Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

    Suave como a água

    Permaneci na banheira, apenas metade do rosto de fora, ainda sem fôlego, enquanto Lao Ma, à porta, verificava os arredores.

    Tudo naquele lugar exalava luxo, riqueza, um excesso visual que, longe de sobrecarregar os sentidos, lhe preenchia de grandiosidade e beleza. As plantas ornamentais, a banheira enorme cercada de velas, pétalas flutuando sobre a água.

                E eu ali, encharcada, coberta de trapos, suja e quebrada como um cachorro abandonado.

                Não sabia o que ela pretendia me trazendo ali. Na verdade, não entendia por que ela estava fazendo aquilo. Não fazia nenhum sentido aquela bobagem sobre eu ser “capaz de grandeza”.

    Mas não queria, ou não tinha condições de confrontá-la. Naqueles últimos dias, tinha sido traída, espancada, caçada, reduzida de todas as formas. Se aquela mulher me finalizasse ali, seria uma bem-vinda paz. E sabia que ela podia fazê-lo. Tinha visto do que ela era capaz.

    Quando ela se virou, me encolhi. Sabia que ela não ia me ferir, pois tinha acabado de me dar sua própria respiração, mas meu corpo estava cheio de reações involuntárias. Ela sentou-se à borda da banheira, atrás de mim e me entregou uma pequena jarra com um óleo perfumado.

    Tudo estava tão silencioso. Era quase agressiva, essa paz, depois de tanto tormento.

    Sem sair da água, tirei os restos de tecido que me cobriam, e fui me esfregando como podia. Tudo doía, as feridas ardiam. Minha mente ainda não conseguia juntar um pensamento com o outro.

    Tive mais um sobressalto quando senti um fio de água se derramando sobre minha cabeça. Olhei para cima e a vi com uma jarra, a água escorrendo com delicadeza, o rosto dela ornando um sorriso sutil.

    Depois, começou a esfregar meus cabelos com algum tipo de creme perfumado. O esforço chegava a ser hilário.  Aquilo estava mais emaranhado que cipós e ramas na floresta. O mais sensato talvez fosse arrancar tudo e esperar que crescesse novamente.

    Em vez disso, como se possuísse a eternidade, ela foi desfazendo os nós, um por um.

    Os dedos passando, o redemoinho se desfazendo… aquilo me fez entrar em um estado quase hipnótico. Era tão lento e ao mesmo tempo, tão decidido. Meu corpo amoleceu, parou de reagir como se esperasse o golpe seguinte.

    Ouvi uma risadinha atrás de mim.

    – Segure sua cabeça, Xena.

    Tinha relaxado tanto que minha cabeça tinha pendido. Me esforcei para mantê-la ereta enquanto ela fazia seu trabalho.

    – Acho que a partir daqui ele já consegue aceitar um pente – ela falou.

    Estendeu a mão. Segurei-a e ela me ajudou a sair da banheira. Fez eu me sentar, me enrolou em um tecido de seda. Passei os dedos sobre ele, sentindo sua leveza, meus olhos percorrendo seus desenhos intrincados. Será que tudo ali era seda? Mesmo os panos de se enxugar?

    Com outro pano, enxugou meus cabelos e começou a tentar passar um pente nele.

    Mesmo com o cuidadoso trabalho anterior, ainda apresentou desafio, mas ela persistiu.

    – Não tem servos para isso? – perguntei.

    – Tenho.

    ***

    Dias passaram numa tranquilidade intolerável. Faço as vezes de serva. São tantas louças, tão delicadas, pratos, xícaras, vasos, cântaros. Quebrei uma boa quantidade, acostumada que estava à dureza do barro, madeira e couro.

    Lao Ma me mantém perto. Acho que me vigia, com medo que eu faça algo idiota. Não posso culpá-la. Quando ela se reúne com generais, estou lá servindo a bebida. Quando encontra sacerdotes, estou lá, segurando ânforas cheias de ervas desconhecidas. E quando faz a coisa que menos entendo, que é ficar sentada em silêncio por longas horas, estou lá, sendo torturada pela minha inquietação interior.

