1 – Sinal de paz
por DietrichA guerreira de longos cabelos pretos diminuiu a velocidade da cavalgada quando percebeu que se aproximava do território amazona. Desmontou do cavalo, enfiou a espada no chão e ergueu as duas mãos, entrelaçando os dedos em cima da cabeça.
Imediatamente, um grupo de mulheres desceu das árvores através de cipós, cercando-a. A guerreira permaneceu em sua posição. Uma das mulheres se adiantou e retirou a máscara de animal que cobria seu rosto.
– Você conhece o sinal de paz das amazonas – disse a mulher, que tinha cabelos ruivos.
– Apenas desejo passagem segura por seu território – respondeu a guerreira.
– Quem é você? – perguntou a amazona.
– Meu nome é Xena.
– Xena – a mulher ficou surpresa – a princesa guerreira.
– Algumas pessoas me chamam assim.
A amazona pegou a espada que a guerreira tinha enfiado no chão e entregou a uma das outras mulheres.
– A levaremos para falar com a rainha. Não se preocupe, ela é justa. Logo poderá seguir seu caminho – apontou para a arma circular que Xena carregava na cintura – preciso que me entregue todas as suas armas.
Meio hesitante, Xena retirou o chakram e entregou à amazona.
– Chilapa, Eponin e Fedra, vocês vem comigo e Xena. As demais permaneçam em patrulha – olhou para Xena – vamos.
***
Quando chegaram na aldeia, Xena viu uma série de piras funerárias acesas no pátio central.
– O que aconteceu aqui? – perguntou a morena.
– Sofremos um ataque – respondeu a amazona ruiva, seu tom de voz tinha entristecido – perdemos muitas.
– Eu sinto muito.
– Venha, essa é a cabana da rainha.
Xena seguiu a mulher. Quando entraram no local, um grupo de amazonas estava de pé ao redor de uma mesa. Uma mulher de cabelos loiros, menor que as outras, apontava para um mapa e falava:
– Eles foram pelo norte. Provavelmente se dirigem à Pelia. Podemos emboscá-los no passo.
– Rainha Gabrielle – chamou a amazona ruiva.
Para surpresa de Xena, foi a pequena loira que atendeu o chamado, afastando-se da mesa e indo em sua direção.
– Diana – disse a rainha – quem é essa?
– Essa é Xena, a princesa guerreira. Entrou no nosso território e fez o sinal de paz. Pede passagem por nossas terras.
– Xena – a rainha a olhou, curiosa – você tem reputação.
A guerreira apertou os lábios e olhou de lado, sem saber como responder.
– Sinto muito por suas perdas – disse Xena.
– Obrigada – a jovem rainha suspirou, taciturna – garantiremos que Mezentius pagará pelo que fez.
– Mezentius as atacou? – a guerreira ficou atenta.
– Sim, o conhece?
– É uma completa escória.
– Ele sequestrou algumas de nós para vender como escravas. Estamos planejando uma expedição para resgatá-las antes do sol sair.
A rainha se reaproximou da mesa e Xena a seguiu.
– Estamos supondo que ele levará nossas irmãs até Pelia, onde o comércio de escravos é forte. Se ele for, terá que atravessar o passo, perto da aldeia dos centauros. Já lhes enviei uma mensagem pedindo que atentassem – disse a rainha das amazonas.
– Pediu ajuda aos centauros? – Xena ficou curiosa – achei que fossem inimigos mortais.
Uma amazona de cabelos curtos e cacheados falou:
– Gabrielle aqui conseguiu a proeza de torná-los nossos aliados.
– Mesmo? – Xena estava impressionada – só com esse feito provavelmente já escreveu seu nome na história das amazonas.
Xena percebeu que a rainha sorriu e ficou um pouco corada. Era muito jovem para aquele posto, pensou a guerreira.
– Ephiny é exagerada – disse Gabrielle, olhando para a mulher de cabelos cacheados.
Xena voltou sua atenção para o mapa.
– Se não me engano, disse que Mezentius foi ao norte? – comentou a guerreira.
– Sim. Por isso pensamos que vai até Pelia – disse a rainha.
– Não quero me intrometer – disse a morena – mas penso que está cometendo um erro.
– Do que está falando? – Ephiny retrucou com secura, olhando ressentida para Xena.
– Mezentius é uma criatura baixa e desprezível, mesmo entre os senhores da guerra. Podemos discordar da escravidão, mas o comércio em Pelia é regulado e limpo. Provavelmente não aceitariam vender amazonas. Se Mezentius desviar do passo e rumar a nordeste por um dia e meio, ele chegará até Linius, que é basicamente um porto seguro para mercenários, assassinos e ladrões. Lá ele encontraria pessoas que pagariam ouro pesado por amazonas sem fazer perguntas inconvenientes.
– Parece conhecer bem esses tipos, não é mesmo Xena? – Ephiny alfinetou.
