu aposento e se aproximou da escada viu que Najara, a sentinela que a acompanhou no dia anterior estava no andar tomando conta.

-Olá, Najara. – Gabi falou com a mulher.

-Olá, senhorita. Como tem passado? – A mulher pareceu surpresa em ver Gabrielle falando com ela.

– Estou bem. Tem problema se eu chamar você pelo nome? – Gabi com um tom confuso perguntou.

– Sem problema algum – A sentinela riu em resposta. – Posso saber onde está indo? 

– Preciso pegar as roupas limpas da imperatriz com as lavadeiras. 

-Bom, considerando que seja na torre leste, eu ficaria mais confortável se te acompanhasse. Afinal, a própria imperatriz não quer que tenha problemas enquanto é novata. Certo? – A sutileza ao se auto convidar passou despercebida a Gabrielle.

– Claro, será ótimo se eu tiver uma proteção. Estou sendo intrometida se perguntar a quanto tempo é sentinela? – Gabi timidamente perguntou e ambas começaram a caminhar.

– Está sendo sim – Najara assustou a jovem e em seguida riu novamente. – Sou sentinela a 10 verões. 

– Uau, faz um bom tempo. Por que quis esse trabalho?

-Não quis. Eu me alistei para o exército da imperatriz porque era órfã. Eu ficava nas docas com os outros soldados. Um certo dia a General Mioll me viu e me convidou para ser sentinela. Os dinares a mais eram bons. Então, fiquei com o posto. – Najara foi franca.

– E você acha que não havia mais nada de interessante para se fazer além de se alistar no exército?

– Eu era muito nova. Até queria ser viajante e ajudar as pessoas. Mas eu era uma menina e o exército precisava de soldados. Eu abracei a ideia de bom grado.

-E que tipo de ajuda pensava em dar para as pessoas?– Gabi parecia interessada.

-Eu vivi muitos verões em um orfanato e sempre vi amigos meus morrendo por doenças. Então eu sempre tive vontade de construir um hospital e dedicar meu tempo para os enfermos. 

-Najara isso é muito bonito da sua parte. Não acha que consiga por esse desejo em ação? – Gabi estava encantada com a primeira impressão que teve da sentinela.

-Eu fiz um compromisso de servir e proteger a imperatriz. Infelizmente o meu tempo está todo aplicado aqui. – Najara mostrou um certo desânimo.

-Você não parece muito contente em ter jurado lealdade para a imperatriz. – Gabi falou.

-Por favor, não me leve a mal. Eu só vi o lado negro da imperatriz por mais tempo que você. Acredite, as coisas que já aconteceram neste palácio e a fúria dela faz qualquer pessoa perder a fé na humanidade.

-Eu acho que a imperatriz é tão humano quanto nós, acredito que ela não encontrou uma luz para equilibrar seu lado negro. Tudo o que as pessoas ofereceram até hoje foram ataques, deve ser perfeitamente natural querer se fechar na escuridão e usá-la como força.

– Falando desse jeito, até parece que a conhece por um longo tempo. – Najara riu.

– É engraçado, mas às vezes eu tenho essa impressão. – Gabi parecia pensativa.

– Como isso é possível? – Agora a sentinela parecia intrigada.

– Eu não sei. Quando olho para os olhos dela, é como se eu já tivesse provado deles.

-Um amigo meu disse certa vez que o olhar da alma é a única coisa que não muda com o passar das vidas. – Najara parecia perdida nessa lembrança.

– Uou. Você quer dizer então que talvez eu tenha visto a imperatriz em outras vidas? 

– Talvez. 

– Esse seu amigo era algum tipo de filósofo? – Gabi ficou curiosa.

– Não.- A sentinela sorriu. – Era um guarda como eu.

– Por que era? Ele também foi promovido? 

– Ele morreu. – Najara parecia sofrer com o luto ainda.

– Sinto muito, Najara. Eu não quis me intrometer.

– Está tudo bem, Gabrielle. Talvez você devesse saber como ele morreu. – A feição da mulher ficou séria.

– Como?

-Foi morto pela imperatriz. Ele estava no lugar errado e na hora errada e foi acusado de traição sem um julgamento justo. – Najara tinha um tom seco e áspero. – Eu não sei se você conheceu a imperatriz na vida passada, Gabrielle. Mas caso tenha, eu espero que ela tenha sido melhor do que nesta vida. 