    Ela é uma contradição ambulante.

    Todos os seus gestos e palavras são suaves e contidos, sua voz é baixa, as vezes quase inaudível, seus olhos frequentemente se voltam ao chão. Ainda assim, todos a obedecem sem questionar, sua vontade se impõe como se ela tivesse uma espada pressionada à garganta de todos.

    Eu não consigo entender, e a interrogo. E ela responde de forma absolutamente irritante.

    – O suave vence o duro, o lento vence o apressado.

    – Isso não faz sentido.

    – Palavras verdadeiras soam contraditórias.

    – Você faz isso de propósito, não faz?

    E ela apenas dá risada.

    Ainda assim, eu, irritada, inquieta, furiosa por não conseguir extrair dela muito mais que estranhos provérbios, a obedeço com a mesma devoção canina que todos ao redor dela. Um gesto, um mísero olhar basta, e estou lá.

    Pergunto-me porque. Ela me resgatou, me vestiu, me limpou, me acolheu. Estou grata, mas suponho que eu poderia ir, se quisesse. E ela me ajudaria a desaparecer, se eu pedisse. Em nenhum momento ela deu a entender que sou sua prisioneira.

    O que acontece é que sempre fui sedenta de conhecimento, e ela o esbanja. Como consegue dobrar o próprio ar à sua vontade? Como consegue que até objetos a obedeçam? Deve haver algum truque, algum segredo para isso, algo simples escondido atrás daqueles palavras estranhas, algo que posso tomar para mim.

    Estou cheia de vontade, desejo, ambição.

    De muitos tipos.

    Às vezes ela escova o próprio cabelo, às vezes as servas o fazem por ela. Tentei uma vez, mas ela me dispensou. Disse que eu tinha gestos muito duros. Hoje, disse que ia me dar uma nova chance.

    Eu sei que, mesmo nessas coisas pequenas, ela está tentando me ensinar algo, me dizer algo. Ela não explicita isso, mas ainda assim faz. Ensina, sem ensinar. Paro por um segundo, o pente na minha mão. Acabei de formular uma daquelas frases paradoxais que ela adora?

    – O que houve? – ela pergunta.

    – Nada – respondo, e volto a deslizar o pente por seus cabelos.

    Quando estão soltos, são longos e ondulados, de um castanho escuro que, à luz certa, pode ficar levemente avermelhado.

    Faço meu melhor para ser suave como tudo ao meu redor. E meus olhos desejosos se perdem em detalhes.

    O delicado perfil dela, as mãos pequenas cruzadas sobre a coxa, a curva do pescoço, um pedaço de ombro aparente apenas porque o robe deu uma pequena deslizada. Tem sempre tantas camadas de tecido sobre ela que não tenho ideia de como realmente seria seu corpo.

    Não parece apropriado pensar essas coisas.

    Eu já tinha pensado sobre mulheres daquele jeito, mas nunca tinha dado atenção àqueles pensamentos. Eles iam e vinham, e eu não me detia. Distraída demais com o fácil acesso ao desejo masculino, que sempre tinha me rondado. Os homens sempre estiveram lá, deixando claro o que queriam. E não me fiz de inocente. Rápido descobri que gostava do sexo. De preferência bruto e selvagem.

    Acho que senti algo parecido por M’Lila, mas o destino arrancou-a de mim antes que eu sequer soubesse seu nome, e eu estava indesculpavelmente inebriada por César.

    Agora, com tanto tempo, tanto silêncio, os pensamentos vem, ficam, circulam e não me deixam.

    Enquanto seguro uma madeixa, deixo as costas dos meus dedos encostarem no pescoço dela, deixo-os lá onde não deveriam estar. Permito que escorreguem apenas um tanto.

    O rosto dela vira um pouco de lado. Nem é o suficiente para me encarar, mas é o suficiente para eu deixar de tocá-la.

