POV – Xena

Xena estava deitada na areia olhando para os últimos grãos de areia movediça que terminavam de afundar. Sua mão ainda contestava a ideia de seu cérebro em esticar e tirar dali sua maior rival. Depois de verões lutando pelo bem maior, ela se viu diante da escolha mais difícil. Até então, não hesitou uma única vez em salvar uma pessoa em perigo, sendo ela má ou boa, mas Callisto precisava ser parada. A guerreira se levantou e sem tirar os olhos da areia, sacudiu a sujeira da armadura. Era simplesmente trágico como aquilo tinha terminado.

Era difícil lidar com o fato de que Callisto havia se tornado uma louca sociopata devido às ações violentas de Xena no passado. Porém, mais difícil do que isso, era ser juíza do seu destino final.

Sons de passos na areia da praia chamou a atenção da guerreira que virou rapidamente. Ela viu Gabrielle correndo em sua direção com o cajado na mão direita e Joxer tentando manter as pernas uma na frente da outra.

A barda corria em direção a amiga e fazia uma análise das expressões ali estampadas. Assim que chegou um pouco mais perto, Gabi parou bruscamente e encarou a areia movediça. Procurou ali algum vestígio de Callisto e depois de identificar que não sobrou nada, se aproximou lentamente e abraçou Xena como um pedido de socorro.

A morena não hesitou e fechou os braços em torno da amiga. Ela sabia que a loira estava sofrendo e havia sentimentos demais naquele momento para serem postos em palavras. Já esperando por um choro, Xena apertou mais ainda Gabrielle e a deixou desabafar suas dores. A guerreira quase nunca sabia o que fazer quando Gabi chorava, então fez o que costumava e acariciou as madeixas com carinho.

Gabrielle havia perdido seu marido logo no primeiro dia de casada e em seguida teve de lidar com a fúria e sede de vingança. Aquilo era uma reação natural, mas o coração da barda que sempre fora tão honroso, provava pela primeira vez a essência daqueles sentimentos sombrios.

Joxer finalmente alcançou as duas e percebendo o momento tenso que ali se passava preferiu ficar de boca fechada. Mesmo sendo o idiota de sempre, sabia que Gabrielle merecia o silêncio.

-Eu vou buscar Argo.- Disse Joxer com sua voz esganiçada e ajeitando o elmo tão inútil quanto sua espada.

Em resposta, Xena assentiu e continuou acariciando os cabelos da loira com as pontas dos dedos. Joxer caminhou até a entrada da floresta, onde haviam deixado as coisas antes de irem atrás de Gabrielle na caverna e enfim as mulheres ficaram sozinhas.

Gabi cessou seu choro e se afastou lentamente para secar as lágrimas, ainda agarrada em seu cajado, ela encarou mais uma vez a areia e depois olhou na direção de Joxer. Xena teve a impressão de que a loira estava evitando seus olhos por vergonha, então preferiu não forçar um contato visual.

-Onde vamos agora? – Gabi perguntou e Xena entendeu que era cedo demais para colocarem na mesa os acontecimentos mais recentes.

-Tem uma estalagem a algumas marcas de velas daqui. Conseguimos chegar antes do anoitecer.

– A morena pegou seu chicote do chão e o enrolou enquanto falava. 

-Vamos então. – Gabi com passos lentos virou na direção de Joxer e seguiu em frente.

Xena colocou seu chicote no cinto e seguiu três passos atrás de Gabi. Ela não conseguia desviar os olhos da barda e finalmente percebeu os sentimentos que se instalou em seu peito no momento em que a loira disse que se casaria com Perdicas.

Era óbvio desde o início, que Gabrielle despertara seu interesse. Seus últimos envolvimentos com mulheres não era segredo para ninguém e Xena viu em sua nova companhia, uma menina doce e atraente, porém não pretendia nutrir aquele interesse, principalmente por se tratar de uma menina inexperiente, que decidirá segui-la para cima e para baixo. O que não esperava, era que Gabrielle se tornaria uma das pessoas mais importantes de sua vida e tê-la diariamente ao seu lado a deixaria tão dependente daqueles olhos esverdeados.  Elas estavam sempre tão juntas, desfrutando de aventuras, risadas, abraços, olhares de confiança e não notou que a necessidade pelo abraço e toque de Gabi passou a ser por um outro motivo além da amizade.