Gabrielle ficou em silêncio e simplesmente seguiu seu caminho com a Sentinela. Recolheu as roupas com as lavadeiras e voltou para o aposento real sem conversar muitas outras coisas com Najara.

Gabrielle passou o fim da tarde arrumando as roupas da imperatriz e refletindo sobre tudo que acontecera desde que chegou. Suas diversas opiniões que destoavam sobre a conquistadora pareciam confundir. Alguns a odiava, outros aturavam, muitos admiravam e poucos venerava. Talvez o problema estava em ser uma pessoa pública e não sua personalidade em si.

Gabi enxergava o que a imperatriz era para muitos, mas o que aquela mulher era para ela? A resposta não vinha à mente, mas sabia o que gostava e não gostava na imperatriz. Sabia também que podia lidar e conviver com as coisas que gostava e com o restante podia simplesmente respeitar. No fundo Gabrielle sentia que Xena tinha seus motivos e isso não podia ser discutido sem que os conhecesse.

No fim de todo esse raciocínio a menina só conseguia querer uma coisa, o beijo da impetuosa. 

“-Você tem um sonho, Gabrielle?

-Hein? eu, acho que não entendi, majestade—respondeu Gabi enquanto secava as poucas lágrimas que escorreram.

– É isso mesmo que ouviu. Você tem algum sonho ou desejo?

– Bom… Eu gostaria muito de poder escrever as inúmeras histórias que vem na minha cabeça, majestade. 

– Eu vou providenciar alguns pergaminhos e tinta para você fazer isso. É o mínimo que posso fazer para te recompensar.

– Me recompensar de que, majestade?

-você me deu pistas sobre os traficantes e tem sido uma boa companhia.

Xena se aproximou mais um pouco e colocou uma mecha de cabelo loiro por trás da orelha de Gabi. As duas se olharam por um momento e Gabrielle reparou pela primeira vez que apesar da idade, Xena era uma das mulheres mais bonitas que já havia visto. Com seu rosto a poucos centímetros da imperatriz perguntou:

– sua majestade também tem sonhos ou desejos?

– Eu desejo que um dia você possa me beijar por vontade própria, Gabrielle”. 

Gabrielle se lembrou das palavras da imperatriz e sorriu largamente.

Chega de sonhar acordada, Gabrielle, já já a imperatriz chegará para jantar. A garota pensou consigo mesma e saiu do aposento real.

Quando saiu e desceu as escadas para o quarto andar, Gabrielle ouviu seu nome.

– Gabrielle. – Najara estava correndo em sua direção.

– Algum problema?

– Nenhum, eu só queria te pedir desculpas pelo jeito que tratei sua opinião sobre a imperatriz. – Najara fez algo que Gabi não esperava.

– Não precisa se desculpar. Não fiquei ofendida.

– Não, é sério. Eu não tinha o direito de falar daquele jeito. Seja lá o que você nutre pela conquistadora, deve ser decidido por você mesma.

-Obrigada… eu acho. – Gabrielle acreditou que Najara estava realmente incomodada com a conversa de mais cedo.

-Certo, então. Te vejo mais tarde?- Najara deu alguns passos para trás.

-Claro. Até.- Gabi sorriu e a sentinela demorou um pouco para tirar seus olhos da jovem. Foi dando passos vagarosos para trás, até enfim ser obrigada a olhar para frente e partir de vez. Gabi sentiu o peso daquele olhar. Ficou alguns minutos pensativa no corredor, então voltou para suas tarefas.

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Xena estava sentada na mesa de seu gabinete com o rosto enterrado nas mãos. Mioll e o duque de Loyola a olhavam com apreensão.

– Será mesmo uma boa ideia, majestade? – Perguntou o duque.

-Eu não sei. – Respondeu a imperatriz com o rosto ainda enterrado nas mãos.

-Eu acredito ser infalível, majestade. – Mioll tentava ser positiva para dar confiança a imperatriz.  – Todos os nobres estarão presentes no banquete, os que forem lacaios de Octavios vão estar tão confiantes com a vitória do capitão que mostraram sua lealdade por si só. Além do mais, estaremos pondo em risco a vida de uma única pessoa, caso ela morra ninguém se importará de verdade.