    ***

    Para minha surpresa, depois da minha pequena ousadia, ela não me afastou. Pelo contrário, pareceu puxar-me para mais perto.

    Pôs-me ao seu lado num encontro administrativo, não servindo bebidas, mas administrando os papéis, pincéis, tintas e carimbos.

    Nisso, nossas mãos se encontram muitas vezes.

    Todos aqueles aristocratas perceberam que sou uma estrangeira. E eles não gostam de estrangeiros. Mas nada é dito. Apenas olhares sutis de desprezo. A etiqueta, as aparências e a formalidade, ali são tudo.

    O nome dela não aparece. Tudo que falam é “O que Lao Tzu pensa?” “Qual a decisão de Lao Tzu?”. E ela responde, apagando também o próprio nome. “Meu marido ficará satisfeito com essa decisão”. “Meu senhor Lao Tzu acha melhor repensar esse ponto, e lhe dará uma resposta mais apropriada quando a lua estiver crescente”.

    Começo a questionar-me se Lao Tzu sequer existe. Ouvi rumores que ela o mantém numa masmorra, em coma, mas não vi nada que indique isso, e acho difícil associar um ato desses à pessoa dela.

    As pessoas se retiram, uma à uma. A sequência de mesuras parece durar mil anos. Estou prestes a me levantar quando ela ergue a mão.

    – Por favor, fique mais um pouco. Preciso redigir alguns documentos.

    Me remexo na almofada. Minhas pernas doem horrivelmente. Detesto aquelas mesas tão baixas, como eles aguentam? Permanecem horas assim, como estátuas. Ou será que estão mortos de dor também, mas não demonstram por educação?

    Tento me distrair observando aquela escrita. Parece complicada demais, mas os movimentos dela com o pincel são hábeis e automáticos, como se tivesse nascido com aquela linguagem habitando seu corpo.

    – Pode me ensinar isso? – pergunto, sem pensar.

    Ela para, me olha com a expressão de surpresa mais genuína que já vi em seu rosto.

    – Quer aprender nossa escrita? – ela repete.

    Dou de ombros, despretensiosa. Minha postura já foi arruinada, minhas pernas estão de qualquer jeito, apoio o cotovelo na mesa. Mantive a retidão na presença dos outros, mas apenas eu e ela ali? Nem fodendo vou ficar igual uma pedra.

    – Pelo menos meu nome – digo.

    Ela encosta a ponta do pincel no queixo, como se estivesse pensando. Imediatamente meu coração bate mais forte, meu cotovelo escorrega um pouco na mesa.

    – Tudo bem, não custa tentar – os dedos dela, mais agitados do que nunca os vi, abrem um pedaço de tecido fino e branco. Escolhe um dos pincéis mais delgados e me entrega.

    Ela se debruça ao meu lado, também apoiando o cotovelo na mesa. Não está tão esparramada quanto eu, mas nunca a vi tão solta.

    – Seu nome pode ser escrito de muitas formas. E em cada forma significará uma coisa diferente – ela fala, enquanto continua olhando para o nada, como se estivesse tentando ler meu nome num pergaminho fantasmagórico – tantas possibilidades… mas temos que começar com uma.

    Ela pega um pincel e escreve na seda.

    泽 娜

    – O que acha desse? – ela pergunta.

    Me parece um monte de riscos, mas não quero falar isso.

    – Interessante? – respondo, em dúvida. Sinto saudades do alfabeto grego.

    – Significa algo como “lagoa graciosa”.

    – Não consigo imaginar algo que combine menos comigo – respondo, ressentida.

    Ela ri e chega mais perto. A perna dela encosta na minha. Todo meu ser reage, mas ela se comporta como se aquilo não fosse nada e escreve novamente na seda:

    侠 娜

    – O que significa esse?

    – Herói gracioso, rudemente traduzindo – ela diz, me olhando de um jeito que me deixa sem respirar.

    – Mas tem que ter esse gracioso em tudo? Não sei se “graça” é o melhor objetivo para mim.