Quando a barda disse para a guerreira que enfim iria se casar com Perdicas, foi como se uma chuva fria tivesse caído sobre seu corpo. Ela se sentiu de imediato sozinha, afinal Gabrielle vinha sendo sua melhor companhia nos últimos dois verões. Mas mesmo sentindo isso, Xena não foi capaz de ser egoísta. Ela perguntou se Gabi tinha certeza e depois de receber uma confirmação, teve somente de demonstrar seu amor por aquela amizade e apoiá-la como uma amiga de verdade faria.

Até então, Xena nunca havia tentado sabotar as escolhas mais nobres e decisivas de Gabrielle e não iria ser naquele momento que o faria. Foi difícil perceber que nem todas as escolhas de sua melhor amiga iria favorecê-la, mas ainda sim, a amava demais e apoiaria por mais que doesse.

Caminhando até a orla da floresta, Xena notou que dois dias antes do casamento, ela sentiu inveja e ciúmes de Perdicas. Enquanto ajudava a loira nos rituais de casamento, confessou para si mesma que desejava estar no lugar do soldado.

Enquanto via Gabrielle de branco, notou como queria estar ali na frente dela e estar recebendo aquele sorriso doce e no momento em que disse “sim”, a guerreira sentiu ciúmes, pois a ansiedade naquelas palavras mostrava uma expectativa boa para o futuro. Um futuro no qual a Xena, a princesa guerreira, não faria parte. 

Se segurou o máximo que pode para não estragar o grande dia de Gabrielle, mas ao final, não pode evitar. Deixou um pequeno beijo no canto de seus lábios. O mais surpreendente? Gabrielle pareceu corresponder e não se afastou. Se abraçaram e foram para fora do templo, sem se olharem por fim.

Logo em seguida, enquanto acampava a alguns quilômetros da nova fazenda de Gabrielle, Xena deitou e encarou as estrelas. Foi estranho não ter sua pequena barba arranhando a pena no pergaminho e ainda mais doloroso, foi saber que aqueles olhos verdes que a encarava com tanta admiração, agora observava outra pessoa. Afinal de contas, quando seu interesse por Gabrielle havia se tornado diferente?

Em seguida, as perguntas que vieram em sua cabeça, era se Gabrielle chegou a sentir aquilo em algum momento. A loira não tinha demonstrado sentimento nenhum por mulheres ao longo daquela jornada. Talvez tenha sido essa questão que deixou a morena focada na amizade.

-Xena? – Gabi chamou com uma voz de indagação e a guerreira olhou confusa. –Onde você deixou Argo? – A loira perguntou e a morena percebeu que já estavam na orla.

-Logo ali, vamos! – Xena assumiu a liderança e passou a caminhar na frente. Mais à frente estava Joxer que seguia para o mesmo local.

Xena olhou para os lados para certificar que os capangas de Calisto não haviam seguido eles, mas logo sua perfeita concentração falhou e sua mente voltou a vagar pela mais nova frustração.

Ela odiava ver Gabrielle triste e estava ao máximo se pondo no lugar dela, mas seu lado egoísta e humano sentia uma pontada de esperança. Agora que Perdicas havia falecido, Gabi se recusaria a voltar para Potedia. Talvez daqui algumas luas ela voltasse a ficar bem e as coisas seriam como antes. Talvez Gabrielle demonstrasse alguma coisa e enfim poderia confirmar seus mais novos sentimentos.

Mais uma vez Xena deixou seus devaneios de lado e chegou até Argo, ela esticou a mão e acariciou sua égua com zelo e depois de mais uma olhada, pendurou as bolsas no lombo do animal.

-Suba.- Disse Xena e sem entender e contestar, Gabi se sentou na cela.

Em seguida, a morena subiu em Argo e numa mudança drástica, ficou atrás da barda.

-Por que quis que eu ficasse na frente?

-Quase te perdi para Callisto. Talvez algum seguidor fanático dela queira continuar o serviço e eu não vou arriscar.

-Não é como se eu me importasse com o que fosse acontecer agora. Perdicas está morto. – A loira ressaltou e Xena definitivamente não queria ter ouvido aquela resposta.

