Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

By SOMARQ

            DECLARAÇÃO:

            Este fanfic foi feito apenas como mero entretenimento, não querendo ferir direitos autorais.

            As personagens, Xena e Gabrielle, são marcas registradas da MCA/Universal e Renaissance Pictures, Studios USA, são usadas aqui, sem intenção de infringir as leis de copyright.

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           Uma guerreira solitária, duplamente ferida estava na estrada, ainda sem rumo. Tanto o seu orgulho quanto o seu coração, tinham sido atingidos violentamente. Cavalgava com fúria, tentando não pensar. Quando de repente, sentiu que a sua égua refugou.

           Desmontou e ao verificar todas as patas, percebeu que faltava uma ferradura. Procurou na bolsa de montaria e não achou. Lembrou que havia uma pequena aldeia perto dali.

–         Vamos garota, você agüenta até lá._ disse conduzindo a égua.

Ao entrar na aldeia, torna-se, imediatamente, o alvo de todos os olhares.

–         Hei, onde posso encontrar um ferreiro?

Não obteve resposta. Pois, tanto as mulheres quanto os homens, corriam dela.

–         Olha, eu só quero saber onde posso encontrar um ferreiro para a minha égua._ disse tentando segurar um homem que escapuliu e entrou correndo num armazém. Foi atrás dele.

Ao entrar, percebeu que, praticamente, toda a cidade estava ali.

–         Com licença, minha égua perdeu uma das ferraduras… Alguém aqui é ferreiro?

Outra vez nenhuma resposta. A guerreira percebeu que todos olham para ela com desconfiança e medo.

–         O que está acontecendo aqui? Olha, só estou procurando um ferreiro. Mas, se não tiver, quero comprar dois pares de ferraduras, eu mesma posso fazer isso.

–         Você é uma guerreira?

A guerreira olhou para o lado de onde veio a voz. Era uma jovem camponesa que estava se aproximando dela com um sorriso mais amigável que a guerreira já viu.

–         Oi, o meu nome é Gabrielle. Você é guerreira?

–         Sim, sou._ disse a guerreira bem próxima a ela.

–         Gabrielle!_ um homem gritou.

–         Aquele é o meu pai._ mostrou Gabrielle, depois se virando para o seu povo, diz: Vocês não perceberam? Ela é guerreira, talvez possa nos ajudar.

–         Gabrielle, esse é um assunto para nós os conselheiros resolvermos e não para uma estranha._ disse um velho, o chefe dos aldeões.

A jovem virou-se para a guerreira e pediu:

–         Será que você poderia nos ajudar? Ou nos orientar no quê fazer para que a gente possa se defender do Senhor da Guerra Draco.

–         Draco?

–         Você o conhece?

–         Digamos que sim.

–         Então poderia nos ajudar?

–         O que está acontecendo?

–         Ele já saqueou duas aldeias perto daqui. E está vindo para cá.

–         Draco não apenas saqueia as aldeias, ele leva as pessoas para o mercado de escravos.

–         Então você o conhece mesmo!_ disse a jovem admirada.

–         Talvez ela seja do exército dele!_ gritou um dos colonos.

E foi o maior tumulto. Gabrielle ficou na frente da guerreira e levantando as mãos para o seu povo, pediu:

–         Calma, gente, calma… Se ela fosse um deles, já estaríamos completamente perdidos.

 Todos se acalmaram. Gabrielle pergunta baixinho, quase num cochicho, para a guerreira:

–         Vai nos ajudar?

A guerreira balançou a cabeça afirmativamente e perguntou:

–         Sabe onde ele se encontra agora?

–         Está acampado na beira do rio.

–         Mas os seus soldados estão espalhados por aí._ completou o chefe dos aldeões.

–         Pois bem, vou atrás dele._ e virando-se para Gabrielle, diz: E você cuida da minha égua.

–         Pode deixar, vou cuidar direitinho._ disse Gabrielle a seguindo.

Ao chegar lá fora, a guerreira pressente que há algo errado, manda Gabrielle ficar lá dentro e sai com a espada na mão, dizendo:

–         Muito bem, vão ficar aí escondidos?

–         Hei, você é Xena?_ gritou um guerreiro que saiu detrás de uma das casas e se aproximando diz: Sou eu Hector, o tenente de Draco.

–         Sou. E o que você está fazendo aqui?

–         Negócios, Xena, negócios.

–         Que eu saiba, esse povo daqui não tem nenhum negócio com Draco ou com você.

–         Ah, Xena… você sabe muito bem qual é o negócio de Draco.

–         Continua com o tráfico de escravos?

–         Mas é claro! Principalmente agora que os egípcios entraram para o leilão. Eles pagam bem.

–         Faz o seguinte: reúna seus homens e fora daqui.

–         Mas, Xena…

–         Não vou repetir._ avisou Xena mostrando aborrecimento e levantando novamente a espada.

–         Está bem, não queremos confusão com você. Com o que temos vai dar pra garantir um bom lucro._ disse o guerreiro cumprimentando Xena com um aceno de mão e, antes de se retirar, avisa: Ah, a propósito Xena, você sabia que Mezentius invadiu a sua cidade? Matou o regente e tomou o palácio dele?

–         O quê?!

–         Agora, se você quiser encontrar Mezentius, ele vai estar daqui a pouco no porto, vai pro leilão comprar escravos.

Após, Hector se retirar com os seus homens, Xena chega na porta do armazém, onde é saudada pelos aldeões. Ela agradece e pede pra Gabrielle:

–         Leve-me até o ferreiro.

–         Timotheo!_ chamou a garota e, quando o homem se aproxima, diz: Xena precisa dos seus serviços.

Depois de verificar a pata traseira da égua, o ferreiro avisa:

–         A pata está um pouco ferida, coloquei umas ervas para secar o ferimento. Mas, só amanhã poderei colocar a ferradura. Aliás, vou trocar as outras três. É por conta da casa.

Percebendo que, mesmo assim, a guerreira ficara irritada, a garota diz:

–         O nosso cavalo está aqui, se você quiser emprestado… E eu levo o seu para o nosso celeiro que é logo ali no final da aldeia. Pode deixar que eu cuido bem dela.

Xena agradeceu, pegou o cavalo da garota e saiu a todo galope.

Gabrielle levou Argo pro celeiro de sua casa e lá cuidou da belíssima égua dourada.

–         Uau! Argo… como você é bonita! Que pêlo, hein?…_ disse escovando a longa crina.

Gabrielle pega a sela e a coloca em cima de um tronco. Depois de limpá-la, volta-se para Argo e diz:

–         Fiz o trabalho completo, cuidei de você, te dei banho, escovei… e limpei a sela para ela. Você deve estar com fome, não é?_ Argo relincha balançando a cabeça. Gabrielle ri e diz: Menina esperta… vou trazer uma comidinha saudável pra você. Mas, enquanto isso, beba a água, está fresquinha.

Enquanto dava cenouras, nabos e maçãs para a égua, Gabrielle lhe confidencia:

–         Sabe Argo, eu gostaria de ver sua dona em ação. Fiquei impressionada com o jeito dela em lidar com aquele guerreiro, ele parecia ter medo dela.

Já havia anoitecido, porém Gabrielle continuava sentada no chão do estábulo, debruçada num pergaminho.

–         Pelos os meus cálculos, devo chegar lá em vinte dias. E, se eu conseguir carona, acho que em quinze dias chego lá. O que você acha, Argo?

–         Aonde você vai?

Gabrielle vira a cabeça para o lado e sorri surpresa, era Xena que estava entrando, conduzindo o cavalo.

A guerreira se aproxima e vê o mapa dos territórios grego.

–         O que é que você pretende com isso?

–         Estava procurando o caminho mais curto para Atenas.

–         Para Atenas? E o que você vai fazer em Atenas?

–         Eu vou para a Academia.

–         Que academia?

–         A Academia de Formação de Bardos da Cidade de Atenas._ disse Gabrielle com a voz e os olhos brilhando de orgulho.

–         Ora, veja só… Então quer se tornar numa barda?

–         É o que eu mais quero.

–         É por isso que estava consultando o mapa?

–         Claro. Como eu disse, estou procurando o caminho mais curto.

–         O caminho mais curto é pelo mar.

–         Não, pelo mar não. Quero ir por terra. Fiz uns cálculos: seguindo pelo litoral, passando por Olinto, Pele…

–         Você vai dar essa volta toda para ir para Atenas?

–         É o único jeito de ir andando que conheço.

–         Quem vai com você?

–         Vou sozinha.

–         Você deve estar brincando…

–         Não costumo brincar com uma coisa que é muito séria para mim.

–         E o seu pai, vai deixar você viajar sozinha?

–         Ele não acredita que estou falando sério. Ele acha que, uma noite fora de casa, no outro dia volto correndo.

Xena se agacha na frente dela e apontando no mapa diz:

–         Gabrielle, daqui de Poteidaia até Atenas a pé, são quase três meses, isso se não houver contratempo pelo caminho.

–         Isso tudo! Mas se eu andar depressa, só parar para dormir?

–         Você não vai agüentar o ritmo, aí que não chega lá.

–         E se eu conseguisse um cavalo? Já que esse aí é do meu pai.

–         Nem assim. O cavalo não resistiria a pressão, com certeza morreria. Isso se alguém na estrada não o tomasse de você.

Gabrielle fica sem reação, abaixa os olhos.

Percebendo a tristeza que se abateu na garota, Xena pergunta:

–         Quando é que você tem que se apresentar lá?

–         Até o final da primeira semana do mês que vem._ respondeu com voz chorosa.

–         Deixe-me ver…_ disse Xena pensativa, depois conclui: Temos exatos, a contar de amanhã, vinte e cinco dias.

–         Temos?!_ diz Gabrielle olhando-a espantada.

–         Eu a levo. Não vou deixar você se arriscar por aí sozinha…

Não acabou de concluir o que estava dizendo, pois caíra no chão com a garota em cima dela, chorando e sorrindo ao mesmo tempo.

Enquanto Gabrielle correu para avisar a sua mãe e a sua irmã, Xena, ainda espantada com a tamanha demonstração de alegria da garota, olha admirada para Argo e diz:

–         Garota, nunca te vi assim!… Tratamento de princesa, hein?

A égua relinchou concordando.

Momentos depois, ao chegar na porta do celeiro, Xena percebe que, o pai de Gabrielle, saiu da casa batendo a porta e foi em direção à cidade. Logo após, Gabrielle veio chamá-la para jantar.

–         O seu pai saiu chateado por minha causa?

–         Não, foi por minha causa. Desde que recebi o comunicado da Academia que ele não fala comigo direito. E depois então que eu…

–         Que você o quê?

–         Que eu terminei o noivado com Perdicas, por causa da Academia.

–         Seu noivo não quis que você estudasse?

–         Foi, ele pensa igual ao meu pai. Por isso que eles se dão tão bem.

–         E a sua mãe e a sua irmã?

–         Ah, elas estão orgulhosas porque eu consegui a vaga na Academia. Mas… vamos jantar? Você deve estar com fome, não é mesmo?

–         Pode apostar.

Xena foi muito bem recebida pela mãe e pela irmã de Gabrielle que agradeceram-na por levar Gabrielle para Atenas.

Após o jantar, Hecuba se aproximou da filha com um pequeno saco de couro nas mãos e ao estender a ela, diz:

–         Filha, eu tenho guardado essas economias pro seu casamento. Mas, como você preferiu estudar, isso aqui deve ajudar em qualquer eventualidade que você tiver.

–         Oh, mãe… não precisava. Eu juntei alguns dinares com a venda do meu enxoval.

–         E eu comprei esta bolsa pra você colocar suas coisas para a viagem._ disse Lila chorando e entregando o presente à irmã.

Ao ver as três chorando, Xena sai sem fazer barulho, era demais para ela. Foi até o celeiro. Despiu a armadura e quando estava descalçando as botas, Gabrielle chega.

–         Venha, Xena, você vai dormir lá no quarto com a gente.

–         Não, obrigada. Prefiro dormir aqui. Pois vou levantar muito cedo e preparar tudo para a nossa viagem. Depois, bato na sua janela pra te acordar. Mas, agora, gostaria de tomar um banho.

–         Ah, Xena perdoe a minha falta de hospitalidade. Preocupada com o que levar na viagem, não estou tratando bem de você.

Gabrielle conduziu Xena para detrás da casa, onde ficava o reservado_ um pequeno cômodo, de onde de cima do telhado havia uma enorme tina de madeira com tampa e cheia de água. Dela descia um cano de bambu ligado a uma torneira que era aberta somente para o banho. Numa outra porta, ao lado, ficava o banco sanitário.

Depois de um refrescante banho, Xena voltou pro celeiro e encontrou Gabrielle arrumando o local onde ela irá dormir.

–         Não precisava. Eu me ajeito com a minha manta em qualquer lugar. Ah, foi bom falar nisso. Você tem que levar uma manta e um cobertor também.

–         Eu já coloquei os dois na bolsa. Sabe Xena, não sei se conseguirei dormir hoje… Eu nunca viajei, nunca sai daqui de Poteidaia.

–         Ainda está em tempo de desistir.

–         Nunca. É o meu sonho, Xena. Você desistiria de um sonho?

–         Não tenho mais sonhos.

–         Por quê?

–         Porque eu vejo a vida do jeito que ela é. Mas agora vá dormir Gabrielle, amanhã vai ser um longo dia.

O galo ainda não havia cantado e a guerreira já estava de pé. Quando, o galo finalmente cantou, Xena estava atrelando Argo na frente da varanda da casa.

–         Bom dia._ disse Gabrielle ao abrir a porta com a bolsa na mão.

–         Bom dia, nem precisei te acordar._ disse Xena fechando a bolsa de montaria.

–         Pra dizer a verdade, quase não dormir. Me belisquei tanto pra ver se era mesmo verdade, que até estou com o braço doendo.

Xena balançou a cabeça e fez ar de que, aquela garota, não tinha jeito mesmo.

–         Venha, vamos comer alguma coisa antes de sair._ disse a garota intimidada com a aquela expressão da guerreira.

Xena estava achando a garota engraçada, pressentia que a viagem ia ser agradável.

Depois do inevitável choro de despedida, finalmente, elas estavam na estrada.

–         Para onde vamos?_ perguntou Gabrielle tentando acompanhar os passos de Xena.

–         Para a primeira etapa da viagem.

–         E qual é?

Xena parou, montou em Argo e estendendo a mão pra Gabrielle, disse:

–         Venha, suba. Temos que chegar lá antes do meio dia.

Gabrielle, após se ajeitar atrás de Xena, pergunta:

–         Lá onde?

–         Você vai ver. Vamos Argo!

Ao chegar no porto.

–         Não Xena… de barco não!_ implorou Gabrielle apertando a cintura da guerreira.

–         É a maneira mais rápida de chegarmos em tempo a Atenas._ disse desmontando e tirando Gabrielle de cima de Argo.

–         E Argo?

–         Vai com a gente. Ela está acostumada. E essa vai ser uma viagem curta. Porque nenhum, desses barcos, parte para Atenas. Então, iremos para Magnésia, depois vamos cavalgando para Cálcis e de lá pegaremos um barco para Atenas.

Gabrielle suspira conformada.

Nem bem o barco saiu do porto e com as oscilações das ondas, Gabrielle começa a ficar pálida. Tentando distraí-la, Xena a convida para visitarem Argo no porão. O que foi pior, pois Gabrielle, devido ao cheiro do lugar, começou a sentir ânsia de vômito. Correu para o estibordo e lá se debruçou no parapeito do barco e vomitou.

Xena se aproxima e, segurando-a pelos ombros, diz:

–         Venha, vamos para a nossa cabine. Eu preparei um chá pra você.

No entanto, Gabrielle não conseguiu manter por muito tempo e chá dentro dela.

Vendo a palidez da menina, Xena a coloca sentada na rede e pegando no seu pulso, diz:

–         Gabrielle, eu vou aplicar em você um ponto de compressão que irá aliviar o enjôo que você está sentindo.

A princípio, quando Xena aperta o seu pulso pelo lado de dentro, Gabrielle salta um grito de dor e tenta puxar o pulso. Mas Xena mantém o dedo comprimindo o local e em poucos instantes, Gabrielle estava completamente curada.

–         Parou! Não sinto mais nada… Isto é fantástico, Xena!

–         Vou te ensinar a fazer isso. Mas, você só poderá fazer isso, quando estiver sentindo enjôo e não pode ficar comprimindo o pulso por muito tempo, por causa do efeito colateral.

–         Efeito colateral, como assim?

–         O efeito é conforme a pessoa.

–         Você teve isso?

–         Tive. Senti uma vontade imensa de socar alguém.

Gabrielle arregalou os olhos. Percebendo o espanto da garota, Xena avisa:

–         Por isso, todo cuidado é pouco. Não quero que você tenha um outro problema por causa disso.

A maior parte da viagem, Gabrielle passou ouvindo as aventuras de Xena, que ela fez questão de conhecer e depois as transcrevia para os pergaminhos. Muitas das histórias vividas pela guerreira deixavam-na atônita e fascinada. Às vezes, Xena não queria mais continuar contando as suas histórias, mas Gabrielle pedia, implorava e insistia tanto que, ela pra se livrar daquela choramingueira, acabava fazendo o que aquela pequena barda queria. Xena não se lembrava, de alguma vez, de ter sido tão falante como estava sendo com aquela garota. E, durante as noites naqueles dias no barco, Gabrielle contava histórias para a tripulação e passageiros. Xena percebeu que toda noite, todos esperavam ansiosos para ouvir as histórias que aquela jovem barda tinha para contar.

Uma noite, antes de dormir, Xena que estava deitada na sua rede ao lado da rede de Gabrielle, comenta:

–         Não sei se você percebeu, Gabrielle, mas você já é uma barda.

–         Não, eu sou apenas uma contadora de histórias.

–         E qual é a diferença?

–         A diferença é que eu quero me comportar como uma verdadeira barda. Não apenas contar histórias, quero poder recitá-las como um trovador e também desenvolver o meu vaticínio.

–         Vaticínio?_ perguntou Xena sentando-se na rede com um ar um tanto preocupada.

–         Eu nasci com esse dom, Xena._ disse Gabrielle sentando-se na rede de frente para ela e conclui: Gostaria de poder de desenvolver isso.

–         Vaticínio é profetizar, é isso?

–         É isso mesmo.

–         E você tem isso?_ perguntou deixando passar uma certa incredulidade.

–         Eu previ a sua chegada. Eu sabia que se fosse aceita pela Academia, alguém ia chegar e me salvar. E eu não estou me referindo a vida infeliz que eu ia ter, sem poder ser o que tanto sonhei.

Xena estava surpresa ouvindo aquela jovem garota. Pergunta:

–         E por que você acha que esse alguém sou eu?

–         Assim que a vi, que você entrou naquele armazém, algo dentro de mim disse “é ela”.

–         Ah, então naquela tarde quando cheguei no celeiro… tudo ali foi premeditado?

–         Oh, não, pelos deuses! Eu, realmente, estava estudando o mapa, como fazia todas as tardes. A minha intenção era mostrá-lo para você, para que orientasse a minha viagem. Eu estava determinada mesmo, viajaria de qualquer maneira, tinha que tentar. Quando você disse que me levaria, aí então tive a certeza que não era apenas uma sonhadora e sim uma vate. Eu preciso desenvolver esse dom.

–         E você acha que, lá na Academia, é o lugar certo para isso?

–         É, sim. Pois será no convívio com os professores, poetas, profetas, que eu quero encontrar a minha meta, o meu rumo.

–         Então você já achou o seu caminho._ não foi bem uma pergunta que Xena fizera, foi uma constatação.

–         Acho que sim.

–         Como acha?! Você não está indo atrás do seu ideal?

–         Eu estou indo atrás de alguma coisa. O que eu não podia é ficar parada, aceitar um destino sem ter a chance de escolher. Mas de uma coisa eu tenho certeza, eu não pertenço a aquele lugar, a aquela vida.

Xena percebeu que aquela pequena barda, não era uma camponesa como outra qualquer.

Dias depois.

Assim que o barco aportou em Magnésia, elas foram fazer umas compras no pequeno mercado. E, foi aí que Xena percebeu que Gabrielle era também uma excelente pechinchadora.

–         Xena, você não pode aceitar o preço que eles pedem. Tem que primeiro, avaliar a mercadoria e depois fazer uma contraproposta ao preço deles._ disse Gabrielle pegando a bolsinha de dinares da mão de Xena e colocando dentro os dois dinares dos cinco dinares que a guerreira havia dado ao comerciante pelas frutas.

Xena, então, deixou que ela fizesse o resto das compras. Por último, pararam em frente de uma casa, onde Xena diz:

–         Esta é uma das melhores casas de armas que conheço.

Gabrielle a olha espantada e diz:

–         Para quê você vai querer mais uma arma? Não acha que está suficientemente armada?

–         Mas não é para mim.

–         Para quem?

–         Pra você.

–         Pra mim?! Você vai comprar uma espada pra mim?

Xena puxa Gabrielle pelo braço, antes que ela começasse a fazer mais perguntas. Amarra as rédeas de Argo na varanda e entram na casa.

Gabrielle fica muda de espanto ao ver a quantidade e vários tipos de armas. E, enquanto ela experimentava todos os tipos e tamanhos de espadas, Xena foi direto ao local certo e depois de escolher, chama a garota.

–         Isto aqui é perfeito pra você.

Gabrielle ao pegar da mão da guerreira, diz decepcionada:

–         Pensei que você fosse me dar uma arma. Isto aqui é um cajado!

–         Uma poderosa arma disfarçada.

–         Não sei no quê “isto” poderia ser uma arma poderosa._ falou olhando desanimada pro cajado.

–         Você vai ver. Lá fora vou te mostrar como usar.

Nem bem as duas saíram da casa e iam em direção a uma taberna, quando dois homens bêbedos barram o caminho de Xena dizendo:

–         Hum… Mas que bela guerreira!… Adoro mulher guerreira. E você?

–         Eu… Eu gosto mais se for Amazonas. A sua amiguinha aí é Amazonas?

Xena tenta ignorá-los, desviando o caminho. Mas um deles tenta segurar no braço de Gabrielle. Num piscar de olhos, ela toma o cajado da mão de Gabrielle e o desfere nas juntas das pernas dele e em seguida, o mesmo golpe no outro homem. Depois entrega o cajado a Gabrielle, que ainda estava impressionada pelo o que acabara de ver, dizendo:

–         Guerreira… Amazonas… Eles nem sabem diferenciar. Bêbedos estúpidos!

Já dentro da taberna, sentada num canto, Gabrielle diz:

–         Você vai mesmo me ensinar a usá-lo?

–         Ah, então se convenceu!

–         Adorei. Ele é tão leve e tão poderoso!

–         Ótimo. Eu não vou só te ensinar a se defender, mas, também, vou ensinar a lutar com ele. Não quero que você fique desprotegida quando eu não estiver ao seu lado.

–         Xena, você é… você é…

–         Gabrielle! Fale baixo._ disse olhando para os lados.

–         Mas… você é incrível!_ disse num sussurro.

–         Tá, mas incrível mesmo é este carneiro assado com batatas e cenouras.

–         Humm…_ exclamou Gabrielle arregalando os olhos e lambendo os lábios à travessa que fora colocada à mesa.

Após o almoço, elas saem da cidade e vão pela estrada andando.

–         Agora nós vamos para onde: Eubéia?

–         Não, vamos direto para Pagasai e pernoitar por lá. Continuaremos a viagem pela manhã e em dois dias chegaremos em Eubéia._ disse Xena observando como Gabrielle admirava o cajado.

Numa determinada parte da caminhada, Xena monta em Argo e ajuda a Gabrielle a montar atrás.

–         Vamos, Argo. Temos que chegar no lago antes que anoiteça.

–         A gente vai dormir lá? Pensei que fossemos dormir na cidade…_ disse Gabrielle segurando o cajado com a mão esquerda e abraçando a cintura de Xena com a outra mão.

–         Pagasai não é uma cidade, é um vilarejo e fica mais perto da montanha. Por isso é que iremos acampar próxima a estrada, para não perdermos tempo. Além disso, lá é mais seguro.

Antes do entardecer, elas chegam no lugar almejado. Xena escolhe um local perto de uma pedreira, quase à beira do lago.

–         Aqui está ótimo. Você já pode ajeitar as nossas coisas por aqui, que eu vou desatrelar Argo. Depois vou catar alguns gravetos para fazer uma fogueira.

–         Deixe que eu cuide de Argo._ disse Gabrielle colocando as duas bolsas e as mantas num canto.

–         Está bem. Então eu vou providenciar a fogueira, antes que escureça.

–         Não vai ficar totalmente escuro essa noite. É noite de lua cheia.

Xena olha para o céu e percebe que Gabrielle tinha razão.

Depois de acender a fogueira esfregando as duas pedras especiais que ela trazia sempre consigo, Xena repara que Argo parece feliz com o carinho de Gabrielle, que lhe havia dado um banho, secado, escovado e agora a estava alimentando com pedaços de cenouras e nabos. Xena riu quando Gabrielle deu um beijo em Argo antes de se afastar.

–         O que vamos fazer agora, preparar o jantar?_ perguntou ao sentar-se num pedaço de tronco ao lado da guerreira.

–         Estava pensando em me refrescar primeiro. Depois esquentaremos a comida que trouxemos. Que tal, vamos?

–         Agora de noite? Aonde?

–         Por que o espanto? A água está bem ali a nossa frente.

–         É que… eu nunca me banhei num rio a noite.

–         Gabrielle, isso não é um rio, é um pequeno lago e não tem nenhum perigo, nem peixe tem. Se você quiser vir, tudo bem. Mas, não sabe o que vai perder._ disse já tirando a armadura, depois de ter tirado as botas.

–         Está bem. Espera que eu irei com você._ disse Gabrielle tirando as botas. Porém, quando ia se levantando, cai sentada de novo. Pois, repentinamente, vira a guerreira totalmente nua a sua frente.

–         O que foi?_ perguntou Xena olhando para os lados desconfiada.

–         Nada… escorreguei._ inventou Gabrielle com um sorriso patético, para que Xena não percebesse que ela havia se espantado com a nudez dela.

–         Como é que é, não vai tirar a roupa?

–         Ahn… claro, claro._ disse se levantando.

Primeiro Gabrielle tirou o pequeno casaco azul, desamarrou o cinto de pano, depois a longa saia marrom e, finalmente, a blusa clara.

–         Pronto. Podemos ir.

–         Como… você vai assim?_ perguntou Xena.

–         Não posso me banhar assim?_ perguntou Gabrielle olhando pra sua própria roupa de baixo, de cor rosada.

Xena se aproximou e num instante suspendeu e tirou a roupa do corpo da garota. Imediatamente, Gabrielle cobriu com um braço o peito, pois a guerreira a havia puxado pelo outro braço dizendo, após olhá-la rapidamente:

–         Se quiser ficar de calça, tudo bem. Vamos.

A água estava refrescante e elas aproveitaram para ficar por ali um bom tempo.

–         Eu não agüentava mais me banhar com a água do mar naquele cubículo._ disse Gabrielle molhando o rosto com as duas mãos.

–         É, você tem razão. Mas, no barco, a água é só pra beber e fazer comida. Mas… que cubículo safado é aquele, hein? Eu mal podia me mexer, se o sabão caísse teria que abrir a porta para poder abaixar.

Gabrielle começou a rir.

–         Está rindo de quê?

–         Estou imaginando uma certa guerreira abaixada, com a… a de fora para pegar o sabão._ e não conseguiu se conter de novo.

–         Ah, está achando engraçado? E que tal isso?_ ao acabar de falar, Xena espirra água com as pontas dos dedos no rosto de Gabrielle, que também revida, começando uma batalha na água.

–         Chega Xena, eu me rendo.

–         Assim é melhor. Agora vamos sair. Eu estou com muita fome e você?

–         Pode apostar._ disse sorrindo e saindo da água atrás da guerreira, com os braços cruzados no tórax, cobrindo os seios.

Xena achou engraçado o pudor da garota.

Quando estavam sentadas em frente à fogueira, comendo, Xena diz:

–         Não sei como o seu pai, não te proibiu de vir.

–         Porque antes ele havia dado a sua palavra de honra.

–         Explique isso direito, Gabrielle.

–         Ele tinha tanta certeza que eu não conseguiria ir pra Academia, que deu a sua palavra de honra que se eu arranjasse como ir, ele não impediria.

–         Mas você me disse que ia viajar sozinha.

–         Eu ia fugir. Ele não me deixaria viajar sozinha, mesmo dizendo que uma noite fora de casa eu voltaria correndo.

–         Você ia mesmo fugir?_ perguntou Xena um pouco incrédula.

–         Ia, eu tinha que tentar. Mesmo se a minha previsão não se concretizasse e se você não quisesse me levar.

–         O teu pai deve me odiar por isso.

–         Não é bem contigo a bronca dele, é com qualquer um que me ajudasse.

Xena se levanta dizendo:

–         Vou caminhar um pouco, quer vir junto? Faz bem pra digestão. Depois vamos dormir, pois temos que levantar cedo. Como eu disse antes, quero chegar depois de amanhã em Eubéia.

Começaram a caminhar fazendo um semicírculo beirando o lago. Gabrielle, meio tímida, pergunta:

–         Posso te fazer uma pergunta?

–         Faça.

–         Há quanto tempo você está nesta vida? Quero dizer, nesta estrada… Ou melhor, que você é guerreira?

Xena olha pra aquela jovem confusa e desconcertada ao seu lado e responde com uma expressão mista de amargura e ironia:

–         Quando o meu irmão Lyceus foi assassinado, na época eu tinha a sua idade. O povo todo da minha cidade queria me linchar, me culpavam pela perda dos outros jovens que lutaram ao meu lado. Mas, o pior de tudo foi ser expulsa pela minha mãe que me culpou pela morte de Lyceus. Então cai na estrada. Aumentei meu exército. Saqueávamos por terra e pelo mar. Três anos depois, aos vinte e um anos, eu já era conhecida como a Destruidora de Nações, arrasava tudo e todos que atravessassem no meu caminho. E, nesses dez anos, eu não fui só uma guerreira revoltada, fui além de uma destruidora, de uma criminosa, assassina, fui uma louca sem freios, totalmente desgovernada. Até que conheci Hércules.

–         Hércules?! Você conhece Hércules?!_ Gabrielle estava admirada.

–         Foi ele quem me mostrou um novo caminho a seguir. Que eu relutei em aceitar. Até que um dia percebi que estava agindo da mesma forma que meus inimigos e que já não conseguia mais conter a fúria dos meus homens, que passaram a assassinar mulheres e crianças. Quando fui tentar dar um basta naquilo, era tarde. Eles me expulsaram, fui espancada, mas consegui sobreviver.

Percebendo a amargura no rosto da guerreira, Gabrielle pergunta:

–         Xena, e a sua família, você não procurou por eles, depois de tudo isso que você passou?