    – Cliente difícil – ela diz, seu rosto aberto em sorriso enquanto escreve mais uma vez.

    Eu mal consigo prestar atenção naquelas palavras, não me importo mais com elas. Ela pode escrever os caracteres para égua parindo e eu não vou me importar.

     释哪

    – Acho que esse é o mais próximo, foneticamente – ela bate levemente o pincel na mesa, um gesto tão pouco característico – e o de tradução mais complicada. O primeiro, algo como… libertar-se. O segundo… é simplesmente um questionamento, uma pergunta, uma dúvida – ela me encara, e eu tento segurar aquele olhar, mas ele, juro, me faz tremer – poderia significar tantas coisas. Como… para onde quer se libertar? Ou pode ser um convite para libertar a dúvida, deixar a dúvida desaparecer. Na minha opinião, essa é você, e esse é seu nome.

    – Também acho – respondo, mas não escutei metade do que ela falou. Estou prestes a fazer algo idiota. Estou a um segundo de puxá-la e beijá-la. Quando sinto que vou fazer, ela desvia o olhar e traz para perto o tinteiro.

    – Tenta.

    Saio do meu transe, e suspiro longamente, frustrada. Mergulho o pincel na tinta e levo ao tecido, e óbvio que só consigo uma grande mancha horrorosa.

    Ela ri ao ponto de jogar a cabeça para trás, e meu rosto esquenta.

    – Ah, por favor – resmungo – me dá um desconto, é minha primeira vez.

    – Desculpe, não pretendia. E é difícil mesmo. Precisa se concentrar.

    E faz a coisa que mais tiraria minha concentração, que é segurar minha mão e guiá-la até o tinteiro, depois de volta ao pano. Com a mão dela segurando a minha, consigo produzir uma imitação crua e ofensiva dos sinais que ela escreveu.

    – Está lindo – ela fala.

    – Você é cruel, Lao Ma – respondo, mas tento de novo fazer o nome. Sai igualmente feio, mas eu passaria dez mil anos ali, com ela recostada em mim, ajustando minha mão, até aquele nome ficar perfeito.

    ***

    A noite vem, mas o sono não.

    Naquele aposento que é só meu, me reviro na cama. Os lençóis se amontoam. Meus cabelos, libertos dos coques restritivos, se espalham, revoltosos e marcados.

    Maldição das maldições, eu não vou conseguir dormir, e a culpa é dela.

    Me enrolo num robe simples de seda branca e saio manquejando pelo castelo envolto em penumbra. Minhas panturrilhas estão ardendo e minha lombar lateja. Aquilo é quase o suficiente para me convencer a voltar para a cama e me conformar em passar a noite em vigilância resignada.

    Mas a inquietação acaba sendo maior que a dor, e prossigo caminhando.

    Sem querer, acabo indo ao lugar originário do meu tormento: a sala de reuniões.

    Percebo uma luz fraca a tremular.

    Ela está lá, e parece que não me percebeu.

    Veste apenas um robe de cor lilás, os cabelos soltos dançam com o ir e vir de seus olhos concentrados na escrita.

    Perco a noção do tempo nesse meu olhar não convidado.

    Ela é dolorosamente bela.

    Minha perna dá uma fisgada particularmente intensa. Seguro um grunhido e fecho os olhos. Quando os abro, a atenção dela me encontrou.

    Droga.

    – Sem sono? – ela pergunta.

    – Aham – resmungo, pensando em como vou sair dali – perna dando trabalho. E você?

    – Trabalho a fazer – um breve suspiro de cansaço – você me distraiu a tarde e acabei deixando os documentos por fazer.

    – Ah, desculpe por isso.

    – Que nada. Eu me diverti.

    Pelo menos alguém se divertiu.

    – Bem, não vou atrapalhar de novo.

    – Usou o unguento que te dei?

    – Sim – era mentira, tinha esquecido completamente – é que alguns dias são ruins mesmo, unguento e tudo. Mas não é problema, eventualmente passa.