– Como sua rainha falou, eu tenho uma reputação.
– Tem mesmo – disse a rainha – inclusive a reputação que vem tentando corrigir seu passado ajudando as pessoas. Xena, Mezentius não poderia simplesmente disfarçar as amazonas e tentar vendê-las em Pelia?
– Ele teria gastos pra isso. Teria que limpá-las, dar-lhes roupas decentes, subjugar seus orgulhos – a guerreira sorriu – sabemos que este último é quase impossível. Não, é muito mais simples levá-las à Linius, mesmo sendo mais longe, e vendê-las a algum maníaco com gosto por amazonas.
– Se ele fizer isso, não poderemos emboscá-lo no passo – a rainha olhou atentamente o mapa – no caminho para Linius há apenas floresta e campo aberto. Teríamos que confrontá-lo diretamente. Não sei se temos mulheres suficientes para isso. E arriscaríamos perder ainda mais guerreiras.
– Não podemos abandoná-las – disse Ephiny, meio desesperada.
– Claro que não – a rainha esfregou a testa – não, iremos buscá-las, Ephiny. Custe o que custar.
Xena mordeu os lábios.
– Se me permite…
– Podemos resolver nossos próprios problemas, Xena – interrompeu Ephiny.
– Ephiny – repreendeu a rainha – deixe Xena falar.
– Na floresta ao lado do passo há um trecho mais denso e frondoso. Você disse que é amiga dos centauros agora. Pode pedi-los que montem uma série de armadilhas nesse trecho, enfraquecendo as forças de Mezentius logo antes do campo aberto. Depois que eles estiverem fracos, você os atrai para o campo e ataca com tudo, dando preferência ao ataque à distância.
– E se essas armadilhas atingirem as amazonas? – questionou a rainha.
Xena franziu a testa, pensativa.
– Ele provavelmente as levará no centro do pelotão, para impedir que elas fujam. Se organizar as armadilhas para que caiam na frente e nas laterais, as amazonas não serão atingidas.
– É um monte de suposições – disse Ephiny – podemos fazer isso e ele resolver simplesmente levar as amazonas à Pelia. Eu digo que mantenhamos nosso plano original, Gabrielle.
– Bem, sua comunidade, sua decisão – disse Xena – mas achei que devia saber as variáveis que estão em jogo.
Gabrielle recuou e deu as costas ao grupo de mulheres. Após alguns momentos de silêncio pensativo, a rainha falou:
– Xena, estaria disposta a ditar instruções detalhadas para que eu possa enviar aos centauros?
– Gabrielle! – Ephiny advertiu.
– Claro – respondeu Xena.
– Pois bem. Chilapa, anote tudo que Xena disser e vá imediatamente até os centauros. Não pare por nada até alcançá-los. Ephiny, comece a organizar o pelotão de guerreiras e em algumas horas vamos para o campo aberto. Xena – a rainha virou-se para a guerreira – você tem livre passagem pelo nosso território. Eponin, devolva as armas dela.
– Obrigada – Xena guardou o chakram e a espada.
– Logo vai escurecer – disse a loira – gostaria de oferecê-la nossa hospitalidade, em agradecimento à sua ajuda. Separaremos uma cabana só para você, com a melhor comida que tivermos, onde poderá descansar com tranquilidade.
– Hum – a guerreira considerou. Já fazia algum tempo que não dormia em uma cama – não quero incomodar.
– Não é incomodo algum – a rainha sorriu e tocou o braço da guerreira – não estarei aqui amanhã para despedir-me, então quero agradecer novamente a sua ajuda em nome de toda a nação amazona. Fico feliz que uma pessoa como você agora esteja ao lado das causas justas. O mundo precisa de pessoas assim, certo?
– Certo – disse a guerreira, meio incomodada com o toque da outra mulher.
A rainha dirigiu-se novamente à Ephiny:
– Vamos?
A mulher de cabelos cacheados fuzilou Xena mais uma vez com os olhos, antes de seguir a rainha. Xena deu de ombros e as acompanhou.
***
Após dar as instruções, Xena foi até a cabana que tinham oferecido a ela. Não era grande, mas era aconchegante. A guerreira tirou as peças de armadura, ficando apenas com o traje de couro e alongou o corpo. Percebeu que ainda não estava com sono, então resolveu fazer uma caminhada noturna.
Andava pela floresta próxima quando ouviu risinhos animados. Aproximou-se lentamente e viu um pequeno grupo de jovens amazonas compartilhando um odre de bebida.
– Ela gosta de você, Gabrielle – dizia uma jovem.
– Não seja boba – Xena ouviu, estupefata, a voz da rainha responder.
– Estou falando sério.
– Bem, se for, ela tem uma maneira muito estranha de demonstrar. Já disse que não vou beber, pare de me oferecer – a rainha deu uma risada.