–         Fiquei com vergonha que alguém visse o quanto machucada eu estava. Então, depois da surra, fui para uma caverna, um esconderijo e fiquei lá até me recuperar. Assim que me senti melhor, ajustei contas com aquele infeliz que me expulsou. Depois fui para Amphipolis, onde a minha mãe tem uma taberna-hospedaria. Quando cheguei lá, o povo todo se revoltou contra mim, fui hostilizada, quase fui linchada e minha mãe me expulsou de lá novamente. Sai de lá completamente desnorteada. Estava cavalgando sem rumo, quando Argo se machucou e nós fomos para Poteidaia.

–         Você não conseguiu conversar nenhum pouco com a sua mãe?

–         Ela não quis me ouvir.

–         Você não tem irmã, irmão ou algum parente com quem você possa conversar?

–         Tenho apenas o meu irmão mais velho, Toris. Que após a morte de Lyceus foi embora. Até hoje não tive notícias dele.

–         Se a gente tivesse tempo, eu iria conhecer a sua mãe.

–         Por quê?

–         Xena, você me leva um dia lá pra sua cidade, para que eu possa conhecer a sua mãe?

–         Você não me respondeu por quê?

–         Sabe, é que eu gostaria de conversar com ela.

–         Sobre o quê?

–         Sobre você.

–         E você acha que ela iria te escutar?

–         Você não está me escutando? Então…

Xena parou de andar, colocou as mãos nos quadris e olhando com certo ar de cinismo, balança a cabeça como a dizer que aquela garota não tinha jeito mesmo. Depois diz:

–         Venha, vamos dormir. Vamos levantar cedo amanhã.

Xena arruma o seu cobertor perto da fogueira e diz pra Gabrielle escolher um lugar pra colocar o cobertor dela.

–         Posso colocar perto do seu?

–         Onde você quiser, mas não muito perto da fogueira.

Gabrielle estendeu o seu cobertor bem próximo ao de Xena.

De repente um uivo. Gabrielle debruça sobre o ombro de Xena perguntando assustada:

–         Xena, você ouviu isso?

–         Sim, ouvi.

–         E o que foi isso?

–         Não se preocupe, é apenas um lobo.

–         Um lo… lobo?!

–         Sim.

–         E ele está perto?

–         Não se preocupe, pode dormir sossegada.

–         Posso dormir aqui com você?_ disse encostando o seu cobertor no de Xena.

–         Está com medo, não é? Tudo bem pode ficar._ disse Xena achando graça no comportamento, quase infantil, da jovem.

Gabrielle, então, se ajeita mais próxima de Xena, ficando quase grudada nas costas da guerreira. Quando ouviu outro uivo agarrou-se nas costas dela, cobrindo a cabeça com a manta. Ao sentir isso, Xena rindo diz:

–         Não tenha medo, Gabrielle.

–         Aqui, junto de você, eu não tenho não.

E na noite seguinte ocorreu a mesma cena. Por isso, Gabrielle agora arrumava o seu cobertor colado no de Xena. A guerreira ainda não estava entendendo porque gostava de ser agarrada, abraçada daquele jeito pela barda toda vez que ela sentia medo e pedia a sua proteção. E, depois, era divertido ver o rosto dela envergonhado por sentir medo. Xena achou que, a tal satisfação que sentia era porque se sentia forte e poderosa perante aquela garota que, além de não saber se defender, era pequena e quase uma menina, às vezes muito assustada. Como ela mesma havia dito que nunca saíra da sua aldeia, não tinha idéia da dimensão de uma estrada, quanto mais de uma viagem como aquela. Nunca chegaria a Atenas sozinha. E, Xena sentia prazer em ajudá-la e protegê-la. Era algo que a guerreira ainda não conseguia explicar para si mesma.

Chegaram em Eubéia antes do anoitecer e foram pernoitar numa hospedaria onde jantaram.

–         Você não se importa de ficarmos no mesmo quarto._ Xena não perguntou, apenas disse.

–         A gente não tem dividido os nossos cobertores? Então…

Xena riu e perguntou:

–         Já terminou? Quero só ver em que tipo de quarto teremos que pernoitar.

–         Já terminei, sim. Estou com tanto sono que nem ligaria se fosse no chão.

Quando entraram no quarto, perceberam que a única cama era muito estreita.

–         Bem, vou arrumar o meu cobertor aqui no chão, você fica com a cama._ avisou a guerreira.

–         Nada disso. Tem lugar na cama para nós duas. Se até agora nós dividimos os nossos cobertores, por que não a cama?

Xena não discutiu e colocou seu cobertor em cima da cama, forrando-a, e as duas mantas pra se cobrirem. Depois descalçou as botas e, antes de tirar o traje de couro, avisou:

–         Gabrielle, como nós não estamos ao ar livre, vou dormir mais à vontade. Você deveria fazer o mesmo.

Após tirar o traje e a roupa de baixo, a guerreira deitou-se vestida apenas numa calça mínima, que Gabrielle não pôde esconder o olhar de espanto.

–         O que foi?_ perguntou a guerreira sem entender.

–         Ah… É que eu nunca tinha visto uma… calça assim… igual a essa que você está usando.

–         É calça de guerreira. Você não vem dormir?

–         Já vou assim que trocar de roupa.

Gabrielle sentia-se envergonhada, por isso virou-se de costas para Xena e começou a se despir. Ao tirar a roupa de baixo, colocou depressa a roupa de dormir feita de algodão. A guerreira, ao ver, achou um horror, mas ficou calada, deitada de lado, deixando as costas livres para que a barda pudesse se servir como nas outras noites. Xena já estava se acostumando com isso.

Ao deitar Gabrielle puxa a manta de Xena, cobrindo-a direito e depois, puxa a própria manta e se aconchega nas costas da guerreira, nem se deu conta que não havia perigo ou lobos por perto. Xena riu por ter pensado nisso.

 Quando acordou, Xena percebeu que Gabrielle não só a fez de travesseiro, como também a havia escalado, pois a perna esquerda da barda estava em cima das suas. Não pôde deixar de rir e ficou pensando num jeito de sair dali sem acordar a garota. Não havendo outra alternativa, Xena chamou:

–         Gabrielle…

–         Hum…_ respondeu a barda num suave bocejo. Depois, ao abrir os olhos e, percebendo a situação na qual se encontrava, se afasta e diz completamente envergonhada: Oh, Xena… desculpe… você deve estar toda moída, eu…

–         Nem um pouco. Você é muito leve. Eu só te acordei porque temos que levantar, fazer o desjejum e pegar a estrada. Como eu já disse, precisamos chegar amanhã de manhã em Cálcis.

Cavalgaram a manhã toda e só pararam para almoçar. Depois seguiram a pé para dar um descanso pra Argo. E voltaram a cavalgar até o final da tarde, onde pararam num lugar tranqüilo e meio escondido.

Após preparar a fogueira, a guerreira lamentou-se por não ter achado um lugar melhor para acampar. Pois ali, nem sequer havia um pequeno riacho por perto. Disse:

–         Ainda bem que enchemos os nossos odres.

–         Estão todos cheios. Tem água até para Argo._ disse a barda mostrando o odre maior.

Depois de arrumar os cobertores e as mantas ali perto, Gabrielle senta-se ao lado de Xena, defronte a fogueira, dizendo:

–         Posso te fazer uma pergunta?

–         Faça.

–         Fiquei esperando você me contar, mas como até agora não disse nada…

–         O que é que você quer saber?_ Xena perguntou um pouco curiosa.

–         Naquele dia em que a gente se conheceu e você levou o meu cavalo emprestado, aonde você foi? Não deve ter ido atrás do Draco, pois ele estava acampado na beira do rio. E você não precisaria de um cavalo para ir até lá e, também, não demoraria tanto. Então achei que você foi até o porto atrás do tal Senhor da Guerra, Menzentius.

–         Enganou-se. Pois, primeiro, eu fui atrás do safado do Draco. Fui dar um ultimato a ele para que não atacasse a sua aldeia e nem a minha. Depois, fui com ele até o porto, onde me encontrei com Mezentius e ordenei que ele desocupasse Amphipolis.

–         E ele?

–         Riu na minha cara, mas teve o que mereceu.

–         O que aconteceu?

–         Mezentius mandou que os seus homens me atacassem. Enquanto eu lutava com eles, vi o covarde tentando fugir. Então, lancei o chakram sobre ele.

–         O chakram?

Tirando da cintura, Xena mostra o chakram para ela.

–         Ah, essa argola aí é uma arma?

–         A mais poderosa que conheço.

–         Você o matou?

–         Sim. Depois enviei um mensageiro a Amphipolis avisando da morte dele e para que os soldados dele desocupassem o castelo e a cidade, pois eu estava indo para lá.

–         Mas você não foi.

–         Eu ainda irei, depois que deixar você na Academia. Preciso me certificar se as minhas ordens foram cumpridas.

–         Xena, você é mesmo incrível! Se você sozinha já impõe todo esse respeito, imagine com todo um exército a sua disposição…

–         Não gosto de lembrar dessa fase da minha vida._ disse num tom de voz tristonho.

Percebendo, Gabrielle desculpa-se dizendo:

–         Perdão Xena, que falta de sensibilidade a minha.

–         Não Gabrielle, não se sinta constrangida, você jamais me magoaria.

Quando estavam deitadas, como sempre com Gabrielle aconchegada nas suas costas, Xena sentiu um “cheiro” bastante conhecido. Afasta a barda, cuidadosamente, levanta-se empunhando a espada e dizendo quase num sussurro:

–         Ares pode aparecer!

Imediatamente, materializando-se a sua frente, o Deus da Guerra, diz:

–         Xena, você é a única mortal…

–         Me poupa desse velho comentário, Ares.

–         Mas, o que é isso, Xena? Agora deu pra se interessar por menininhas?…

–         O que você quer, Ares?_ perguntou Xena colocando a espada num canto e as mãos nos quadris.

–         O mesmo de sempre: você!

–         Perdeu o seu tempo. Agora pode sumir.

–         Xena, com quem você está falando?_ pergunta Gabrielle sentando-se na cama.

–         Com Ares.

–         O Deus da Guerra?!_ perguntou espantada, olhando para os lados.

–         Ele mesmo.

–         E o que ele quer?_ disse já ao lado da guerreira.

–         Que eu me junte a ele.

–         Não Xena, não faça isso. Não dê ouvido a ele. Não volte para a escuridão.

–         Ora, sua pirralha…_ exclamou Ares com raiva, enquanto preparava nas mãos uma bola de fogo.

Xena percebendo a intenção dele, põe-se na frente de Gabrielle, protegendo-a.

–         Não se atreva a machucá-la, Ares.

–         Não dê ouvidos a ele, Xena. Ele não quer o seu bem._ insistiu a barda.

–         Saia da frente, Xena!_ gritou o deus enfurecido

Xena puxa com a ponta do pé e lança para o alto o chakram que estava no chão, pegando-o. Enquanto que, com o braço esquerdo, escondia Gabrielle atrás de si.

–         Estou avisando, Ares…

–         Xena o que está acontecendo?_ perguntou a barda sem ainda entender o que estava acontecendo ali.

–         Ele está querendo te machucar, mas eu não vou deixar.

Gabrielle agora, totalmente assustada, envolve os braços na cintura de Xena, abraçando-a por trás e escondendo o rosto nas costas da guerreira.

–         Xena, o que foi que você viu nessa… nessa pirralha irritante?

–         Gabrielle é minha amiga e tem a minha proteção.

–         Você tem que se afastar dela!_ disse o deus transtornado.

–         Por quê?

–         Porque ela vai destruir a guerreira que há em você. Entenda de uma vez, Xena, que a luz não combina com a escuridão. Afasta-se dela!

–         Enlouqueceu? O que está havendo? Nunca o vi tão transtornado.

Ares bufa de raiva e atira a bola de fogo na fogueira, que aumenta mais o tamanho das chamas. E, antes de desaparecer, lança um último olhar para Xena, sem nada dizer.

–         Pronto, ele foi embora._ disse Xena dando um tapinha naquelas pequenas mãos que lhe apertavam a cintura.

–         Foi ele quem fez o fogo aumentar daquela maneira?_ disse a barda já a olhando de frente.

–         Foi sim.

–         Mas… por que ele queria me machucar?

–         Porque você me alertou contra ele.

–         E só por isso ele quis me matar?

–         É porque ele sabe que você é a minha luz._ disse Xena se afastando, meio arrependida pelo que dissera.

Gabrielle vai atrás. E, colocando-se na frente da guerreira, pergunta:

–         Ele disse isso?

–         Olha, não quero falar mais nisso.

–         Xena, você não acha que eu tenho o direito de saber porque o Deus da Guerra me odeia e quer me matar?

Xena ponderou um pouco e meio contragosto, disse:

–         Ele disse que a luz não combina com a escuridão, numa menção a você e a mim. Mas agora, vamos dormir.

Enquanto observava Xena rearrumando os cobertores e as mantas no chão, Gabrielle diz pra si mesma:

–         Se eu sou a luz dela, tenho que estar sempre com ela. Agora vou ter que convencê-la disto.

Gabrielle deitou ao lado dela e depois que se aconchegou nas costas da guerreira, disse:

–         Xena.

–         Hum…

–         Obrigada.

–         Pelo quê?

–         Por ter me protegido.

–         Eu quem deveria agradecer.

–         Por quê?

–         Estou com sono._ desconversou.

–         Xena…

–         Gabrielle, nós precisamos dormir.

–         Só uma perguntinha…

–         Tá bem, não tenho outra alternativa mesmo.

–         Eu sou realmente a sua luz?

Xena demora um pouco para responder, então diz:

–         É sim. Mas agora, por favor, vamos dormir.

Gabrielle sorri satisfeita.

Acordaram cedo. Após o desjejum cavalgaram sem parar. Como Xena havia planejado, chegaram em Cálcis ainda pela manhã.

No porto, enquanto Gabrielle dava água para Argo, Xena foi tratar do embarque delas para Atenas. Pouco depois, a guerreira se aproximou dizendo:

–         O barco só sai amanhã. Vamos passar o dia e pernoitar aqui em Cálcis.

–         A gente podia ficar naquela pousada perto daqui.

–         Sei, naquela que você sentiu cheiro de carne assada de javali.

–         Humm… Essa mesma._ disse a barda não escondendo a preferência.

–         Está bem. Vamos lá.

Vendo a garota saborear o tão cobiçado almoço, Xena fala admirada:

–         Gabrielle, para uma pessoa do seu tamanho, você tem fome de gigante.

–         Obrigada. Ainda bem que você não disse de titã._ disse sorrindo.

Depois do almoço, resolveram dar uma volta pela cidade. Ao passarem por uma ruela, Gabrielle viu numa porta o anúncio de uma cartomante.

–         Olhe, Xena, uma cartomante! Vamos?

–         Gabrielle, eu não acredito nisso.

–         Ah, Xena, eu gostaria de fazer uma consulta, só pra ver o que ela vai dizer.

–         Está bem. Mas depois não vá reclamar que perdeu dinheiro com bobagens. Não esqueça que eu te avisei.

Chegando lá, ao passarem pela cortina de contas coloridas, elas viram que a sala estava cheia de gente esperando a vez de serem atendidas.

–         É, acho que dessa vez não vai dar pra me consultar.

–         Fica pra próxima._ suspira Xena aliviada.

Fizeram umas compras para a viagem, depois voltaram para a pousada. Enquanto Gabrielle levava as compras para o quarto, Xena foi até o estábulo ver Argo.

–         Oi, garota. Olha aqui o que Gabrielle mandou pra você._ disse Xena dando uns pedaços de maçã para a égua. Conclui: Viu só como ela não se esquece de você?

Quando foi pegar um balde de água que estava próximo da égua, Xena sente o “cheiro”. Rapidamente puxa a espada dizendo:

–         O que é que você quer, Ares?

–         Não consigo mesmo passar despercebido por você._ disse o deus admirado.

–         O que é desta vez?

–         O que é?! Não se faça de desentendida, Xena.

–         Você que ainda não entendeu que seu tempo comigo acabou.

–         Será que, pelo menos, podemos conversar sem brigar?

–         Fale logo._ disse Xena colocando a espada na bainha.

–         Eu tenho uma proposta incrível para você.

–         Sei, igual as das outras vezes. Não estou mais interessada.

–         Você ainda não ouviu o que…

–         Poupe o seu tempo e o meu, Ares, vai embora._ interrompeu Xena virando-se de costas e dando água para Argo.

–         Quer me escutar!_ gritou Ares irritado.

–         Se quer perder tempo…_ disse a guerreira com desdém e passando a escova no dorso da égua.

–         Xena, eu estou formando um exército com os mais ferrenhos e melhores guerreiros treinados por mim. E, com a ajuda de Hefestus, que está fazendo armas e armaduras especiais, se tornará um exército invencível!_ disse eufórico.

–         E eu com isso?

–         Não se faça de boba, Xena. Você sabe muito bem porque estou lhe contando isso.

–         A minha resposta é… Não!

–         Eu quero você no comando do meu exército.

–         Está surdo? Pois então, vou repetir: a minha resposta é não! Vá procurar outra ou outro guerreiro.

–         NÃO! EU QUERO VOCÊ!_ disse gritando e segurando-a pelos braços.

–         Mas ela não quer._ disse Gabrielle parada na porta do estábulo.

Xena e Ares olham-se espantados.

Gabrielle se aproxima e olhando para Ares diz:

–         Deixe-a em paz. Ela não é mais a Destruidora de Nações, agora ela é uma guerreira a serviço do bem.

–         Como ela pode estar me ouvindo e me vendo? Sendo ela uma simplória camponesa, uma reles mortal…

–         Pode apostar que é com pesar ver um deus chegar a esse ponto de jogar sujo para conseguir o que quer._ disse Gabrielle.

–         Ora sua…

E, antes que Ares pudesse fazer qualquer gesto, Xena puxa Gabrielle para trás de si, protegendo-a e dizendo:

–         Não se atreva, Ares. Faço minha as palavras dela. Vá embora, Ares, nos deixe em paz!

–         Está bem, vou embora por enquanto. E você, não perde por esperar, garotinha.

Assim que o Deus da Guerra some, Gabrielle diz assustada:

–         Xena, ele me odeia!

–         Gabrielle, desta vez você não só o viu, como discutiu com ele.

Só então que, Gabrielle, se deu conta que havia comprado briga com um deus.

–         Eu, só consigo ver Ares, porque sinto o “cheiro” dele. Mas, quanto aos outros deuses, se eles não se fazem presentes, não os consigo ver. Como foi isso?

–         Não sei. Nunca tinha visto um deus antes. Talvez seja por causa do meu dom.

–         É, o vaticínio, talvez seja isso. Mas, no outro dia, você não o viu e nem escutou a voz dele.

–         Talvez porque eu estivesse com medo.

–         E dessa vez, não?

–         Agora estou._ disse Gabrielle arregalando os olhos, nitidamente assustada.

Percebendo, a guerreira, tenta tranqüilizá-la dizendo:

–         Gabrielle, eu não vou deixar que ele te faça nenhum mal.

–         Eu só queria que você me prometesse uma coisa.

–         O quê?

–         É muito importante pra mim, Xena.

–         Diga.

–         Xena quero que você prometa para mim que, mesmo que aconteça alguma coisa comigo, você nunca mais vai voltar a ser o que era, que não vai mais voltar para a “escuridão”. Prometa Xena.

–         Gabrielle, eu já disse que não vou deixar que nada de mal lhe aconteça._ disse já caminhando para a porta do estábulo.

–         Por favor, Xena, me prometa que nunca mais vai servir ao mal, promete?_ disse parando e segurando-a pelo braço.

–         Está bem. Gabrielle, eu não só prometo, como juro pra você que, depois de ter encontrado a luz, não volto para a escuridão._ disse Xena segurando a mão da jovem que apertava o seu braço.

–         E, mesmo se acontecer alguma coisa comigo, quero que você carregue a luz no seu coração, dentro de você. Promete?

Xena a olha seriamente e diz:

–         Prometo.

Gabrielle se lança nos braços dela, abraçando-a com ternura, deixando a guerreira completamente desnorteada com aquela demonstração de sentimento.

–         Obrigada, você não sabe como isso é importante para mim._ disse Gabrielle e começou a chorar.

–         Oh, não, Gabrielle… não chore._ disse a guerreira abraçando-a e mudando de assunto, diz: Vamos tomar um banho e comer alguma coisa. Depois vamos dormir, pois iremos partir bem cedo.

–         Eu me informei, lá na hospedaria não tem sala de banho. Mas, me indicaram uma casa de banho aqui por perto._ disse Gabrielle enxugando as lágrimas.

–         Por isso é que não gosto destas pousadas das cidades do interior. Vamos então?

Chegando na casa de banho, Xena escolhe uma sala reservada. Dispensa as duas criadas, após elas encherem a enorme tina de pedra. Fechou a porta e começou a se despir. Olhou para a barda que estava parada e admirando o local.

–         Gabrielle, não vai se despir?

–         Xena, você viu só esses sais?

Xena se aproximou e, após cheirar o conteúdo do vidro, derrama um pouco dentro da tina, dizendo:

–         Este óleo, junto com os sais aromáticos, dará um efeito relaxante aos nossos corpos. Vamos?

Gabrielle balançou a cabeça concordando. E, em poucos instantes, a guerreira estava completamente nua a sua frente e ela, só havia tirado o casaquinho azul e o cinto, uma espécie de faixa de pano colorido.

–         Deixa eu te ajudar._ disse Xena ao se aproximar, abrindo a saia dela por trás e em poucos instantes a barda estava só de calça. E antes de entrar na tina, Xena diz: Tire-a e venha.

Rapidamente, enquanto Xena ainda estava de costas entrando na tina, Gabrielle tira a calça e entra também.

–         Está gostando?_ perguntou Xena vendo a garota se banhar totalmente fascinada.

–         Muito. É maravilhoso. Nunca experimentei nada igual.

–         Vire-se, vou lavar as suas costas. Depois você lava as minhas.

Após ter ensaboado a barda devidamente, Xena dá a esponja para ela e virá-se de costas. Gabrielle, meio sem jeito, afasta os longos cabelos negros e começa a ensaboar as costas largas da guerreira, ao mesmo tempo em que as admirava. Se Xena não se virasse, Gabrielle continuaria indefinidamente a ensaboar-lhe as costas, pois estava gostando de tal função.

–         Agora vou lavar os seus cabelos, depois você lava os meus.

Dizendo isso, vira Gabrielle de costas e a puxa pra dentro das suas pernas, inclinando-a no seu tórax.

Enquanto Xena lavava os seus cabelos, Gabrielle deixava-se invadir por um prazer nunca antes sentido. Fechou os olhos e deixou-se levar por esse arrebatamento.

–         Pronto. Agora é a minha vez._ disse Xena interrompendo o deleite da barda.

Ao virá-se de frente, Gabrielle vê a guerreira aproximando-se dela e sem cerimônia abrir-lhe as pernas, sentando-se entre elas e inclinando-se de costas, colocando a cabeça no seu peito.

Quando ia ensaboar os cabelos da guerreira, Gabrielle viu os peitos eretos dela. Achou-os lindos, perfeitos. Olhou para si e sentiu vergonha por saber que a pouco, ao lavar-lhe os cabelos, Xena também deve tê-los visto e os seus eram tão pequenos…

–         Gabrielle, não quero mais que você enfrente Ares. Ele é muito perigoso. Eu sei lidar com ele. Não quero que ele te machuque ou…

–         Me mate?

–         É._ disse Xena se virando e acrescenta: Você se tornou muito importante para mim. Há pouco tempo que nos conhecemos e, no entanto, criou-se um laço muito forte entre nós. E eu sei que você sente o mesmo.

–         Sinto sim. É como se nós fôssemos amigas há muito tempo.

–         Não quero perder você.

–         Você não me perderá, porque eu jamais vou lhe deixar.

–         Gabrielle, você não pode imaginar o quanto você é importante para mim.

–         Xena, como eu posso ser importante pra você se, no momento da luta, não tenho nenhuma serventia?

–         Pois é justamente por isso, Gabrielle. É no momento em que não estou lutando que mais preciso de você.

Emocionadas, ambas se calam. Era a primeira vez que Xena se sentia assim diante de alguém. Praticamente havia-lhe aberto o seu coração. Aquela garota inspirava-lhe confiança e um sentimento de proteção nunca antes sentido.

Nisso, o estômago de Gabrielle se manifesta sonoramente, deixando-a desconcertada. Xena ri divertida.

Momentos depois estão na pousada sentadas à mesa.

–         Não vai me dizer que vai comer javali novamente.

–         Ah, Xena… estava uma delícia no almoço. Por que eu não posso comer agora?

–         Porque é muito pesado. Por que você não toma uma sopa? Eu vou querer uma sopa de legumes.

–         O meu estômago vai gritar a noite toda.

Xena olha para a barda que está com uma expressão quase triste, então diz:

–         Está bem. Mas não coma tanto quanto comeu no almoço.

Um sorriso luminoso se estampou no rosto da barda. E era isso que fazia a guerreira feliz.

Enquanto Xena comia sua sopa com pão, Gabrielle saboreava o seu javali assado. E, num dado momento, cortou um bom pedaço da carne e colocou-o no prato da guerreira dizendo:

–         Como guerreira você tem que se alimentar bem e eu tenho que cuidar de você. Então coma e não discuta comigo.

Xena não discutiu, ela realmente gostava desse cuidado da garota para com ela.

Após o jantar.

–         Que tal um passeio pra fazermos a digestão?_ sugeriu Xena.

–         Ótima idéia. Espere só um instante.

–         Aonde você vai?

–         Lá no quarto pegar uma manta.

–         Está com tanto frio assim?

–         Eu não. Estou com o meu casaquinho.

–         Então, pra quê a manta?

–         Seria pra quem… Pra você, com essa roupa curta…

–           Isso é couro!_ interrompeu Xena apontando com o dedo na altura do estômago, o seu próprio traje e acrescenta: E, além do mais, eu não sou frienta. Embora o verão tenha terminado, mas continua quente.

–           Está bem. Então vamos.

Caminharam um pouco ao redor da cidade. Quando chegaram no cais, perceberam que estava estranhamente vazio.

–         Xena, eu estou pressentindo que não é um bom momento de passar nesse lugar agora._ disse Gabrielle apreensiva.

–         Vamos sair daqui._ disse Xena puxando-a pelo braço.

Quando deram a volta para irem embora, surgiram quatro homens vindo na direção delas. Xena, de imediato, percebe o perigo. Puxa Gabrielle para um lado, saindo da frente dos tais homens. Mas estes tornam a ficar na frente delas. Um deles diz para um outro, antes de atacar:

–         Você pegue a garota.

Enquanto os três partiram para lutar com a guerreira, o quarto homem foi pegar Gabrielle, que estava procurando algo pra se defender e ajudar a amiga.

Ao perceber que o homem havia puxado a espada e ia matar a barda, Xena tira o chakram da cintura e o arremessa no peito dele, enquanto debatia-se com a espada com os outros dois e acertando um chute no terceiro que tentou acertá-la pelas costas. Ao notarem o que a guerreira tinha feito, os três saem correndo. Xena se aproxima do homem estendido no chão e, antes de arranca-lhe o chakram do peito, percebe que ele ainda está vivo. Indaga-o:

–         Por que você queria matar a minha amiga?

–         Foi ele quem mandou…_ sussurrou o homem.

–         Ele quem?

–         A… A…_ o homem não conseguiu completar, morrendo a seguir.

Contudo, Xena sabia muito bem de quem se tratava.

–         Ares!_ disse tirando e limpando o chakram na camisa do homem.

–         Você acha mesmo que foi ele, Xena?

–         Não tenho dúvida. Vamos Gabrielle, já passeamos o suficiente por hoje.

Enquanto a barda dormia, Xena se levantou e num canto do quarto chama em voz baixa, porém imperiosa:

–         Ares apareça seu covarde!

Em poucos instantes, o Deus da Guerra surge em sua frente.

–         Chamou por mim, Xena?

–         Não se faça de bobo, Ares.

–         Não estou entendendo e… está sussurrando por quê?

–         Não quero acordar Gabrielle.

–         Ah, então a poderosa guerreira virou ama-seca de uma fedelha irritante?

–         Que covardia… mandar quatro homens nos atacar com a intenção de matar a minha amiga.

–         Eu?!

–         Isso mostra o tipo de deus que você é._ disse com desprezo, acrescentando: O que foi que ela te fez pra você querer matá-la?

Ares passa a mão no cavanhaque e ponderando diz:

–         Me diga uma coisa, Xena. O que foi que você viu nessa coisinha insignificante, nessa… nessa lourinha irritante?

–         Ela é a minha amiga. A amiga que eu nunca tive.

–         Cheguei a pensar que… você e ela… Você sabe bem o que quero dizer, não é Xena?

–         Que mente suja que você tem, Ares. Não vê que Gabrielle é quase uma criança?

–         Criança?! Mas que desculpa mais esfarrapada é essa, Xena?

–         Deixe-a em paz, estou lhe avisando. Sou capaz de descobrir um jeito de acabar com a sua raça.

–         Xena, você tem que se livrar dela. Não tem cabimento, uma guerreira como você de ama-seca dessa pirralha. Se você quiser, posso até fazer um favor e transportá-las para Atenas.

–         Por que a gentileza?_ disse com certo desdém.

–         Pra livrá-la do ridículo e, também, o mais rápido possível dessa pirralha.

–         Não quero nenhum favor seu. E, além do mais, estou apreciando muito a companhia de Gabrielle nessa viagem.

–         Xena…

–         Vá embora, Ares.

–         Xena, eu estou avisando…

–         Mas o quê, está surdo? Vá embora. Suma da minha vida. Me deixe em paz!

–         Xena, depois não vá dizer que eu não te avisei.

–         Vá!_ disse quase gritando. Então olhou pra Gabrielle e quando voltou a olhar pra Ares, ele havia sumido.

Xena voltou pra cama com cuidado, deitou e quando se ajeitou para que a barda pudesse usar as suas costas, essa se ajeita nela dizendo:

–         Obrigada.

–         Você estava acordada?_ perguntou sem poder se virar.

–         Desde quando você se levantou.

–         Eu devia ter ido lá fora. Não era pra você ter escutado._ disse conseguindo ficar de frente pra barda.

–         Ele realmente me odeia.

–         Não queria que ficasse com medo.

–         O meu maior medo é te perder.

–         Me perder, como?

–         Se ele conseguir te convencer, eu perco você._ disse com a voz trêmula e começando a chorar.

Xena fica completamente desnorteada sem saber o que fazer, apenas diz:

–         Não, não chore Gabrielle. Por favor, não chore Gaby. Eu prometo que você nunca vai me perder.

A barda se aconchega nos braços dela e enquanto enxuga as lágrimas diz:

–         Promete mesmo?

–         Prometo._ disse Xena abraçando-a.

–         Você notou?

–         O quê?

–         Que você me chamou de Gaby.

–         E eu ainda não a havia chamado assim?

–         Ainda não. Diga de novo.

Xena riu e disse um pouco intimidada:

–         Gaby.

Sem que a guerreira esperasse, Gabrielle encosta o rosto no peito dela dizendo:

–         Você diz o meu nome diferente. Me transmite segurança e proteção. Boa noite, guerreira.