    Ela balançou a cabeça, consternada, e se levantou.

    – Vem comigo – disse, passando por mim. A segui com meus passos tortos, meu coração aumentando de velocidade ao perceber que estávamos indo aos aposentos dela. Não entrei, fiquei à porta.

    Ela sorriu ao me ver lá.

    – Não seja boba, entre.

    Entrei, quase caindo, de dor, de desequilíbrio, de tudo.

    Ela não me olhava, remexia em prateleiras e potes.

    – Onde dói?

    – Pernas – falei, entredentes – costas também. O que está fazendo?

    – Paciência – ela disse – deite.

    – Por que?

    Acho que é a primeira vez que questiono uma ordem que vem dela. Isso faz ela parar de mexer em tudo e me encarar.

    – Quero aliviar sua dor, se me permitir – ela diz.

    – E o que pode fazer?

    Ela volta a mexer nas coisas, e não responde. Acha um frasco, vem até mim, segura meu braço e me puxa devagar até a cama.

    – Não confia em mim?

    Não confio em mim, Lao Ma.

    – Claro – encurralada, rastejo pelos lençóis de seda e me largo de bruços no meio da cama gigantesca. Fecho os olhos e aperto meu rosto contra uma almofada, buscando refúgio na escuridão.

    A mão dela repousa logo acima do meu calcanhar.

    – Posso?

    – Sim.

    Ela descobre apenas minha panturrilha direita. Lembro do quanto ela é feia, torta, o quanto a cicatriz que a atravessa é funda e grotesca. Sinto vontade de cobri-la novamente e sair dali.

    Mas as mãos dela subindo lentamente por meus músculos logo expulsam todos os meus pensamentos.

    – Pode ser que fique bem quente – ela diz, e por um momento fico tão confusa com aquelas palavras – é o óleo, mas o calor que ele vai gerar é bom para a dor.

    Eu não tenho condições de responder. As mãos delas são firmes na massagem, e, de fato, o que ela está passando parece uma compressa quente. Tem um perfume suave de planta, nada pungente ou doce, nem excessivamente químico. É como uma caminhada numa floresta virgem, como a casca de uma árvore frondosa.

    O músculo vai perdendo a rigidez, a dor alivia, mas outros tipos de dores surgem, em outras partes. Tento respirar, me acalmar, não parecer tensa, ou ela perceberá. Mas é difícil quando as mãos dela estão sobre mim, quando tudo que consigo pensar é em como seria se ela continuasse me tocando, não só ali, mas em todo lugar.

    Ela muda de posição na cama e se dedica a outra perna. Mesmo em minha luta interna, o alívio se derrama sobre mim. Aquelas feridas, aquela dor constante que me atormenta, é como ter o ódio de César relembrado constantemente. Às vezes consigo fingir que não me afeta, mas nos dias de dor intensa, tudo volta. A traição, a cruz, aquela marreta dilacerando meus ossos. Ainda bem que estou com o rosto escondido. A lágrima pequena e solitária é imediatamente absorvida pelo tecido.

    – Onde é a dor nas costas? – a voz dela tão mais perto.

    – Aqui – pouso minha mão na lombar e logo retiro.

    – Você pode me ajudar?

    Ela é tão sutil e indireta, exceto quando não é. Me descolando o mínimo possível da cama, retiro os braços das mangas do robe. O resto ela faz, revelando minhas costas.

    Não haverá saída para mim, percebo. Ficará óbvio o que aquilo me causa, e ela decidirá o que será de mim. Talvez finalmente me mande embora. Talvez sinta nojo de mim.

    Resolvo então aproveitar os poucos segundos antes da desgraça. Os guardarei comigo, como a lembrança antes da queda. Me entrego, deixo meu corpo reagir como bem entender, deixo qualquer som ser expelido de mim, sabendo que aquelas mãos logo desaparecerão para sempre.

    Mas elas não desaparecem, mesmo quando um gemido completamente indecente me escapa.

