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⚠️ : Este trecho contém cenas que fazem menção a tortura e punições severas que violam os direitos humanos. Leitores sensíveis podem se sentir desconfortáveis ou ofendidos.

Uma semana havia se passado desde o baile de boas vindas do exército de verão da imperatriz. O palácio continuava movimentado desde o dito dia, devido às inúmeras audiências que Xena vinha presidindo ao lado de seu conselho. Os nobres que não foram acusados, eram intimados dia após dia para deporem e as masmorras permaneceram tão agitadas quanto. Prisioneiro atrás de prisioneiro eram trazidos diante da monarca para interrogatório e durante todos esses período, dois nobres foram inocentados e um condenado à morte junto dos demais por tentar fugir da capital. Os maiores interessados naquilo tudo? Eram os rivais dos nobres que estavam sendo julgados. Seus olhos brilhavam diante da ideia de tomarem para si os títulos daqueles que seriam condenados. Uma verdadeira faxina estava sendo feita e os dias se mantinham incertos. 

Porém, não foi apenas para a nobreza que as mudanças aconteceram. Depois de três dias sendo cuidada e monitorada por Phergus, Gabrielle enfim pode deixar o repouso. Apesar de estar mancando um pouco, a jovem não via a hora de retomar suas tarefas e ter com o que distrair a cabeça, mas foi impedida pela imperatriz. Delia quem a deu o recado e junto deste, informou que seus aposentos, não seria mais o velho quartinho de criados, mas sim uma luxuosa suíte no quarto andar. Um presente de Xena para a jovem, como agradecimento por seus serviços prestados durante as investigações. 

A princípio, pareceu estranho para a jovem aquele presente, uma vez que não estava acostumada com tais regalias. E além do mais, não via problema nenhum com seu pequeno aposento no quinto andar. Mas, após alguns minutos a sós com os lençóis egípcios, um guarda-roupa com roupas das mais diversas cores a sua disposição e a bela mesa de marchetaria para escrever confortavelmente em seus pergaminhos, Gabrielle decidiu que não reclamaria e estava mais do que grata pelo presente. 

O ruim daquela semana conturbada, não foi ter sido obrigada a permanecer de repouso, mas o fato de mal ter visto a imperatriz. Gabriella a vira apenas duas vezes. Uma no dia da visita na enfermaria e a segunda no dia em que recebeu o aposento de presente. Xena havia ido visitá-la e se certificar de que tudo estava em seu devido lugar. Após isso, tudo o que a jovem recebeu, foi a ansiedade por vê-la mais uma vez. 

Gabrielle se pegou várias vezes ao dia pensando na monarca e até havia se esquecido de sua verdadeira fama e como ela podia ser temperamental. Tudo o que vinha fazendo, era recordar os momentos curiosos que teve com ela e sonhando em ter o privilégio de desfrutar de mais algumas refeições em sua companhia. Desde que chegara ali, não se sentia mais como uma escrava e agora, sua mente se permitia imaginar e sonhar acordada. 

O que mais pensava? No pequeno beijo que ganhara na testa. Quem poderia imaginar que receberia um gesto afetuoso da impetuosa. Conquistadora de nações. Imperatriz de gelo, mão sangrenta e Xena, a destruidora? Ela já não parecia nada com aqueles títulos.

Naquele dia em questão, o sol estava para se pôr e a jovem estava sentada numa poltrona, de pernas cruzadas, enquanto aguardava Delia. Ela havia convidado a duquesa para jantar em seu quarto e mal podia esperar por aquilo. Uma boa companhia era o que precisava, então, alguém se anunciou na porta através de uma batida e com cuidado, a jovem descruzou as pernas e pisou delicadamente no chão com seu tornozelo, agora um pouco melhor. Caminhou o mais rápido que pôde e ao girar a maçaneta, revelou por detrás da porta ninguém menos que sua imperatriz. 

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Xena ficou a tarde toda em audiência e agora sentia seu corpo pesado. O trono de mármore não era lá tão confortável e nem mesmo as almofadas podiam aliviar a dor nas costas e no traseiro. Naquela tarde em questão, estava diante dela o último réu em prantos. As roupas do homem estavam em estado deplorável e não havia ninguém que pudesse jurar que um dia ele teria dinheiro. 