Xena respondeu ao comprimento e quase perdeu o sono. Percebeu que ainda não estava acostumada com aquele tipo de demonstração de carinho e que aquela menina estava se tornando, completamente, necessária a ela. De repente lembrou que não havia tirado o traje para dormir. Pois sim, que ela ia se mover dali. Ela nunca se sentira tão bem, quanto se sentia naquele momento, sendo abraçada e sentindo aquele perfume doce e suave da barda.

No dia seguinte.

Xena acordou Gabrielle que, mais uma vez, dormira em seus braços. Fizeram um rápido desjejum, pegaram Argo no celeiro e foram para o barco.

–         Já sabe, assim que começar o enjôo é só comprimir o pulso de leve._ avisou Xena e, vendo a expressão apreensiva da garota, avisa: Vou levar Argo pro porão. Leve as nossas coisas pra cabine.

Gabrielle levou as duas bolsas, os cobertores, as mantas e o seu cajado. Estava no corredor procurando o número da sua cabine, quando vê uma mulher toda vestida de vermelho. Inclusive, também em vermelho, as botas de cano curto e salto alto. Trazia na cabeça um imenso chapéu branco enfeitado de rendas e plumas vermelhas. Atrás dela havia quatro homens carregando aos pares as duas arcas enormes que colocaram na cabine dela.

Antes de entrar na sua cabine, Gabrielle percebeu que a mulher ficara olhando-a insistentemente.

Depois que colocou as coisas na cabine, Gabrielle foi ao encontro de Xena.

–         Vim ajudar. Deixe que eu cuido de Argo. Você limpa a sela dela.

Xena entrega a escova pra barda e virando-se pra égua diz:

–         Aí garota, vai receber um tratamento todo especial, hein?

Gabrielle conta sobre a mulher esquisita que vira e percebe que Xena ficara estranha, pensativa.

–         Está me parecendo que você a conhece.

–         Por que você diz isso?_ perguntou a guerreira sem parar de escovar a sela.

–         Porque você ficou estranha, pensativa. Pela descrição que fiz, te lembra alguém?

–         Uma velha conhecida. Mas pode ser outra pessoa. Bem, já que terminamos, que tal a gente tomar um banho agora, aproveitando que ainda é água do rio?

–         Ótima idéia. E depois a gente vai almoçar.

Depois de encherem a tina da cabine, as duas se refrescaram, uma de frente pra outra.

–         Xena esta tina é muito pequena. Quase que não deu a gente dentro. Até eu estou com as pernas encolhidas!

–         Gaby, é que esta tina… é só para uma pessoa._ disse Xena controlando o riso.

–         Oh, por que você não disse? Eu tomava banho depois. Posso sair…

Não terminou a frase, pois Xena a segura pelo braço impedindo-a de se levantar, dizendo:

–         Está bom assim.

–         Só quero ver como vamos lavar as costas uma da outra.

Xena ainda se controlando pra não rir, pega o sabão e envergando-se para frente, puxa a barda pra si, dizendo:

–         Assim.

Numa forma de abraço, Xena começa a lavar as costas da barda. Sentindo-se assim envolvida, Gabrielle encosta o rosto no ombro da guerreira e fecha os olhos. Notando que a barda estava gostando, Xena resolve fazer-lhe uma massagem. Instantes depois, meio a contragosto diz:

–         Hei, não vale dormir!

A barda, meio atônita, se afasta um pouco.

–         Agora é a minha vez._ disse Xena entregando o sabão para ela e acrescenta: Depois, quero uma massagem também.

Para que Gabrielle pudesse ensaboar as suas costas, Xena se encolheu e encostou o queixo no ombro dela. O coração da barda estava aos saltos com aquela situação inusitada. O cheiro da pele e dos cabelos da guerreira estavam-na inebriando. Ela não queria que aquele momento terminasse tão depressa, por isso massageava bem lentamente. Só então percebeu que, quando Xena a massageou, não se encostou nela. Mas ela, por ter os braços pequenos, estava completamente abraçada no corpo da guerreira, sentindo aqueles lindos e fortes peitos nos seus. Era uma sensação que a barda, não saberia explicar pra si mesma, porque se sentia tão feliz.

Por outro lado, Xena ao sentir o contato do corpo da barda em si, ficou apreensiva. Pois não queria que a menina se assustasse com isso. Ficou imóvel, quieta, simplesmente. Depois, ao se afastar, disse:

–         Você tem mãos de fada e aprendeu rápido a fazer massagem.

–         Eu disse pra você que sou boa aluna e que posso ser melhor ainda como ajudante.

–         O que você quer dizer com isso?

–         Que quero ser sua ajudante.

–         Gabrielle, você é uma barda.

–         Não importa o que eu sou ou o que eu serei, contanto que eu possa estar sempre junto de você.

–         Nós vamos estar sempre juntas, Gabrielle, mas nas suas férias da Academia.

–         Sabe Xena, eu estive pensando, não preciso ir para a Academia. Eu…

–         Gabrielle, você não pode se deixar influenciar pela nossa amizade._ interrompeu Xena e conclui: Eu quero ver você formada Gabrielle, quero ter orgulho de saber que ajudei a realizar esse teu sonho.

Gabrielle olha para ela e dá um pequeno e conformado sorriso.

–         Agora vamos, estou com fome. E, pra você, nem preciso perguntar, já escutei duas vezes o seu estômago se manifestar._ disse Xena respingando um pouco d`água no rosto da barda que havia corado.

Ao saírem para almoçar, ainda no corredor do barco, Xena indaga:

–         Qual é a cabine, Gaby, que a tal mulher está?

–         A número um.

–         Bom, melhor assim, duas cabines antes da nossa e não muito perto. Porque se for quem eu estou pensando…_ disse Xena caminhando na frente.

–         Mas esse barco é tão pequeno, só tem quatro cabines, duvido que a gente não vá se encontrar com ela.

–         Se for quem eu estou pensando, não vamos não._ disse apressando o passo e já subindo a escada.

–         Por quê?_ perguntou Gabrielle ao alcançar Xena no convés.

–         Porque, essa pessoa, só sai da cabine quando o barco aportar.

Bem que Gabrielle tentou tirar mais alguma explicação da guerreira. Mas, esta se manteve irredutível. Acrescentou apenas que era passado e que não queria falar sobre isso.

Durante a viagem, como da outra vez, toda noite, Gabrielle contava histórias para os passageiros e tripulantes do barco.

Em três dias, antes do prazo previsto, chegaram ao porto de Atenas.

–         O meu cálculo de viagem era de chegar um dia antes, mas chegamos com um dia a mais._ disse Xena atrelando Argo.

–         E eu agora tenho mais dois dias para usufruir da sua companhia._ disse Gabrielle alisando a crina de Argo e conclui: De você também, Argo.

A égua relincha balançando a cabeça. E, mais uma vez, Xena teve que controlar o riso.

Quando estavam saindo do barco, Xena, de repente, dá uma volta por trás da égua, ficando ao lado de Gabrielle e encolhendo a sua postura, ocultando-se.

–         Xiii!…_ advertiu a guerreira levando o dedo indicador aos lábios, indicando assim para que ficasse quieta.

Mas, ao passarem pela pequena ponte que ligava o cais à cidade, alguém grita:

–         XENA! XENA!

Gabrielle pára e olha para trás. Não havendo outro jeito, a guerreira faz o mesmo.

–         Xena!_ chama a mulher de vermelho já se aproximando.

–         Oi, Aglaia._ responde Xena indo ao encontro dela, dando antes o arreio de Argo pra Gabrielle e fazendo sinal para que ela ficasse ali.

–         Não vai me dizer que estava no mesmo barco que eu?

–         É, parece que sim.

A mulher abraça Xena, beija-a na boca e segurando-a pelos braços, diz:

–         Xena, você desapareceu… Eu e as minhas meninas sentimos falta de você. Por onde tem andado?

–         Por aí._ diz Xena dando uma espiada na barda que, mesmo distante, estava atenta.

–         Quanto tempo você pretende ficar aqui em Atenas?_ perguntou Aglaia ainda sem largar os braços de Xena.

–         Alguns dias.

–         Então vá me visitar. As meninas vão adorar te ver.

Depois de apertar a mão dela ao se despedir, Xena foi puxada e beijada na boca novamente. Desconcertada, a guerreira olha para trás.

Olhando para onde Xena olhara, a mulher pergunta, seguindo-a:

–         Aquela garota está com você?

–         Está sim._ respondeu Xena parando.

–         Eu a vi no barco. Ela é mesmo uma gracinha. Quanto quer por ela?

Gabrielle arregala os olhos. Xena nota e se apressa em responder:

–         Ela não está à venda. Ela não é minha escrava.

–         Bem, eu pensei que…

–         Gabrielle é uma amiga.

–         Bom! É que ela faz bem o meu tipo.

–         O seu tipo?! Não sabia que você gostava de mulher._ disse Xena abaixando a voz, depois que a puxou para um lado.

–         É, de mulher não gosto não. Gosto é deste tipo: cara de menina, corpo de menina, sem nenhuma forma, sem peito… É, ela faz bem o meu tipo.

Xena olhou de soslaio e viu que a barda estava com as sobrancelhas contraídas, parecia bastante irritada, indignada. Sem dúvida que escutara.

–         Já que é só sua amiga, será que ela não toparia ir lá pra casa?

Xena olhou novamente pra Gabrielle e, antes que ela pudesse abrir a boca para dizer alguma coisa, disse:

–         Gabrielle é comprometida.

Depois que Aglaia se afasta, notando que a garota estava por demais calada, coisa totalmente fora da sua característica, Xena pára de andar e virando-se para a barda, pergunta:

–         Está chateada?

–         Xena, eu sou tão desprovida assim?

Fingindo que não havia entendido a pergunta, a guerreira diz:

–         Do que é que você está falando, Gaby?

–         Do que ela disse de mim.

Xena ao perceber a expressão de tristeza no rosto da jovem barda, diz levantando o queixo dela com as pontas dos dedos:

–         Não tenha pressa, Gabrielle, você ainda está em desenvolvimento. Eu, na sua idade, já tinha o tamanho que tenho, mas não tinha o corpo que tenho hoje.

Os olhos da barda voltaram a brilhar e um enorme sorriso se estampou naquele angélico rosto. Xena sentiu-se arrebatada por aquele inusitado momento. E, ao pegar as rédeas de Argo, diz:

–         Bem, vamos andando. Conheço uma taberna onde faz um frango cozido que é quase igual ao da minha mãe.

Xena falara isso para animar a jovem barda que logo mostrou interesse enchendo-lhe de perguntas. Xena gostava de vê-la assim: agitada, eufórica e gesticulando muito enquanto falava. Interrompeu-a:

–         Primeiro vamos caminhar um pouco por aqui mesmo em Cândia, onde fica a tal taberna. Depois, como temos dois dias pela frente, vou levá-la a uns lugares muito bonitos, antes de irmos para a cidade de Atenas.

–         Vai dar tempo de conhecer a cidade toda de Atenas?

Xena rir e percebe que, a menina, não tinha noção do tamanho daquela cidade. Responde:

–         Não, mas vai dar pra conhecer o principal: os lugares mais bonitos da periferia da cidade de Atenas.

Assim que chegaram na tal taberna, as duas despertaram a atenção de todos que ali estavam. Xena não gostou dos olhares que, mesmo depois de se instalarem numa mesa ao fundo, ainda lhes eram dirigidos. Quando a servente se afastou, Xena avisa pra Gabrielle:

–         Assim que acabarmos de comer vamos embora. Não estou gostando nem um pouco desses olhares curiosos e dos fuxicos.

–         Ih, Xena, deixei o meu cajado na sela. Acha que eu deva ir lá buscar?_ perguntou bastante preocupada.

Xena se segurou pra não rir. Tranqüilizou-a dizendo:

–         Não creio que vai haver briga por aqui. O que está acontecendo é falação da vida alheia. E eu odeio isso.

Quando a servente chegou e destampou a panela com o frango cozido, Xena olhou de imediato para Gabrielle. A barda tinha fechado os olhos para sentir melhor o delicioso aroma e, depois, arregalou-os quando viu dentro da panela. Esfregou um lábio no outro, saltando um gemido. A guerreira desta vez não se conteve, mas sorrindo discretamente.

–         Posso te servir?_ perguntou a barda sem tirar os lhos da comida.

Xena estendeu-lhe o prato. E enquanto Gabrielle lhe servia, a guerreira encheu de vinho os dois copos.

No final do almoço a guerreira comenta:

–         Acho que só vão parar de olhar pra cá, quando formos embora.

–         Já está querendo ir? Xena será que podemos levar o resto deste delicioso frango pra comermos mais tarde na estrada?

Xena balançou a cabeça consentindo e demonstrando a seguir, ao balançar a cabeça pros lados, que a barda não tinha jeito mesmo. Depois, quando estavam saindo, um homem grita:

–         Depois que foi destronada, só lhe restou essa escrava pra consolo, Destruidora?

Xena pára na porta, quando ia fazer menção de se virar e responder a provocação, Gabrielle a impede segurando-lhe o braço e pedindo:

–         Não reaja, não dê esse prazer a eles. Eu não ligo que pensem que sou sua escrava. Vamos? Por favor, Xena…

–         Está bem._ disse entre os dentes a guerreira.

Porém, as gargalhadas das pessoas, dentro daquela taberna, iriam ecoar por muito tempo na cabeça da guerreira.

–         Estou orgulhosa de você, Xena._ disse Gabrielle envolvendo o seu braço no da guerreira.

–         Mas, eu não posso dizer isso de mim mesma.

–         Pois deveria. Você conseguiu se controlar, não revidou quando a chamaram de…_ Gabrielle calou-se, pois não queria magoá-la.

–         De a Destruidora, pode dizer._ completou Xena com desdém e conclui: Era o que eu era mesmo.

–         Por que não fazê-los chamá-la, daqui pra frente, de A Defensora, A Guerreira, A Princesa Guerreira como a Lao Ma a chamou, aquela que defende o fraco e o oprimido? Lute, Xena, contra aqueles que a querem derrubar; derrube-os também a favor do bem. E eu posso te ajudar.

–         Como me ajudar?

–         Estando ao seu lado.

–         Mas você já está ao meu lado.

–         O que eu estou querendo dizer, Xena, não é só agora, neste momento e sim, para sempre.

–         Gabrielle… já discutimos isso._disse Xena parando na frente dela.

–         Xena, eu sei que posso ser muito útil pra você.

–         Será muito mais na Academia. Não é só por você, ou pela sua mãe e sua irmã Lila, mas é que eu também quero vê-la formada.

–         Mas Xena…

–         Não me decepcione Gabrielle.

Gabrielle olha pro chão, depois a olha novamente e, um pouco triste, diz:

–         Não vou te decepcionar.

–         Boa menina._disse Xena assanhado-lhe a franja.

Na estrada, quando as duas estavam montadas em Argo, Gabrielle vê algumas pessoas saindo de um bonito templo, pergunta para Xena:

–         Que templo é aquele?

–         De Afrodite.

–         Gostaria de ir lá. Podemos ir?

Xena não diz nada, apenas muda de percurso e a leva até lá.

Gabrielle entra devagar, demonstrando muito respeito, olhando tudo atenciosamente e admirada diz:

–         Como isso aqui é bonito! Também, para a Deusa do Amor e da Beleza, tinha que ser um lugar especial. Xena, você sabia que Afrodite é a minha deusa favorita?

A guerreira não respondeu, ficou olhando divertida para ela que olhava admirando tudo em sua volta, sem ousar tocar nos objetos ali expostos. Ao parar na frente do altar de Afrodite, a barda viu a estátua da deusa e antes de colocar lá um pequeno pergaminho diz:

–         Que estátua linda! Aposto que Afrodite é muito mais bonita que…

Não conseguiu acabar de completar o que ia dizer, pois a deusa materializou-se a sua frente, ao lado da própria estátua. E Gabrielle cai sentada no chão.

–         Afrodite!!!_ reclama Xena num tom de repreensão, pela deusa ter assustado a barda daquela maneira.

–         Xena, você a conhece?!_ pergunta Gabrielle admirada, ainda sentada no chão.

–         Digamos que sim._ responde a guerreira.

–         Pelos deuses!…_ exclamou Gabrielle olhando pra deusa.

–         O que foi, criança?_ perguntou a deusa para a garota que a olhava ainda espantada e sendo levantada por Xena.

–         Como você é bonita!… Linda mesmo!

–         Xena, eu gostei dela. Ela é tão sincera.

A guerreira revirou os olhos a esse comentário.

Sem tirar os olhos de cima da jovem garota, que estava completamente fascinada com a sua presença, Afrodite pergunta a Xena:

–         Mas, o que a traz aqui Xena?

–         Gabrielle queria conhecer o seu templo.

–         Ah, Gabrielle… lindo nome._ disse a deusa olhando divertida para a garota.

Gabrielle coloca o pequeno pergaminho no altar. Afrodite vê e pergunta:

–         O que é isso que você colocou no meu altar?

–         Como eu não possuo nada de valor que eu possa lhe ofertar, fiz um poema de coração.

–         Que bonitinho… Traga-o aqui.

Gabrielle pegou o pergaminho do altar e quando ia estendê-lo para a deusa, ela lhe diz:

–         Leia-o para mim.

Gabrielle desenrolou o pergaminho e compenetrada lê:

“Eu canto,

a Deusa do Amor e da Beleza Eterna,

para que ouça a sua humilde serva,

neste poema em forma de oração,

que faço para exaltar a sua mente

e o seu doce coração.

Eu enalteço,

a mulher que tu és,

que és mais do que um sonho.

que és também a esperança

e a maior força que suponho.

Eu louvo,

a deusa mais bela,

apenas para fazer da vida algo que valha mais

e com o seu amor trazer pro mundo a paz”.

Gabrielle estava completamente ruborizada. Afrodite se aproxima e, pondo a mão no queixo da garota, diz:

–         Menina, eu nunca recebi um poema como esse.

–         Sinto muito, me perdoe, eu ainda não sou uma barda._ desculpou-se Gabrielle abaixando os olhos.

–         Olhe para mim, criança. Eu disse que nunca tinha recebido um poema como esse, mas não disse que não tinha gostado.

Gabrielle a olha espantada. Então, Afrodite pega o pergaminho da mão dela e diz:

–         Menina, você é a primeira pessoa que não me pede nada para si, assim como: um amor, se tornar mais bela ou uma mulher mais desejável… Enfim, essas pequenas coisas que vocês mortais costumam me pedir. E, ao invés de só exaltar a minha beleza, você exaltou a minha mente e o meu coração, pedindo para o mundo a paz. Isso é inaudito, até para mim que sou uma deusa._ e, virando-se para a guerreira, pergunta: Xena, onde você a encontrou?

–         Foi ela quem me encontrou._ respondeu a guerreira.

Afrodite, virando-se para Gabrielle, diz baixinho:

–         Por que não me pediu o amor de quem você ama?

Gabrielle enrubesce, pela deusa saber do seu recente segredo. Porém, assim mesmo responde:

–         O amor se tiver que acontecer tem que ser por ele mesmo, não por feitiço. E, essa pessoa tem que gostar e me amar do jeito que eu sou.

–         Definitivamente, eu gosto de você.

Xena um pouco incomodada pelo cochicho das duas se aproxima perguntando:

–         Vai atender o pedido dela, Afrodite?

–         O pedido de paz não é o meu departamento. E, se, eu tentasse trazer a paz para o mundo, isso ia fazer com que eu entrasse em confronto direto com o meu irmão Ares.

–         Ele não gosta de mim._ disse Gabrielle.

–         Tentou até matá-la._ contou Xena.

Afrodite se aproxima mais de Gabrielle e dá-lhe um beijo na face dizendo, antes de sumir:

–         Pois, você tem a minha proteção e ele vai ficar sabendo disto.

Assim que a deusa some, Gabrielle com a mão na própria face, diz encantada:

–         Xena, ela… me… beijou!

–         É, ela gostou de você.

–         A Deusa do Amor e da Beleza gostou do meu poema, gostou de mim…

–         E te deu a proteção dela. Isso é bom. Dá até pra ficar um pouco aliviada. Só assim, Ares, vai pensar duas vezes antes de querer fazer alguma maldade contra você, a protegida de Afrodite.

–         Você acha mesmo?

–         Acho, assim espero.

Novamente na estrada, Xena pergunta pra Gabrielle:

–         O que foi que Afrodite lhe confidenciou?

Gabrielle montada atrás de Xena e agarrada a ela pôde esconder seu embaraço e mais calma disse:

–         Não foi uma confidência, ela me perguntou se eu queria ter… um amor.

–         E o que você respondeu?

–         Que se fosse por feitiço, não queria não.

–         Ah, então você está pensando em namorar!_ disse Xena sorrindo.

A barda preferiu ficar calada e não retrucar. E a guerreira não insistiu.

Chegando na cidade de Elêusis, Xena diz, antes de desmontar:

–         Vamos ver se dá para passar essa noite aqui.

Entraram numa taberna que também era uma hospedaria e após fazerem o pedido, sentaram à mesa num canto.

–         Sopa de legumes!…_ disse Xena aborrecida.

–         Eu gosto. E com a fome que estou…_ disse Gabrielle dividindo o pão e colocando um pedaço no prato de Xena.

–         Sem dúvida que você é a melhor companheira de viagem que já tive. Você não reclama de nada!

–         Não reclamo? E no barco?

–         Aí é diferente, você sente enjôo.

Nisso, a servente chega com a sopa e a coloca em cima da mesa. Xena dá uma olhada e pergunta:

–         Não tem nenhum pedacinho de carne aí?

–         Não, senhora, só legumes. Hoje só temos essa sopa._ responde a servente antes de se afastar.

Gabrielle começa a servi-la.

Xena olha para a sopa no prato e diz:

–         Estou começando a entender como você se sente no barco, acho que vou vomitar.

–         Ah, Xena, não reclama. Prove. Está uma delícia._ disse a barda comendo com gosto.

–         Mas hoje eu queria comer carne. Comi sopa noutro dia.

–         Mas esta sopa está uma delícia, Xena, você vai gostar.

Xena responde com um grunhido.

A servente chega com as duas canecas de vinho.

–         Pelo menos isso pra contrabalançar…

Gabrielle sentiu-se constrangida perante o desprazer da guerreira, disse meio sem graça:

–         Xena, obrigada por não ficar zangada comigo.

–         Porque você deu a comida que tínhamos para aquelas pessoas na estrada? Não poderia. Aquela gente estava precisando mais do que nós.

–         Obrigada assim mesmo.

Quando terminaram de jantar, Xena diz ao se levantar:

–         A comida foi uma decepção, só quero ver o quarto que vão arranjar pra gente.

Chegando no balcão, primeiro pagou a conta e, quando ia perguntar sobre o quarto, alguém põe a mão em seu ombro dizendo:

–         Olha só, se não é a Princesa Guerreira!

Xena, mesmo antes de se virar, já sabia quem era.

–         Como vai Atma?

–         Agora bem melhor. Quanto tempo Xena!

As duas se abraçam.

Gabrielle olhou para a mulher que, também usava couro, armadura e armas, percebeu logo que se tratava de uma guerreira. Ela era muito bonita, cabelos louros ondulados na altura dos ombros. E um corpo perfeito que a barda não pôde deixar de admirar.

–         Xena, me disseram que você tinha sido expulsa pelo seu próprio exército._ disse a loura ainda segurando os braços de Xena.

–         E é verdade._ respondeu a guerreira.

–         Mas como foi isso? Eles ficaram loucos? Melhor líder que você, eu não conheço. O que foi que aconteceu?

–         Foi Darphus, ele vivia questionando a minha liderança. Um dia, quando eu fui resolver um problema pessoal, ele aproveitou e liderou ataques a umas aldeias matando todos os homens, mulheres e crianças também.

–         Aquele desgraçado! Aquilo é um animal, uma besta!

–         Quando eu soube do ocorrido, o qual eu acabei levando a fama, quis expulsá-lo, mas ele já tinha conquistado mais da metade dos homens a favor dele. E o restante se acovardou, me deixando só.

–         É verdade que você passou pelo “corredor”? Ninguém nunca conseguiu…

–         Eu consegui. O meu ódio me deu força para suportar toda a dor. A única coisa que eu queria era vingança. E foi o que eu fiz, matei aquele canalha.

–         E quanto aos outros, você não quis recuperar o seu exército?

–         Não, isso não me interessa mais.

–         O que houve com a Xena que eu conheci?

Xena olha pra Gabrielle, que estava muito quieta no seu lugar, coisa que não era normal, em se tratando da jovem barda, respondeu:

–         Não sou mais a mesma._ disse olhando de novo pra barda.

–         Não mesmo?! Bem, certas coisas nunca mudam._ disse Atma, também olhando pra Gabrielle, conclui: Mas, Xena, essa sua escrava ainda é muito novinha, quase uma menina. Que eu me lembre, você sempre preferiu as mais incorporadas. Essa aí é uma tábua.

Xena olhou de imediato para Gabrielle que estava com os olhos arregalados e, mais do que espantada com aquelas palavras, estava indignada. E antes que a barda pudesse dizer alguma coisa, a guerreira esclarece:

–         Gabrielle não é minha escrava.

–         Hum… Vejo, então, que você arranjou um brinquedinho.

–         Não é o que você está pensando, Atma. Gabrielle é minha amiga.

–         Ah, sei!_ disse examinando e olhando com malícia para Gabrielle.

–         É verdade, Atma. Eu a estou levando para a Academia na cidade de Atenas.

–         Bem, não importa._ e colocando a mão na cintura de Xena, pergunta: Você vai se hospedar aqui?

 Xena olhou pra Gabrielle que estava com uma expressão muito triste.

Como a guerreira demora pra responder, Atma diz:

–         Se for, deixe a menina no quarto e vá até o meu. Temos muito que… conversar.

–         Não, nós não vamos pernoitar por aqui._ ao terminar de falar, Xena percebeu que a barda mudara de expressão, já não parecia tão triste.

–         Entendo, tem que levar a garota para Atenas. Olha, eu devo ficar por aqui mais três dias, é o tempo suficiente de você voltar. Se eu não tivesse um compromisso de trabalho, eu ia com vocês.

Após se despedirem e de Atma, novamente, dizer que iria ficar esperando por ela, Xena, totalmente desconcertada, se afasta com Gabrielle. Assim que montam em Argo, Xena avisa:

–         Vamos ter que dormir na floresta. Decididamente, eu deveria ter pegado outra estrada. Que dia!

Xena estranhou que, durante a curta cavalgada, a barda se mantivesse calada. E essa já era a segunda vez que isso acontecia.

Chegaram a uma clareira perto do rio.

Xena acendeu uma fogueira e se aproximou de Gabrielle que estava arrumando as mantas no chão.

–         Está chateada comigo?

–         Não, com você não.

–         Com quem então?

–         Comigo.

–         Com você? Mas por quê?

A barda senta-se na manta, enquanto diz pesarosa:

–         Por eu ser assim como sou.

–         Como assim, Gabrielle?_ pergunta agachando-se ao lado dela.

–         Uma coisinha insignificante.

–         Gabrielle!_ a guerreira a repreende.

–         É isso mesmo, Xena. E, não adianta você dizer que eu estou em desenvolvimento, se os outros não me vêem assim.

–         Ah, já entendi. Gabrielle, não ligue para o que a Atma disse.

–         O que ela falou é a verdade.

–         Gabrielle, você nem bem completou dezoito anos, não vá querer se comparar com uma mulher de quase trinta como Atma e eu. Tenho certeza que você vai ser uma linda mulher, porque agora você é uma linda garota.

Gabrielle olhou para Xena, que sorriu para ela. Sem que a guerreira esperasse, a barda num ímpeto de ternura atira-se em seus braços, derrubando-a para trás. Depois, meio sem jeito, ainda em cima da guerreira diz:

–         Oh, me desculpa Xena. Eu só queria te abraçar.

–         Isso que é um “extremado-Gabrielle-abraço!”_ disse Xena segurando-a em seus braços e sorrindo.

Assim que o dia clareou, Xena abriu os olhos e além de sentir a respiração suave da barda em suas costas, percebeu que a mão dela estava em cima de sua cintura. Era, realmente, uma menina muito espaçosa, pensou Xena, mas isso a agradava muito. Levantou com cuidado a mão da barda da sua cintura e a colocou na própria cintura dela. Então, levantou-se e foi para o rio pescar.

Quando voltou com os dois belos peixes nas mãos, a barda estava sentada na manta ainda meio sonolenta.

–         Bom dia, dorminhoca.

–         Bom dia, Xena. Por que não me acordou para ir pescar com você?

Xena olhou de soslaio para ela e disse brincando:

–         Só se fosse pra você servir de isca, dormindo em pé.

–         É, você tem razão, estou com tanto sono…_ disse bocejando e espreguiçando-se.

–         Vamos fazer o seguinte: enquanto os peixes assam, vamos tomar um banho no rio, que tal?

–         Só assim eu acordo._ disse a barda lentamente se levantando.

Quando estavam comendo, Xena comenta:

–         Como ainda temos um dia e estamos próximas do caminho que leva a colina…

–         Onde estão o Templo de Atenas, o Propileu e o Pártenon?

–         É. Pelo que vejo, você, realmente, lê muito.

–         Podemos ir, Xena… Podemos?_ pergunta Gabrielle completamente eufórica.

–         Claro, era isso que eu ia propor. Assim que acabarmos de comer, partiremos.

A estrada para a colina era um pouco movimentada. Além dos fiéis, havia também os comerciantes. E isso, de certa forma, incomodava Xena, pois tinha que redobrar a sua atenção para não ser surpreendida.

Assim que chegaram no alto da colina, foram visitar o Templo de Atenas, onde Gabrielle fez uma oferenda com flores, que ela havia cuidadosamente colhido no meio do caminho e com uma maçã_ que ao invés de comê-la, ofertou-a a deusa, sob o protesto de Xena.

Foram ao Propileu, a porta monumental da Acrópole. Depois, Gabrielle ficou um bom tempo parada, admirando o Pártenon_ o maior e mais belo santuário não só da cidade de Atenas como de toda a Grécia. Ali elas ao entrar, passaram pelos dois guardas que estavam ladeando a porta_ que de tão imóveis pareciam estátuas. Assim que entraram, Gabrielle arregalou os olhos o mais que pôde ao ver a monumental estátua de Atena. E, se encanta também, com o mármore do templo, que mudava de cor conforme a luz cambiante das tochas que estavam sendo acesas, variando de ouro e mel à rosa e cinza.

Xena que, não tirava os olhos de cima da barda, divertia-se com todo o espanto e admiração dela. A guerreira sabia que estava realizando um dos sonhos daquela menina. E se sentia bem, até muito feliz, por isso.

Depois, Xena avisou a Gabrielle que elas tinham que partir. Durante toda a descida da colina, Xena foi ouvindo o relato encantado da barda sobre o que ela acabara de ver.

Chegaram a uma grande praça, que ficava em frente ao Altar dos Doze Deuses, onde ficava o mercado aberto. Vendia-se de tudo ali, era um dos mercados mais importantes da Grécia. Igual aquele, só o de Corinto. Xena contou isso pra Gabrielle.

Ao se aproximarem da praça, tanto Xena quanto Gabrielle, perceberam que as jovens atenienses olhavam em direção a elas, mesmo quando passavam os olhares as seguiam. Assim que se aproximaram de uma barraca de roupas, ouviram duas garotas comentarem: “Mas de onde será que essa garota veio? Que roupa horrível!”. A outra disse: “Pela roupa, só pode ser uma camponesa ou uma escrava. Coitada!”. E se afastaram.