    Talvez ela simplesmente não se importe. Ela é tão desapegada. Mesmo com eu derretendo em suas mãos, ela vai apenas rir e balançar a cabeça. Estúpida aluna, dominada pelos vícios da carne.

    – Você sabe o que eu fazia antes de ser esposa de Lao, Xena?

    Deuses, ela estava me pedindo para lembrar, para pensar. Ela mencionou algo sobre isso no dia que me trouxe aqui. Eu estava escondida na banheira, tentando não morrer, e ela falava com Ming.

    Antes que eu balbucie o “não”, ela já responde.

    – Era uma cortesã. Fui, por mais de dez anos. Mal tinha deixado de ser menina, quando comecei.

    Cortesã?

    – O que é isso?

    – Acho que em Grécia chamariam… hetaira.

    Ela fala isso no exato momento em que suas mãos sobem por minhas costas, até meus ombros, onde não tem dor alguma. Por todos os deuses do Olimpo, essa era a última coisa que eu esperava que ela fosse falar.

    – Anos sendo tocada por pessoas de quem não desejava o toque. E tocando pessoas que não queria tocar.

    Uma vergonha corrosiva afunda meu estômago. Mais uma vez e sem querer, eu provoco dano em quem me salva.

    – É um alívio – ela continua, uma mão indo para minha barriga, sumindo entre meu corpo e o colchão, a outra em meu pescoço – tocar quem eu realmente quero.

    Tenho certeza que ouvi errado, que entendi errado, antes de sentir o pouso dos lábios em minhas costas, o calor da respiração apressada.

    Eu não entendi errado.

    Uma cascata de cabelos se espalha sobre meu braço, uma perna escorrega entre as minhas. Os lábios sobem por meu pescoço, param em meu ouvido.

    – Isso é, se você quiser também – ela fala.

    Mesmo com o peso dela sobre minhas costas, faço menção de me virar. Ela me dá apenas espaço suficiente para o movimento, e logo pesa sobre mim de novo. Preciso olhar para ela, ver em seus olhos e está tudo lá.

    A confirmação verbal é redundante, mas a ofereço mesmo assim.

    – Sim – num fio de voz.

    E os lábios delas tocam os meus.

    Sou acostumada a beijos devoradores e desajeitados. Esse é meu instinto, e logo ele aparece. Ela reage a isso apenas insistindo em um ritmo mais lento, sem recuar.

    E eu me submeto. Eu a sigo.

    Meu robe é só um pano amassado que mal e mal cobre minha virilha. Meu seios roçam no tecido de seda que a cobre, e, ao mesmo tempo que me frusta, me faz desejar sua pele.

    Procuro, mãos velozes, demandantes, um nó para desatar, uma brecha para entrar. Não encontro, e acabo me perdendo novamente no beijo. Está me enlouquecendo, me tirando as forças.

    O inebriamento é cortado quando ela se afasta e abro meus olhos.

    Nunca a vi assim. Os lábios entreabertos, a respiração arfante, o rosto corado, os cabelos um pouco desalinhados. Me impulsiono para cima, ansiosa por seus lábios, mas ela coloca uma mão em meu peito, me segurando na cama.

    Montada sobre mim, ela começa a desatar as próprias roupas. Quando um pedaço de pele aparece, um ombro, um começo de seio, minhas mão sobem novamente e ela as segura, beija-as, antes de apertá-las contra a cama, com firmeza.

    – Não toque. Olhe.

    E volta a se despir.

    Agarro os lençois com força, desejando que meus olhos tivessem tato, enquanto o corpo dela se revela diante de mim. Esguio, cheio de curvas suaves, algo que talvez você tenha medo de quebrar antes de ser tomado pelo desejo de possuir. Minhas mãos permanecem obedientemente paradas, embora a tensão para segurá-las faça meus dentes rangerem.

    Quando o robe cai, ela volta à mim, os lábios aos meus, os seios nos meus e é um sentimento completamente novo. Minha fome leva o melhor de mim de novo, chupo os lábios e a língua com força, a aperto contra mim, minhas unhas em suas costas.