Gabrielle não estava desdenhando da proteção de sua melhor amiga, mas ver Perdicas morrer acendeu uma raiva em seu peito e sua língua se afiou mais rápido que a lâmina do Chakran. Xena não respondeu nada de volta, pois sua eterna culpa dizia que as ações de Callisto eram em uma pequena parcela, sua responsabilidade. Foi logo então, que o peso em seu peito ficou maior. Quem era ela para decidir se Callisto vivia ou morria?

-Qual cidade está mais à frente, Xena? – Joxer quebrou o silêncio e perguntou enquanto ia atrás de Argo.

-Keos. – Disse ela.

-Keos? – Joxer gaguejou. –A cidade dos faisões? – Ele gaguejou de novo.

-Existe alguma outra Keos por um acaso?

-Bom…não…. – Ele tornou a gaguejar. –Puxa vida, sabe o que acabei de me lembrar, eu tinha uma coisa para fazer naquela direção. – Apontou no sentido contrário e Gabrielle revirou os olhos. –Está tudo bem agora, né? Posso resolver minhas coisas? – O bobo deu alguns passos para o lado. –Vejo vocês por aí então. Até mais, garotas e não entrem em confusão enquanto eu estiver longe. – Com essa frase final, Joxer saiu em disparada no sentido oposto e deixou Xena com cara de deboche.

-Provavelmente deve estar devendo para alguém em Keos. – Xena falou rindo, mas Gabi somente suspirou. –Gabrielle, sinto muito não ter chegado a tempo. – A guerreira falou sem saber ao certo se aquilo confortaria.

-Não é culpa sua, Xena. Eu só quero ficar um pouco quieta agora. – A loira falou com pouco fôlego e apoiou suas costas no peito de Xena. Pelo menos se sentar na frente tinha a vantagem do apoio.

************

A caminhada até Keos foi tranquila e seria muito revigorante para Xena, se não fosse a ansiedade que latejava em seu peito e agora a culpa que a assolava. 

-Merda.- Pensou. -Se ao menos eu pudesse voltar no tempo.- O rosto de Callisto desesperado por sua ajuda voltou em sua memória e a mulher suspirou de frustração. -Ela teria tentado me matar logo em seguida se a tivesse salvo. Ela não mudaria repentinamente só pelo fato de eu ter salvo sua vida. – Pensou ainda. -Mas quem sou eu para dizer que não viverá mais?- Se indagou em pensamento novamente e outro suspiro saiu de seus pulmões.

-Chegamos? – A voz de Gabi trouxe Xena de volta e quando ergueu seus olhos azuis, foi possível ver pessoas caminhando pela estrada com sacos de ração, outras com baldes de água na cabeça e algumas carroças cheias de grãos.

-Chegamos.

-É uma cidade grande, hein. – A loira observou enquanto se afastava de Xena, o que deixou o peito da guerreira frio e descontente. -Será que tem banheiras públicas? – O tom desanimado da barda mostrava que ela queria somente um banho quente e descansar na cama de uma taverna confortável.

-Tem sim. Vamos arrumar um lugar para Argo, alugamos um quarto e depois vamos até lá. – Xena traçou um plano e Gabi concordou com a cabeça. Aquela angústia a estava matando.

Ao entrarem na cidade, foi possível ver as pedras nas ruas que formavam o grande calçadão e no centro de uma praça, um fórum público se destacava. Diversos eruditos saiam e entravam por aquele lugar, mas Gabrielle parecia não se animar com aquela visão.

Do lado esquerdo, havia um ginásio no qual guerreiros se aglomeravam por alguma razão e se não fosse pelo olhar objetivo de Gabrielle, Xena teria parado ali para dar uma olhada.

Alguns passos foram dados e as duas chegaram até um grande celeiro perto da muralha da cidade. Logo ali perto ficava o mercado principal, o que deixava os animais de carga muito bem acomodados e perto caso seus donos quisessem carregar mercadorias pesadas.

-Boa tarde, minhas amigas! -Saudou um homem baixinho, gorducho e com uma túnica mal amarrada. -Querem guardar essa égua linda? Tenho uma baía excelente para ela.

Xena olhou para Gabi, pois geralmente a loira gostava de negociar os valores, mas como tudo naquele dia, Gabrielle mostrou indiferença.

-Quanto cobra por uma noite, mais comida para ela? – A guerreira apontou para a égua.

-Uma baía confortável e quente, perto dos cavalos do comerciante mais exigente da cidade e o máximo que ela pode comer…- O homem coçou a cabeça. -20 dinares é um preço justo.