Xena olhou pra Gabrielle e percebeu que ela estava com os olhos rasos d`água. Perguntou para a dona da barraca:

–         O que você aconselharia a uma jovem como ela a se vestir?

A mulher deu uma olhada em Gabrielle, que nesse momento estava surpresa olhando para Xena. A mulher diz:

–         A mesma roupa que todas as jovens atenienses estão usando.

A mulher pegou uma saia marrom curta e uma blusa também marrom com frisos azuis e dourados em volta do decote, da cintura e das mangas curtas.

Xena pegou as duas peças e entregou a Gabrielle dizendo:

–         Vamos, experimente.

–         Como? Você quer que eu mude de roupa aqui?!

–         Não, sua boba. Entre ali naquela barraca estreita e experimente a roupa.

Finalmente, havia chegado o momento certo que Xena estava esperando para tentar modernizar a sua jovem companheira que, vestida daquele jeito, não tinha como não passar por sua escrava. Xena não quis dizer isso para Gabrielle; não queria magoá-la, dizendo que suas roupas destoavam com aquela cidade. Roupas de camponesa, já um tanto gastas, mas, no entanto causavam uma estranha e boa sensação na guerreira. Xena realmente gostava de vê-la vestida naquele conjunto simples de saia comprida, blusa, cinto e casaquinho. Que deveria ser a melhor roupa de Gabrielle.

A barda saiu da barraca, ainda ajeitando a blusa que era transpassada e que amarrava por trás.

Xena ficou olhando-a se aproximar, agora estava vendo-a com outros olhos. Já não lhe parecia mais uma menina e sim, uma jovem garota.

–         Ficou perfeito em você.

–         Você acha? Ficou mesmo?

–         Lindo.

–         É a primeira vez que ponho as pernas de fora e a cintura também. Será que fiquei bem mesmo, Xena?

–         Ficou perfeito em você.

–         Pelo menos estou igual àquelas duas que falaram da minha roupa.

–         As atenienses estão copiando e fazendo uma mistura das roupas de guerreiras com as das amazonas. Mas ficou muito bem em você, deixou de ser aquela menininha.

O rosto de Gabrielle se iluminou e virando-se para a vendedora perguntou:

–         Tem, também, na cor verde?

–         Acabou tudo. Esse era o último. Talvez pra próxima semana.

–         Essa cor fica muito bem em você._ disse Xena fingindo não compreender a razão dela querer comprar outra roupa igual.

–         Você acha mesmo?

–         Não mentiria pra você. Marrom, verde, azul igual ao que você estava usando antes, tudo fica bem em você.

Gabrielle ficou radiante, dava pra ver o brilho que recendia dela.

–         Então vou ficar vestida nele.

–         E a outra roupa?

–         Vou lá pegar.

Enquanto Gabrielle foi pegar a roupa, Xena pagou a vendedora, depois foi se encontrar com a barda que estava saindo da barraca com a velha roupa nas mãos.

–         Sabe, Xena, esta roupa está tão velha e puída que eu acho que vou jogar fora.

–         Me dá isso aqui._ disse Xena pegando a roupa e colocando-a dentro da sua bolsa de montaria, que trazia pendurada no ombro.

–         O que você vai fazer?

–         Tenho um destino melhor para ela. Agora vamos. Tem uma taberna do outro lado da praça, onde servem uma carne de javali que irá me fazer esquecer daquela maldita sopa de ontem. E como sei que você é doida por javali…

–         Humm…_ respondeu a barda lambendo os lábios.

Ao atravessar a praça, Xena pára numa barraca e compra um pequeno e arredondado recipiente para bebida e o coloca preso em sua cintura, enquanto Gabrielle lia um pergaminho que estava pendurado numa haste. A guerreira chamou pela barda duas vezes. Como não obteve resposta, puxou-a pelo braço. A barda então protesta:

–         Xena, eu estava tentando ler o pergaminho. Era uma coisa sobre um calendário Julio…

–         Ah, sei. O calendário Juliano.

–         Você sabe do quê se trata?

–         Sei.

–         Então explica.

–         Está bem, eu vou explicar, mas lá dentro da taberna.

–         Tá bom… E eu é que levo a fama de gulosa.

Xena lança um olhar para ela e balança a cabeça como a dizer que, aquela garota não tinha jeito mesmo.

Na taberna. Enquanto esperavam ser servidas, Xena explica:

–         O pretensioso Júlio César criou o seu próprio calendário.

–         O calendário Juliano!_ completou Gabrielle.

–         Isso mesmo. Assim, César, acabou com o calendário romano_ que era uma coisa que nunca entendi, pois não tinha datas fixas; o ano era de dez meses e de vinte ou cinqüenta e cinco dias, que variavam de acordo com os trabalhos da agricultura, das idéias políticas e religiosas.

–         E esse também é diferente do nosso?

–         Esse, pelo menos, é quase parecido com o nosso, porque o ano também tem doze meses de trinta dias, só que, acrescidos de cinco dias complementares e um período que, de quatro em quatro anos há um ano bissexto de trezentos e sessenta e seis dias.

Chega a servente com a carne e Xena pede duas canecas de vinho. Esperou que a barda a servisse como ela sempre fazia, mas percebeu que ela estava completamente absorta e que a olhava admirada.

–         O que foi Gabrielle?

–         Xena, eu tenho aprendido tanto com você por esses dias que, acho que nenhuma academia poderá me ensinar mais do que a convivência diária com você.

–         Gaby, já falamos sobre isso. Você vai me deixar aqui esperando? Estou morta de fome._ diz apontando à travessa na mesa.

Gabrielle que já havia ficado esmorecida, ao se dar conta da iguaria, se anima e começa a servir a guerreira.

À noite, no quarto da pousada, após arrumar a cama para dormirem, Gabrielle se aproxima de Xena que estava lustrando as botas.

–         Xena, aquilo que você me disse, naquele celeiro em Cálcis, é verdade mesmo?

–         Sobre o quê?

–         Não se lembra?

–         Falamos de tantas coisas, Gaby…

–         Que eu sou a sua luz. Sou mesmo?

–         Você é a minha luz.

–         Eu não a entendo Xena, mesmo sabendo que eu sou a sua luz, por que não me quer junto a você?

–         Pela última vez, Gabrielle: primeiro você vai para a Academia. Depois, quando se formar e se ainda quiser, poderá seguir comigo nas minhas viagens.

–         Tá bom… Mas, enquanto isso, você promete que a gente vai se encontrar nas minhas férias?

–         Não só prometo, como virei sempre buscá-la e levá-la também. Agora vá dormir, pois amanhã bem cedo iremos para a Academia, para você se apresentar.

Não tendo o que argumentar, Gabrielle não diz nada, muda de roupa e deita-se. Um pouco mais tarde, pensando que a barda havia dormido, Xena despe-se e deita ao lado dela.

–         Vai sentir a minha falta?_ disse Gabrielle encostando-se nas suas costas.

–         Como não sentiria?_ disse sem puder se virar.

–         É mesmo, não vai ter ninguém pra ficar te questionando, fazendo perguntas idiotas.

–         Gaby, você não faz perguntas idiotas.

–         Mas te encho de perguntas.

–         Ah, é, isso é verdade.

–         Xena!_ disse protestando e dando um leve tapa nas costas da guerreira.

Xena ri e diz:

–         Gabrielle sabia que você é muito divertida? Vou sentir a sua falta.

–         Ah, então, só vai sentir a minha falta porque eu sou divertida, eu sou uma…

–         Amiga maravilhosa._ completou Xena ainda sem se virar.

Gabrielle ficou em silêncio por alguns instantes. Xena fechou os olhos e abriu-os logo a seguir quando escutou o que a barda disse:

–         Vai se encontrar com Atma?

–         Não. Tinha até me esquecido dela.

–         Mas agora que eu te lembrei, vai se encontrar com ela?_ perguntou um pouco aborrecida.

–         Não.

–         Por quê?

–         Não quero remexer o passado.

–         Vai para Amphipolis?

–         Vou. Tenho que me certificar que está tudo bem por lá.

–         Vai falar com a sua mãe?

–         Não sei.

–         E depois o que vai fazer?

–         Vou continuar com a minha viagem.

–         Não gosto de pensar em você sozinha por aí, com tanto perigo e Ares a te tentar.

Xena virou-se de frente para ela dizendo:

–         Já não sou mais a mesma de antes, a Destruidora de Nações. Agora sou uma guerreira a serviço do bem. E isso graças a você, Gabrielle.

Com lágrimas nos olhos, Gabrielle a abraça. Xena, um tanto desconcertada, diz:

–         Não vá chorar.

–         Não, não vou.

Pouco depois, com a jovem barda adormecida em seus braços, Xena ainda estava pensando no quanto irá sentir a falta daquela menina. E no quanto, Gabrielle, havia se tornado importante para ela.

Acordaram cedo e foram para a Academia.

–         Agora, você entra e vai lá se inscrever. Eu a espero aqui._ disse Xena conduzindo-a até o portão.

Ao voltar para a praça, foi então que Xena percebeu que estava ali também um grupo de pais ansiosos. Ficou um pouco afastada daquelas pessoas que a olhavam curiosas.

–         E essa agora, hein Argo? Olha só o quê essa menina me faz passar!_ disse baixinho para a égua.

Transcorrida toda manhã e nenhum sinal de Gabrielle. Xena, que já havia percorrido todo o local em volta da Academia, já estava ficando impaciente, quando os portões se abriram de novo e os jovens saíram para se encontrarem com os seus familiares. Gabrielle quase correu ao encontro de Xena.

–         Como foi?_ perguntou Xena.

–         Me colocaram no segundo ano._ disse a barda numa expressão mista de alegria e tristeza.

–         Não entendi.

–         Eles fizeram uma avaliação com a gente, para saber o nível de conhecimento de cada um. Então, eles acharam que eu não preciso cursar o primeiro ano. Por isso, foi que me colocaram no segundo ano. Agora, só terei que freqüentar a Academia por mais… três anos!_ disse Gabrielle tornando-se a desanimar.

–         Mas isso que é uma notícia boa!_ disse a guerreira tentando também convencer a si mesma.

–         Eles nos deram um tempo para que possamos almoçar e nos despedirmos de nossos familiares._ disse a barda de olhos baixos.

Xena, com a ponta do dedo indicador levanta o queixo da garota e diz:

–         Não fique assim, Gaby. Vamos almoçar?

Com muito custo Xena conseguiu arrastar Gabrielle para a praça. Chegando lá percebeu que, tanto a taberna quanto a hospedaria, que ficavam perto da Academia estavam lotadas pelos estudantes e seus familiares. As duas, então, preferiram pegar os seus pratos e canecas e foram se sentar na borda do chafariz da praça, bem em frente ao portão da Academia.

–         Xena, você vem me visitar?

–         E posso? Eles permitem?

–         Na verdade, não. Mas a gente pode dar um jeito nisso.

–         Aposto que você já sabe como.

–         Atrás da Academia fica o jardim perfumado, é o único lugar onde os alunos não costumam freqüentar, por causa do forte perfume das flores. De lá dá pra ver aquela colina ali._ disse apontando para um lugar onde havia uma árvore baixinha.

–         Já entendi. De lá eu posso te ver no jardim.

–         É isso, pelo menos assim poderemos nos ver. O único dia da semana que temos folga é no domingo na parte da tarde, onde temos o direito ao lazer que quisermos. Só não podemos sair da Academia.

–         Então vamos combinar como nos encontraremos. No final deste mês, no último domingo, virei te ver.

–         Vem mesmo?

–         Estou dizendo.

–         Você vai estar vindo de onde?

–         De Amphipolis.

–         Quando vai partir?

–         Amanhã de manhã, já lhe disse.

–         Você vai passar a noite naquela hospedaria?

–         Que hospedaria?

–         Ah, Xena, aquela onde… Atma está te esperando._ disse a barda olhando-a seriamente.

–         Não. Eu também já lhe respondi isso._ e olhando para o prato da barda, diz: Gabrielle, você ainda não tocou na comida.

–         Perdi a fome.

–         Isso é incrível!_ brincou Xena.

–         Estou com medo.

–         Medo? Medo de quê?

–         Medo de que você se esqueça de mim.

Xena ficou um pouco sem jeito, mas disse firmemente:

–         Vamos, coma. Se não vou ficar zangada contigo

A barda obedece. Mas, Xena percebe o quanto estava custando a aquela garota, junto com a comida, engolir o pranto.

Instantes depois, o sino da Academia toca chamando os alunos. E aí, a barda não se contém e começa a chorar.

–         Oh, não, Gaby… Por favor, não torne isso um suplício para mim.

–         Oh, Xena… Eu vou… sentir muito… a sua falta._ disse a barda passando as costas das mãos nos olhos.

–         No final do mês venho te ver.

–         Vem mesmo?

–         Venho.

Gabrielle levanta-se, pega a bolsa e o cajado, aproxima-se de Argo e abraça-a dizendo:

–         Argo, também vou sentir a sua falta. Toma conta de Xena.

Quando se aproxima de Xena, esta lhe diz:

–         Isto aqui é seu.

Gabrielle reconhece a pequena sacola de dinares que sua mãe lhe dera. Ao perceber que estava cheia pergunta:

–         Que dinares são esses, Xena?

–         Não está reconhecendo a sacola?

–         A sacola estou sim, mas os dinares eu gastei.

–         Não, está todinho aí.

–         Mas, Xena, eu não posso…

–         Você não vai querer me ver zangada, vai?

–         Oh, Xena!_ disse Gabrielle abraçando-a pela cintura e encostando a cabeça no peito dela.

A guerreira olhou para os lados com um pouco de receio, por causa da demonstração de afeto da garota. Mas, percebeu que, todos ali só estavam preocupados em se despedir dos seus entes queridos.

O sino toca de novo e uma das portas do imenso portão é fechada, sinal que era a última chamada. Xena, então, diz:

–         Vá Gabrielle, eu confio em você.

–         Não vá se esquecer de mim, Xena.

–         Nunca.

–         Eu vou estar te esperando.

–         Estarei aqui.

A guerreira fica olhando a barda entrar e sente um aperto no peito. Depois, virando-se para Argo, diz:

–         É, garota, estamos novamente sozinhas, você e eu.

Xena cavalgou até o anoitecer. Pernoitou na floresta e, bem cedo, cavalgou em direção ao porto. Chegando lá, após tratar da sua ida para Amphipolis, foi dormir na mesma hospedaria que dormira com a barda.

Tinha acabado de tomar banho, quando entrou no quarto e sentiu o “cheiro”.

–         Apareça Ares!_ disse pegando a espada em cima da cama.

–         Você é a única mortal que pressente a minha presença, Xena._ disse o Deus da Guerra materializando-se.

–         Eu diria que sinto sim, esse cheiro de cachorro sarnento que você tem._ disse Xena, ainda com a espada em riste.

–         Porque que, toda vez que apareço, você puxa a espada?

–         Para mantê-lo bem longe de mim.

–         Você sabe que a espada não me impede e eu não consigo ficar longe de você, Xena, não consigo. Bem, já que, finalmente, aquela pirralha insignificante não está mais aqui, acho que podemos conversar.

–         Não temos nada para conversar.

–         Engana-se, Xena, temos muito.

–         Se manda Ares. Estou muito cansada, quero dormir.

–         Tudo bem, já esperei até agora…_ disse o deus desaparecendo.

Xena pega a bolsa de montaria, coloca-a em cima da cama e, ao puxar a escova de cabelo vê a velha roupa da barda. Tira-a de dentro e estende na cama: a saia com o cinto, a blusa e o casaquinho.

–         Gabrielle…_ sussurrou deslizando a mão pela roupa.

Um mês depois, num domingo, logo após o almoço, Gabrielle correu para o jardim. Olhou para a colina, não havia ninguém. E, antes que começasse a chorar, disse pra si mesma:

–         Calma, Gabrielle, ainda é cedo. Ela virá.

Então, começou a andar de um lado para o outro. De vez em quando olhava para a colina e o seu coração apertava. Quando estava de costas para lá ouviu um assobio familiar. Virou-se rapidamente, era ela. Acenou-lhe de volta, não apenas com a mão, mas com o coração.

A guerreira deixou Argo na sombra de uma pequena árvore e desceu a colina desaparecendo da vista da barda por uns instantes. Mas, logo após, num esplêndido salto, senta-se no muro. Gabrielle emocionada diz:

–         Xena…

–         Achou que eu não viria?

–         Meu coração nunca duvidou._ disse num suave sorriso.

Um pouco desconcertada pelo que acabara de escutar, a guerreira diz, entregando um pequeno embrulho a barda:

–         Trouxe uma coisa para você.

–         Por que você não desce?_ perguntou a barda pegando o pequeno embrulho.

–         Não sei se devo. E se alguém me ver, o que pode acontecer? Eu não sei que conseqüência isso poderia causar a você.

–         Pode ficar sossegada, ninguém vem aqui. Porque aqui não tem muito espaço e também por causa do odor das flores.

–         Ninguém mesmo? Tem certeza?

–         Só o jardineiro, mas ele só vem aqui de manhã.

Enquanto espera pela decisão de Xena, Gabrielle abre o embrulho e vê um bom pedaço de bolo de nozes com mel.

–         Humm…_ sussurrou cheirando o bolo.

–         Sabia que você ia gostar._ disse a guerreira rindo.

–         Desce Xena, eu também tenho uma coisa para você.

 A guerreira após inspecionar bem o lugar dá um salto parando na frente da barda, que a abraça, dizendo:

–         Xena senti tanto a sua falta. Principalmente a noite.

A guerreira ri e, ao olhá-la de cima à baixo, pergunta:

–         Gabrielle que roupa é essa?

–         É uma toga. É a roupa que usamos aqui._ disse a barda mostrando uma espécie de túnica creme, comprida e presa na cintura por um cordão marrom. E calçava sandálias, também, marrom.

A guerreira achou um horror, mas não disse nada.

–         Você foi para Amphipolis?_ perguntou Gabrielle saboreando o bolo.

–         Fui.

–         E como foi? Falou com a sua mãe? Está tudo bem por lá? E agora você vai fazer o quê? Aonde vai?… Xena, por que você não responde?

–         E você deixa?!_ disse a guerreira com as mãos na cintura.

–         Oh, me desculpe… Mas fala!

–         Bem, como eu disse, estive em Amphipolis. Mas quando cheguei, os soldados de Mezentius já haviam fugido. Agora está tudo em ordem por lá.

–         E a sua mãe, você não falou com ela?

A guerreira deu um suspiro, demonstrando contrariedade, mas respondeu:

–         Não quis nem me ver, quanto mais falar comigo.

–         Xena, você promete que quando vier me buscar, vai me levar para Amphipolis para eu conhecer a sua mãe?

–         Ainda com essa idéia na cabeça?

–         Promete?

–         Está bem, prometo.

–         E agora o que você vai fazer?

–         Vou ajudar um amigo. Um ex-soldado meu, super fiel e, que não estava no dia da traição, já tinha deixado o grupo.

–         E o que você vai fazer?

–         Greg tem uma pequena fazenda aqui na periferia, junto com o irmão Tulius. Os dois têm famílias. Greg tem cinco filhos e o seu irmão tem sete. Duas ninhadas! Amanhã bem cedo vou levar as suas famílias para a casa de um primo deles em Cândia. Depois volto e vou ajudá-los a acabar com uns bandidos que andam atacando por lá.

–         Então você vai ficar aqui por perto?

–         Vou.

–         Então poderá vir me ver aos domingos.

–         Não poderei Gabrielle. Não enquanto eu não conseguir acabar com a raça daqueles facínoras. Não poderei me ausentar de lá.

–         Mas quando isso tudo terminar?

–         Venho te ver, prometo.

O sino toca.

–         Por que está tocando?

–         É a chamada para o lanche.

–         Sei, seu momento predileto._ disse Xena provocando a barda.

–         É o meu segundo momento predileto, pois há um outro que eu gosto mais.

–         E qual é, eu posso saber?

–         O momento em que me encontro com você.

Pela primeira vez a guerreira não soube o que dizer e nem mesmo como agir, ficou embaraçada.

Gabrielle diz, colocando a mão no ventre da guerreira:

–         Eu disse que eu tinha uma coisa para dar pra você.

–         E o quê é?

Gabrielle tira o cordão do pescoço e diz:

–         Isso é para você não se esquecer de vir me buscar nas minhas férias.

Após a barda ter colocado o cordão no seu pescoço, Xena diz:

–         Não vou me esquecer nunca de você, Gabrielle. Estarei lá na frente do portão no dia combinado. Mas antes virei vê-la.

A barda a abraça com ternura e chora. Xena fica sem jeito com a demonstração de sentimento da barda, diz:

–         Vai perder o lanche.

–         Não importa, eu não quero é perder você.

–         Não me perderá, porque eu te encontrei.

Quarenta e cinco dias depois, numa tarde de domingo, Gabrielle chega no jardim e avista na colina Argo pastando. Fica eufórica, mas não vê Xena.

–         Está me procurando?_ pergunta alguém atrás dela.

–         Xena!_ exclama Gabrielle se virando e se atirando nos braços da amiga.

Xena ri e após abraçá-la, entrega-lhe um embrulho.

–         Será que é o que eu estou pensando?_ disse Gabrielle abrindo logo o embrulho e contata: É isso mesmo! Xena, eu adorei esse bolo, é delicioso.

–         Eu percebi naquele dia. Como é que você está?

–         Sentindo muita falta de você.

–         Estou perguntando aqui na Academia, como você está se saindo?

–         Muito bem. Tenho tirado as melhores notas e por causa disso me passaram para a turma do terceiro ano.

–         Gabrielle, que maravilha! Eu não disse que você já era uma barda! E quanto aos professores e os seus colegas?

–         Fiz amizades… Os professores gostam de mim, mas…

–         Mas?

–         Mas eu sinto que está faltando alguma coisa.

–         Faltando o quê? Diga que eu trago pra você.

Gabrielle ri e perante a expressão confusa da guerreira, explica:

–         Está faltando você. Sinto falta da sua companhia, das nossas conversas ao redor da fogueira, nas mesas das tabernas e de dormirmos olhando as estrelas.

–         Eu também sinto. Mas daqui a alguns meses estaremos juntas. Agora, que tal mudar de assunto?

–         Você conseguiu expulsar os bandidos da fazenda do seu amigo?

–         Conseguimos. Tivemos que esperar um bom tempo. Enquanto isso nos preparamos. Fizemos armadilhas pela fazenda toda e nas fazendas vizinhas. Nos revisamos durante a noite. Até que numa noite o tal de Titus e seu bando atacaram.

–         O que aconteceu? Você os prendeu?

–         Bem, nenhum bandido escapou, foram todos presos com exceção de uns três que morreram e do próprio Titus que tive que matar, pois ele ia apunhalar pelas costas o meu amigo Greg.

–         Ai, Xena, ainda bem que não aconteceu nada com você. E agora o que você pretende fazer? Vai para onde?

–         Como eu disse, estou vindo de Cândia, onde fui buscar as famílias dos meus amigos de volta para casa e agora vou para Corinto, tenho que pegar umas coisas que deixei lá.

–         E depois?

–         Vou para um vilarejo ao sul de Corinto. Parece que tem um Senhor da Guerra cobrando impostos aos camponeses.

–         E depois?

–         Venho te buscar.

Gabrielle estampou um sorriso tão luminoso que Xena teve a impressão que o dia tinha clareado mais um pouco.

De repente a barda olhou para o pescoço da guerreira e agora com uma expressão triste disse:

–         Xena, você não está usando o meu cordão. Deve ter perdido na luta, não foi?

–         Como eu poderia perder o presente dado por minha melhor amiga e tão valioso para mim?_ disse puxando por baixo da alça esquerda do traje de couro o cordão enrolado nela, acrescenta: Está enroladinho aqui pra não perder e pra me dar sorte.

Gabrielle tornou a sorrir daquele jeito luminoso. Xena ficou impressionada como ela conseguia isso.

–         Venha, vamos sentar ali atrás daquele canteiro._ disse a barda puxando a guerreira pela mão.

–         É, esse lugar é muito bonito e cheiroso._ disse Xena sentando-se ao lado dela.

–         É mesmo. É tão cheiroso que os outros alunos preferem ficar no pátio. Ninguém sabe que eu venho para cá quando eu sinto muito a sua falta.

–         Sabia que Argo, também, sente a sua falta?

–         E eu também a dela. Trouxe uma maçã que quero que você dê a ela, dizendo que fui eu quem mandou. E essa é para você.

Xena pegou as duas maçãs e antes de morder a dela, perguntou:

–         Você trouxe as maçãs… Como você sabia que iria se encontrar comigo hoje?

–         Pressenti. Esqueceu que eu sou uma vate? Bem, na verdade, desde o domingo passado que tenho trazido as maçãs. Como você não veio eu as comi.

Xena riu balançando a cabeça como a dizer que, aquela garota, não tinha jeito mesmo.

–         Quer um pedaço?_ perguntou Gabrielle saboreando o bolo.

–         Não, a maçã me basta.

–         Xena, já pensou: a gente vai ficar seis meses sem se ver!_ disse espantada, olhando pra guerreira e segurando na frente da boca o último pedaço do bolo.

Xena que acabara de dar uma mordida na maçã, acaba de mastigar e diz:

–         Seis meses passam depressa, Gabrielle.

–         Só se for pra você que vai ter muito que fazer, viajar, conhecer gente. Enquanto eu vou estar presa aqui na rotina de sempre.

–         Gabrielle, não reclama. Isso faz parte do seu crescimento.

–         Não creio que eu vá crescer mais do isso.

Em resposta, Xena assanha com a mão a franja da barda.

–         Você foi para Elêusis?_ perguntou a barda lambendo os dedos.

–         Não. Fazer o quê lá?

–         Visitar a sua amiga Atma.

Xena passou um olhar de censura pra barda que, deu um riso amarelo em troca.

–         Nem precisei ir para lá, pois me encontrei com ela em Atenas.

–         Encontrou? Onde? Mas você disse que não…

–         Na estrada, quando estava levando as famílias dos meus amigos para a casa do tal primo.

–         E vocês combinaram alguma coisa?

–         Ela marcou outro encontro.

–         Onde?

–         Na nova casa de… de show de Aglaia._ disse Xena gaguejando ligeiramente.

–         Onde?

–         Aqui mesmo em Atenas.

–         Você vai?

–         Acho que não.

–         Acha ou vai?

Xena suspirou fundo antes de responder àquele pequeno interrogatório:

–         Não, não vou. Como já havia dito pra você, viajo hoje para Corinto.

O sino toca.

–         Chamada para o lanche, Gaby.

–         E o momento que você vai embora._ disse a barda pesarosa.

–         Ah, vamos, Gaby, sem despedida e choro._ Xena levantou-se e erguendo a barda pela mão.

Gabrielle se atira nos braços dela, apertando-a num sufocante abraço e dizendo:

–         Que espécie de amiga eu sou em deixá-la partir e ficar tanto tempo sozinha. Não, Xena, eu não posso te deixar sozinha.

Xena a puxa para mais perto e segurando-a pelos braços diz olhando-a nos olhos:

–         Não vou estar sozinha, Gabrielle. Você estará sempre presente no meu pensamento.

E lá se foi a menina de novo a pendurar-se no pescoço da guerreira que, ainda não estava acostumada com tal demonstração de afeto. Mas gostava muito daquele jeito da barda. E sabia que iria sentir muito a falta dela durante aqueles meses que passaria sozinha.

Xena preferiu ir por terra para Corinto. Porque, antes, iria passar num velho templo abandonado e seguir depois para o sul de Corinto onde tinha um trabalho a fazer. Parou para pernoitar na primeira clareira. Ao desatrelar Argo, confidencia-lhe:

–         É garota, nunca pensei que fosse sentir tanto a falta de alguém como estou sentindo daquela barda tagarela.

Argo relincha balançando a cabeça.

–         Pelo que vejo você também.

Argo torna a relinchar e balançar a cabeça como a concordar.

–         Até você sabe que ela é muito especial.

–         Deu agora para conversar com cavalos, Xena?

A voz ressonou no mesmo instante em que ela sentira o “cheiro”. E ele materializa-se a sua frente dizendo:

–         Estou surpreso, não puxou a espada…

–         Não quero sujá-la, acabei de limpá-la.

–         Agora sim, você está como deve ser: uma guerreira solitária em busca de novas conquistas._ disse o deus aproximando-se da guerreira.

–         Como sempre, está completamente enganado, Ares._ disse a guerreira se afastando.

–         Eu acho que está havendo um equívoco, Xena. É você quem anda tentando se enganar fugindo do seu próprio destino.

–         Destino? O que você entende disso? Você só entende de guerra, de luta, de morte. Cai fora! Se manda, Ares!

–         Você está certa, Xena. Vou te deixar por uns tempos, para que você possa pensar melhor e perceber que o quê estou lhe oferecendo é o melhor pra você. Vou te provar que sei mais do destino que você supõe.

Depois que o Deus da Guerra sumiu, a guerreira arrumou um canto no chão para dormir. Ao tirar a armadura, desenrola o cordão preso na alça do traje e olhando para a pequena letra “G” dourada, que estava presa no cordão, diz quase num sussurro “Minha pequena barda”. Depois o enrola de novo na mesma alça. Então, pega do fundo da bolsa a blusa azul da barda e quando ia levá-la ao nariz diz surpreendida:

–         Mas o que está acontecendo comigo?_ olha para a blusa e a coloca rapidamente dentro da bolsa e diz ainda espantada: Quando foi a última vez que eu estive com alguém?… Sei do quê eu estou precisando.

A guerreira se levanta despindo-se rapidamente e se atira no lago. Ainda dentro d`água, a guerreira, mais calma, diz:

–         Preciso de companhia. Na primeira oportunidade… aquele ou aquela que me agradar… humm… preciso mesmo!

Dias depois, após ter pegado a sacola de dinares que havia escondido num velho templo perto da entrada para Corinto, Xena decide que deveria se divertir um pouco antes de ir para o vilarejo no sul. Lembrou de uma certa casa ali perto. Também lembrou da casa de Aglaia, mas esta era no centro da cidade de Atenas e voltar para lá seria uma perda de tempo. Resolveu então ir para a tal casa ali perto.

Já era começo de noite.Antes de ir para lá, Xena havia saboreado um peixe que ela mesma havia pescado enquanto tomava um banho, depois se arrumou e foi para a tal casa. Chegando lá percebeu que estava lotada. Sentou num canto do balcão e ficou observando os freqüentadores. Percebeu que a maioria ali era de guerreiros que nem ela. Viu, também, numa mesa, um grupo de seis amazonas disfarçadas de guerreiras. Ela sabia que quem freqüentava aquele estabelecimento estava ali por pura diversão. Por isso ficou mais tranqüila.

–         Posso te pagar uma bebida?

Xena olhou pro lado e viu um jovem rapaz, um guerreiro novato de Corinto. Talvez um pouco mais velho que Gabrielle. Sorriu para ele dizendo:

–         Fica pra próxima. Estou esperando alguém.