Xena bateu na mesa com tanta força que pensou ter quebrado o próprio punho. – Eu…me importo.- Respondeu a imperatriz com pesar. –Vocês já conhecem suas respectivas funções do plano. Chamem o duque de Delfos e de Tessália aqui. Também chame Matia, vou passar a parte deles.

Havia uma ampulheta na mesa de madeira maciça de Xena e enquanto os demais não chegavam para a reunião ela observava a areia escorrer com ar melancólico. Com suspiro Xena se jogou para trás da cadeira e olhou o teto. Fazia um bom tempo que sua barriga não doía de nervoso, achava que teria um colapso a qualquer momento. Foi exatamente aquilo que sentiu antes de se adoentar e precisar se repousar na casa de veraneio. Percebeu ali os verões e se questionou pela primeira vez, se ainda tinha fôlego para aquelas tramas e auto defesas. Desejou ter a chance de ter calmaria.

-Com sua licença, majestade.- Respondeu Matia ao abrir a porta e entrar. Sem dizer nada o jovem de 25 verões e possível futuro duque de Tebas pegou seu pergaminho e o preparou para escrever assim que a reunião começasse.

Xena gostava de manter suas reuniões bem arquivadas e como o duque de Tebas não possuía filhos e seu herdeiro legítimo seria seu sobrinho Matia, pediu para que a conquistadora desse uma chance para o jovem. Matia era inteligente e muito astuto. Tinha mãos rápidas e conseguia discorrer as reuniões com muita agilidade.

-Sempre pontual, Matia. – Xena mexeu com o jovem.

-Meu tio me cobra muito sobre pontualidade, majestade- O jovem respondeu.

– Matia, enquanto os demais não chegam, eu quero que escreva uma carta para mim enquanto dito. Como pode ver eu machuquei minha mão e não posso escrever. – Xena estava com sua mão direita enfaixada.

– Desculpe me intrometer, majestade, mas o que aconteceu? – O rapaz com olhar preocupado perguntou.

– Me exaltei na última reunião e resolvi socar a mesa. Receio que a madeira maciça tenha ganhado.- Xena riu baixo e o jovem a acompanhou no humor. – Vamos lá, não perca uma palavra sequer.

“Eu, Sua Majestade Imperial e conquistadora do reino conhecido,

sentencio o homem conhecido como Capitão do navio persa a crucificação e mutilação. Condenando que seu corpo jamais volte para Pérsia e receba o funeral compatível com sua religião.

Seu crime foi formação de quadrilha, tráfico de crianças, estupro de vulneráveis, roubo de mercadoria real e ocultação de informação durante as investigações.

Que os deuses tenham piedade dele.”

(Assinatura e chancela real)

 

-Aqui está, majestade. Só falta sua assinatura e chancela.- O rapaz colocou o pergaminho na frente da imperatriz.

– Se minha mão estiver melhor eu assinarei mais tarde, Matia. Obrigada. – Uma batina na porta revelou os duques faltantes.

-Com sua licença, Majestade – Os duques cumprimentaram a imperatriz com a cabeça e se acomodaram em suas cadeiras.

-Como vocês sabem eu pretendo sentenciar o capitão do navio na noite no baile. Recebi a informação de que o nosso capitão Octavios estará chegando amanhã, então nosso baile foi adiantado para amanhã a noite. Receio não conseguir cumprir com o restante do plano. Creio ser mais inteligente me submeter a proposta do capitão e seus simpatizantes. – Xena discursava com intenção de passar informações falsas e colocar a segunda parte de seu plano em ação.

– Majestade, não faça isso. Tem de haver outra forma de lidar com esses malditos. Qual o nome da sua escrava nova? – O duque de Delfos perguntou.

-Gabrielle- Matia respondeu e a Conquistadora levantou uma sobrancelha.

– Exato. – Xena confirmou.

– Ela não deu nenhuma informação relevante? – o duque prosseguiu.

– Ela sabe de muita coisa, duque. Mas traumatizaram tanto a menina que toda vez que pergunto ela chora descontroladamente e para de falar. – Xena suspirou e se deixou mostrar abatida.

 A reunião correu quase 100% como o esperado, foram pelo menos uma marca de vela até Xena se ver livre e poder se retirar para seus aposentos. A semente do seu plano estava plantada e era preciso esperar somente para dar certo.