-VINTE? – Xena falou mais alto do que devia e olhou para Gabrielle que geralmente teria a mesma reação.

-Oras, sim. Meu estábulo é famoso por revigorar a força dos animais graças aos bons cuidados.

-10 dinares é o suficiente. Não precisa ser tão grande assim a baía e ela come pouca ração. – Xena endireitou sua postura e tentou intimidar o homem.

-É uma égua grande, garanto que ela come e bebe por dois. 15 dinares e ela será bem tratada. 

-12 e você não precisa escová-la. – Xena se aproximou do homem e ele êxito um pouco.

-Ta bem. Já que você não preza pelo bem estar do seu animal, não posso fazer nada.

-Vou saber se ela não gostar de você. Eu e Argo nos comunicamos bem. Pago você amanhã. – A guerreira disse por fim em tom ameaçador e entregou Argo ao homem.

Ela e Gabrielle saíram andando com as bolsas nas costas e Xena deu um olhar cauteloso para a barda.

-Sabe qual estalagem é boa aqui? – Gabi perguntou depois de sentir o olhar de Xena. Ela estava frustrada com a vida, mas não queria deixar Xena mal por causa daquilo.

-Sei sim. Venha.

As mulheres passaram por duas tavernas e infelizmente não entraram nelas. Gabrielle as havia achado bonita e luxuosa demais, mas sabendo que a bolsa de dinares delas nunca estava cheia o suficiente, não seria ali de fato que dormiriam. Seguiram por uma rua estreita, onde apenas pessoas locais poderiam enxergar e ao final dela, uma taverna pequena, mas limpa surgiu. Xena pediu um quarto com duas camas e subiram até o aposento para guardar as coisas. Depois, foram até a casa de banho e permaneceram ali por bons minutos. 

Gabrielle não falou muito e se encolheu em um canto até sentir sua pele enrugar. Xena não ousou interromper seu luto e preferiu não encará-la muito. Saíram de lá, voltaram para a taverna, comeram um bom carneiro e se retiraram para dormir assim que o sol se pôs. 

Agora adormecida, Xena sonhava com pessoas a perseguindo. Via rostos distorcidos, um grito de desespero e Callisto. A mulher estava de pé e riu maldosamente. Em sua mão, estava a cabeça de Perdicas. Outro grito surgiu e Gabrielle passou correndo ao seu lado. 

-GABRIELLE.- Chamou Xena e furiosa, a garota se atirou em Calisto, caindo ambas para trás. 

Desesperada, Xena correu até elas e as viu pendurada em um penhasco que a pouco não existia. 

-XENA!- Chamou Gabrielle.

-Xena, me ajuda!- Falou Callisto e ali estava ela novamente. Dona do destino de sua rival. 

-Xena!- Chamou Gabrielle novamente e a guerreira estendeu o braço. 

-Vai me deixar morrer, Xena? DE NOVO?- Perguntou Callisto e sua fala foi tão clara, como se tivesse plena consciência do que acontecera horas antes, que Xena se assustou e soltou a mão de Gabrielle, a deixando cair. 

-NÃOOOOO.- Berrou a guerreira e Callisto soltou uma gargalhada. 

-Não se preocupe, Xena. Eu vou cuidar bem dela… no Tártaro.- E com suas últimas palavras, Callisto se jogou. 

Xena acordou suada e ofegante. Deu um pulo na cama e seus olhos atordoados vasculharam a escuridão atrás de Gabrielle. Esfregou o rosto e apertou os olhos com os dedos e finalmente notou que o ambiente não estava tão escuro como pensava. Uma rédea de luz da lua entrava pelas frestas do telhado de madeira mal pregado e a claridade prateada inundou um dos cantos do quarto, próximo da janela que se encontrava aberta. Parada diante dela, estava Gabrielle, muito bem viva e desprovida de qualquer sono. 

-Xena?- A loira olhou para trás e notou a angústia de sua amiga. – Está bem?- Se aproximou e sentou-se ao lado da morena. 

-Eu… uhum, estou bem.- Respondeu a morena, se recompondo do terror noturno. 

-Eu andei pensando sobre hoje. Não podemos deixar os seguidores de Callisto impune, Xena. São tão culpados quanto ela. Devem pagar pelos seus crimes bárbaros.- Gabrielle não levou em conta a situação de sua amiga. Apenas disparou a falar, como se ela tivesse plena condição de processar aquilo e fitou, em meio ao lusco fusco, o rosto pálido de Xena. 