-Tirem ele da minha frente.- Xena sinalizou com a mão e guardas o ergueram pelos braços e o arrastou de volta para as masmorras. Agora, um silêncio fúnebre caiu no salão do trono e a mulher tocou sua testa ao suspirar.

-Por hoje é só, majestade.- Disse Mioll, sabendo do alívio que aquilo traria para Xena.

-Graças aos deuses.

-Só mais uma coisa.- Acrescentou a nórdica.

-Ah não…- A imperatriz jogou a cabeça para trás. 

-É algo bom. Lembra do documento que me solicitou há alguns dias? Bem, ele está aqui!- E com a mão estendida, Mioll entregou um rolo de pergaminho cheirando a novo e tinta fresca. 

Os olhos da mulher se iluminaram e um sorriso sutil se formou no canto de sua boca. 

-Maravilha. Vou me retirar agora, garanta que tudo esteja pronto para a sentença de amanhã.- Se levantou e todos os presentes também. A guarda bateu continência para a mulher e, enfim, deixou o lugar.

Agora no corredor, Xena segurou firme o pergaminho e sorriu. Como aguardou por aquilo. Estava beirando a impaciência e finalmente se encontrava em suas mãos, mas será que era o momento para aquilo? 

-Majestade.- Delia chamou e Xena parou no meio do trajeto para olhar a senhora. De um cômodo, a duquesa saiu com passos lentos e cansados, se apoiando em sua bengala. 

-Ande, não tenho toda noite para te esperar chegar aqui. 

-Oras, então venha e me pegue no colo.- Resmungou a senhora e fitou o rolo de papel na mão de Xena. -Isso é o que eu estou pensando?- Apontou para o objeto com sua bengala e Xena assentiu com relutância.

-Que coincidência. Eu estava indo encontrá-la agora, mas diante da circunstância, creio que ela preferirá jantar com você essa noite.- Delia falou com seu sorriso murcho e Xena respirou fundo enquanto deixava o olhar se perder e apertava ainda mais forte no rolo. -O que foi? Não vá me dizer que se arrependeu?

-Não…- A mulher falou e um conflito entre seu eu majestático e a mulher Xena se iniciou. Não sabia o que fazer, mas Delia sim. Será que era uma boa ideia, naquela altura do campeonato pedir conselhos? Eram raras as ocasiões onde aquilo era necessário. 

-O que é então?- A senhora perguntou impaciente. E os ombros da morena caíram em rendição enquanto revirava os olhos.

-Eu… acha que é uma boa ideia? É o melhor momento?

-E qual momento seria o melhor? Ela já tem esperado a verões por isso. Toda esperança já se esvaiu. O que quer? Que ela se questione se aqui de fato é um lugar diferente de todos que já esteve? Quer que ela a olhe para sempre e a veja como sua propriedade? Espera que Gabrielle seja sincera contigo de que forma se a mantém aprisionada? Se não fizer isso, jamais vai saber quem ela realmente é e se é ao seu lado que deseja ficar. 

Aquilo era verdade e Xena olhou para baixo novamente. Estava com medo do que poderia vir a seguir, mas então, respirou fundo novamente e assentiu. 

-Tem razão. Estou indo.- E se colocou a caminhar novamente. 

-Me agradeça depois.- Delia disse de longe e a morena subiu os degraus às pressas. 

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-Majestade, que surpresa.- Falou Gabrielle ao encontrar Xena parada em sua porta. -A que devo a honra?

-Espero não estar te incomodando.- Os braços da mulher estavam para trás, nitidamente escondendo algo. Gabi observou aquela postura, mas nada disse. 

-De forma alguma. Quer entrar? – Perguntou e sem responder, Xena adentrou o recinto, olhando tudo à volta. Agora, aquele cômodo começara a ganhar toques especiais de Gabrielle e Xena notou que nunca entrara no aposento de outra pessoa que não fosse Delia ou Mioll. Era um ato íntimo.

Com o pergaminho agora preso em suas duas mãos, mas em frente de seu corpo, Xena tomou coragem e encarou a jovem que fechava a porta e vinha em sua direção. Ainda mancava levemente, mas sua aparência estava muito melhor de quando a viu na enfermaria.

-Posso te ajudar em algo, majestade?