Xena saiu de seu gabinete e viu a figura de sua jovem escrava no corredor. A imperatriz abriu um sorriso ao vê-la, mas logo sua cara fechou quando notou que a menina conversava com uma de suas sentinelas. Gabrielle deu risadinhas e puxou assunto com a mulher de uma forma que incomodou a conquistadora. Observou de longe e entortou o nariz ao notar como a sentinela se afastava da jovem com pesar. Se ocultou no canto do corredor e logo depois, surgiu, como se houvesse acabado de chegar. A vendo, a sentinela se curvou e Xena gritou por sua criada, antes que deixasse o local.

-GABRIELLE.- A imperatriz chamou. 

– Majestade. – Gabi olhou para trás surpresa e a reverenciou.

-Por que estava parada falando com aquela sentinela?- Xena queria apenas questionar, mas repentinamente, sua voz ficou grave e uma irritação absurda a tirou fora de si.

Gabrielle se assustou e tentou acalmar a imperatriz:

– Majestade, eu… estava apenas… Me perdoa. Não devia me distrair em serviço. Não quis ofender.- Falou repentinamente de maneira submissa e abaixou a cabeça.

– VOCÊ NUNCA QUER. – a voz da conquistadora deu eco no corredor e Gabi encolheu os ombros. Xena então percebeu que estava exagerando e descontando sua tensão na menina, só que seu orgulho não a deixou voltar atrás e ver sua serva conversar com outra pessoa incomodou mais do que devia. –Vá buscar meu jantar agora.

-Sim, majestade.-E Gabrielle saiu às pressas. 

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Gabrielle não estava entendendo mais nada. Uma hora a imperatriz demonstra amizade, outro momento desejo e logo depois insatisfação. Essa estava sendo difícil de decifrar. A jovem estava desconfortável com o tom recebido de minutos atrás. Por um momento até pensou estar tendo algo de diferente com a imperatriz, mas pelo jeito estava enganada.

Uma vez amo e escravo, sempre amo e escravo. Seria melhor se Gabi parasse de idealizar algo a mais com a imperatriz e se colocasse em seu lugar. Do jeito que as coisas estavam e a situação se tornando cada vez mais sem pé e sem cabeça,poderia até acabar morta.

A garota parou no corrimão da escada e colocou uma mão no rosto.  Você é uma ridícula, Gabrielle. A imperatriz só queria seu corpo por um momento e depois te tratar como a escrava que é. A única diferença entre ela e os outros é em tentar lhe seduzir para não descumprir as próprias leis. Segurando o choro a menina ficou parada por uns minutos e depois prosseguiu.

“Depois do jantar conversamos sobre isso.” Se repetiam aquelas palavras. Deus, como acreditou que algo bom sairia daquilo. 

Gabrielle pegou o jantar na cozinha e voltou para o quinto andar. Antes de abrir a porta do aposento tomou fôlego. Vamos lá. Os passos lentos faziam as batidas de seu coração acelerar. Quando chegou à câmara principal viu a imperatriz no sofá com os olhos fechados e um cálice de vinho na mão. 

Sem fazer muito barulho, passou por trás do sofá e caminhou até a mesa, colocou o jantar nela cuidadosamente. Quando percebeu que a imperatriz não iria se mover sentiu um alívio. Manteria distância a partir daquele momento. Isso mesmo, era o que ia fazer e tentando não pensar em mais nada, desceu até a cozinha, jantou com os demais servos e depois de uma marca de vela retornou para seu aposento.

Quando abriu a porta descobriu que estava escuro lá dentro, pegou uma tocha, acendeu em um dos archotes do corredor e adentrou o breu enquanto tentava iluminar o quarto acendendo as velas. Foi quando sua perna bateu com força em algo.

– Aiii … mas que Had…. – Quando Gabrielle usou a tocha para iluminar o que havia esbarrado, se deparou com uma mesa coberta de pergaminhos, vidros de tinta e penas. Gabi tampou a boca por descrença e ficou um tempo imóvel. AQUILO era algo que não podia ser ignorado. A imperatriz cumpriu com o que disse e pronto.

Gabrielle colocou a tocha no suporte da parede e se sentou na mesa, tocou pergaminho por pergaminho para ter certeza que todos eram de verdade. Os levou até o nariz e os cheirou, depois fez o mesmo com os tinteiros e quando tocou as penas, não pode evitar e acariciou as bochechas e os lábios com elas. Que dia, Gabrielle. Que dia!