-Gabi.- Falou Xena. -Essas horas… devem estar longe. 

-Podemos voltar até a caverna amanhã e seguir o rastro deles. 

-Eram mais de 20 homens, não podemos seguir todos de uma vez. Até fazermos isso, o rastro dos demais já terão desaparecido. 

-Vamos começar pelo braço direito de Callisto. Teodorus.

-Gabrielle, volte a dormir. Não devia ficar pensando nessas coisas a essa hora da noite.

-Como não pensarei? Se tivessem matado seu marido no primeiro dia de casados você não buscaria vingança?- Disse Gabrielle furiosa. -Não minta para mim, Xena, sei que você começou guerras por muito menos. 

-Minhas guerras por vingança me levaram a caminhos obscuros e sem futuro, Gabrielle. Encontrei apenas dor e espinhos. Não vai querer….

-Não me venha com sermões agora. Se você não me ajudar, eu vou atrás deles. Um por um. Sozinha.- E irritada,  a Barda se levantou e deixou o quarto da taverna. 

Xena sabia que não adiantaria discutir com ela agora. A ira que se instalou em seu coração não daria espaço para a sensatez. Quem sabe o nascer do sol não trouxesse mais conforto e a ajudasse a pensar melhor. O que ela realmente precisava era de um tempo sozinha. 

************ 

Na manhã seguinte, pouco antes do sol ter se erguido, Xena saiu do aposento vestida com sua armadura completa e seu olhar de caçadora. Tentou dormir depois do pesadelo, mas não passou de cochilos rápidos. Desistiu pouco antes do sol nascer e preferiu ir atrás de Gabrielle que não retornou depois da breve discussão. Torcia para a barda não ter cumprido sua promessa de ir atrás dos capangas de Callisto sozinha. 

Quando chegou ao último patamar da escada, onde ficava o salão da taverna, sentiu um alívio ao ver sua amiga sentada numa mesa ao canto. Um copo de cidra descansava em sua frente e as mãos cruzadas em cima da mesa, agora revelavam uma preocupação além de se vingar. 

Xena caminhou até ela e ao afastar algumas cadeiras de seu caminho, chamou a atenção de sua amiga, que a olhou com preocupação.

-Oi.- Disse Gabrielle, assim que a guerreira se sentou ao seu lado e checou o copo de Cidra a sua frente, tomando um gole. -Xena, sobre ontem a noite. Me desculpe. 

-Está tudo bem.

-Não, não está. Eu não devia ter falado com você daquela forma. Eu estava… com raiva.

-E não está agora?

-Estou.- Respondeu a jovem e abaixou a cabeça. 

-Eu sei como você se sente. De verdade.- Falou Xena, compreensiva e esticou a mão, tocando no braço de Gabrielle. Não conseguiu evitar em pensar como a pele dela era macia e esfregou seu polegar carinhosamente, continuando. -Só tome cuidado e pense duas vezes antes de tomar qualquer atitude.- Terminou a frase e ficou olhando a loira, que continuava cabisbaixa. Pensou não ter surtido nenhum efeito sobre ela, quando Gabrielle tocou sua mão que ainda acariciava o braço. 

Xena sentiu uma agitação no peito, mas por fora continuava aparentando ser a mulher sábia de sempre. 

-Obrigada.

-Pelo o que?

-Por tudo. Principalmente por estar aqui.- Os olhos verdes foram de encontro aos de Xena e ali repousaram por alguns instantes.

-Não tem que agradecer. 

-Mas, Xena, eu ainda quero ir atrás dos homens de Callisto. 

-Certo. Vamos voltar até a caverna e ver o que encontramos.- E suas últimas palavras fizeram Gabrielle sorrir no canto do lábio. Não foi o sorriso mais alegre que já dera, mas ainda sim, foi o primeiro, desde que tudo aconteceu.

*********

Uma vez de volta à caverna, Xena chegou a conclusão que o bando não dissipou. Pelo menos não totalmente. Os rastros mostravam um grande grupo de homens indo para leste e provavelmente sob novo comando. O de Teodorus. 