-Como está se sentindo? Melhor?

-Sim. Muito melhor. Gostaria de agradecê-la novamente pelo quarto novo. Não era necessário tudo isso. -Xena ouviu tudo com um sorriso calmo e caminhou até a cama e sentou-se próxima a um dossel.

-Precisava sim e tenho mais uma coisa para você.- Com a mão estendida, a mulher entregou o pergaminho para a jovem, que de semblante surpreso, foi até sua senhora e tomou o rolo delicadamente. 

-Eu… posso abrir?

-Claro.- Indicou com ambas as mãos e a jovem se sentou ao seu lado. Sentou-se muito mais perto do que Xena imaginou que faria e começou a desatar o laço. Os olhos verdes que carregavam um semblante terno, deslizaram pelo pergaminho com agilidade e Xena inclinou a cabeça para assistir a reação dela sem perder nenhum momento.

Foi então que a menina ficou sério e sua boca se abriu. Gabrielle deixou o papel cair no chão, se desenrolando conforme corria pelo piso de madeira e cobriu a boca com ambas as mãos. 

-Isso é uma brincadeira?- Perguntou séria e com o coração batendo tão forte no peito, que poderia atravessá-la.

-Claro que não.- Xena afirmou.

-Você está tirando sarro de mim, não está?- A jovem parecia nervosa, algo que Xena jamais imaginou que aconteceria.

-Eu jamais brincaria com algo assim. Respondeu às pressas e ajeitou seu corpo de modo a ficar de frente para a jovem.

-Aqui está dizendo que eu sou uma mulher livre a partir de amanhã. Como isso é possível?- Se encararam e então Xena sorriu.

-Minha lei diz que um escravo pode ser livre depois de dez verões de serviço. Você me contou que foi escravizada aos 10 verões. Então, eu estou te libertando porque já concluiu com seu período de escravidão.

Livre? Essa possibilidade existe?  Gabrielle pensou e começou a derramar lágrimas. 

-Não. Não chore, Gabrielle.- Por puro instinto, Xena começou a secar as lágrimas do rosto da loira com delicadeza. -Se eu soubesse que você não iria gostar eu não tinha assinado esse papel. 

-Eu sou livre?- Perguntou mais uma vez, dessa vez segurando a mão úmida pelas lágrimas da imperatriz. 

-Sim, a partir de amanhã você não será mais escrava, Gabrielle.- Xena terminou a frase e o inesperado aconteceu. Um beijo.

Gabrielle se atirou nos braços da mulher à sua frente. Com o peito cheio de emoção, gratidão e euforia, levou seus lábios aos da imperatriz e pressionou contra ela. Aos poucos, os olhos abertos de Xena se fecharam e suas mãos tensas relaxaram na cintura da loira, a trazendo mais para perto. Que sabor doce e novo. 

As cabeças inclinaram lentamente para os lados e um pequeno estalo saiu de ambas as bocas. Elas voltaram a se juntar com ternura e Gabrielle levou as mãos no rosto da imperatriz. Seu peito queimava e na medida que a ideia de ser livre caia sobre ela novamente, lágrimas de emoção rolaram. 

Xena quebrou o beijo, ainda com seu rosto bem perto do de Gabrielle e tornou a sorrir. Levou o polegar até as maçãs delicadas e as secou. A morena estava toda derretida pela mulher a sua frente e de coração quebrantado. 

-Vamos. Não chore assim. Não sei o que fazer.- Falou num sussurro e Gabi sorriu, mas sem se afastar também. A respiração de ambas estava quente.

-Eu não sei o que dizer.

-Acabou de dizer mais do que com palavras.- Xena respondeu e agora a garota se afastou. Pareceu não acreditar no que fez. 

-Eu… sinto…

-Não sinta. A não ser que não tenha gostado, claro.- A resposta rápida da imperatriz foi tão desesperada e insegura, que ambas se colocaram a rir.

-Eu… gostei sim.- Seus olhos riram com carinho.

Quando ainda jovem e inocente, Gabi teve seus lábios roubados por agressores e nunca teve o direito de dar um beijo afetuoso por conta própria. Isso até aquele fim de tarde. 