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Xena se cansou de girar e girar na cama. Sua paz estava perdida e isso era a verdade.

-Muito bem era isso o que você queria, não? Pois bem. Lá vou eu.– Xena pensava consigo mesma enquanto calçava as botas, se enrolava em uma capa de pele e descia as escadas. 

O único som que se ouvia àquela hora da noite eram as botas da imperatriz que batiam com força no chão de mármore. Xena desceu todas as escadas. E estava indo em direção ao jardim. Sua única companhia era sua espada velha. A mesma que costumava usar quando era uma senhora da guerra.

A porta que levava ao jardim estava fechada. Com um pouco de esforço a imperatriz abriu uma fresta da grande porta dupla de madeira e passou por ela. Seus passos não diminuíram mesmo com a chuva batendo em seu rosto e o vento gelado. 

Aqui estou eu. Pensou Xena enquanto olhava para a porta do pequeno templo. Um suspiro saiu da boca da conquistadora e em seguida entrou no local. Estava escuro e frio. Com um pouco de dificuldade Xena conseguiu acender uma chama em uma tocha e iluminou as outras para clarear o local. 

-Vamos lá, Atena. Eu estou aqui e eu sei que você está doida para aparecer. – Xena chamou por sua deusa patrona, mas o templo continuou em silêncio. – Não se faça de difícil, eu sei que já me ouviu. – O silêncio persistiu.

Xena suspirou e se sentou na escada que levava para o altar.

-Por que só me procura quando precisa de ajuda, Xena?- Uma voz apareceu de trás do altar.

-Eu vim porque outra pessoa vai precisar da sua ajuda. – Sem se virar para trás a imperatriz continuou olhando para o nada.

– Eu não estou vendo ninguém aqui a não ser você.

-Você sabe do que estou falando. – respondeu Xena irritada.

– Se não me disser eu não posso ajudar, guerreira.

Xena deu risada quando foi chamada de guerreira. A tempos esse adjetivo não lhe cabia mais.

– Eu tenho medo de machucá-la – Por fim, Xena falou quase em um sussurro.

-Você nunca esteve preocupada com isso até então, qual o problema?

-Ela é diferente. Já sofreu demais. Não quero que se machuque por minha culpa.– Agora a imperatriz levantou e encarou Atena.

-E onde está sua culpa nessa história? – De braços cruzados a deusa perguntou.

-Ela não merece pagar por eu estar tentando defender meu trono.

-Já parou para pensar que talvez seu reinado esteja ao fim? Talvez esteja destinada a entregar a coroa. Seus inimigos talvez não estejam destinados a serem impedidos.

-Meu reinado acaba quando meu coração parar. – A aspereza na voz de Xena não era de se surpreender.

-Eu não sei se seu coração tem espaço para o amor e para governar ao mesmo tempo, Xena. – Atena caminhou até a imperatriz. – Você quer poupar a vida da menina, mas não quer abrir mão de colocar a vida dela em risco. Isso se classifica como o que? Amor? Compaixão? 

-Egoísmo. Eu quero meu trono e poder… conhecê-la melhor quando tudo isso acabar.

-Então você não veio procurar ajuda para mais ninguém, além de si mesma.– Um peso enorme caiu sobre os ombros de Xena e o silêncio caiu sobre o lugar. -Você já tem toda ajuda que precisa. Use um pouco mais a cabeça e quem sabe ela saia sem nenhum arranhão. – A deusa desapareceu e deixou uma imperatriz pensativa.

Quando Xena se tornou imperatriz, o seu deus patrono era Ares, mas o poder subiu tanto a cabeça da conquistadora que quis competir com o próprio deus da guerra. Se não fosse por Atena ver algo a mais na imperatriz, possivelmente estaria morta.

Atena ajudou Xena a lutar contra Ares, porém havia a condição de transformá-la em sua deusa patrona e oferecer tudo a sua volta a ela. Ninguém sabe ao certo porque Xena aceitou essa condição, talvez soubesse que não tinha chance contra um deus.

Por fim, a imperatriz ficou dentro do templo até o amanhecer “usando a cabeça” e se preparando para encarar Octavios.