Estavam a um dia de distância dali agora, o que requeria um bom tanto de caminhada à noite. Xena sequer se deu ao trabalho de perguntar se Gabrielle se importava com tamanho esforço. Sabia que a jovem se recusaria a descansar até estar o mais próximo possível de seu objetivo. Então, seguiram adiante e pararam apenas quando Argo se recusou a caminhar novamente. 

Na primeira noite que acamparam em mata aberta, Xena continuou tendo sequências de pesadelos com Callisto e agora Ares surgia em seus sonhos para atormentá-la. Acordou assustada após outro sonho, onde Gabrielle a acusava por ter deixado sua inimiga morrer e já não podendo lidar com a culpa que piorava noite após noite, preferiu se sentar ao lado de Gabrielle e evitar Morfeu. 

Ficou ali, escorada em um tronco, ofegante, até que conseguiu se acalmar e passou a observar os traços do rosto adormecido de sua amiga. Gabrielle jamais diria tais coisas. Não deveria nem mesmo se atrever a sonhar com aquilo, mas a mente era um lugar traiçoeiro. Xena então se pegou pensando, em como a barda era bela. Em como seu semblante não parecia inflamado com a mágoa agora que estava dormindo e como desejava poder olhá-la ainda mais de perto por mais horas a fio. Aquele pequeno beijo no canto do lábio voltou em sua memória e a agitação no peito voltou. Passou a mão nos cabelos quando se lembrou que Gabi não protestou e correspondeu o gesto. O que aquilo poderia significar?

Ela então suspirou e decidiu se levantar. Não adiantava nada alimentar aquele desejo agora. Não sabia ao menos se era correspondida. Já pegara Gabrielle a olhando algumas vezes, antes de Perdicas, mas provavelmente não devia passar de admiração. Não valia a pena alimentar a mente com tais desejos. Lutou contra aquilo até o amanhecer, quando finalmente voltaram para a busca e se aproximavam dos bandidos cada vez mais. 

O dia passou rápido e no começo da noite, o rastro começou a esquentar. Gabrielle, que com o passar das horas ficava um pouco mais falante, agora estava afoita e repetia cada minúsculo movimento da princesa guerreira. 

-Está cansada.- Xena perguntou em determinado momento e Gabrielle assentiu com a cabeça.

-Você parece cansada também. 

-Estou.

-Tem tido pesadelos, não é? -Quis saber a barda. 

-Sim. Infelizmente não tenho dormido direito por conta disso. 

-Eu sinto muito por isso, Xena. Eu… costumava ter sonhos lindos antes de tudo isso. Muitas das minhas histórias vinham de sonhos, mas desde que Perdicas morreu, não tenho sonhado com nada.

-Gabi…- Xena parou para olhar sua melhor amiga ao ouvir tais palavras, mas parou bruscamente ao ouvir ao longe um som. Seu olhar vasculhou o redor e ao olhar para o chão, viu algumas pegadas. A mulher se abaixou para olhar melhor e sua fiel escudeira fez o mesmo.

-O que foi? É a trilha certa?

-É! Parece que estão indo em direção a aldeia deserta perto do rio. – Respondeu Xena e apontou para outra pegada mais perto da grama. – Mas tem alguém seguindo Teodorus e esse alguém vai acabar morrendo. Vamos.- A guerreira desatou a correr pela relva e Gabrielle logo atrás. 

Sons de motim ficavam cada vez mais altos, até que uma série de golpes foram desferidos contra alguém. A guerreira então, soltou seu grito de batalha e o grupo de fanfarrões se silenciou na medida que passos apressados iam para dentro da floresta. 

Xena avistou um celeiro e na esperança de capturar um dos homens, evitou a porta e numa cambalhota perfeita, atravessou a madeira podre da parede e caiu em pé, empunhando sua espada. Gabrielle chegou com seu cajado logo depois, mas já não havia mais ninguém ali, a não ser Joxer, pendurado por uma corda que vinha de uma viga no teto. 

-Tudo bem. Já limpei o lugar para vocês.- Disse ele, mas nenhuma das mulheres deu ouvidos.

-Eles fugiram.- Disse Xena para Gabi.

-Não vamos atrás deles?

-Não nessa escuridão. Não acharemos nada e eles não irão longe. 

-Bem atrás de você. – Falou Joxer de novo, apenas para continuar sendo ignorado.

-Vamos acampar aqui. 

-Vou pegar os cobertores.- Falou Gabrielle e saiu em direção a Argo.