Xena por sua vez, a muito não recebia algo como aquilo de bom grado. Algo tão puro que não havia tomado a força. Ela tinha os olhos azuis serenos e cheios de algum outro sentimento que Gabi não conseguia identificar. Os beijos trocados não foram aprofundados, mas para a jovem já estava ótimo.

-Me diz o que está em sua cabecinha agora?- Pediu Xena.

-Bem. Acho que os deuses estão lá em cima olhando para mim agora e rindo. Isso tudo parece uma brincadeira de mal gosto. 

-Te garanto que não é. 

-Livre?- a jovem sussurrou, como se temesse falar alto e despertar de um sonho. 

-Livre.- Xena sussurrou de volta e a pele de Gabrielle arrepiou.

-Por que? -Xena olhou para aqueles olhos verdes confusos e então suspirou.

-Você quer a verdade?

-Por favor.

-Faz muito tempo que eu não… gosto de alguém como venho gostando de você…- Xena abaixou a cabeça por vergonha. -Eu acho que você já deve ter percebido isso e… eu não quero que finja sentir o mesmo pela sua posição de escrava. Estou com 45 verões, Gabrielle. Não tenho muito tempo, então espero ao menos encontrar algo real… nem que esse real não seja o que eu gostaria. Quero a nua e crua verdade.

-Entendo.- Se levantou e caminhou até sua mesa. Encarou os pergaminhos, o quarto e por fim a mulher em sua cama. Estava ciente de que não era normal o que vinha sentindo, mas seria mesmo que a impetuosa estaria falando a verdade? Ali, naquele canto, totalmente desarmada, ela não parecia mentir. Por outro lado, Gabrielle jamais teve o direito de sentir algo. Agora, como alguém livre, seria a mesma coisa? Xena pareceu a dúvida e confusão, então se adiantou:

-Não precisa me responder agora.- E se levantou. -Mais uma coisa. Sei que agora, como uma mulher livre, você não tem para onde ir ou com o que ganhar a vida. Meu último escrivão fugiu como um rato medroso do palácio. Isso quer dizer que estou te oferecendo o lugar dele. -Gabrielle encarou a conquistadora e esperou que ela continuasse. -Você aceita ser minha escrivã? Terá um salário e poderá ficar com este aposento. Terá a liberdade de ir e vir a hora que quiser e precisara dar satisfações da sua vida somente para mim. O que me diz?

-Aceito, majestade.- E sorrindo, a jovem respondeu sem pensar duas vezes. 

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Quando saiu do aposento de Gabrielle, uma marca de vela depois, Xena sorriu para as paredes. Aquele beijo foi inesperado e como gostaria de mais um. A muito tempo não compartilhava daquele sabor com alguém e sentia-se voltando no tempo, em sua mocidade. 

Caminhava lentamente pelo corredor com a cabeça na doce lembrança, quando passos apressados vieram até ela. Um sentinela se curvou e disse:

-Majestade, é Octavios.- Estava esbaforido. -Tentou se matar.

-Merda.- Esbravejou e saiu correndo na direção da torre onde o homem estava preso. 

Ao chegar no lugar. Octavios estava com a boca cheia de sangue e fraco. Uma mordaça encharcada separava seus lábios e sorriu com sadismo para Xena, que agarrou o sentinela e mandou chamar seu curandeiro. 

-Ele tentou arrancar a própria língua para sangrar até a morte, majestade. Vi a tempo e enfiei esse pano na boca dele.

-Fez bem.- Xena caminhou até o homem e se ajoelhou. -Veja só para você, Octavios. Tão patético. Tentou roubar minha coroa e agora tenta roubar meu direito de tirar sua vida. Você nasceu e foi criado como um nobre, mas não passa de um ladrão. -O homem sorriu novamente e fechou os olhos. Parecia não se afetar.- Fique calmo. Sua punição virá em breve para te livrar desse sofrimento. Não terá que ficar aqui por muito tempo.- E rindo da miséria de seu antigo lorde, Xena se levantou e saiu.

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Após o jantar com a imperatriz, Gabrielle resolveu sair para caminhar pelo palácio e o primeiro lugar que quis desfrutar como uma mulher livre, foi o jardim. Estava gelado o ar noturna, mas nada que pudesse roubar a beleza das flores. Archotes iluminavam os cantos mais escuros e uma fileira de velas clareavam os caminhos por entre as flores. Sentou-se embaixo da cerejeira e sorriu. 