    Por um minuto ela parece se entregar à mesma intensidade, antes de suas mãos subirem por meus braços, me fazendo soltá-la, seus dedos entrelaçarem os meus.

    – Volto em um minuto – ela diz, antes de quase saltar da cama.

    Sem fôlego, a vejo andar pelo quarto, mais uma vez mexendo em suas prateleiras. Ela encontra dois pedaços compridos de tecido. Os amarra na cabeceira da cama, lado a lado, e as pontas deles roçam meus ombros.

    Ela direciona minhas mãos à eles.

    – Segure-os – ela diz – e se os soltar… eu paro o que estiver fazendo.

    Meus olhos ficam enormes.

    – Está brincando? – questiono, mas minhas mãos já estão firmemente agarradas nos panos.

    Ela responde com um sorriso e mais um beijo.

    Então ela ainda é mais cruel do que eu imaginava.

    O beijo dela agora está em meu pescoço, e as mãos em meus seios. Os nós dos meus dedos estão brancos. O toque é lento, firme, torturante. Meu corpo já grita pela resolução rápida a que está habituado, e me contorço quando percebo que não virá.

    Quando ela chupa meus mamilos, puxo o tecido com tanta força que sou impelida para cima, minha cabeça encosta na cabeceira. Ela retirou o que ainda me cobria e não há mais nada entre nós. O corpo dela encosta no meu em tantas partes ao mesmo tempo.

    Continuo sentindo suas mãos, boca, língua, entre meus seios, na minha barriga e a aflição é aos poucos substituída por outro sentimento.

    Um estado extasiado e entorpecido, simultaneamente relaxado e excitado ao extremo. Meus dedos já não apertam o tecido com tanta força.

    É porque eu me rendi.

    Ela pode fazer o que quiser, como quiser e no tempo que quiser, e eu irei apenas deixar as sensações me atravessarem.

    Sinto dentes em meus joelhos, arranhando, unhas na minha bunda. Eu queria abrir os olhos, ver, mas não pertenço mais ao reino da terra.

    Eu não sabia que tantas partes do meu corpo eram tão sensíveis, como meus braços, axilas, as costas dos meus joelhos, as plantas dos meus pés. Esqueço que há um sexo entre minhas pernas.

    Sou lembrada quando dois dedos entram lá. É um choque que me faz soltar um dos panos. Eles vão fundo, pressionam e não consigo segurar o grito. A língua vem junto. Os lábios, me chupando.

    Não é a liberação rápida de uma tensão mecânica, é como se eu estivesse me afogando em uma inundação furiosa. Minhas mãos não conseguem segurar mais nada, mas graças aos deuses ela não para. Ela continua até eu começar a emergir.

    Ela volta à mim, subindo por meu corpo, deita ao meu lado e me abraça. A seguro, sem forças, ainda sem condições de fala ou muitos movimentos. Os dedos dela, que passam por meus cabelos, meus braços, vão, aos poucos me recentrando.

    Me atrevo a procurar seus olhos, e encontro algo que achava que saía apenas de mim.

    Devoção.

    Eu realmente não tenho palavras para falar sobre essas coisas. Faço meu melhor. A puxo para um beijo. Sou, também, lenta, suave, devotada. E sinto ela render-se. Penso que aprendi. Meu desejo descontrolado se contorce em mim, mas eu quero dar a ela o meu melhor.

    Percebo, feliz, que ela me deixará aprender.

    Sei que o destino ainda me arrancará dela, como já arrancou tantas outras coisas.

    Mas, até que isso aconteça, serei dela. Inteira.

    0 Comentário

    Digite seus detalhes ou entre com:
    Aviso! Seu comentário ficará invisível para outros convidados e assinantes (exceto para respostas), inclusive para você, após um período de tolerância. Mas se você enviar um endereço de e-mail e ativar o ícone de sino, receberá respostas até que as cancele.
    Nota