-OI!- Chamou Joxer. -OLÁ.- Gritou quando Xena passou por ele

-CALMA, JOXER.Já vimos você.- Respondeu Xena sem paciência.

-Ótimo. Pode cortar a corda sem que eu me esborrache com a cara no chão?

-Não.- E sorrindo, a mulher cortou a corda, fazendo o rapaz estatelar contra o chão duro.

Um pequeno prazer, que logo não serviu de mais nada. Enquanto Gabrielle ajeitava as coisas, Xena foi para a porta do celeiro e ficou observando a orla da mata fechada. Estava cansada, mas sabia que ao se deitar, os pesadelos não a deixariam descansar da forma que devia, então, se perguntou se deveria ficar ali, montando vigia enquanto os outros dormiam. 

Foi quando um cobertor repousou sobre seus ombros delicadamente e Gabrielle parou ao seu lado. Sabia o que se passava com sua melhor amiga e foi o primeiro sinal de que não estava tão ocupada assim com seus próprios sentimentos. Mesmo em um momento sombrio, se importou com Xena. 

-Eu a deixei morrer, Gabrielle. Na hora pensei que fosse justiça, mas agora já não sei.- Falou a morena com os olhos vidrados no breu que desprendia da mata.

-Isso é muito confuso. Você não queria matá-la, mas Joxer sim. Já eu. Gostaria que ela nunca tivesse nascido. Acho que Callisto finalmente venceu.- E aborrecida, Gabi voltou para perto da fogueira. 

Xena suspirou e escorou a cabeça no batente da porta. Fechou os olhos e ficou daquele jeito por longos minutos. Estava quase adormecendo em pé, quando uma voz distante a chamou. Levemente embriagada, olhou para trás e viu Gabrielle enrolada nas cobertas. Então, fitou a orla mais uma vez e seu coração disparou. Era ela. Callisto. 

Ela possuía um olhar inflamado e um sorriso sarcástico. Chamou a guerreira com o dedo e deu as costas, indo em direção ao profundo da floresta. Atônita, Xena deixou a manta cair de seus ombros e a seguiu, sem olhar para trás. 

Abriu caminho por entre as plantas com as mãos e uma fina névoa cobriu a visão de seus pés. O chão começou a declinar e a guerreira se viu descendo cada vez mais. Viu logo adiante a entrada de uma caverna e sem se questionar, entrou no local. A névoa passou a ficar mais densa e uma luz esverdeada banhava o recinto. Sons de murmúrios assombravam o ambiente e ali estava a criatura maligna que a atrairá para longe de seu acampamento. 

-Olá, Xena.  Ah, quanta saudade.- Falou Callisto enquanto rodeava a mulher. – Você sabia que o Tartaros é tão entediante? A mesma tortura, todo santo dia. Me faz lembrar dos meus dias na terra.

-Isso é um sonho!- Disse Xena e Callisto riu.

-Tem uma certa razão. O sonho é uma ténue linha entre o mundo real e o submundo. E com uma pequena ajuda, essa linha pode desaparecer.

-Que tipo de ajuda?

-De um deus, talvez.- Outra pessoa surgiu e se revelou sendo Ares. 

-O que está fazendo, Ares? Qual é o seu plano? 

-O meu plano? O meu plano foi sempre encontrar uma guerreira especial que vai levar ao mundo a prosperidade.

-Eu?- Perguntou Xena com feição de estranheza.

-Ah, não. Agora não. Sabe, eu nunca havia conhecido Callisto. Até que você a matou. Ela tem muito potencial.

-Eu não a matei.

-Oh, continue dizendo isso para você e quem sabe algum dia acredite. Me deixou morrer na areia movediça. Qual a diferença?- Provocou Callisto e Xena sentiu o ar ficar cada vez mais pesado.

-Pessoalmente, eu sempre preferi um duelo frente a frente entre guerreiros. Deixar alguém simplesmente morrer não há honra. Você a matou, Xena. Covardemente. E chegou a hora de admitir isso.

-TÁ BOM! – Vociferou a mulher. -Sou culpada de assassinato.- Suas próximas palavras fizeram Callisto gargalhar.

-Eu estava esperando que dissesse isso.- E num golpe inesperado, Xena sentiu uma fisgada, que a fez acreditar que sua alma estava saindo do corpo e então, tudo ficou diferente.