Pouco depois um outro guerreiro, bem mais velho, abordou-a:

–         Está esperando alguém? Ou posso te fazer companhia?

Xena ia responder algo quando viu atrás dele duas mulheres que a olhavam diretamente. Disse sem ao menos olhá-lo direto:

–         Estava esperando alguém que acabou de chegar.

Depois que o homem se afastou, Xena continuou a encarar as duas mulheres. Reparou bem nos tipos: uma, a ruiva, era guerreira, pois não havia dúvida quanto a roupa e o físico; a outra, a loura, não era guerreira e nem amazona disfarçada, talvez fosse uma garota da cidade por causa da roupa que vestia.

Elas se aproximaram. Xena continuou encarando-as.

–         Oi, eu sou Acidália e essa é minha amiga Amanda._ disse a ruiva.

–         Oi._ respondeu a guerreira e a seguir levando a boca à taça de licor.

–         Como se chama?_ perguntou a ruiva.

–         Xena.

–         Xena, você quer que a gente te faça companhia?_ ainda a ruiva.

–         Não vim aqui pra conversar, vim atrás de outra coisa.

–         E essa outra coisa pode ser a três?_ novamente a ruiva.

A guerreira em resposta lança um olhar luxuriante, suspendendo um pouco a sobrancelha ao mesmo tempo em que passa a borda da taça no lábio inferior e diz:

–         Vocês gostam de licor ou de vinho?

–         O que você quiser._ respondeu Acidália.

Xena comprou duas garrafas de vinho e saiu da casa acompanhada pelas duas mulheres.

Entraram numa casa de banho onde se instalaram numa sala reservada. Enquanto as duas mulheres se despiam, Xena observou bem uma a uma e seu olhar parou na loura que ainda não havia aberto a boca. E, quando as mulheres se banhavam, Xena rapidamente se despiu, pegou uma garrafa e três taças e foi se juntar a elas. Percebeu que as duas olharam bem para o seu físico e que só a loura abaixou o olhar. E isso a excitou. Sentou-se de frente para a loura, mas a ruiva empurrou a garota para trás dela para que ela massageasse as costas da anfitriã, enquanto ela própria banhava-a de frente. Xena percebeu que a ruiva sabia como seduzir, pois se encostava e tocava nos pontos certos e beijava despertando desejos. E a guerreira não resistiu àquilo que aquela mulher estava lhe oferecendo. Saíram rapidamente da água para o chão forrado por um colchão bem fino e muito macio, usado normalmente em massagens e também de grande utilidade em momentos como aquele.Num dado momento, enquanto a guerreira comandava a ação, a loura que havia se aproximado olhando-as de perto e fazendo carícias nas pernas da ruiva empurra Xena com movimentos suaves para que ela saísse de cima da ruiva. A guerreira se afasta sem entender aquele jogo erótico e vê a loura se apossar da ruiva com desespero, desejo e amor. Percebe também a reciprocidade. Estava mais do que claro que elas se amavam. Xena resolve se afastar um pouco. Pega a outra garrafa de vinho, enche a taça e bebe saboreando enquanto olhava-as fazendo amor.

Momentos mais tarde, quando as duas ainda estavam abraçadas, Xena, já vestida, diz:

–         O que é que está havendo?

As duas mulheres surpreendidas se levantam entreolhando-se e se cobrindo com os panos de banhos. A ruiva diz:

–         Sinto muito. Não era para ter acontecido isso. Eu posso explicar.

–         A única explicação plausível é que vocês se amam._ disse a guerreira após ingerir todo o vinho da taça.

–         Sinto muito._ tornou a dizer a ruiva.

–         Por que você a traz?

–         Porque ela não me deixa vir sozinha.

–         Pelo que vi, ela ainda não participou.

–         E nem vai. O máximo que eu permito é eu mesmo transar com ela na frente da mulher que vem conosco.

–         Vocês só fazem com mulher?

–         A três sim. Já fiz a sós com homem, mas ela não deixa mais.

–         Sabia que você correu o risco de ver a sua garota ser violentada?

–         Isso não vai acontecer, nunca permitirei, sou uma guerreira…

A ruiva não consegue completar a frase, pois foi imobilizada pela guerreira com o ponto de compressão na garganta e caindo no chão viu a sua namorada ser, também, imobilizada pela guerreira apenas usando a força. Xena deita a loura ao lado da ruiva e se ajeita em cima dela. Virando-se para a outra diz:

–         Nem sempre você poderá protegê-la e aí então…

A loura que estava totalmente assustada implora:

–         Por favor, desfaça o que você fez nela. Eu prometo que não reajo. Você pode fazer tudo que quiser comigo. Mas não a mate, eu a amo.

Xena desfaz, com um toque de dedo no pescoço, o ponto de compressão e saindo de cima da loura, diz:

–         Entendeu agora o que eu quis dizer?

Agora, totalmente envolvida nos braços da loura, a ruiva diz:

–         Entendi. Amanda, ela tem razão, não vou mais pôr você em risco.

–         Sozinha é que você não vai._ replicou a loura.

–         A gente precisa, você sabe disso. Não tem outro jeito de conseguirmos juntar alguns dinares.

–         O que é que vocês pretendem fazer?_ perguntou Xena entregando as duas taças com vinho para as duas.

–         O nosso sonho é termos uma taberna-hospedaria só para mulheres, estamos tentando juntar alguns dinares há meses._ contou Acidália.

–         Como não conseguimos trabalhar perto uma da outra, resolvemos fazer programas._ disse Amanda ainda sem encarar a guerreira.

–         Como vocês se conheceram?_ perguntou Xena já sentada defronte as duas.

Acidália passa o braço por cima dos ombros da namorada e diz:

–         Eu fui contratada pelo pai dela, que era um grande fazendeiro, para protegê-la e levá-la para bem longe daquela fazenda. E foi o que eu fiz. Quando voltamos, como o combinado, não existia mais a fazenda, toda ela tinha sido destruída e o pai e o irmão dela tinham sido assassinados. As terras foram leiloadas pelo governo e não tínhamos como provar que ela era a herdeira. As pessoas que ela conhecia nos aconselhou a ir embora dali, pois se descobrissem que havia uma herdeira a matariam.

–         E vocês estão juntas desde então.

–         Sim, estamos. E eu pensei que poderia protegê-la… Que droga de guerreira que eu sou…

–         Para mim você é a melhor, porque você é a minha guerreira._ disse Amanda acariciando com a mão o rosto da amada.

 A essas palavras da loura, fez Xena lembrar de uma outra loura que enterneceu seu coração. Tomou uma decisão. Tirou da cintura uma pequena sacola e disse antes de dá-la a ruiva:

–         Acho que isso vai ter melhor proveito com vocês. Pelo menos poderão realizar o sonho de vocês.

Depois que as duas viram a quantidade de dinares na sacola, Acidália diz:

–         Por que você está dando essa pequena fortuna pra gente?

–         Porque será de melhor proveito.

–         E como poderemos retribuir?_ ainda Acidália.

–         Abrindo essa taberna.

–         Então será feito. Em pouco tempo, pode procurar em algum lugar uma taberna de nome “Guerreira”._ disse a ruiva.

–         E você será sempre muito bem recebida._ completou Amanda.

Despediram-se e Xena foi para o celeiro onde Argo estava, decidiu que passaria a noite ali.

–         Sabe Argo, estou sentindo uma falta danada da nossa barda. Até mesmo de servir de travesseiro pra ela. Eu até gosto, é uma sensação agradável e me faz sentir importante, necessária. Gosto dela mesmo quando tagarela e quase não me deixa dormir. Sinto a falta dela._ Argo relincha_ É e você também.

Xena colocou o cobertor em cima de um feixe comprido de capim ao lado de Argo. Deitou e pensou: “Eu entendo a Acidália por não querer que ninguém encoste a mão na sua garota. Eu também não gostaria que ninguém encostasse um dedo sequer na minha barda”. Fechou os olhos e os abriu logo a seguir, espantada pelo que dissera. Depois se virou de lado e custou a dormir.

Já haviam se passados seis meses. No dia combinado, Xena já estava sentada na beira do chafariz da praça bem em frente ao portão da Academia, quando este se abre e os alunos saem apressados para se encontrarem com os seus familiares. A guerreira que estava segurando as rédeas de Argo, ao ver as cenas de carinhos familiares, diz bem baixinho para a égua:

–         Estou me sentindo um pouco ridícula, Argo, parada aqui esperando pela nossa amiga. Fazer o quê? Promessa é dívida.

Neste instante alguém lhe tampa os olhos com as mãos. Xena as apalpa dizendo:

–         Pelo tamanho das mãos deve ser a garotinha lá de Poteidaia.

Gabrielle tira as mãos dos olhos dela e debruçando-se por trás com o queixo no ombro da guerreira, diz ao seu ouvido:

–         Garotinha? Acho que você ainda não me viu direito.

E após de dar um beijo na face direita de Xena, Gabrielle fica de frente para ela. Surpresa pelo o que agora vira em sua frente, não era mais aquela garotinha de Poteidaia, mas uma jovem e formosa garota. Gabrielle havia adquirido formas, mas o rosto ainda era de menina.

–         Você está linda!_ disse Xena.

–         E você ainda mais do que eu me lembrava._ disse atirando-se nos braços da guerreira num “extremado-Gabrielle-abraço”.

–         Ôua!_ disse Xena se equilibrando e sorrindo, com isso tendo a certeza que a barda continuava a mesma.

–         Pensei que você não viesse… que tivesse me esquecido._ ainda abraçada a ela.

–         Como eu poderia te esquecer? Além disso, Argo não deixaria.

Gabrielle solta Xena e abraça o pescoço da égua, dizendo:

–         Oh, Argo, eu também senti a sua falta. Você está linda.

Argo relincha balançando a cabeça.

–         Viu só, Xena. Ela também sentiu a minha falta.

Xena disfarçou com um pigarro pra não rir.

–         Já podemos ir embora, não é Xena?

–         Você está querendo ir a algum lugar?_ perguntou Xena pegando as rédeas de Argo.

–         Para Amphipolis.

–         Para Amphipolis?!

–         Você se esqueceu? Quero conhecer a sua cidade, a sua família e a sua mãe. Você prometeu.

–         Acho que não é uma boa idéia, Gabrielle.

–         Vocês ainda não fizeram as pazes?

–         Como? Se ela tem uma cabeça dura.

–         Agora já sei a quem você puxou.

A guerreira olha sério para ela.

–         Brincadeirinha._ disse a barda num sorriso escabreado repuxando os lábios de boca fechada.

A guerreira balançou a cabeça como dissesse que aquela garota não tinha jeito mesmo. Perguntou:

–         Vamos almoçar?

–         Carne de javali?

–         Por que carne de javali?

–         Porque a última vez que comi javali foi com você.

–         Aí na Academia eles não servem carne de javali?

–         Não. Só comemos o que produzimos e criamos. O mais perto da carne de javali que comi foi carne de porco. E eu cheguei a sonhar que comia lá naquela taberna especialista em carne de javali.

–         Está bem já me convenceu, vamos almoçar na taberna aqui da praça, o prato de hoje é javali.

–         Humm…_ suspirou Gabrielle esfregando as mãos.

Após o almoço, como sempre, a barda pediu que levassem a sobra do almoço pro jantar.

–         Vou deixar você escolher: prefere dormir numa pousada ou ao ar livre?

–         Sob a luz das estrelas.

Xena riu, era o que ela também queria.

Saíram da taberna. Gabrielle que havia retalhado duas maçãs pra Argo, enquanto a alimentava, pergunta pra Xena que estava desamarrando as rédeas presas num suporte da varanda da taberna:

–         A gente vai mesmo de barco?

–         Direto do porto daqui pra Amphipolis.

–         Ai, ai._ suspirou Gabrielle resignada.

–         Que roupa é essa?_ perguntou Xena se referindo ao top de cor verde e uma saia marrom retorcida.

–         Pensei que não fosse notar. Gostou?

–         É bonita e prática.

–         E é a roupa que todas as jovens atenienses estão usando.

–         Gabrielle como você sabe disso?

–         Todo o último domingo de cada mês, pela manhã, tem tido uma feirinha lá na praça. Cada turma sai com o seu monitor e podemos fazer compras. Comprei com o dinheiro que você me deu. Mas do cajado, você não vai dizer nada?

–         Nem preciso, sabia que você ia trazê-lo.

–         Não desgrudo dele. Tenho treinado bastante com ele.

–         Isso é bom, gostei de saber disso. Vamos?_ disse Xena estendendo a mão pra puxar Gabrielle após ter montado em Argo.

Cavalgaram e andaram até um lugar meio escondido na floresta, fora da estrada. Passaram por entre árvores estreitas até chegarem à beira de um riacho.

–         Vamos acampar aqui._ disse Xena.

–         Que lugar lindo!_ exclamou a barda.

–         Vou pegar uns gravetos para a fogueira, hoje deve anoitecer cedo. Como não é lua cheia deve ficar bem escuro.

–         Pode deixar que eu cuido de Argo.

Assim que terminou de cuidar de Argo, Gabrielle ficou observando a guerreira arrumando a fogueira ainda sem acendê-la. Xena nota:

–         O que foi? Ainda não acendi porque estava escolhendo os galhos mais secos.

–         Você não sabe como senti falta desse momento._ disse Gabrielle se aproximando.

–         Desse desconforto?

–         De estar ao seu lado.

Xena não diz nada. Pega as duas pedras especiais e batendo uma na outra provoca no atrito uma faísca de fogo que acende a fogueira. Depois, senta-se no pedaço de tronco ao lado da fogueira, dizendo:

–         Vamos conversar um pouco? Quero que você me conte tudo sobre a Academia.

Gabrielle senta-se ao lado dela e começa a falar daquele jeito todo próprio, cheio de gestos e entusiasmo. Xena a ouvia com atenção e constatou, sem dúvida, que era a mesma garota que conhecera, só que agora estava mais bela, mais atraente, quase uma mulher. Estava tão entretida que quase levou um susto quando Gabrielle tocou seu braço dizendo:

–         Olha Xena, já está anoitecendo.

–         É mesmo. Bem, vou tomar um banho antes de comer._ disse a guerreira tirando as botas.

–         Vou também._ disse a barda tirando as botas também.

Enquanto a guerreira desprendia a armadura, Gabrielle foi pegar os panos de banho e o sabão na bolsa de montaria. Quando voltou, quase cambaleou ante a visão da guerreira nua a sua frente.

–         Você não vem?_ perguntou Xena caminhando para o riacho.

–         Já… já estou indo_ gaguejou Gabrielle tirando a blusa e a saia. Colocando em seguida, cobrindo-lhe à frente, o pano de banho. Depois tirou a calça e foi até a beira do riacho, mas não viu a guerreira.

Xena que havia mergulhado, emerge e diz para a barda que ainda estava parada:

–         Por que você está parada aí, Gabrielle?

–         É que você havia sumido… Vou colocar os nossos panos de banho aqui em cima dessa pedra.

–         E traga o sabão._ pede Xena e desvia o olhar pro outro lado, pois percebera que a barda estava inibida.

Instantes depois, Gabrielle está ao seu lado.

–         Também senti falta disso. Como é bom tomar banho ao ar livre._ disse a barda submergindo em seguida. Ao ficar embaixo d`água percebeu que a água era cristalina, por demais transparente, mesmo já anoitecendo ela pode ver ali na sua frente o corpo nu da guerreira. Emergiu depressa.

–         O que foi, engoliu água?_ perguntou Xena ao ver a garota se engasgar.

–         Um pouco._ disse num sorriso patético, de lábios repuxados e desconcertados.

Xena dá um tapa na água espirrando no rosto da barda que salta um grito. A guerreira começa a rir. Imediatamente, Gabrielle dá um tapa mais forte na água espirrando com mais força no rosto da guerreira. E aí foi declarada a guerra, ambas de olhos fechados esborrifavam com as mãos água pra todos os lados. Num dado momento, ao abrir os olhos, Gabrielle percebeu que Xena havia sumido. Olhou para todos os lados e não a viu. Quando de repente a guerreira surge as suas costas empurrando-a pelos ombros e a afundando na água. Mas, logo a seguir puxando-a para cima.

–         Agora está iniciada, Gaby.

–         Ai, Xena, que susto!

–         Há anos que não faço isso. A última vez foi com o meu irmão Lyceus._ disse a guerreira tocando na ponta do nariz da barda com a ponta do dedo indicador.

–         Onde você estava?

–         Estava aqui embaixo d`água.

Gabrielle corou, pois lembrara que como ela embaixo d`água vira a guerreira nua, Xena a vira também.

–         Vamos sair? Estou com fome._ disse Xena instantes depois de se banharem.

Gabrielle concordou e seguiu atrás de Xena. Assim que saíram da água, a barda se enrolou no pano.

Quando estavam comendo um uivo cortou o silêncio.

–         Xena, não vai me dizer que isso foi um lobo?_ perguntou a barda assustada.

–         É sim, Gabrielle. Mas está muito longe, não se preocupe.

–         Com você por perto, eu estou tranqüila._ disse a barda ainda com os olhos arregalados.

Xena sabia que, novamente, iria servir de travesseiro para a barda. E ela se sentia feliz com isso.

Mais tarde, quando estavam deitadas e como Xena previu, a barda estava grudada à suas costas dormindo. Mas ela ainda não havia conseguido pregar os olhos, pois lembrava da cena ocorrida no riacho, onde ao mergulhar vira o belo corpo daquela garota.

Acordaram cedo e partiram em direção ao porto. Onde pegaram um barco rumo a Amphipolis. Como sempre acontecia, à noite, Gabrielle contava histórias para os passageiros e tripulantes do barco e assim o tempo passava mais depressa. Uma semana depois ancoram no porto da cidade natal da guerreira, que comenta ao pisar no cais:

–         É por isso que eu gosto de viajar nos barcos novos, se viéssemos num barco antigo levaríamos mais do dobro dessa viagem.

–         Que bom está em terra firme!_ exclamou Gabrielle dando um corrupio.

–         Gabrielle, não seria melhor primeiro almoçar aqui e depois irmos para a taberna da minha mãe?

–         Não, Xena. Ainda está muito cedo para o almoço. E eu quero almoçar lá, pois quero provar da galinha ensopada que sua mãe faz.

–         Isso se ela não nos expulsar de lá.

–         Não acredito que ela vá fazer isso.

–         Bem, se ela fizer comeremos peixe. O rio perto de casa é bem farto.

–         Nada de peixe, galinha ensopada.

Pouco tempo depois, já estavam paradas na frente da taberna-hospedaria de Cyrene.

–         Vamos entrar?_ perguntou a barda já dentro da varanda caminhando em direção à porta.

–         Vá você, eu espero aqui.

Gabrielle não discutiu, empurrou a pequena porta e entrou. Procurou com o olhar até encontrar atrás do balcão uma senhora muito bonita de olhos azuis iguais aos de Xena. Se aproximou dela dizendo:

–         Oi, meu nome é Gabrielle. Você deve ser Cyrene, a mãe de Xena. Queria muito conhecê-la._ e deu um sorriso tão luminoso que conquistou de imediato a simpatia de Cyrene. E começaram a conversar como se já se conhecessem.

Xena que havia entrado e estava num canto perto da porta, um pouco ansiosa, prestava atenção na conversa das duas, mas não conseguiu ouvir o que falavam. De repente ficou apreensiva ao ver a sua mãe e Gabrielle se aproximarem. Não conseguiu ver o rosto da barda, pois Cyrene estava na frente. Ainda sem encarar a mãe, Xena diz quando ela pára a sua frente:

–         Oi, mãe, eu…

–         Oi, filha. É assim que cumprimenta a sua mãe?

Xena levanta os olhos, a olha espantada e então vê Gabrielle que lhe sorri e indica com um gesto de cabeça para que ela tomasse uma iniciativa. Percebendo o embaraço da filha, Cyrene a toma nos braços dizendo:

–         Minha menina.

–         Oh, mãe, me perdoe…

–         Não diga nada agora, Xena, vamos ter muito tempo para conversar. Vocês devem estar cansadas, com fome… Venham, vamos para a cozinha, lá ficaremos mais à vontade e eu vou servir aquela galinha ensopada que tanto você gosta, Xena.

–         Tem alguém aqui que está ansiosa para provar dessa galinha._ disse Xena apontando com o polegar pra barda.

–         E com a fome que estou…_ disse Gabrielle passando a mão em círculos em menção ao estômago.

Xena pega a mão dela que estava em movimento e a olha com carinho e gratidão. Gabrielle ri daquele jeito de franzir o nariz que tanto a guerreira gosta.

Instantes depois.

–         Bem que você disse, Xena, que essa galinha é realmente deliciosa._ disse a barda ainda comendo.

–         Agora acredita._ não fora uma pergunta, mas uma afirmativa que a guerreira fazia questão de confirmar.

–         Vocês devem estar cansadas. Vocês vão ficar, não é mesmo?_ perguntou Cyrene um pouco apreensiva.

–         Com certeza._ respondeu Gabrielle olhando para Xena.

–         Então, eu mesma vou preparar o seu quarto, Xena.

–         Você ainda o conservou, mãe?

–         Sim, meu coração sempre soube que um dia você voltaria para casa._ disse passando a mão no rosto da filha.

–         Mãe, a gente só vai ficar uns dias.

–         Eu sei, a Lindinha me contou.

–         E a Lindinha por acaso disse que estamos há dias sem tomar um banho decente?_ disse olhando pra barda.

–         Nesse caso vocês poderão escolher: temos quatro reservados de banho com água saindo da torneira, isso para banho frio.

–         Não tem uma tina, mãe?

–         Você não deixou que eu terminasse de falar, Xena. No meu quarto tem uma, mas é muito pequena. Talvez se a Lindinha quiser…

–         Obrigada, Cyrene, mas não precisa se incomodar vou usar o reservado._ diz olhando para Xena.

Ao saírem da cozinha, Xena pergunta pra Gabrielle:

–         Por que você não quis tomar banho de tina?

–         Não seria justo sem você._ disse passando por ela e indo atrás de Cyrene.

A guerreira se sentiu surpreendida com aquela revelação. Aquela barda sempre a surpreendia.

Quando Xena entrou no quarto acompanhada de Gabrielle e sua mãe, ela percebeu que tudo estava exatamente como era antes. A cama enorme perto da janela, o armário de roupa e a mesinha com a cadeira onde ela acostumava estudar em frente à janela. Recordações povoaram a sua mente. Reagiu colocando as bolsas de viagem num canto e dizendo:

–         Mãe, se me lembro bem, está tudo igual como eu deixei. Ninguém usou este quarto?

–         Não mexi em nada, Xena. Apenas lavei as roupas sujas e as coloquei no armário. Nunca deixei ninguém entrar aqui.

–         Xena como o seu quarto é bonito! Bem mais espaçoso que o meu lá em Poteidaia._ disse a barda.

–         Agora vamos ver um quarto para a Lindinha._ disse Cyrene.

–         Não precisa mãe, ela vai ficar aqui.

–         Mas, Xena, tem quarto sobrando.

–         Xena e eu temos dividido os quartos nas hospedarias das cidades que passamos. Cada um! Que não chega aos pés desse aqui.

–         Se vocês preferem assim… Antes de dormir troquem a roupa da cama, tem roupa limpa no armário.

–         Pode deixar que eu troco._ disse Gabrielle.

Assim que Cyrene saiu, Gabrielle disse:

–         Xena seu quarto é muito lindo.

–         Você já disse isso.

–         E você precisava ver seu rosto quando entrou aqui. Parecia uma adolescente.

Xena que tinha ido até o armário, após abri-lo diz:

–      Vem cá Gabrielle, olha só: além das roupas de cama e de banho, as minhas roupas… as minhas velhas roupas.

Gabrielle olhou uma por uma. Além de uns poucos vestidos, saias e blusas, havia uma meia dúzia de camisas masculinas e também duas calças masculinas.

–         Todas essas roupas foram feitas pela minha mãe._ ao ver o olhar admirado da barda e conclui: Me lembro quando pedi que ela fizesse as duas calças para que eu pudesse montar e ir para a lavoura com Toris e Lyceus. Eu tinha que estar em pé de igualdade com eles, principalmente quando a gente lutava.

–         Lutava?

–         Toris ensinou a mim e a Lyceus a lutar com espada e a bater e se defender. Depois te conto com mais detalhes. Quer conhecer a cidade?

–         Primeiro quero tirar esse cheiro de maresia.

–         Então venha, eu sei onde ficam os reservados.

Momentos depois de tomar um banho bem prazeroso, Gabrielle entrou no quarto e ficou surpreendida pelo que vira: Xena estava vestida com uma daquelas camisas de cor azul clara e calça comprida preta. Estava linda.

–         Faz dez anos, mas as roupas ainda dão em mim. Eram bem folgadas. Bem, eu era magra, agora estão quase justas._ disse a guerreira se olhando num velho espelho comprido e grande pregado na frente do armário.

–         Você está linda. As roupas ficaram perfeitas em você._ disse Gabrielle vestida num roupão e após olhar ao redor, pergunta: Cadê as minhas roupas?

–         As que estavam na sua bolsa, eu coloquei no armário e as sujas, mamãe levou pra lavar, levou até o meu traje.

–         Vou mudar de roupa e vou ajudar Cyrene.

–         Se eu conheço bem a minha mãe, ela não vai deixar.

–         Não é justo e nem quero dar trabalho.

–         Pode ficar sossegada, mamãe tem uma ajudante que cuida da limpeza. Agora mude de roupa que eu quero mostrar a cidade pra você. Enquanto isso eu vou ver como Argo está. Ah, se quiser pode usar qualquer roupa minha que der em você.

 Após ver Argo e achando que a barda estava demorando, Xena foi atrás dela e ao entrar pela cozinha a encontra conversando com a sua mãe. Ficou parada na porta olhando para a barda que estava vestindo uma blusa branca de mangas curtas e franzidas e de decote largo também franzido.

–         Está reconhecendo? A blusa é sua. Deu perfeitamente em mim. As saias é que ficaram muito compridas, por isso que estou usando a minha.

–         Sem dúvida que ficou melhor em você. Vamos dar um passeio?

–         Vá, Lindinha, depois a gente conversa._ incentivou Cyrene ao perceber que Gabrielle ficara sem jeito.

–         Está bem, mãe. Depois então a gente continua com a nossa conversa._ disse a barda antes de sair.

–         Mãe?!_ disse Xena a seguindo.

–         Ela quer que eu a chame assim e eu gosto.

–         Hum, estou vendo que você já conquistou a minha mãe._ disse Xena levantando levemente a sobrancelha.

Gabrielle virou para a guerreira e disse seriamente:

–         Olha, Xena, eu não tenho nenhuma intenção de me interpor entre você e a sua mãe. Eu realmente gosto dela, mas se você quiser…

–         Oh, Gabrielle, eu estava brincando. Adorei saber que você gosta da minha mãe e ela de você. E quero que continue a chamando de mãe. Agora vamos, quero te mostrar um lugar onde o pôr-do-sol é uma das coisas mais bonitas que já vi e é o meu lugar preferido. Enquanto isso, vou te mostrar a cidade até o momento de irmos para lá.

Xena mostrou a cidade e apresentou toda pessoa que encontrava para a barda. A guerreira percebeu que todos pareciam encantados com a sua jovem amiga. E constatou que, realmente, Gabrielle era danada para fazer amizade, como ela era encantadora.

Chegado o momento, Xena a leva ao seu lugar predileto, uma praia pequena à beira do rio.

–         Nessa praia quase ninguém vem, ela fica escondida debaixo dessa ribanceira. Não vamos descer até lá porque já vai anoitecer, mas amanhã a gente vem pra tomar banho e pescar.

–         É muito lindo mesmo, Xena._ disse Gabrielle olhando na beira da ribanceira a pequena praia.

–         Olha, o sol está se pondo._ disse Xena sentando-se numa pedra e indicando a ponta para a barda sentar.

Gabrielle se sentou ao lado dela dizendo:

–         Que maravilha! Lá em Poteidaia é tão difícil ver o pôr-do-sol.

–         Por quê?

–         É que o rio fica um pouco longe de casa. Papai nunca deixou eu e Lila irmos com a nossa amiga Serafim ao entardecer até o rio. Pra dizer a verdade, eu nunca vi nem o amanhecer, o sol surgindo de algum lugar.

–         Então amanhã você verá.

–         Você vai me trazer aqui?

–         Bem cedo.

Gabrielle encostou a cabeça no ombro de Xena dizendo:

–         É tão lindo, Xena.

Xena sentiu vontade de passar a mão na cintura da barda e ficar abraçada com ela, mas achou melhor deixar a mão onde estava, sobre a perna.

À noite, após o jantar, as três estavam sentadas na varanda conversando.

–         Agora só falta Toris voltar._ disse Cyrene.

–         Tem notícias dele?_ perguntou Xena.

–         O Sr. Dimitrius, o dono do armazém, viu Toris na Trácia há uns meses atrás.

–         Quando eu levar Gabrielle de volta pra Academia vou atrás dele e vou trazê-lo de volta.

–         Se você quiser podemos ir procurá-lo logo._ disse Gabrielle.

–         Não, daqui a alguns dias vamos para Poteidaia e de lá para Atenas.

–         Você se esqueceu que eu tenho dois meses e meio de férias? Só quero ir pra Poteidaia quando estiver perto de ir para a Academia._ disse a barda.

–         Mas por quê, Lindinha, você não quer ir para a sua casa?_ perguntou Cyrene.

–         Não é que eu não queira ir para casa, se fosse pela minha mãe e pela minha irmã eu iria correndo. Mas, é por causa do meu pai, sei que vou me aborrecer muito._ e Gabrielle contou para Cyrene a sua história.

Mais tarde.

Quando Xena entrou no quarto, a cama já estava arrumada. Gabrielle havia colocado dois travesseiros, duas cobertas e estava sentada, na cadeira da mesinha ao lado da cama, escrevendo num pergaminho.

–         O que você está escrevendo?_ perguntou Xena puxando a cortina da janela.

–         Aquela história que você me contou sobre a M`ila, a escrava gaulesa que te ensinou os pontos de compressão, sobre a morte dela e sobre César.

–         E a quem vai interessar isso? Você está perdendo o seu tempo._ disse Xena tirando a calça comprida.

Gabrielle enrolou o pergaminho e se dirigindo para a cama disse:

–         Xena, eu acho que vou passar a minha vida escrevendo as suas vivências, as suas aventuras.

–         Não exagera, Gabrielle._ disse com pouco caso.

–         Não é exagero, você sabe disso._ disse se ajeitando na cama e puxando a coberta.

Antes de deitar na cama, Xena tirou a camisa, ficando só com aquela calça cavada nas nádegas.

–         Xena, essa noite parece que vai ser bem fria, não seria melhor você vestir algo mais quente?_ disse a barda meio sem jeito.

–         Gabrielle, se eu sentir frio, puxo a coberta. E além do mais, no armário só tem roupa de dormir de algodão, eu gosto daquelas de seda transparentes.

Gabrielle olhou pra própria roupa e diz:

–         Eu nunca tive ou vesti uma dessas que você gosta.

Xena que estava de costas se vira para a amiga dizendo:

–         Ah, me desculpe Gabrielle, eu não quis criticar a sua roupa. Sou mesma uma grossa.