-Livre.- Disse para si mesma e se emocionou.

-Por que choras, Gabrielle?- Alguém falou da entrada e a jovem encontrou sua amiga Najara. A mulher não usava sua farda completa naquela noite. O semblante estava leve e calmo longe de sua obrigação como sentinela. 

-Não é nada demais. São lágrimas de alegria. 

-Se algo é bom, não deveria chorar, mas sim sorrir. – Respondeu se aproximando e então, sentou-se ao lado da jovem.

-Como você reagiria se a muito tempo tivesse sido escrava e um belo dia, recebesse um documento atestando sua liberdade? 

-Sério?- A mulher ficou surpresa. -Não me diga que…- Gabi assentiu e riu enquanto mais lágrimas desciam. -Pelos deuses, Gabi, isso é incrível.- E ambas se abraçaram. -Não vai dizer que foi a imperatriz pessoalmente quem a libertou. 

-Sim, foi ela.

-Bem. Parece que ela já não é mais quem costumava ser.- Com ressentimento, a mulher respondeu.

-Aparentemente não.- Gabi concordou e ambas fizeram silêncio. A jovem interpretou o olhar de sua amiga e soube que muitas coisas se passavam pela cabeça dela. Compreendia a mágoa que Najara sentia de Xena e não iria pregar suas boas novas agora. 

Percebendo que a garota a fitava, Najara disfarçou o semblante sério e tornou a sorrir. 

-Sinto muito não ter ido visitá-la na enfermaria. Não tinha permissão para deixar meu posto e ninguém além de Phergus e a duquesa podiam se aproximar de você. Eu teria levado flores se pudesse. 

-Eu sei. Não precisa se desculpar. 

-Ainda é tarde para presentes?

-Não precisa me dar nada, Najara.

-Não, por favor.- E com calma, a sentinela tirou um colar com uma pedra da lua do bolso e mostrou a jovem. -Posso?- Gabi fitou por alguns segundos, então permitiu. Segurou os cabelos e o colar foi amarrado na parte de trás. -Ficou ótimo em você. 

-É linda essa pedra. 

-Fico feliz que tenha gostado. 

-Obrigada. Desde que cheguei você foi boa comigo. Vou te retribuir assim que tive meu primeiro pagamento.

-Não quero nada em troca. Apenas que esteja segura e feliz. – Sorrindo, Gabi abaixou a cabeça e fitou o templo de atena. 

-Acho que vou falar com os deuses agora. Estão sendo bons comigo. Tenho de agradecer.

-Certo. Vá lá.- Najara se levantou e com um segundo abraço, elas se afastaram. A sentinela encarou sua jovem amiga ir até o tempo e após perdê-la de vista, voltou para dentro do palácio.

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Na manhã seguinte, o dia raiou nublado e denso. Um típico amanhecer que as sentenças rigorosas de Xena costumavam atrair. Após o café da manhã, os nobres, sentinelas e todo o conselho de sua majestade se reuniram no salão do trono e se prepararam para o que estava por vir.

Sentada numa banqueta próxima ao trono e com pergaminhos e tintas à volta, estava Gabrielle, agora com os olhos menos inchados e um brilho honroso no rosto. Assim como os demais, ela aguardava a imperatriz chegar para dar início a sua mais nova tarefa. Não demorou muito e um dos guardas do salão bateu sua lança no chão e anunciou a entrada da imperatriz e conquistadora dos reinos conhecidos. 

Imponente, de armadura grega feita do melhor aço possível, capa roxa com bordado com fios de ouro e uma coroa de louro dourada, ela adentrou o recinto, segurando o punho de sua famosa espada cravejada com pedras preciosas. Todos se curvaram para ela e sem se importar, a mulher ocupou seu lugar no trono. Foi somente ao se sentar, que Xena notou a pessoa ao seu lado. Seu coração bateu forte ao vê-la naquele mais novo dia, mas não podia deixar transparecer.

– O que está fazendo aqui? Ainda não deveria estar de repouso?- Xena perguntou baixo e sem olhar diretamente para a jovem e Gabi se manteve de cabeça abaixada.

-Eu não aguentava mais ficar deitada, majestade.Já consigo por o pé no chão, então desci para registrar a audiência de hoje.