– Um trago faz bem antes da guerra. Nos deixe ir, Gabrielle.
– São jovens demais, já disse.
– Não sou muito mais jovem que você.
– Mas sou a rainha. Tá certo, mas só um gole muito pequeno – a rainha ingeriu um gole minúsculo do odre e as outras jovens gritaram e aplaudiram – não se preocupem, vamos trazer todas elas de volta.
– Sei que trarão. Você é demais, Gabrielle. Muito melhor que Melosa.
– Não diga uma coisa dessas!
– Mas você é. Dois goles, vamos.
– Não, já chega. Não fiquem aqui até tarde. Eu estou indo.
Xena viu a rainha se afastar. Balançou a cabeça, divertindo-se com a interação e voltou a caminhar floresta adentro.
– Sem sono, Xena?
A guerreira quase teve um ataque do coração ao ver a rainha amazona sair de trás de uma larga árvore à sua frente.
– Como fez isso? – a morena tentava controlar a respiração.
– Isso o que?
– Se esgueirar furtivamente. Não costumo ser pega de surpresa.
– Ah – a rainha riu – eu não sei muita coisa, mas isso eu aprendi bem. Aqui me apelidaram de fantasma.
– Bem, é uma habilidade bastante útil. Não devia estar junto com as amazonas?
– Sim – a rainha suspirou, séria – estou apenas dando uma volta antes de irmos. Ephiny está muito estressada – a loira arrancou uma pequena lasca da árvore e a contemplou, pensativa – odeio a guerra.
Xena não teve resposta. Não podia dizer que entendia. A guerra fora seu modo de vida por muitos anos.
– Gosta de caminhar só ou aceita companhia? – perguntou a loira.
Xena preferia caminhar sozinha, mas não queria destratar a rainha.
– Não me importo – falou.
– Então me siga, vou lhe mostrar um lugar.
Andaram em silêncio pela floresta até chegar em um pequeno campo cheio de flores diversas.
– Isso foi feito pela mão humana – disse a guerreira.
– Sim, eu mandei fazer. Não é lindo? – disse a rainha, sorridente. Começou a andar por entre as plantas, colheu uma flor e sorveu o perfume – venho aqui quando estou muito angustiada com alguma coisa. Ajuda-me a me centrar.
– Hum – a guerreira olhou curiosa para a jovem – é muito diferente das amazonas que conheci até hoje, rainha Gabrielle.
– Por favor, me chame apenas de Gabrielle. Pelo menos enquanto estamos sós – a rainha pôs a flor no cabelo e apanhou outra – me acha uma criança boba, como todas as outras, não é mesmo?
– Não foi isso que quis dizer – falou a guerreira.
– Tudo bem, estou acostumada. E não está totalmente errada. Faz pouco mais de um ano que sou amazona, e menos tempo ainda que sou rainha. Todo dia me pergunto como vim parar aqui.
– Não é nativa?
– Não, sou de Potedia.
– É perto de onde nasci.
– De onde é?
– Anfípolis. Como virou amazona?
A guerreira se surpreendeu um pouco consigo mesma. Não costumava puxar conversa com ninguém.
– É uma longa história, mas vou resumir. Fugi de casa para ver o mundo. Depois de um tempo vadiando por aí, acabei no meio do território amazona enquanto elas estavam sendo atacadas. Levei uma flechada tentando proteger a vida de Terreis. Não adiantou muito, pois ela morreu de todo jeito, mas antes me passou seu direito de casta. Ela era uma princesa amazona, então bum! De repente, eu era a herdeira do trono. Melosa morreu pouco depois e acabei virando rainha.
– Um pouco perigoso simplesmente sair de casa assim – disse a guerreira – foi bem corajosa.
– Ou estúpida – riu a rainha – não sei se sou muito sortuda ou se todas as oferendas que fiz aos deuses durante a minha vida serviram de algo e algum deles resolveu me proteger. Quando penso no tipo de coisa de que me livrei, agradeço à Ártemis.
Xena de repente tomou uma decisão.
– Ra… Gabrielle, quero acompanhá-las no ataque à Mezentius.
A rainha arregalou os olhos.
– Xena, já fez o suficiente. Não precisa arriscar sua vida por nós em batalha.
– Sou uma guerreira – disse Xena – arriscar minha vida em batalha é o que faço.
– Não temos como recompensá-la.
– Não preciso de recompensas. Eu… – Xena olhou para o chão – você conhece meu passado. Já fiz mal às amazonas, Gabrielle. Nada que eu faça por vocês será suficiente. As devo muito. Deixe-me acompanhá-las.
– Você tem certeza?
– Tenho.
– Bem, então fico muito feliz que teremos alguém como você lutando do nosso lado. Inclusive, acho que devemos ir. Ephiny já deve ter terminado de compor o pelotão.
As mulheres voltaram para a aldeia.
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