–         Não é não, você é sincera. É isso que eu gosto em você, entre outras coisas, é claro.

–         Você é a melhor coisa que me aconteceu._ disse Xena virando-se de costas para ela, ao perceber o quão linda estava aquela garota naquele momento com os cabelos esparramados no travesseiro. E para encerrar a conversa diz: Boa noite, Gabrielle.

A barda responde e se chega um pouco mais pra perto dela. Xena fecha os olhos apertando-os, ficando imóvel. Pouco depois sente a barda encostada às suas costas. Pensa: “Vai ser uma noite terrivelmente maravilhosa que terei que passar e das muitas que virão. Seja o que for isso que estou sentindo não quero perder”.

O dia ainda não havia nascido quando Xena abriu os olhos e se deparou com o belo rosto da barda. Olha-a por uns instantes antes de chamá-la. Mas a barda abre os olhos e percebendo ainda a penumbra, sussurra:

–         Ainda está escuro, Xena, vamos dormir mais um pouco.

–         Bem, se você não quer ver o sol nascendo, pode ficar aí dormindo mais um pouco. Eu vou me vestir e estou indo apreciar o espetáculo.

Gabrielle salta tão rápido da cama que surpreende a guerreira.

Momentos depois, as duas sentadas na pedra vêm o sol despertar como se saísse de dentro do rio.

–         Que coisa linda, Xena!

–         Sabia que você ia gostar.

–         Precisamos vir aqui mais vezes.

–         Eu agora vou pescar, quer vir também?_ disse Xena se levantando da pedra que estava sentada e se dirigindo a estreita descida da ribanceira.

–         Sem vara e sem anzol?

–         Eu vou te ensinar uma maneira melhor._ disse Xena oferecendo a mão pra ajudar a barda a descer.

Depois de vários escorregões e sempre se segurando na guerreira, Gabrielle diz aliviada ao chegar na pequena praia:

–         Ai, Xena, como é difícil chegar aqui!

–         É por isso que ninguém vem aqui. E é por causa disso que é a parte do rio que tem mais peixe._ disse a guerreira arregalando os olhos numa fisionomia brincalhona e esfregando as mãos ansiosamente.

A guerreira mostrou para a barda como ela costumava pescar. Mergulhava e deixava os dedos imóveis, quando o peixe abocanhava-os ela abria a mão e o peixe ficava preso, mas se ele se debatia muito ela o esmurrava. A barda acompanhava tudo a uma certa distância, estava fascinada com que estava vendo.

Cansada de chamar a barda para tentar ensiná-la, Xena ficou fazendo troça no caminho de volta pra casa dizendo que ela tinha medo.

–         Medo? Não é medo. É que esse bicho morde, Xena._ desculpou-se Gabrielle já na cozinha com Cyrene.

Xena exibiu os quatros peixes e mostrou as mãos dizendo:

–         Nenhum arranhão. É medo sim.

Gabrielle ficou sem argumento e franziu a boca e as sobrancelhas contrariada.

–         Não quero que vocês briguem, filhas._ disse Cyrene um pouco apreensiva.

As duas se olham, depois olham para Cyrene e Xena então diz:

–         Mãe, a gente não estava brigando. Isso é um joguinho entre nós duas, entendeu?

–         Não. Mas já que não é nenhuma briga, é isso que importa._ disse Cyrene pegando os peixes e balançando a cabeça como se dissesse que elas não tinham jeito mesmo e saiu dizendo: Crianças!

E assim os dias foram passando.

Gabrielle já era conhecida por todos, inclusive numa festa em comemoração a boa colheita que tiveram e ela fora convidada a declamar uns versos sobre isso.

–         Gabrielle, já vai fazer um mês que estamos aqui e você até agora não se decidiu a ir para Poteidaia.

–         Ah, Xena, vamos ficar só mais uns dias._ implorou a barda.

–         Não, Gabrielle, já marquei a nossa viagem para amanhã. E não adianta me olhar desse jeito._ disse a guerreira desviando o olhar para não ceder.

–         Está bem, você está certa._ concordou a barda um pouco triste e avisou: Vou avisar à mãe que a gente está de partida.

–         Ela já sabe.

–         Então vou recolher e arrumar as nossas coisas.

Assim que Gabrielle saiu, Xena ficou pensando que ela exercia uma certa autoridade sobre a barda, pois Gabrielle não discutia e obedecia as suas ordens.

No dia seguinte, bem cedo, depois de um farto lanche, as duas estavam na estrada.

–         Vai ficar calada quanto tempo?_ perguntou a guerreira montada em Argo.

–         Ah, Xena, não tenho nada pra falar._ disse a barda caminhando ao lado.

–         Venha, suba._ disse Xena estendendo o braço para puxá-la.

Cavalgaram em silêncio até o porto de Amphipolis.

Já dentro do barco, depois de terem almoçado numa taberna no cais, Gabrielle reclama:

–         A gente bem que poderia ter ido por terra.

–         Pelo mar é mais rápido, Gaby. Em dois dias chegaremos no porto de Poteidaia. Sem dúvida que pelo mar é mais rápido.

–         Meu estômago que o diga. Nem consigo comer a sobremesa que a mãe mandou.

–         Que sobremesa?

–         Aquelas tortinhas de amoras.

–         Gabrielle!

Exatos dois dias depois chegaram ao porto de Poteidaia.

–         Onde você prefere almoçar, aqui?_ perguntou a guerreira ao chegar no cais.

–         A gente podia comer na estrada.

–         Caça ou pesca?_ perguntou Xena entusiasmada.

–         Você escolhe.

–         Então vamos ver o que a gente encontra primeiro.

Antes do fim da tarde chegaram na cidade de Poteidaia. Assim que Gabrielle abriu o pequeno portão para que ela e Xena se dirigissem até a porta da casa, foram vistas por Lila que vai ao encontro delas chamando pela mãe. Enquanto as três se abraçavam, Xena viu, novamente, o pai de Gabrielle sair pelos fundos da casa. E isso a preocupou.

–         Xena, eu não sei como posso agradecer por tudo que você está fazendo por Gabrielle._ disse Hecuba segurando as mãos da guerreira.

–         Não precisa agradecer. Eu faço isso pela amizade que sinto por Gabrielle._ disse a guerreira um pouco constrangida.

–         Gabrielle, quanto tempo você vai ficar aqui antes de voltar para a Academia?_ perguntou Lila abraçada a irmã.

–         Nós vamos ficar aqui apenas alguns dias. Depois teremos que voltar à Atenas._ respondeu apontando para si mesma e para Xena.

–         Eu vou levar Argo pro celeiro._ disse Xena um pouco constrangida ao perceber a decepção de Lila.

Assim que Xena se afasta, Lila diz:

–         Ela também vai ficar?

–         Mas é claro, Lila. Xena quem vai me levar de volta à Academia.

–         Eu sei, só que não é agora. Ela bem que podia nos deixar a sós.

–         Lila! Essa foi a coisa mais egoísta que eu ouvi você dizer._ reclamou Gabrielle e olhou para a mãe procurando cumplicidade, mas percebeu que Hecuba apoiava as palavras de Lila.

–         Isso não é só egoísmo, é ingratidão. Vou ver se Argo está bem acomodada._ disse decepcionada.

Ao chegar no celeiro encontrou a guerreira acariciando Argo.

–         Estou vendo que Argo está bem relaxada._ disse a barda se aproximando.

–         Ela merece._ disse a guerreira assanhando a crina no topo da cabeça da égua.

–         Agora é você quem merece de um bom tratamento. Vamos entrar?

–         Olha Gabrielle, prefiro ficar aqui. Vi quando seu pai saiu quando me viu. Não quero tornar as coisas mais difíceis para você e ele. Por isso que vou me hospedar lá na pensão.

–         Não, Xena, eu não vou deixar._ disse a barda agarrando o braço dela.

–         Eu já resolvi Gabrielle.

–         Não quero que você fique longe de mim.

–         Não vou ficar, a pensão é logo ali. E, além do mais, Argo vai ficar aqui aos seus cuidados.

–         Estou envergonhada._ disse a barda saltando o braço dela e cabisbaixa.

–         Por quê, barda?

–         Por isso que está acontecendo.

–         Não precisa se envergonhar Gaby.

–         Como eles podem te tratar desse jeito…

–         Porque eles ainda não me conhecem direito. Essa fama de guerreira faz com que as pessoas se afastem, tenham medo de mim. Ainda bem que eles não sabem do meu passado.

–         Que tal um banho antes do jantar?_ perguntou a barda num sorriso desolado. A guerreira percebeu.

–         Não, vou deixar o banho para antes de dormir. Agora vou até a pensão levar as minhas coisas, não demoro.

Quando Xena chegou para jantar, percebeu que Herodotus não estava. Chamou Gabrielle de lado e perguntou:

–         Seu pai ainda não voltou?

–         Já e já saiu.

–         Sei._ disse Xena olhando para a barda preocupada.

–         Por favor, Xena, não é por sua causa. É por minha causa que ele ainda não se conformou que eu esteja na Academia, que eu esteja longe dele e que eu terminei o noivado com Perdicas.

–         E por falar nisso, por onde anda seu noivo?

–         Ex-noivo você quer dizer. Lila disse que ele se alistou no exército ateniense.

Para Xena o jantar fora muito formal, não se sentira à vontade, apesar de todo o esforço da barda. A guerreira percebeu que Hecuba estava constrangida pela situação em si, pela ausência do marido e pelos modos de Lila ignorando a visita por ciúmes da irmã.

Gabrielle quis levá-la até a pensão, mas Xena a impede dizendo:

–         Me leve até o portão e depois volte para casa. Amanhã a gente se vê.

–         Boa noite, Xena._ e a barda ficou na ponta do pé e beijou a guerreira na face abaixo da orelha.

Xena ainda se sentia desconcertada, ainda estava com a mão no local do beijo quando entrou no quarto da pensão. Assim que acendeu o candeeiro com um outro que trazia na mão, sentiu “o cheiro”.

–         O que é desta vez Ares?_ disse pendurando um candeeiro na parede e colocando o outro na pequena mesa ao lado da cama.

–         Acho que eu vou ter que passar incenso por todo o corpo pra ver se consigo te surpreender._ disse o deus enquanto se materializava.

–         Nem todo incenso da Grécia vai tirar esse cheiro de cachorro sarnento que você tem.

–         Há uns anos atrás você não pensava assim._ disse ele se aproximando.

–         Diga logo porque está aqui, pois estou querendo dormir._ disse estendendo a braço direito e com a mão espalmada o impede de se aproximar mais.

–         Então a menina irritante virou uma mocinha ainda mais irritante… O que é Xena, você a está criando pra você, é isso?

–         Se eu não estivesse tão cansada e não estivesse nessa pensão, eu ia te quebrar a cara.

–         Por que tanta violência, Xena? Apesar de que eu gosto muito disso. Mas, não é verdade o que eu disse?

–         Gabrielle é minha amiga, seu cretino! E como você já deve saber, ela é protegida de Afrodite.

–         Mas o que essa menina tem? Até a tonta da minha irmã caiu de amores por ela.

–         E o quê você tem contra ela? Até agora não consigo ver motivo para isso.

–         Então você não sabe que a luz não combina com a escuridão? Pense nisso Xena, depois não vá dizer que eu não avisei.

E antes que a guerreira pudesse exigir mais explicações, o Deus da Guerra desaparece.

Xena ficou pensando nas últimas palavras dele. Não era a primeira vez que Ares se refere a Gabrielle como “a luz”. E isso a estava preocupando, pois temia pela barda. Quando ia tirar o chakram da cintura, alguém bate a porta. A guerreira a abre com o chakram na mão.

–         Você é Xena, a princesa guerreira?_ perguntou um camponês.

–         Sou eu. O que deseja?

–         Meu nome é Higino, sou fazendeiro de um vilarejo aqui perto. Eu preciso, quer dizer, nós precisamos de sua ajuda.

–         E qual é o problema?_ pergunta a guerreira ainda parada na porta.

–         Conhece o guerreiro Spiros?

–         Conheço. O que tem ele?

–         Ele e seus homens estão tentando tomar as nossas terras. Ele deu um prazo de três dias para que pagássemos uma fortuna, mais até que o valor das terras, senão eles nos expulsariam e tomariam as nossas terras.

–         Quantos homens ele tem?

–         Não deu pra contar direito, mas deve ser uns dez ou doze. Ele só ataca à noite, fica difícil pra perceber.

Xena sentiu que essa era uma boa desculpa pra se afastar por uns dias de Poteidaia sem magoar Gabrielle.

Nem bem amanhecera, Xena foi até o celeiro, atrelou Argo e antes de sair, se dirigiu até a janela do quarto de Gabrielle. Tentou abrir, mas estava fechada. Bateu de leve na janela enquanto chamava o nome da barda. Nada. Bateu e chamou por ela novamente. Nenhum movimento vindo do quarto. Quando ia se retirar, a janela se abriu.

–         Xena, o que…

–         Xiii… Gabrielle, fale baixo. Olha, eu vou ter que me ausentar por uns dias, mas volto para te levar para Atenas._ disse Xena baixinho.

–         Se ausentar? Você vai pra onde?

–         Para um vilarejo aqui por perto, vou tentar resolver um problema.

–         Espera, eu vou com você.

–         Nada disso._ disse Xena segurando o braço da barda pra que não saísse, falando a seguir: Enquanto isso você passa uns dias com a sua família.

–         Mas Xena…

–         Não discuta comigo, Gabrielle. E faça o que eu estou mandando.

Já havia se passado uma semana desde que Xena partira, Gabrielle estava inquieta e aflita, pois não havia recebido nenhuma notícia da guerreira e do tal vilarejo. Numa tarde, quando fora ao armazém comprar sal, encontrou com um velho comerciante que estava de passagem e que ia para o tal vilarejo levar rolos de arames farpados. Pouco depois, lá estava a barda na carroça do comerciante a caminho de onde Xena estava. Foi conversando e contando histórias para ele até chegarem lá.

Assim que a guerreira a viu, foi imediatamente ao seu encontro. A barda se preparou pra levar uma bronca devido ao olhar e a altura da sobrancelha esquerda da guerreira.

–         Gabrielle, o que você está fazendo aqui? Eu mandei que você me esperasse lá na sua casa!

–         Calma Xena, eu vim ajudar._ disse descendo da carroça e mostrando o cajado.

–         Ótimo! Mais uma preocupação!

Depois de ter ajudado os camponeses a usar o arame farpado, e bem mais calma, Xena se aproxima da barda, que também estava ajudando, puxa-a pelo braço num canto, diz:

–         Gabrielle, a sua família sabe que você está aqui?

–         Agora eles devem estar sabendo._ disse a barda sem encará-la.

–         Como agora?_ perguntou Xena ainda sem soltar o braço da barda.

–         Deixei um bilhetinho com o Sr. Dimitrius, o dono do armazém, para que ele entregasse para Lila quando ela fosse atrás de mim e do sal que eu fui comprar.

–         Gabrielle!_ exclamou Xena quase gritando.

–         Xena, entenda, eu não podia dizer nada para eles._ disse desprendendo a mão da guerreira do seu braço que começara a doer.

–         Eu até posso imaginar o que seu pai deve estar falando de mim._ disse passando a mão embaixo da franja.

–         De você não, de mim.

–         Se não fosse tão perigoso, eu ia mandá-la de volta agora mesmo. Só de pensar no risco que você correu vindo aqui…

Gabrielle ficou calada, pois sabia que a guerreira tinha toda razão. Ela realmente fora imprudente, mas não estava arrependida.

–         Você sabe contra quem estamos lutando? Com Spiros, ele era o chefe dos guardas e o primeiro tenente do meu exército. Como eu imaginara, uma parte do exército que ficou sob o comando de Krykus não conseguiu se manter unido, mesmo eu tendo matado Darphus que comandava a outra parte do exército. Spiros deve ter reunido uns doze gatos pingados que sobrou e formou um bando. E anda aterrorizando as estradas e vilarejos por onde passam. Parece que agora eles estão querendo se estabelecer por aqui. Mas eu não vou deixar.

–         Ele sabe que você está aqui?

–         Eu queria fazer uma surpresa, mas um dos homens dele me viu. Por isso, que ainda não atacaram. Já se passaram sete dias, quatro a mais do prazo que foi dado e até agora nem sinal. O tal do “rato espião” dele tem dois dias que não aparece.

–         Quando você acha que vão atacar?

–         Acho que hoje ao anoitecer.

–         Como sabe, se você disse que não tinha nenhum sinal?

–         Acabei de ver uma revoada de pássaros bem estranha, pareciam assustados.

–         Como se alguém os estivessem espantados?

–         Isso. E se eu conheço bem Spiros…

–         E o que vamos fazer? Você deve ter um plano, qual é?_ perguntou a barda batendo com o cajado no chão.

–         O plano é o seguinte: você vai ficar dentro da casa tomando conta das mulheres e das crianças.

–         Mas Xena, eu posso ser útil aqui fora.

–         Será mais útil lá dentro.

–         O que adianta você ter me ensinado a usar o cajado e eu ter treinado durante esse tempo todo, se eu não tenho a oportunidade de demonstrar o que aprendi, que posso ter alguma utilidade.

–         Você terá tempo para demonstrar o que aprendeu em outra ocasião.

–         Mas Xena…

–         Gabrielle eu quero que você me obedeça. O que vai acontecer aqui será uma batalha, não um espetáculo, uma demonstração. Quero você lá dentro e não me desobedeça._ percebendo que a barda ficara triste diz num tom de voz menos autoritário: Gabrielle, você será responsável pela segurança das pessoas que estiverem lá dentro. Fique atenta, olhos aguçados e de cajado na mão.

A guerreira viu como os olhos da barda brilharam de gratidão. E quando ela entrou na casa, Xena diz pra si mesma:

–         E essa agora! Como se não bastasse, ainda vou ter que ficar de olho nela.

Ao anoitecer, como Xena previu, Spiros e seu bando iniciaram o ataque. Primeiro com as flechas incendiárias, que foram arrancadas e apagadas de imediato por um grupo de rapazes treinados pela guerreira para isso; Depois tentaram surpreender pelos fundos, mas caíram na armadilha dos arames farpados, os gritos deles confirmaram isso; E logo a seguir Spiros adentra, ao derrubar o portão, com os seus doze homens. Só então que Xena percebeu que havia um pouco mais do que os doze gatos pingados, mas isso não importava agora, pois já tinham sido neutralizados.

Assim que Spiros avista Xena, manda os seus guerreiros atacá-la, mas a guerreira ao partir para cima dos bandidos dá um assobio e as espadas dos facínoras encontram as foices, os tridentes e as espadas de alguns aldeões que já tinham sido soldados. Xena queria lutar com Spiros, mas este se esquivava e colocava outro guerreiro na frente dela. De repente, Xena percebeu que ele se dirigia para a porta da casa e nesse momento ela estava lutando com dois bandidos. Então puxou o chakram e ia lançá-lo contra Spiros, quando viu Gabrielle surgir por trás dele e golpeá-lo nas juntas dos joelhos. E quando ele tomba no chão, a barda desfere dois golpes que o deixa quase inconsciente. Mantendo a ponta do cajado na garganta dele, ordena:

–         Manda os seus homens se renderem ou… esmago a sua garganta.

Xena consegue se livrar dos dois bandidos e corre pra onde está Gabrielle.

–         Como é Spiros não vai fazer o que ela mandou? Olha, eu não vou me meter no trabalho de outra guerreira. Você é quem sabe, se não morrer vai ficar mudo.

Spiros gritou com todo o fôlego para que seus homens se rendessem. Nem precisava, pois todos os bandidos tinham sido dominados.

Após amarrar Spiros, Xena diz pra Gabrielle:

–         Bom trabalho. Estou surpresa.

–         Eu não disse que eu podia ajudar?_ disse Gabrielle ainda trêmula, mas orgulhosa.

–         Mas quase me matou do coração. Que susto levei ao vê-la atrás daquele facínora.

–         Que nada, ele está muito bem guardado aí._ disse a barda colocando a ponta do dedo indicador na armadura do peito esquerdo da guerreira se referindo ao coração dela.

–         Mas você me desobedeceu novamente, Gabrielle.

–         Você não disse pra eu tomar conta das pessoas dentro da casa? Quando vi que aquele homem ia arrombar a porta, pulei a janela do lado e o ataquei antes que ele me visse. Agora vai brigar comigo depois de me chamar de guerreira?

–         Falei aquilo pra reforçar o que você fez.

–         Xena, o que eu preciso fazer pra te provar e convencer que posso ser a sua ajudante, que sou uma guerreira? E que estou pronta para…

–         Depois que você se formar a gente conversar._ disse a guerreira interrompendo e pondo um ponto final antes que a barda começasse, de novo, com aquela conversa.

Ajudaram os colonos a amarrarem e vigiarem os bandidos durante a noite e na manhã seguinte ajudaram a levar os bandidos até o porto de Poteidaia, colocando-os no barco prisão. Não aceitaram a recompensa, deixaram com os colonos para que pudessem reconstruir o que foi danificado pelos bandidos. Mas tiveram que ficar no porto até o barco partir a pedido do próprio capitão que aguardava a milícia que estava pra chegar. Almoçaram ali mesmo e ficaram de guarda no cais até que o capitão as liberou.

Quando pegaram a estrada que ia para a aldeia da barda, Xena percebeu que já estava bastante escuro e que seria perigoso continuar cavalgando sem praticamente enxergar o que estava a sua frente.

–         Acho mais seguro a gente arranjar um canto e dormir. Devíamos ter ficado lá no porto._disse Xena.

–         O que você sugere?

–         Sair da estrada imediatamente.

Tomaram o rumo de uma viela feita pela própria natureza. Quando um tilintar de espadas desperta a atenção delas. Avançando um pouco mais vêm um soldado lutando com três homens. Se aproximaram, Xena desmonta dando cambalhotas no ar soltando o seu grito de guerra até parar ao lado do soldado, dizendo com a espada em punho:

–         Precisa de ajuda?

–         Bem-vinda._ disse o soldado.

Nisso surgem mais três homens e um deles vai ao encontro de Gabrielle que ainda estava montada em Argo. Xena percebe e diz para o soldado:

–         Pode deixar que eu cuide deles, proteja a minha amiga que está em perigo.

Como Argo era muito alta e Gabrielle ficou com medo de descer, pois não conseguia enxergar onde pisar, segurou firme o cajado e ficou esperando o bandido se aproximar. Percebendo a inexperiência da garota, o bandido dá a volta por trás da égua, mas não consegue chegar perto, pois Argo começa a dar pequenos coices evitando assim a aproximação dele.

Quando o bandido puxou o punhal e ia lançá-lo em Gabrielle, Xena puxou o chakram, mas antes de lançá-lo viu o soldado gravar a espada no tórax do bandido, salvando a barda. E Xena, com a espada numa mão e o chakram na outra, mata os outros dois bandidos restantes. Notando que o soldado ficou ajoelhado na frente do corpo do bandido, vai até lá e pergunta:

–         Você está bem? Está ferido?

O soldado limita-se a balançar a cabeça negativamente.

Xena desmonta Gabrielle, que se aproxima do soldado dizendo:

–         Perdicas, é você?

O rapaz a olha com o rosto coberto de lágrimas, diz:

–         Sou o que restou dele.

–         O que houve Perdicas?_ perguntou se abaixando ao lado dele.

–         Gabrielle, você é a minha única esperança.

–         O que você está dizendo?

O rapaz tira o capacete e ainda ajoelhado, segura as mãos de Gabrielle dizendo:

–         Gabrielle, por favor, se case comigo.

Gabrielle o olha surpresa, olha de imediato para Xena que parecia surpresa e olhando novamente para ele, o escuta dizer:

–         Gabrielle, se você não me quiser, nada mais para mim importa. Você é a minha salvação.

–         Não estou entendendo, Perdicas.

–         Eu estava me sentido perdido com toda essa violência que tenho vivido como soldado. E agora como tenente ateniense comandei uma frota inteira para a morte, sei que estava cumprindo ordens, mas isso não justifica o que aconteceu. Já estava quase desistindo da vida quando vi o seu rosto na minha frente. Então percebi que você é a minha salvação. Gabrielle case comigo.

–         Eu não sei o que dizer…_ disse a barda olhando pra ele e pra Xena.

–         Diga que sim._ suplicou Perdicas encostando as mãos dela na face dele.

–         Não posso te dar uma resposta agora._ disse aflita.

–         É uma decisão muito séria para se resolver assim._ Xena se intrometeu na conversa e conclui: Agora o que temos que fazer é sair daqui e arranjar um lugar tranqüilo para dormir. Amanhã vocês conversam sobre isso.

Escolheram um local pra dentro da floresta, enquanto Perdicas e Gabrielle faziam uma espécie de varredura no lugar, Xena acendia a fogueira. Ao terminar, levanta-se e diz interrompendo o silêncio que se instalara até então:

–         Vamos dormir. Uma boa noite de sono clareia as idéias. Amanhã tudo se resolverá.

Gabrielle e Perdicas concordam com ela. Xena então pergunta a Perdicas como ele foi parar na estrada sem cavalo e apetrechos pra viagem, ele responde:

–         Meu cavalo se assustou com os bandidos e me derrubou.

–         Então amanhã vamos atrás dele.

–         Não precisa, ele deve ter voltado lá para aldeia.

–         Pra Poteidaia?

–         Não exatamente para a aldeia, mas para a minha fazenda que fica atrás da casa de Gabrielle.

Xena fica pensativa. Pega o cobertor de forrar o chão e a manta de Gabrielle e dá pra Perdicas. Depois pega o seu cobertor e a sua manta, que eram maiores do que da barda e chama a barda dizendo:

–         Vem Gabrielle, nós duas vamos dormir juntas.

Gabrielle deita virada pra Perdicas. Xena desatrelou Argo e depois se deitou ao lado dela. Ao puxar com cuidado a manta é que percebeu que a barda estava acordada.

–         Gabrielle.

–         Sim, Xena._ disse virando-se de frente para ela.

–         Tente dormir.

–         Não consigo.

–         Tente.

–         Como posso? Se amanhã vou ter que resolver o meu destino…

–         Vire de bruços, eu vou fazer uma massagem pra você relaxar.

Enquanto Xena aplicava os toques dos seus dedos em pontos específicos nos seus ombros e nuca, Gabrielle olhava para Perdicas e para a sombra da guerreira que estava refletida no espaço do chão entre os dois. Suas pálpebras foram ficando pesadas e em poucos instantes estava dormindo. Xena ao contrário, passara a noite em claro. Estava perturbada, irritada, com raiva até. “Que tinha esse rapaz de ter aparecido…”_ pensou Xena. “Como pode o cavalo dele ter voltado para a fazenda, se ele veio de Atenas?”_ isso a estava intrigando. “Atenas! É isso! Não é um cavalo do exército ateniense. Só um cavalo acostumado a fazer o percurso do porto até a fazenda que poderia voltar a esta. E o cavalo não foi amestrado há tempo para isso, já que Perdicas raramente vem para Poteidaia. O cavalo é daqui, é dele. Então ele mentiu”. E, assim, Xena passou o resto da noite pensando, cismando.

Quando os primeiros raios da aurora riscaram o céu, a guerreira se levantou e acordou a barda chamando-a baixinho e a levando, ainda sonolenta, para um lugar longe do jovem adormecido.

–         O que foi, Xena? O que aconteceu?

–         Preciso falar com você e tem que ser agora.

–         Ainda está escuro…

–         Gabrielle está acordada?

–         Claro, Xena.

–         O que foi que você decidiu?

–         Eu acho que a resposta é sim, Xena._ disse abaixando os olhos.

–         Como assim?

–         Vou aceitar o pedido de casamento dele.

–         Por quê, Gabrielle?

–         Porque… Porque ele precisa de mim e salvou a minha vida. Devo isso a ele.

–         E isso é motivo para que você se case com ele?

–         Xena, você não viu? Ele estava desesperado. Estava a ponto de fazer uma besteira. Não posso permitir que ele faça isso.

Xena segura Gabrielle pelos braços e olhando-a diretamente nos olhos diz:

–         Preste atenção, Gabrielle, é isso que você realmente quer: largar a Academia, se casar com Perdicas e voltar pra Poteidaia? Então seu pai tinha razão, era só fogo de palha o seu ideal.

–         Mas, Xena, você não entende? Ele precisa de mim. Vi o desespero nos olhos dele.

–         E é só por isso que você vai jogar a sua vida fora?

–         Eu não posso deixar que ele desista da vida.

–         Desistindo você primeiro? Como será a vida de vocês? A sua vida, hein? Vou te dizer: será um inferno. Chegará um dia em que você vai culpá-lo pela sua infelicidade. Não, Gabrielle, com sacrifício não se faz felicidade. Eu não vou permitir que você estrague a sua vida.

–         Mas eu não posso… A minha consciência não vai suportar.

–         Você o ama?_ perguntou Xena ainda a segurando pelos braços.

–         Eu… Eu gosto dele. Afinal ele era o meu noivo._ disse Gabrielle sem encará-la.

–         Eu perguntei se você realmente o ama, o quer, o deseja._ disse Xena a encarando.

–         Não, eu não o amo._ disse Gabrielle de olhos baixo e intimidada com aquela proximidade.

Xena suspira aliviada e sem largar Gabrielle diz:

–         Quer continuar sendo minha amiga e minha ajudante?

–         Quero, mas…

–         Então não vou permitir que você case com ele.

–         Xena, eu não sei se terei coragem de dizer não para ele. Seria como se eu lhe virasse as costas.

–         Pois você vai ter que ter coragem e ser sincera com ele. Eu vou estar do seu lado.

Ao voltarem para o acampamento viram Perdicas acordando.

–         Gabrielle…_ ele tentou falar.

–         Perdicas, antes que você fale alguma coisa, eu preciso lhe dizer que eu já me decidi.

–         Vai se casar comigo?_ disse se levantando.

–         Perdicas, você foi o meu primeiro namorado. Ficamos noivos e íamos nos casar. Mas eu não estava preparada para isso. Queria ir para a Academia e fui. Ser uma verdadeira barda é o meu ideal, o meu sonho. Não posso abandonar a Academia para casar com você. Não seria feliz e, principalmente, te faria infeliz também. E isso eu não posso fazer com nossas vidas. Sinto muito.

–         Mas Gabrielle, isso não impede que a gente se case. Eu estou morando em Atenas porque sirvo ao exército de lá e a sua Academia é em Atenas. Podemos casar e morar lá.

–         Como poderíamos casar se eu passo dez meses dentro da Academia e além disso…

–         Por favor, Gabrielle, não precisa dar uma resposta agora, pense mais um pouco. Eu me precipitei, é que eu tenho uma licença de dez dias para ficar aqui em Poteidaia e queria voltar para Atenas casado com você ou, pelo menos, noivo.

Gabrielle olha apreensiva para Xena, que a olha seriamente. Volta a olhar para Perdicas e diz:

–         Sinto muito Perdicas, mas eu não posso me casar com você, porque eu não te amo.