-Tem certeza, Gabrielle? Octavios será trazido para a sala, talvez você não vai querer vê-lo. O capitão do navio persa também.

Gabrielle ficou alguns instantes em silêncio, então falou:

-Eu tenho certeza, majestade. Como disse, não me lembro de muita coisa. 

-Como isso é possível?

-Eu não sei. Eu tenho lembranças de coisas como cheiro, local, comidas. Mas nunca dos atos e palavras.  

-Talvez seja por isso que você não tenha vontade de ver o sangue deles escorre, pequena.- Xena falou carinhosamente e Gabi achou curioso o novo apelido. -Mas ainda sim eu te digo que aqueles vermes vão sangrar até a morte e se decidir ficar e registrar a audiência, terá que escrever tudo o que eu disser. Tudo bem?

– Tudo bem. majestade.

-Acha que consegue fazer isso sem vomitar?

-Sim senhora. 

-Muito bem.- Falou por fim e se levantou. 

-Fico contente de que todos foram pontuais para a audiência de hoje. Antes de informar o nome dos traidores eu preciso dizer que essa situação me deixa desgostosa. Eu gravarei os rostos de todos vocês que não tomaram parte dessa traição e os recompensarei.- Todos ouviam com atenção cada palavra.- Eu quero que o dia de hoje seja tomado como exemplo por vocês. Qualquer um que ousar trair o trono da Grécia será punido da mesma forma que o capitão e seus parceiros.- Xena fez um sinal e todos que foram acusados de traição entraram acorrentados. O capitão do navio persa também estava presente. O capitão Octávios com sua boca amordaçada, assim assim como os duques de Tebas, Esparta e Argos.

Ao todo foram presos 26 nobres que ajudaram no complô contra sua majestade e mais 4 contando com os duques de Tebas, Esparta, Argos e o capitão Octavios. 

-Durante as investigações, eu e os demais do conselho chegamos a conclusão de que as punições não devem ser as mesmas. O grau de intimidade com o capitão Octavios e o envolvimento na traição foram os pontos usados para estabelecer a pena. – Xena pegou um rolo de pergaminho que estava ao lado do trono, abriu e leu em alto e em bom som. – Os nobres… (Xena falou o nome de 14 nobres) vão ser sentenciados a prisão pelo tempo de 10 verões pelo crime de traição, sendo que ajudaram no complô com dinheiro para patrocinar Octavios e espalharam mentiras contra minha majestade imperial. Que os deuses tenham piedade de vocês. 

Xena terminou de ler e alguns guardas levaram os nobres mencionados para fora do palácio aos prantos e gritos. Uns negavam o envolvimento e outros simplesmente cospem ofensas. Eles seriam levados para uma prisão em uma ilha grega e lá passariam um bom tempo. Os rostos dos que sobraram era de pavor. Eles sabiam que as penas ficariam mais severas de agora em diante. 

-Os duques… (o nome de mais 7 nobres foi dito.) Serão crucificados na praça pública na tarde de amanhã e serão esquartejados no fim do dia. Suas participações foram com ajuda financeira, mentiras contra minha majestade imperial e roubo de armamento. Que os deuses tenham piedade de vocês.- Os homens foram levados de volta para as masmorras e seus gritos, junto de suas esposas que assistiam tudo, encheram o ambiente.

-Os duques… (o nome dos últimos 5 nobres foi dito) serão crucificados nus, na praça de Corinto e permanecerão lá até que a deusa da morte ache prudente levar suas almas. Durante esse tempo receberão a humilhação dos cidadãos da cidade. Que os deuses tenham piedade de vocês.- Os homens também foram retirados e a reação agressiva foi assistida pela imperatriz com um sorriso no rosto até que deixaram o local.