Perdicas nada diz e ruma a caminho de Poteidaia. Enquanto Xena atrela Argo, Gabrielle coloca os cobertores e as mantas nas bolsas. Momentos depois, montadas em Argo, alcançam Perdicas e ele as ignora. Silêncio total até chegarem perto da aldeia, quando ele se despediu apenas com um aceno de mão.

–         Ele está muito magoado, nem quis entrar na aldeia com a gente, foi para a sua fazenda pelos fundos._ disse Gabrielle um pouco triste.

–         Ele vai superar._ disse Xena olhando de soslaio para ela.

–         Eu nunca fiz mal pra ninguém… Estou me sentindo tão mal…

Xena pára, desmonta e ajuda a Gabrielle desmontar dizendo:

–         Parei aqui porque quero lhe dizer uma coisa.

–         E o quê é?

–         Não quero que se sinta culpada, principalmente porque Perdicas não agiu direito com você.

–         Como assim, Xena?

–         Eu descobri que o cavalo, que ele disse que voltou para a fazenda, não é um cavalo do exército ateniense e sim o cavalo dele criado na fazenda aqui em Poteidaia, já que ele garantiu que o cavalo teria voltado para a fazenda.

–         Não estou entendendo.

–         Gabrielle, o que aconteceu ontem não foi coincidência.

–         O que você está querendo dizer, que Perdicas armou aquela emboscada? Mas como ele podia saber que passaríamos por ali?

–         Ares.

–         Ares?!

–         Isso mesmo, o velho e safado Deus da Guerra. Os soldados são devotados a ele e Perdicas também deve ser. De alguma forma aquele canalha ofereceu ajuda a Perdicas que, com certeza, não tinha idéia do que aconteceria.

–         Como você descobriu isso Xena?

–         Passei a noite inteira juntando os caquinhos e me lembrei de que um dos bandidos queria matar você. E antes disso, percebi que Perdicas ficou assustado quando apareceram mais três bandidos e um deles foi direto para você. Posso garantir que o choro dele foi de arrependimento por quase provocar a sua morte.

–         Xena, por que você não me disse isso antes?

–         Porque queria ter certeza que seria uma escolha sua sem que eu precisasse provar nada.

–         Obrigada.

–         Obrigada por quê?

–         Por me proteger de mim mesma. Ia cometer o maior erro da minha vida.

–         Vamos indo. Já escutei o seu estômago se manifestar três vezes.

–         Claro, o coitado está sem comida desde ontem.

Quando entraram pelo portão da casa da família de Gabrielle, Lila correu ao encontro delas, dizendo:

–         Gabrielle, você quase nos matou de susto! Onde você estava sua maluca?

Gabrielle olhou pra Xena e disse baixinho:

–         Vai começar o interrogatório.

 Xena ficou sem saber se ia pro celeiro cuidar de Argo ou se ficava e dava apóio à barda. Resolveu ficar.

Hecuba foi ao encontro da filha fujona, depois de abraçá-la a repreendeu:

–         Gabrielle você está bem? Como você pôde fazer uma coisa dessas com a gente?

Depois de várias explicações de Gabrielle e de Xena contar o heroísmo da barda, finalmente, elas conseguem entrar na casa. Gabrielle olha ao redor procurando alguém.

–         Se está procurando o pai, está na lavoura._ disse Lila ainda abraçada a irmã.

–         Ele deve ter ficado ainda mais zangado comigo._ disse Gabrielle.

–         Zangado e preocupado, tanto que pediu pra Perdicas… Por falar nele…Vocês não se encontraram com ele?

–         Como você sabe disso?_ perguntou Gabrielle olhando para Xena.

–         O pai o incentivou a ir atrás de você. Vocês se encontraram?

–         Sim.

–         E aí?

–         E aí o quê?

–         Vocês fizeram as pazes?

–         Lila, Perdicas e eu não brigamos, nós apenas terminamos o noivado. Olha, a gente está sem comer desde do almoço de ontem. O meu estômago está aos gritos.

Xena não conseguiu conter o riso. Gabrielle se aproxima dela e diz baixinho:

–         Tá rindo de quê? Pensa que eu não ouvi o barulho do seu estômago?

Hecuba e Lila foram providenciar alguma coisa para elas fazerem o desjejum. Xena aproveita para dizer:

–         Estou orgulhosa de você. Já não é mais uma garotinha.

–         E eu tenho muita sorte de ter você sempre ao meu lado.

Depois do farto e delicioso lanche, Xena foi até o celeiro cuidar de Argo e Gabrielle foi cuidar das roupas de viagem, pegando o cobertor e a manta da guerreira sem que ela visse. E a manhã transcorreu tranqüila até que Hecuba, ao mandar Lila avisar Gabrielle e Xena que o almoço iria ser servido, depara-se com o marido aflito na porta da casa aos gritos:

–         Onde está Gabrielle?

–         Foi até o armazém._ respondeu Lila.

–         E aquela… outra?

–         Foi também. E eu vou até lá chamá-las.

–         Vocês sabiam que Gabrielle teve o desatino de recusar Perdicas mais uma vez e sabem porquê? Por causa daquela guerreira!

–         Herodotus, você está sendo injusto!_ replicou Hecuba.

–         Injusto? É por causa dessa mulher que Gabrielle está assim.

–         Não seja injusto homem! Que você não goste de Xena, tudo bem. Mas culpá-la pela esquisitice da nossa filha é demais!

–         Foi por causa dela que Gabrielle saiu de casa.

–         Aí que o senhor se engana, pai. Gaby ia fugir de qualquer maneira. E sabe-se lá o que poderia ter acontecido com ela._ interferiu Lila.

–         Não acredito que ela teria coragem para fazer isso.

–         Herodotus, você não conhece a sua filha mais velha mesmo.

–         O que é que deu em vocês duas para ficarem defendendo essa mulher e atacar Gabrielle?

–         Não estamos atacando Gabrielle, estamos dizendo a verdade._ se defendeu Hecuba.

–         Pai, o senhor mesmo disse que Gabrielle é diferente da gente, chegou a dizer que ela é meio doida._ disse Lila.

–         Falei isso no momento da raiva.

–         Pai, nós temos que agradecer a Xena por ela ficar levando e trazendo Gabrielle sem nenhuma obrigação._ ainda Lila.

–         Se você não é grato, eu sou. E quero que ela seja bem tratada toda vez que vier aqui._ disse Hecuba pondo um ponto final na conversa.

Herodotus, totalmente irritado, sai batendo a porta.

Xena que havia entrado para colocar as compras que fizera com Gabrielle no quarto dela, ficou o tempo todo ali dentro escutando a conversa sem poder sair. Tentou pular a janela, mas lembrou que o cajado da barda estava encostado do lado de fora da janela impedindo que abrisse sem que fizesse barulho. Quando Herodotus sai e as duas vão para a cozinha, ela aproveita para sair. Vai até o celeiro onde a barda estava alimentando Argo.

–         Xena como você demorou!

–         Gabrielle, não diga nem pra sua e nem para Lila que eu estive há pouco no seu quarto.

–         Por quê, Xena?

–         Depois eu te explico. Lila vem chegando.

Lila tentou levar as duas para almoçar, mas Xena não quis ir, preferiu ficar ali mesmo. No entanto pediu que Gabrielle almoçasse com sua família.

Instantes depois, chega a barda com o almoço da guerreira.

–         Queria almoçar aqui com você, mas mamãe quer conversar comigo.

–         Eu também. Depois, quero ter uma conversa contigo.

–         Sobre o quê?

–         Vá conversar primeiro com sua mãe, depois a gente conversa._ disse Xena se sentando num feixe de feno e começando a comer.

Assim que sentou à mesa, Gabrielle percebeu que o prato do seu pai não estava ali. Perguntou:

–         E o pai?

–         Saiu._ respondeu Hecuba.

–         O que está acontecendo mamãe?

–         Seu pai soube que você recusou novamente o pedido de casamento de Perdicas.

–         Como ele soube disso? Eu não falei nem para vocês.

–         Por Perdicas. O pai tinha mandado Perdicas atrás de você._ disse Lila.

–         Então não foi mesmo um encontro casual. Aposto que foi ele quem sugeriu a Perdicas para me pedir em casamento novamente._ disse Gabrielle e se levantando avisa: Volto já, preciso fazer uma coisa antes.

Gabrielle conta o ocorrido a Xena.

–         Xena, você tem idéia de como estou me sentindo? Eu ia ser enganada não só por Perdicas, mas pelo meu pai.

–         Não creio que Perdicas tenha mentido para você, Gabrielle.

–         Como não? Se foi meu pai quem o mandou atrás de mim.

–         Ele foi atrás de você porque a ama e eu vi sinceridade nos olhos dele.

–         Mas porque fingiu e armou aquilo tudo?

–         Quem armou aquela encenação toda foi Ares.

–         Isso não justifica o que ele fez tentando me enganar.

–         E isso faz alguma diferença pra você? É importante para você? Mudaria a sua decisão?_ perguntou a guerreira olhando-a seriamente.

–         Não, mas não gostei de me sentir usada, de quererem me ludibriar… Estou decepcionada com meu pai, eu acho que ele não gosta de mim.

–         Não diga isso, Gabrielle. Talvez por gostar muito de você que ele agiu assim. Ele gosta tanto de você que a quer aqui perto dele. Tenho certeza disso.

–         Obrigada.

–         Está me agradecendo por quê?

–         Por você ter sempre a palavra certa para mim. Por fazer ver e entender além do meu limite. Eu nunca vou poder agradecer a você o suficiente por ser minha amiga.

E um “extremado-Gabrielle-abraço” deixou a guerreira sem graça, disse apenas:

–         Vai almoçar, estão te esperando.

Assim que acabou de almoçar Gabrielle foi até o celeiro.

–         Xena o que você queria conversar comigo?

–         É sobre a sua atitude de hoje. Gabrielle, você me deixou preocupada.

–         Minha atitude… Te deixou preocupada… Com o quê, Xena?

–         Com as suas atitudes contraditórias, as suas repentinas mudanças de opinião.

–         Atitudes contraditórias… Mudanças de opinião… Não estou entendendo, Xena?

–         Se você não me interromper eu posso explicar.

–         Pode falar, não vou mais te interromper.

–         Gabrielle, primeiro você era noiva de Perdicas e então decide ir para a Academia e termina o noivado; Então, me conhece, quis deixar a Academia para ser minha ajudante; E, agora, quase deixa a Academia e a mim, para casar com Perdicas. Tá entendendo, ou vou ter que explicar de novo?

Gabrielle estava atônita olhando para ela. Ficou sem saber o que dizer. A guerreira conclui:

–         É, eu acho que você realmente ainda não sabe o que quer.

–         Engana-se, eu sei sim. Se eu quase aceitei o pedido de casamento de Perdicas foi porque senti pena dele. Eu já o havia magoado antes, não queria magoá-lo novamente, não naquele momento em que eu pensava que ele iria fazer uma besteira. Quanto a ser sua ajudante, eu realmente quero isso e sei que serei, assim que sair da Academia.

–         Agora quem está enganada é você, pois você já provou que pode e é a minha ajudante. Ah, e antes que você me dê um abraço daquele, quero avisar que estou com agulha e linha na mão e que acabei de reforçar a costura do meu traje de baixo.

Mesmo assim, isso não foi empecilho para a barda deixar de dar um abraço carinhoso naquela tão querida guerreira.

Antes mesmo do dia previsto, elas partem para Atenas. Gabrielle havia pedido para Xena que não queria ficar mais ali com medo que o seu relacionamento com o seu próprio pai se tornasse impossível.

Dias depois, quando chegaram em Atenas, ao saírem do cais, encontram-se com um velho conhecido da guerreira.

–         Xena! Foram os deuses que me guiaram até aqui para te encontrar!_ disse um homem velho e de roupas extravagantes.

–         Oi, Tynus, o que é que há?

–         É Aglaia, ela está precisando muito da sua ajuda.

–         O que aconteceu?

–         Os irmãos Lucius e Virgilius estão querendo tomar a casa de show de Aglaia.

–         Tomar?

–         É, primeiro eles quiseram comprar por uma ninharia. Aglaia não quis vender. Então eles deram um prazo para Aglaia assinar a compra da casa por bem ou por mal. Foi isso o que disseram. Você pode nos ajudar, por favor?

–         Xena e eu iremos ajudá-los._ respondeu de imediato a Barda.

–         É, vamos._ disse Xena olhando seriamente pra barda.

–         Oh, graça a Zeus!_ exclamou o homem levantando as mãos para o céu.

–         Não, graças a Gabrielle._ corrigiu a guerreira e pergunta: Ainda tem alguma hospedaria ou pensão lá por perto?

–         Tem sim, mas porque a pergunta?

–         Porque antes de ir ver Aglaia quero encontrar um lugar pra me hospedar com a minha amiga.

–         Xena, vocês podem se hospedar lá mesmo. Imagina se Aglaia vai deixar vocês irem para outro lugar.

–         Tynus, não posso levar Gabrielle para lá, digo, nos hospedar por lá. Entendeu porquê?_ Xena fez sinal com a cabeça indicando a barda.

–         Ah, entendi… Mas quanto a isso não se preocupe, a casa tem duas partes distintas. Vocês podem ficar no lado residencial.

–         Nós vamos._ disse Gabrielle olhando pra Xena e dando um meio sorriso para ela.

–         Então venham, por favor, me sigam. Estou com a minha charrete aqui, vim buscar esses dois tonéis de licor, além de procurar ajuda, posso dar uma carona para vocês.

–         Gabrielle vai com você na charrete e eu vou em Argo._ disse ajudando a barda a subir.

Ao chegarem na cidade, Tynus da à volta por trás da casa, dizendo:

–         Vamos entrar pelos fundos, pois pode ser que tenha algum espião lá na frente.

Entraram pelos fundos daquela casa que, por fora, era extremamente colorida em tons de rosa, azul, verde, amarelo, vermelho escuro, marrom e lilás. Gabrielle estava espantada, pois nunca vira nada igual. Percebendo, Xena cochicha ao seu ouvido:

–         Quase as cores do arco-íris. Prepare-se agora para ver por dentro.

Assim que passaram pela cozinha que era igualzinha a tantas outras, adentraram no grande salão. Gabrielle não só arregalou os olhos como ficou de boca aberta com o que estava vendo. As cores da parede eram rosa com ornamento em dourado; as quatros colunas gregas eram serpenteadas por parreiras e algumas com pequenos cachos de uvas verdes; inúmeros divãs forrados de vermelho ladeavam as paredes; no centro, ao alto, um enorme lustre de cristal com inúmeras velas, que no momento estavam apagadas por ser ainda de dia; e circulando embaixo deste lustre, no chão, várias mesas redondas com quatro cadeiras cada uma, todas cobertas por panos verdes; na lateral do lado direito da larga porta da frente uma espaçosa escada forrada com tapete vermelho que conduzia para o andar de cima. “E sabe Zeus o que tinha por lá “._ pensou Gabrielle.

Xena olhava divertida para a barda que parecia tonta de tanto que o olhar dela percorria aquele salão.

–         Xena! Tynus não poderia ter arranjado ajuda melhor._ disse a mulher de roupa vermelha esvoaçante que acabara de adentrar no salão e indo rapidamente abraçar a guerreira.

–         Como está Aglaia? Tynus já nos pôs à par do que está acontecendo._ disse a guerreira se desvencilhando dos braços dela, dizendo ao mostrar a barda: Esta é a minha amiga Gabrielle, lembra dela?

Aglaia dá uma olhada de cima a baixo na barda e depois diz:

–         Quase não a reconheci. Já é uma moça!

Gabrielle sorri.

–         Aglaia, eu quero um lugar discreto, sem contato com o lado festivo da casa para deixar Gabrielle._ disse Xena.

A barda olhou indignada para Xena e se dirigindo para Aglaia disse:

–         Ela pensa que eu ainda sou uma criança. Sei que eu sou aprendiz, mas sou sua ajudante._ disse essas últimas palavras olhando e apontando com o dedo indicador o peito da guerreira, que olha feio para ela.

–         Vocês duas podem deixar que eu sei como resolver isso._ disse Aglaia se dirigindo a escada e as chamando com um aceno de mão para que as seguisse.

O topo da escada dava para uma imensa parede ornamentada de pequenos quadros, mas tinha duas laterais: a da direita levava a uma estreita parede com um quadro pendurado e a da esquerda ao corredor com vários quartos. Aglaia se dirigiu a lateral da direita onde, ao levantar o quadro de flores pregado na parede, a própria parede se abre. Ela explica:

–         Está é a passagem não tanto secreta que dá acesso aos dois lados das casas.

–         Perfeito. Belo esconderijo._ disse Xena olhando de um lado ao outro e percebeu que eram mesmo duas residências distintas, porém essa outra era bem menor e mais simples.

Aglaia as levou para um quarto ao fim do corredor, dizendo:

–         Esse é o quarto ideal para vocês, pois dá acesso ao celeiro, onde vocês poderão entrar e sair sem que alguém as vejam.

–         E dá também para ver quem entra na casa da frente. É o lugar perfeito pra ficar vigiando tanto a entrada como os fundos._ disse a guerreira espiando a rua pela fresta da cortina.

–         Tinha certeza que você iria aprovar, Xena.

Nesse momento Xena procura por Gabrielle que estava muito calada e a vê admirando o cômodo. O quarto era bem espaçoso, todo em cor salmão bem claro com cortinas brancas; uma enorme cama com colcha cinza e branca cobrindo-a; um armário grande, uma mesa com duas cadeiras e um lampião em cima dela; num canto, havia um anteparo móvel feito de folhas de madeira fina articuladas por dobradiças e revestidas num pano enfeitado com desenhos orientais, peça esta que dividia o espaço e criava um recanto resguardado e que escondia uma enorme tina cravada no solo. Ficou maravilhada. Olhou pra Xena, que riu.

Aglaia, maliciosamente, após olhar de uma para a outra, diz:

–         Acho que vocês preferem agora tomar um banho, acertei?

–         Desesperadamente. Uma das coisas chatas de viajar de barco, é que não tem água doce pra tomar banho._ respondeu Gabrielle.

–         Como eu previ. Já mandei que preparassem o banho pra vocês. Agora me dêem as roupas sujas que a minha lavadeira vai cuidar pra vocês. E essas que vocês estão usando ela pega depois.

Gabrielle abre a bolsa e tira de dentro uma saia e um top iguais aos que ela estava usando.

–         O que é isso?_ perguntou Aglaia ao ver a roupa de dormir da barda.

–         É a minha roupa de dormir.

Aglaia olha para Xena, que lhe dá aquele olhar, que lhe era peculiar e que ela conhecia muito bem, o de suspender levemente a sobrancelha, achou melhor guardar pra si o que achara da tal roupa de dormir. E ao se dirigir à porta, diz:

–         Sei que vocês devem estar cansadas e famintas. Vou mandar trazer uma comida especial pra vocês enquanto a água quente pro banho não chega. O sabão e os panos de banho estão naquela pequena cômoda perto da tina. Tem também sais e óleo de banho.

–         Aglaia, você acha que os tais irmãos podem vir hoje?

–         Duvido. Eles foram se esbaldar numa festa bem distante daqui. Como hoje aqui não tinha mesmo função, é dia de folga das meninas. Você está realmente mudada, Xena, nem perguntou pelas meninas.

Xena esperou Aglaia sair para dizer pra barda:

–         Gabrielle, você me prometeu que vai obedecer todas as minhas ordens, se lembra?

–         Claro, Xena, senão você não me traria para cá.

–         Vai me obedecer?

–         Vou.

–         Então não discuta comigo quando eu mandar você fazer alguma coisa.

–         Pode deixar, eu vou acatar calada.

Xena olhou desconfiada pra ela.

–         Já separou a roupa suja?_ perguntou a barda desviando o olhar.

–         Já.

–         Então me dê aqui que eu vou levar pra lavar.

–         E você sabe onde é?

–         Não, mas eu acho.

–         Nada disso. Não quero você andando por aí e entrando em lugar que pode ser perigoso.

–         Xena, se tem algum perigo aqui é do outro lado da casa._ protestou a barda.

–         Gabrielle, você prometeu…

–         Sim, Xena, está bem.

Nisso Aglaia entra acompanhada por duas mulheres que traziam o almoço. Diz:

–         Não bati porque a porta estava aberta. Algum problema?

–         Não, a gente só estava conversando. _ disse Xena.

–         Quando vocês acabarem de comer vão até ao meu quarto que eu vou estar esperando._ diz e antes de sair pega as roupas sujas.

Depois de comerem com prazer a deliciosa comida e de Xena ter esperado a barda se deliciar com a sobremesa, vão até o quarto de Aglaia. Entraram, pois a porta estava aberta. Gabrielle ficou surpresa com o colorido do quarto, igual a outra casa, um verdadeiro arco-íris. A única coisa discreta ali era as cortinas brancas. Xena ficou olhando a barda que parecia perdida no meio de tantas coisas coloridas.

–         Gostaram do meu quarto?_ perguntou Aglaia vinda de um aposento ali reservado.

–         Vejo que você não mudou, Aglaia. O quarto é igualzinho àquele lá de Corinto.

–         E você continua uma excelente observadora, Xena.

–         Certamente não foi para mostrar o seu quarto que você nos chamou aqui.

–         Não. É que achei melhor mostrar as duas casas para vocês agora, aposento por aposento, aproveitando que tem pouca gente no momento e no final da tarde chegam as meninas. Ah, Gabrielle, na volta, tenho uma coisa para dar pra você.

A barda arregalou os olhos.

Aglaia mostrou todos os aposentos daquele lado da casa e depois demonstrou como passar pro outro lado da outra casa, que consistia apenas em abrir a janelinha onde ficava, do outro lado da parede, a moldura. E que através da transparência da tela dava para espiar se não havia ninguém para poder passar. Passando para a casa de show, Aglaia mostrou o andar de cima e adentrando ao longo corredor, foi mostrando os quartos de cada uma das suas meninas, onde também recebiam os fregueses. Xena notou que a barda estava corada e com os olhos bem arregalados. Depois desceram e foram para o salão.

–         Você banca os jogos, Aglaia?_ perguntou Xena alisando a coberta verde de uma mesa.

–         Não. Esta não é uma casa de jogo. Mas os fregueses podem jogar entre eles. Você sabe como os homens são, adoram um jogo.

Quando voltaram para a casa que iam ocupar, Aglaia chama Gabrielle e a leva até o seu quarto. Xena a espera no corredor um pouco apreensiva com aquela novidade.

–         Como eu disse, tenho uma coisa para te dar, não chega a ser um presente, mas está nova e eu nunca usei.

Aglaia pegou de cima da cama e deu pra Gabrielle que ficou fascinada com que via e estava sentindo nas mãos_ uma roupa de dormir branca de tecido fino e transparente.

–         É lindo! Nunca vi nada igual!_ exclamou a barda passando o tecido na face.

–         Eu ia te dar em vermelho, mas por enquanto não é a cor ideal pra você.

–         Eu nunca vi nada igual._ repetiu a barda.

–         Use-a esta noite.

Gabrielle sorri, agradece e sai. Encontra Xena encostada na porta do quarto delas com as mãos na cintura e com aquela expressão que ela tão bem conhece, que era de preocupação.

–         Aglaia me deu um presente. Uma linda roupa de dormir._ disse a barda entrando no quarto e ao colocar a roupa encostada no corpo, diz para Xena:

–         Dá pra imaginar uma camponesa que nem eu vestida nesta roupa tão fina? Talvez essa seja a roupa de dormir que as princesas usam.

Xena olhou bem e teve vontade de dizer que não importava que roupa ela usava, pois era encantadora de qualquer jeito. Mas calou-se e ficou perturbada com tal pensamento. Apenas sorriu. E Gabrielle pensou “Só quero vê quando eu vesti essa roupa se ainda ela vai achar que eu sou um neném”.

Perceberam que o banho estava pronto. Xena colocou os sais e o óleo de banho sem espiar a barda se despir, ela ainda estava cismada com aquele pensamento. Durante o banho, após lavar as costas da guerreira, Gabrielle se vira para que Xena lavasse as suas costas. No entanto a guerreira ficou olhando para aquelas costas nuas a sua frente e teve ímpetos de não só acariciar como de querer percorrê-la com seus lábios e depositar lá beijos ardentes. Levou um choque com tal pensamento que derrubou a esponja.

–         Xena, o que foi?_ pergunta a barda sem se virar.

–         Foi a esponja que escapuliu da minha mão e caiu. Demorei a achá-la por causa da espuma._ mentiu a guerreira e logo a seguir começa a massagear as costas da barda com a própria mão, queria sentir a maciez daquela pele e com as pontas dos dedos fez uma massagem nos ombros e na nuca.

–         Obrigada, Xena. Estava mesmo precisando._ disse Gabrielle dando uma palmadinha na mão da guerreira.

Depois de lavarem os cabelos uma da outra, Xena se encosta na lateral da tina e fecha os olhos tentando não pensar em nada.

–         Você tem razão, Xena, é relaxante mesmo._ disse a barda se sentando ao seu lado.

Ao sentir o contato da coxa dela na sua, Xena afasta a perna com cuidado para a barda não notar.

–         Você já deve ter algum plano em mente, Xena, o que é?

–         Não, ainda não. Primeiro quero conhecer melhor os dois canalhas, depois eu vejo como agir._ respondeu sem abrir os olhos.

–         Xena, o que há? Você está estranha.

–         Sou assim mesma, Gabrielle. É que estou preocupada como devo agir._ falou ainda de olhos fechados.

–         Então eu vou ficar caladinha aqui ao seu lado para não atrapalhar seus pensamentos._ e fechou os olhos também.

Instantes depois, Xena sai do banho e veste a calça cavada e o roupão. Senta-se na cadeira e pega a espada que estava em cima da mesa junto com o chakram e começa a afiar com uma pedra lixa. Gabrielle que havia saído junto com ela, estava agora vestida na tal roupa de dormir que ganhara e ao ficar na frente do espelho diz admirada:

–         Pelos deuses! Estou praticamente nua!

Ao levantar a cabeça e vê o porque a barda dissera aquilo, Xena fica estática e com a boca ligeiramente aberta. Ficou encantada com que via, Gabrielle estava lindíssima naquela roupa que generosamente deixava ver os encantos daquele corpo que já possuía desejáveis curvas. Não disse nada, limitou-se agora a polir a espada. Mas arriscava a espiá-la toda vez que passava ao seu lado.

Quando puxou a colcha da cama, Gabrielle diz admirada:

–         Olha só o pano de cama, Xena… É de seda!

Xena levanta a cabeça e dá uma espiada e vê a barda sentada na cama deslizando a mão no pano até deitar de lado, dizendo:

–         Eu nunca dormir numa cama como essa. Num pano como esse.

–         Seda perolada é um lindo pano._ disse a guerreira sem saber porque fizera esse comentário.

–         Já estou arrumando a cama pra dormir._ avisou Gabrielle ajeitando os dois travesseiros e ao abrir a coberta percebe que é de casal. Sorrir. Depois olha pra Xena e pergunta: Você não vem dormir?

–         Daqui há pouco. Depois de limpar o chakram.

–         Não demora, temos que acordar cedo.

 Gabrielle se deitou e ficou quieta na cama. Xena acabou de limpar o chakram e começou a lustrar a armadura peitoral. De vez em quando olhava para a barda que continuava quieta. Demorava propositalmente. Terminada as tarefas se aproximou da cama e percebeu que Gabrielle ainda continuava virada pro outro lado do lugar que ela iria ocupar, ela estava de olhos fechados. A barda estava cada vez mais linda, pensou Xena. Tirou o roupão e só de calça, como de costume, com muito cuidado deitou na cama. Deu as costas para Gabrielle, como sempre fazia, se ajeitou e fechou os olhos.

–         Você demorou._ disse a barda se virando pra ela e se aconchegando em suas costas.

–         Você ainda está acordada? Pois devia estar dormindo.

–         Agora sim, vou dormir. Boa noite, Xena.

–         Boa noite, Gabrielle._ respondeu quase num sussurro.

Xena ficou pensando em que situação ela se encontrava: num lugar como aquele, numa cama igual aquela, com uma linda mulher agarrada a ela, usando uma roupa como aquela e ela seminua… O que pensaria Aglaia ou quem quer que fosse que entrasse ali naquele momento. Suas noites estavam se tornando um martírio. Sim, um doce martírio. Não sabia como arranjava força pra manter o juízo no lugar. Sabia sim, na inocência da barda.

Ao acordar, Xena percebeu que estava de frente pra Gabrielle. Ficou olhando-a por uns instantes. Como aquela menina estava bela! Olhou pra baixo e viu o decote insinuante e generoso que deixa ver o belíssimo colo e na transparência do pano os seios arfantes e róseos já prontos em perfeita harmonia com aquele corpo ainda em formação.

Voltou a olhar pro rosto de neném e seus olhos pararam na boca, naqueles lábios perfeitos e rosados, tão próximos que sentiu vontade de beijá-los, mas se conteve. Suspirou profundamente e se levantou. Em pouco tempo já estava completamente uniformizada e armada. Olhou pra barda que dormia profundamente e saiu sem fazer barulho.

Xena inspecionou todos os pontos das casas, dos dois lados, inclusive o celeiro. Depois passou pela cozinha, preparou uma bandeja com desjejum para as duas e foi para o quarto. Chegando lá, percebeu que a barda ainda estava dormindo. Colocou a bandeja na mesa, depois se sentou na cama e com uma pluma que havia pegado num jarro do corredor, deslizou contornando o rosto da barda e fazendo cócegas na ponta do nariz dela, que resmunga algo inaudível e com os olhos semi-serrados olha pra ela.

–         Bom dia, preguiçosa._ disse Xena passando a pluma novamente na ponta do nariz dela.

–         Xena… Bom dia._ respondeu segurando a pluma e olhando pra guerreira ainda sonolenta, diz: Você está toda arrumada…

–         E estou com fome. Vamos comer?_ perguntou a guerreira apontando a mesa.

–         Só o tempo de eu lavar o rosto._ disse Gabrielle pulando da cama.

Xena sentou-se à mesa, instantes depois a barda se juntou a ela.

–         Deixa que eu te sirva._ disse Gabrielle colocando o leite na caneca da guerreira, depois passou geléia nas fatias de pão, as colocou no prato da guerreira e depois se sentou ao seu lado.

Xena adorava vê-la pela manhã, pois achava que Gabrielle ficava mais bonita ao despertar. Enquanto a barda a servia, a guerreira apreciava o que o generoso e transparente decote lhe permitia ver. Foi sacudida do seu deleite pela voz dela:

–         Xena!

–         O que foi Gabrielle?

–         Estou falando com você e você nem está prestando atenção.

–         O que foi que você perguntou?

–         Aonde você foi?

–         Ah, sim. Dei uma inspecionada por aí.

–         E não me acordou?

–         Pra quê? Você estava dormindo tão tranqüila que eu não tive coragem de te acordar.

–         Me desculpe.

–         De quê?

–         Logo no meu primeiro dia de ajudante e eu durmo que nem um bebê!

Xena acaba de beber o leite, limpa a boca no pequeno pano da mesa e diz ao se levantar:

–         Mas você ainda é um bebê!

–         Xena!

A guerreira que havia se dirigido para a porta, pára e virando-se para a barda diz, contendo a vontade de rir:

–         Espero você lá no salão, neném.