-Agora chegou sua vez Capitão.- Disse Xena se referindo ao capitão Persa que continuava em estado deplorável. – Você será levado para a prisão da ilha de Delfos. Sua punição real? Será acorrentado no chão de uma cela fria e lá permanecera até EU decidir que sofreu o suficiente e pagou por seus crimes. Após isso, será morto da forma que o carcereiro achar conveniente e seu cadáver atirado no mar como um indigente. Por isso te aconselho a tratá-lo bem se quiser um fim rápido e indolor.- Antes de terminar de falar, o homem juntou o restante de suas forças e deu o urro mais perturbador que todos já ouviram. Gabrielle fechou os olhos e se encolheu em seu assento até o som parar. -Oras, cale essa boca.- Xena desceu de seu trono, foi até o homem e cortou seu grito com uma bofetada no rosto. -Não gosta de escravizar as pessoas? Viverá como um, preso em correntes e sem poder exercer suas vontades mais simples. O chão sujo é seu lugar, agora fique quieto e tirem esse verme da minha frente.- Apontou para a porta como se tivesse perdido a língua, o homem saiu do salão em silêncio e de cabeça abaixada. Nesse momento Xena olhou para Gabrielle.  A jovem não olhará para frente em momento algum. Em seguida a imperatriz soltou uma risada maléfica que fez muitos sentirem arrepios.

-Agora sim. Eu estava ansiosa para isso, rapazes. -Xena voltou para seu trono  e encarou os nobres do salão e todos pareciam nervosos.

A crucificação já era a punição máxima para traição e a imperatriz a utilizou para punir os crimes mais “leves”. O que vinha a seguir era inovador para a Grécia e bárbaro demais para o mundo.

-Octávios, você foi acusado de traição, estupro, roubo, tráfico, extorsão e formação de motim contra minha majestade. A sua morte será um recado a todos aqueles que pensam em trair o trono Grego. A partir de hoje eu estabeleço a nova pena para traição. Você será sentenciado à morte através do ritual águia de sangue em praça pública, amanhã ao entardecer. Todos os seus apoiadores, presos em suas cruzes, assistiram sua morte, antes que eu permita que morram.- E soltou outra risada fria. – Agradeça a general Mioll por essa sentença. Esse método de tortura seguido de morte vem dos países nórdicos e me foi bem lembrada por ela. Eu posso te assegurar, Octavios. Você vai sentir dor até o último instante.- Octavios já não sorria mais. Seu semblante era de ódio e tentou falar com o pano na boca. -Guarde suas palavras de efeito amanhã. Vai precisar poupar sua voz para os berros que dará.

O homem tremia de ódio e seus olhos cheios de água diziam que se ele pudesse se mover avançaria na imperatriz com toda irá do mundo.

-Essa sentença também serve para os duques de Esparta, Tebas e Argos.- Xena se sentou no trono novamente e gritou.- TIRE ESSES RATOS DAQUI AGORA. 

Os homens foram retirados da sala do trono e Xena se sentia como a verões atrás. A sua volta, os duques cochichavam entre si até que as atenções foram chamadas novamente.

-Senhores.- Disse a imperatriz. – Essa audiência servirá como divisor de águas. Aproximem-se do trono.- Os nobres se entreolharam e caminharam até as escadas do trono. -Eu quero dizer umas coisas e preciso da atenção de vocês.- Xena fez uma pausa e então continuou. – Eu reconheço que me afastei das minhas obrigações nos últimos cinco verões. Reconheço também que muitos de vocês não foram recompensados das devidas formas pelo trabalho bem feito. Então, eu gostaria de dizer obrigada pela lealdade e comunicar que nesse exato momento, discussões serão abertas. Podem falar com liberdade sobre o que meu governo tem incomodado vocês. – Um silêncio pairou na sala e os nobres voltaram a se olhar. -Vocês não serão punidos por falarem.- Xena acrescentou. – Nunca mais.

Foi então que um dos nobres deu um passo à frente e pediu permissão para falar.

-Majestade. Caso não esteja se lembrando de mim, eu sou o conde de Pireu. É com muita honra que eu informo que, à gerações a minha família se manteve fiel ao trono da Grécia…- O conde fez uma pausa.- No entanto, majestade. Eu me lembro que quando o último rei foi destronado e sua majestade tomou o lugar, o país sofreu com crises que levaram 10 verões para se organizar. Isso se deu graças a mudança de governo e não por falhas suas. Eu sou um homem honrado por ser parte do seu governo que a tanto tempo tem trazido benefícios sólidos para a Grécia.- O conde parou e quando recebeu um incentivo da imperatriz continuou:

– Majestade, não só eu, mas como a grande maioria tem receio que o país presencie  a mesma crise de anos atrás, caso sua majestade venha a falecer. No meu mais humilde conceito, nada importará seus esforços se assim que morrer o país entrar em regência pela falta de um herdeiro. – O conde continuou quando recebeu o apoio de outros nobres.- Nenhum de nós apoiava o método que Octavios usou para garantir sua linhagem. Mas ainda sim é muito importante para o país ter um herdeiro legítimo, ensinado e criado por ti, minha imperatriz.- O conde terminou e Xena notou que os demais nobres concordavam.

-Eu dou razão para a preocupação de vocês, senhores. Eu também considero tudo o que disse, conde. É por isso que eu fico feliz em informar que eu possuo um herdeiro legítimo e em menos de duas semanas ele estará chegando em Corinto para ser reconhecido como tal. 

Por essa ninguém esperava. Todos ficaram perplexos. Até onde sabiam o único herdeiro que a imperatriz concebeu veio a falecer no parto. E ainda sim, essa era uma história esquecida. Aconteceu muito antes dela assumir como imperatriz. 

**************************

 -Xena, eu sei que isso não é da minha conta, mas como pode ser possível?- Mioll estava sozinha na sala de reunião com a imperatriz agora e perguntava sobre o suposto herdeiro.

-Realmente, não é da sua conta Mioll. Mas pelos nossos verões de amizade eu vou te contar. 

A 17 verões atrás, a imperatriz começou a sofrer pressões para ter um herdeiro. A diferença era que Xena estava envolvida com o seu General da época, Boraias. As pessoas sabiam deste fato, então a imperatriz não estava se importando, pois acreditavam que não demoraria muito para ter um herdeiro.

A questão era que na época, a imperatriz estava em campanha em Épiro, perto de Macedônia. Não tinha a intenção de parar suas conquistas para cuidar de um filho.  Até que em determinado momento, Xena engravidou e não conseguiu esconder o fato até a oitava lua da gestação. Foi então que os nobres e Boraias começaram a fazer de tudo para que ela voltasse para Corinto e tivesse o bebê. O problema estava no fato de que o orgulho da imperatriz não queria deixar o general Boraias tomando conta do exército enquanto ela paria, e por este motivo deu a luz perto de Macedônia.

A tragédia aconteceu quando parte do território dos centauros foi atacado por pura rebeldia da Imperatriz e as criaturas foram até o acampamento para fazer um acordo com a conquistadora. A maioria do povo grego não queria entrar em conflito com os centauros porque eles não traziam risco nenhum para a Grécia e seria perda de tempo. Mas em um dia em questão, Boraias apoiou os centauros e declarou guerra contra a imperatriz.

Com o exército dividido, Xena entrou em conflito e em meio às discussões Boraias foi morto. A imperatriz não esperava que o pai do seu filho viesse a morrer. Então quando finalmente aceitou deixar o território centauro em paz, deu seu filho para que o chefe dos centauros, Kaleippus, e amigo de Boraias o criasse. Ele acreditava que o coração da imperatriz era negro demais para cuidar de uma criança e em respeito a Borais ficou com o menino. Antes de dar à criança, a imperatriz o nomeou e então partiu.

Quando voltou para Corinto a notícia era que a criança havia morrido no conflito e ninguém foi corajoso para contrariar os fatos. 

-Esse garoto sabe que é filho da Conquistadora? – Mioll perguntou. 

-Uma hora dessa deve estar sabendo. 

-Quantos verões ele tem, Xena? 

-17. – A imperatriz estava vidrada em um ponto. 

-Você acha que ele vai reagir?  

-Eu não faço ideia, mas Kaleipus me confirmou que o garoto vira. 

A vida era curiosa, misteriosa, dolorosa e sórdida. Algumas pessoas tem o poder de transformar em ouro tudo o que toca, mas a imperatriz acreditava amaldiçoar com seu singelo olhar. 

Por que as coisas tinham que ser assim? Em que momento começou a dar tudo errado e seu coração se manchou com ódio e dor? As coisas sempre foram assim?

Um garoto de 17 verões estava a caminho de Corinto e Xena só conseguia pensar e ter esperança em encontrar uma pessoa completamente diferente dela. Foi exatamente por isso que deu o menino embora, certo? Para que não o contaminasse com seu veneno.

O mundo era hostil.