Nem bem a guerreira saiu, a barda resmunga atirando o pano que acabara de limpar a boca na mesa, dizendo entre os dentes:

–         Um bebê! É assim que ela me vê… um bebê!

Quando passou pela porta secreta Gabrielle viu um grupo de garotas, todas em roupas íntimas descendo a escada. E viu quando uma parou na escada dizendo:

–         Meninas olhem só quem está aqui!

O nome de Xena ecoou pelo salão num uníssono coro de quinze garotas.

Xena vira-se ao ouvir seu nome e meio sem graça é cercada pelas garotas. Gabrielle fica observando lá de cima do corredor. Todas querem tocar na guerreira, mas a garota de cabelos negros ondulados que as havia alertado diz enlaçando o braço da guerreira:

–         Meninas entrem na fila, pois a preferência é minha.

–         Odessa estou aqui a trabalho._ avisou Xena.

–         Tudo bem, depois que o trabalho terminar e se você quiser, sabe onde me encontrar.

–         Meninas que assanhamento! Xena não está aqui sozinha, ela veio acompanhada da sua ajudante Gabrielle._ disse Aglaia mostrando a barda no alto da escada.

Gabrielle desceu cada degrau sem tirar os olhos de cima de Xena, que estava com um sorriso patético e ainda cercada por aquelas garotas, cada uma mais bonita que a outra. Assim que pisou no salão Gabrielle foi cercada por três garotas que a conduziram até onde Xena estava.

–         Ela é sua escrava, Xena?_ perguntou Odessa.

–         Não, Gabrielle é minha amiga e ajudante._ disse Xena rapidamente e olhando para a barda.

–         Hum… Sua amiga é muito bonita._ disse Odessa.

Gabrielle sorri para ela e percebe que Xena está completamente desconfortável com a situação, pois, mesmo em pé, o seu pé não pára de tamborilar o chão.

–         Gabrielle, você sendo amiga de Xena sempre será bem-vinda aqui._ ainda Odessa.

–         Obrigada._ disse sorrindo.

–         Bem, meninas, acho que vocês têm o quê fazer, não é mesmo?_ interrompeu Aglaia.

Após a saída ruidosa das garotas, Xena que ainda estava um tanto escabreada, diz sem olhar para a barda:

–         Excelente a sua sugestão, Aglaia. É melhor mesmo que as garotas participem do plano.

–         Então vamos repassar o plano já que Gabrielle está aqui._ disse Aglaia.

Quando terminaram, Xena notou que Gabrielle estava um pouco irritada, embora calada. Achou melhor esperar um momento oportuno para conversarem.

–         Meninas, vocês são as minhas convidadas para o almoço. Mandarei chamá-las. Agora tenho que ver como está o orçamento e o balanço do mês. Fiquem à vontade.

Assim que ficaram completamente sozinhas, Gabrielle diz:

–         Xena, por que você me excluiu do plano?

–         Mas eu não te excluir.

–         Não?! Me colocar na janela dos fundos como vigia é o quê então?

–         Gabrielle, eu quero que você fique lá, porque é uma incumbência muito importante.

–         Mas Xena, eu poderia ser mais útil aqui embaixo…

–         Gabrielle entenda, não posso colocar lá qualquer um. Tem que ser uma pessoa que eu sei que não vai se distrair, que prestará atenção em qualquer movimento e que me avisará a tempo. E essa pessoa é você. Além disso, você prometeu que ia me obedecer._ disse Xena seriamente.

–         E vou, mas acho que eu poderia…

–         Gabrielle!

–         Tá bem, não vou mais reclamar.

–         Acho bom.

Durante o almoço com Aglaia, Gabrielle permaneceu calada. Xena a olhava de soslaio enquanto conversava amenidades com a anfitriã.

–         Gabrielle, a comida não está do seu agrado?_ perguntou Aglaia.

–         Oh, sim. Está uma delícia._ respondeu a barda.

–         Então porque você está com esta preguinha entre as sobrancelhas, não está sendo bem tratada? Está chateada?

Gabrielle olhou para Xena e depois de novo para Aglaia, dizendo:

–         Pode estar certa de que não é contigo. Eu nunca fui tão bem tratada, isso sem contar com a mãe Cyrene.

Xena coçou o nariz pra não rir, disse:

–         Ela está chateada comigo. Porque dei uma incumbência que ela não gostou. Mas vai cumprir, não é Gabrielle?

–         Vou.

Aglaia segura a mão de Gabrielle dizendo:

–         Menina, Xena sabe o que faz. Se ela manda fazer uma coisa, é porque tem certeza do que está fazendo. Saiba que essa não é a primeira ou segunda vez que Xena me socorre. Se eu tivesse que pagar a ela tudo que devo, teria que vender a casa com tudo que possuo e ainda ia ficar devendo.

–         Não exagera, Aglaia._ disse a guerreira.

–         Minha dívida com você, Xena, é eterna._ disse também segurando com a outra mão a mão de Xena.

Quando a noite chega, todos se põem a postos. A um sinal de Xena, Aglaia mandou abrir as portas para começar o expediente. Xena foi até onde Gabrielle estava. A barda vigiava a rua olhando através das frestas da janela.

–         Dá pra ver direito?_ perguntou Xena se aproximando.

–         Perfeitamente. Achei melhor ficar no escuro, fechar a janela e espiar pelas frestas. Eu poderei ver sem ser vista.

–         Muito bom._ disse Xena percebendo que Gabrielle estava levando mesmo a sério seu trabalho. Conclui: Qualquer movimento estranho me avise imediatamente.

Aglaia entra dizendo:

–         Xena, eles estão chegando. Um dos meus espiões viu quando eles estavam vindo e veio correndo me avisar.

–         São aqueles ali?_ mostrou Xena a Aglaia.

–         Eles mesmos._ respondeu Aglaia após espiar e conclui: Só que desta vez trouxeram reforço. Com isso eu não contava.

–         Mas eu sim._ disse Xena e virando-se para a barda diz: Gabrielle, eu vou descer e me esconder. Você já sabe, preste muita atenção, não desgruda os olhos daqui. Qualquer coisa me avise. Tome cuidado.

–         Você também.

–         Xena, você quer que eu mande uma das meninas pra ficar aqui com Gabrielle?_ perguntou Aglaia.

Xena após olhar para a barda e perceber que ela ficou irritada, diz:

–         Não, obrigada Aglaia. Gabrielle pode fazer isso sozinha.

Em troca a guerreira recebeu aquele sorriso de nariz franzido que só a barda sabia dar e que ela tanto gostava.

Xena e Aglaia tinham acabado de se retirar, quando Gabrielle notou que do grupo de bandidos apenas um homem ficou com os cavalos que estavam amarrados na frente do celeiro. Percebeu que ele olhava para todos os lados e depois ficou andando de um lado para o outro. Resolveu ficar de olho nele.

Enquanto isso, Xena, que já estava do outro lado da casa e escondida no lado direito do corredor, observava o movimento. Todo homem que entrava era recebido por uma das meninas que o conduzia às mesas. Até que entraram, de uma só vez, os doze homens mal vestidos, de aspecto sujo e muito bem armados. Xena olha para Aglaia e para Tynus, os dois estavam pálidos. Perfeito. Isso dava uma certa vantagem para ela, a da surpresa. Pois, para que o plano desse certo os bandidos teriam que sentir que eram os donos da situação.

–         Vim tomar posse do que é meu._ disse um dos homens.

–         Do que é nosso._ corrigiu o outro.

Xena percebeu que aqueles dois homens de bigodes enormes, cabelos desgrenhados e aspecto repugnantes, que estavam mais à frente dos outros, eram os irmãos Lucius e Virgilius.

–         Não está à venda, senhores._ respondeu Aglaia com uma mão ajeitando o cabelo e com a outra segurando o braço de Tynus que havia cambaleado.

–         O que foi que você disse, mulher?

–         Você escutou muito bem. Eu disse que não está à venda.

–         Ela deve estar louca!_ disse o mais baixo.

–         Então você arranjou os dinares?_ perguntou o mais alto.

–         Não. Eu já paguei o imposto esse ano.

–         Mulher, você deve estar louca mesmo._ disse o mais baixo.

–         Bem, se vocês não vão pagar pra se divertir, podem se retirar._ disse Aglaia super nervosa.

–         Depois não vá dizer que não avisamos, dona. Foi você quem pediu._ disse o mais alto e com um estalo de dedos dele, os dez homens fazem um semicírculo ao pé da escada cercando as pessoas no salão e todos com as espadas em riste.

Os freqüentadores fizeram menção de se retirar, mas foram contidos.

–         Vamos fazer o seguinte: cada um dos senhores vai contribuir com tudo de valor que trouxeram para gastar aqui, depois vão sair bem quietinhos; as meninas vão divertir a gente e esse dois aqui vão ter o que merecem._ disse o mais alto apontando a espada na direção de Aglaia e de Tynus.

Num piscar de olhos, todas as espadas foram quebradas, ouvindo-se apenas um sibilar de algo circulando no ar e terminando na mão de uma certa guerreira no alto da escada, que após dar o seu grito de guerra, grita:

–         Agora meninas!

Como um enxame de ferozes abelhas, as garotas do salão avançam pra cima dos doze bandidos todas munidas de vassouras. Batem até Xena ordenar que parassem.

Nisso, Gabrielle percebeu que o homem que tomava conta dos cavalos deu a volta pelo lado e escalou uma janela da casa de show. A barda percebeu que era uma das janelas de um dos quartos das garotas. Desesperada correu para a porta secreta. Antes de abri-la olhou pela janelinha transparente da moldura e viu que o bandido havia chegado primeiro. Viu quando ele ajeitou uma flecha no arco e que se ajeitou de costas para ela. Sabendo que só teria uma única chance e que teria que ser mais rápida como nunca fora antes. Num ímpeto de desespero por saber que a vida da guerreira estava em suas mãos, Gabrielle rompe pela porta a fora desferindo golpes de cajado em cima do arqueiro. Ao perceber que o homem estava desmaiado, olha para baixo no salão e toda desgrenhada e ofegante diz:

–         Esse aqui é o último… Xena!

O que Xena fez pra conter o riso, nem ela mesma seria capaz de dizer. Seria desrespeitoso com a barda, mas vê-la assim desgrenhada, ruborizada, ofegante, com os olhos arregalados e toda atrapalhada com o cajado que parecia que lhe queimava as mãos, era demais pra guerreira, por isso coçou o nariz por uns instantes e virando-se para Aglaia diz:

–         Aglaia traga as cordas, eu mesma vou amarrar um por um. Quero essas ovelhas desgarradas e mal cheirosas bem presas, vou levá-las e entregá-las aos domesticadores de ovelhas más.

–         Não pro Gar não!_ disse o irmão mais baixo.

–         Cala a boca, idiota!_ gritou o outro irmão.

Xena puxa Aglaia para o lado, perguntando:

–         Quem é Gar?

–         É o mais recente homem da lei nomeado pra tomar conta dessa região. Ele é muito respeitado, tanto que nem freqüenta aqui.

–         Onde posso encontrá-lo?

–         Tynus a ajudará a levá-los lá.

Quando voltaram encontraram Aglaia ainda apreensiva.

–         E agora o que é?_ perguntou Xena.

–         Estou preocupada. É que eles depois de cumprirem a pena, com certeza virão se vingar da gente.

–         Eu não me preocuparia com isso se fosse você.

–         Por quê?

–         Porque eles foram levados para Corinto, onde são procurados por vários delitos e assassinatos, inclusive de um juiz. E você sabe qual é a penalidade para isso em Corinto.

–         Serão enforcados._ contou Tynus.

Aglaia suspira aliviada.

–         O que houve com os fregueses?_ perguntou Xena olhando o lugar vazio.

–         Não havia mais clima pra isso hoje. Eles entenderam. Voltarão amanhã. Mas hoje a festa é toda sua. Comida, bebida e… e o que mais você quiser. Inclusive você também, Gabrielle.

A barda que até então estava um pouco afastada se aproxima dizendo:

–         Toda essa confusão me deu uma fome!

Xena sentiu vontade de arreliá-la dizendo “Que novidade!”, mas ficou calada.

Já havia uma mesa pronta, cheia de iguarias esperando por elas. Xena olhou de soslaio para Gabrielle e percebeu, nitidamente, o prazer estampado naquele rosto. Era a terceira vez no mesmo dia em que ela teve que prender o riso porque não queria se indispor com a barda. Então se virou para a anfitriã dizendo:

–         Aglaia, primeiro a gente vai lavar as mãos. Só em pegar naquelas trezes ovelhas sujas…

–         Não precisam sair._ avisou Aglaia e gritando: Meninas tragam as bacias e as jarras para as nossas convidadas lavarem as mãos.

Xena havia arranjado um pretexto para se ausentar um pouco dali com a barda, pois queria conversar com ela. Mas Aglaia, como sempre prestativa e eficiente, pôs abaixo o seu intento. Durante todo o jantar, Xena foi paparicada pelas moças que lhe davam comida na boca, vinho, uva e até um doce que a guerreira não queria, mas, por precipitação da garota, acabou tendo que comer. De vez em quando, olhava para a barda que comia sozinha, pois ela havia dispensado com extrema autoridade e delicadeza as três garotas que haviam se interessado por ela, as mesmas que a cercaram de manhã. Xena percebeu que em nenhum momento, pelo menos quando ela estava olhando, a barda não lhe ergueu o olhar. Ou ela estava distraída com a comida ou discretamente fingia não vê as intenções daquelas garotas com ela, pensou. O fato, o certo mesmo, foi que estava se sentindo desconfortada. Temia por sua reputação perante a barda. Ela que nunca se importou com a opinião dos outros sobre o que fazia e com quem dormia, agora torcia para que a barda, na sua inocência, não percebesse nada. Não queria que ela a temesse, não agüentaria que ela se afastasse por causa disso. Quando olhou para Aglaia foi tão expressivo o olhar que transmitiu tudo o que sentia e a anfitriã percebeu.

–         Meninas, agora vocês todas vão pra cama.

Como o frenesi foi geral, Aglaia avisa:

–         Cada uma pro seu quarto. Quero conversar com Xena e Gabrielle._ como ninguém se moveu do lugar disse com rispidez: Vão! Vão!

Depois que as garotas se retiraram, Gabrielle se levanta dizendo:

–         Vou subir.

–         Daqui a pouco eu vou também._ disse Xena.

Esperou que a barda atravessasse para o outro lado da casa e confidenciou pra Aglaia:

–         Gabrielle não sabe das minhas preferências e nem quero que ela saiba.

–         Você tem certeza disso?

–         Claro. Ela é muito ingênua.

–         E você está completamente apaixonada por ela.

Bem que Xena tentou argumentar, mas a voz não saiu porque não sabia o que dizer.

–         Não adianta negar, Xena, está no seu olhar.

–         Ela não sabe._ disse olhando pra baixo.

–         Por que você não se declara?

–         Não, nem pensar. Tenho medo de perder a amizade dela, que é a coisa mais importante para mim.

–         Se você quiser posso dar uma ajuda, fazer uma sondagem…

–         Não, por favor, Aglaia, não quero que você faça nada. Obrigada pela intenção, mas se um dia tiver que ser, será.

Quando Xena entrou no quarto encontrou Gabrielle atrás da divisória dentro daquela enorme tina embutida no chão. Rápida se despiu enquanto dizia:

–         Estava esperando por mim?

–         Se você quer que eu lave as suas costas…_ respondeu seriamente.

Quando entrou na tina Xena percebeu que a barda não a olhara, se banhava simplesmente. Xena virou as costas para que ela a ensaboasse. Gabrielle pegou a esponja e esfregou-lhe as costas rapidamente.

–         Vire pra que eu possa…

–         Já lavei as minhas costas._ avisou a barda.

–         Tá zangada comigo?_ perguntou a guerreira com um certo cinismo.

–         O que você acha?_ disse a barda percebendo e irritada.

–         Eu acho que não há motivo para isso.

–         Acha mesmo, Xena?_ disse encarando-a.

–         Estou dizendo._ disse também a encarando.

–         Ah, então todo o meu esforço não lhe serve de nada?

–         Não estou entendendo, Gabrielle.

–         Você não reconhece as coisas que eu faço.

–         Mas o quê eu não reconheci?! Tudo bem, ainda não te agradeci por ter me obedecido e ter ficado de vigia. E também por ter ajudado as meninas a pegar aquele décimo terceiro bandido na escada. Foi realmente muito arriscado.

Foi o tom de voz da guerreira que não convenceu a barda que ela estava sendo sincera.

–         Oh, Xena, não me trate assim! Eu não sou mais criança, não sou nenhum bebê.

Xena ri, dizendo, enquanto acaba de se ensaboar:

–         Ah, é sim, neném.

–         Não sou não. Sou sua ajudante. Não precisa temer por mim, sou forte, sei me defender. Inclusive, já te ajudei lá em Poteidaia, lembra? E há pouco…

–         Mas eu acabei de te agradecer, neném.

–         Não me trate assim, Xena. Não sou nenhum ser frágil, um neném. Você pode não me ver assim, mas sou uma mulher e sou sua amiga, sua companheira, sua ajudante. Não quero ser excluída das lutas.

–         Tá bem, Gabrielle. Da próxima vez que eu tiver que enfrentar uns anões bandidos, deixo-os todos pra você._ disse Xena brincando.

–         OH, XENA!…_ pronunciou numa voz completamente rouca e entre os dentes, levantando-se bruscamente da tina esquecendo o pudor que sempre tivera.

Xena ante a cena de irritação da barda e de ver a explícita nudez dela, ficou totalmente abobalhada e com a boca entreaberta sem conseguir pronunciar uma palavra. Completamente irritada Gabrielle se enxugou resmungando, vestiu a calça e a roupa de dormir e se deitou. A guerreira, ainda atônita, só agora se levanta da tina, se enxuga, veste a calça e ainda sem graça se deita na cama. Percebe que a barda, de costas para ela, estava de braços cruzados e tamborilando impacientemente com os dedos nas próprias costas.

–         Gabrielle, eu não quis te ofender, eu só estava brincando…

–         O que eu tenho que fazer pra você me levar a sério, Xena?_ perguntou sem se virar.

Quando Xena ia responder, batem à porta.

Xena se levanta, veste o roupão e abre a porta.

–         Desculpe em incomodar, Xena. Mas achei que você gostaria de tomar conhecimento disto._ disse Aglaia mostrando um arco e várias flechas.

–         Não estou entendendo.

–         Isto aqui foi encontrado por uma das meninas. Estava no corredor no chão da passagem secreta. Entendeu agora?

Xena pegou o arco e as flechas e disse:

–         Obrigada, Aglaia. Você não pode imaginar como me foi útil agora.

Depois que fechou a porta, Xena chamou por Gabrielle, que olhou para ela.

–         Então o bandido que você deu uma surra estava usando isto aqui?

–         Ele ia te matar.

–         Gabrielle, eu tremo só de pensar se ele tivesse sido mais rápido e que você tivesse sido atingida por uma destas flechas.

–         Acho até que ele nem percebeu de onde eu surgi, foi tudo muito rápido. Pra dizer a verdade nem sei como consegui.

Xena joga a arma no chão e se sentando na cama diz:

–         Gabrielle, eu tenho muito orgulho de você, mas também tenho medo que você se machuque ou que…

–         Que eu morra? Xena, se tiver que acontecer, acontecerá.

–         Não comigo por perto. Eu não deixo. Nem que eu tenha que dar a minha vida pela sua.

–         Não Xena, isso não._ disse a barda se atirando nos braços da guerreira.

Percebendo que Gabrielle estava chorando, Xena se deita com a barda nos braços e diz tentando acalentá-la:

–         Não chore, Gabrielle, não chore.

Mas a barda chorou até adormecer.

Xena deu uma olhada no roupão que estava usando, ia ter que dormir assim. A sensação do peso do corpo da barda no seu corpo era a recompensa pelo desconforto. Disse para si mesma: “Mas que garota temperamental! Temperamental só não, emotiva. Ah, Gabrielle, eu não posso te perder, acho que enlouqueceria se isso acontecesse. Você é a minha luz, a minha alma. Por isso, eu tenho que te proteger para proteger a mim mesma”.

Amanheceu e mais uma vez Xena quase não dormira. Estava sentada na cama, encostada na cabeceira, quando Gabrielle acordou. A guerreira a cumprimentou e disse depois de brincar com a franja da barda:

–         Gabrielle, você sabe que dia é amanhã?

A barda ainda um pouco sonolenta, coça os olhos, senta na cama e ao lembrar diz:

–         Oh, não, Xena…

–         Pois é, dia de você se apresentar na Academia. Temos que partir após o desjejum para chegarmos na cidade antes do anoitecer.

Na estrada, montada em Argo e com Gabrielle sentada atrás, Xena perguntou:

–         Ainda está chateada?

–         Não estou chateada, estou triste.

–         Ah, não Gabrielle, não vá começar de novo com a mesma história…

–         De quê adiantaria, já me conformei._ disse encostando o rosto nas costas de Xena.

–         É isso aí garota!_ disse Xena apagando o sorriso que trazia nos lábios.

Como a guerreira previra, chegaram antes do anoitecer na cidade de Atenas. Dormiram numa pousada e no dia seguinte, pela manhã já estavam na frente da Academia. E no portão tinha um pergaminho pregado.

–         E essa agora, o quê será?_ perguntou Gabrielle após ler.

–         Como diz aí, pedem para os pais ou responsáveis para ficarem esperando enquanto eles terão uma reunião com os alunos. Olha, estão abrindo o portão. Vai lá Gaby, eu vou ficar aqui te esperando.

Assim que a barda entrou, Xena aproveitou para ir até o armazém, precisava comprar uma coisa. Demorou um pouco e quando voltou encontrou a barda aflita abraçada no pescoço de Argo.

–         O que foi Gabrielle?

–         Xena… eu não vou agüentar!…

–         O quê Gabrielle?

–         Esse período que vou ter que cumprir… Não terei férias, não poderei ir pra casa, pra casa da mãe Cyrene e nem… poderei estar com você._ disse com lágrimas nos olhos.

–         Explica isso direito.

–         Você se lembra? Eu te disse que íamos ter aulas com os filósofos mais conceituados e famosos da Grécia.

–         Lembro, mas não era isso que você queria?

–         Era. Eu sempre quis conhecer esses filósofos, aprender com eles, dialogar com eles…

–         Então?

–         Mas não nas minhas férias! Ter que agüentar quase dez meses sem poder estar na sua companhia já era um martírio, imagina agora o ano todo. Só vou poder sair daqui após a formatura.

–         Você não terá pelo menos uma semana de férias?

–         Eles nos deram só quinze dias.

–         Então Gabrielle!

–         Xena serão apenas quinze dias! Não poderei me ausentar da cidade.

–         É, pra Poteidaia e Amphipolis nem pensar.

–         Viu só?

–         Mas para dar uns passeios a uns lugares belíssimos que conheço, quinze dias dá perfeitamente.

–         Verdade?_ disse a barda abrindo um sorriso.

–         Quando será isso?

–         Daqui a seis meses._ e tornou a desanimar.

–         Enquanto você saboreia isso aqui._ disse mostrando o doce que trouxera pra ela e vendo o sorriso surgindo no rosto dela novamente, conclui: Vamos combinar sobre os domingos que virei te visitar, antes desses quinze dias pro nosso passeio.

Já na estrada, Xena ainda podia sentir o perfume e o “extremado-Gabrielle-abraço” que só a barda sabia dar. Ficou triste. Sentiu a boca seca, amarga e os olhos de repente nublaram, sentiu inexplicavelmente uma vontade de chorar. Mas ela era uma guerreira e uma guerreira não chora à toa. Pôs isso na cabeça e seguiu cavalgando pela estrada que levaria para o porto. Como estava escurecendo, resolveu pernoitar na floresta. Escolheu um lugar afastado da estrada. Quando terminou de desatrelar Argo sentiu “o cheiro”.

–         Que inferno Ares, eu já pedi que me deixe em paz! O que é que você quer?

–         Xena, eu te avisei._ disse se materializando.

–         De novo com essa conversa._ disse a guerreira escovando Argo.

–         Eu não te disse que a luz não combina com a escuridão? E você mudou o seu destino outra vez. E não é a primeira vez que você faz isso.

Xena olha para o deus que está totalmente nervoso a sua frente e diz:

–         Acho que você enlouqueceu de vez, Ares.

–         Xena! Chega de interferir no rumo das coisas, do destino.

–         Você deve estar mesmo maluco, Ares. Como eu posso interferir no destino?_ perguntou colocando as mãos na cintura.

–         Ah, não sabe? Primeiro você foi para Amphipolis com um dia de antecipação, saindo de lá no mesmo dia que foi expulsa pela sua mãe, ao invés de ter passado uma noite lá. Por causa disso, chegou antes, onde deveria chegar durante ou após, interferindo no destino. Você não pode inverter o rumo da história.

–         Você deve estar louco…

–         Louco? Estou furioso por você ter impedido o casamento da sua amiguinha. Você não devia ter feito isso pra benefício próprio, Xena. Você não tem esse direito!_ esbravejou o deus.

–         Você realmente enlouqueceu Ares._ disse Xena estendendo o cobertor no chão e ao levantar conclui: Nada do que você disse até agora fez sentido. Não está dizendo coisa com coisa. Você bebeu Ares?

–         Não se faça de sonsa, Xena. Estúpida e burra eu sei que você não é.

–         Eu ainda não consegui entender aonde você quer chegar._ disse tornando a pôr as mãos nos quadris.

–         Você interferiu no trabalho das Fases!_ gritou ele.

–         Enlouqueceu mesmo. Nenhum mortal pode ou consegue interferir nas Fases do destino. Você sabe disso.

–         Mas de alguma maneira você o fez e por duas vezes!

–         Se você não está louco, deve estar bêbedo. Agora cai fora que eu quero dormir.

–         Ainda vou descobrir como você fez isso, Xena.

–         Se manda, Ares._ disse preparando a fogueira.

–         Eu vou, mas pode ficar certa que isso não vai ficar assim.

Assim que o deus some, Xena sentada defronte a fogueira pensa “Isso só pode ser mais uma das tramóias de Ares para tentar me levar para a escuridão. Mas eu tenho a luz, a luz de Gabrielle pra me guiar e mostrar o caminho certo. Será que Ares está enlouquecendo?!”.

Dias depois de ter pegado o barco para Amphipolis, Xena pega um outro para a Trácia, foi atrás de notícias do seu irmão Toris. Não queria voltar para casa sem alguma notícia para a sua mãe.

Não foi fácil achar Toris, mas o encontrou trabalhando numa carpintaria. E assim que os dois irmãos se vêem há um certo constrangimento.

–         Toris eu voltei para casa._ disse Xena tomando a iniciativa.

–         E onde está o seu exército?

–         Ficou pra trás, num passado que eu quero esquecer.

–         A mãe te aceitou de volta?

–         Ela me perdoou.

–         E o que você veio fazer aqui?

–         Vim te buscar. O seu lugar é lá em Amphipolis.

–         Como ela está?_ perguntou se sentando numa das diversas cadeiras ali prontas.

–         Sentindo a sua falta. Vá vê-la.

–         Não posso.

–         Por quê?_ perguntou Xena se sentando também.

–         Eu poderia dizer que é por causa do trabalho que faço aqui, mas pra você eu nunca consegui mentir ou esconder nada, é que eu tenho vergonha de voltar lá, Xena.

–         Vergonha por quê, Toris?

–         Por ter abandonado vocês depois que Lyceus morreu e de ter te deixado à própria sorte. Fui um covarde.

–         Não, Toris, eu não acho que você foi um covarde por ter ido embora após termos vencido os homens de Cortese e perdido Lyceus. Você partiu porque não queria me ver no quê eu havia me tornado, uma guerreira sanguinária. E, naquele momento, nada e ninguém poderia me controlar.

–         Mesmo assim eu não devia ter fugido.

–         São águas passadas, Toris. Eu me arrependi e voltei. Agora só falta você. A mãe sente falta de você. Coitada, tem dado um duro para manter a taberna e a hospedaria. Você precisa ver o estado em que está as terras que você tomava conta.

E assim Xena conseguiu convencer seu irmão a voltar com ela para Amphipolis.

 Num final de tarde, após ter ajudado o seu irmão na lavoura, Xena fora até o quarto para pegar o pano de banho e o roupão. Quando ia sair para se dirigir a um dos reservados, Cyrene a pára na porta dizendo:

–         Xena, outro dia quando estava colocando as suas camisas limpas no armário, vi lá no fundo umas roupas…

Não chegou a completar o que ia dizer, pois parou de falar quando viu que Xena correu e abriu a porta do armário dizendo:

–         Mãe, você não lavou aquelas roupas?

–         Não. Percebi pelo tamanho que não eram suas.

Xena sentiu um alívio, mas não disse nada. Apenas olhou para a sua mãe meio sem jeito, embaraçada.

–         São da Lindinha, não é mesmo?

Xena apenas balançou a cabeça confirmando.

–         Filha, você não acha que precisamos conversar?

–         Conversar o quê mãe?

–         Sobre você e a Lindinha._ disse Cyrene puxando a filha para se sentar na cama com ela.

–         Ah, mãe não sei se você entenderia.

–         Experimente me contar. Não me veja só como sua mãe, me veja antes como sua amiga.

–         Na verdade mãe, não tenho muito que contar. Eu já te contei o que Gabrielle fez por mim, o que ela e a sua amizade representa para mim.

–         Você a ama, não é filha?_ perguntou segurando a mão de Xena.

–         Com todo o meu coração, mãe. Mas ela não sabe.

–         Eu acho que ela também a ama.

–         Ama sim, mas como amiga. Gabrielle é muito pura. Não faz nem idéia do sentimento que despertou em mim.

–         E você não pretende dizer isso a ela?

–         Não sei mãe. Tenho medo de perdê-la, de perder a amizade dela que me é sagrada.

Um mês depois, como havia combinado, no primeiro domingo, Gabrielle estava aflita esperando por Xena. Andava de um lado para o outro e olhando sempre para a colina. Até que viu uma charrete parando próxima aquela árvore onde a guerreira deixava Argo pastando. Reconheceu a guerreira e percebeu que tinha mais alguém com ela, um homem. Ficou curiosa.

–         Gaby._ disse Xena sentando no muro.

–         Xena como você demorou!_ disse a barda.

–         Vim de charrete. Argo ficou em Amphipolis. Eu trouxe uma pessoa que quero que você conheça.

Num aceno de Xena, o tal homem que a barda vira, se senta ao lado da guerreira que, colocando uma mão em volta do ombro dele e com a outra apresentando-o, diz:

–         Gabrielle, este é o meu irmão Toris.

 Gabrielle abriu aquele sorriso luminoso que tanto impressionava a guerreira e agora também ao seu irmão, que lhe diz:

–         Oi, Gabrielle está estudando muito?

–         Não faço outra coisa. Mas descem daí, vêm para cá.

Xena olhou bem ao redor, depois deu um salto numa acrobacia e saltou na frente da barda que logo a abraçou. Enquanto Toris se limitou a descer do muro num pequeno salto e dizendo ao se aproximar das duas:

–         Prefiro a maneira mais segura de descer.

–         Agora sim posso apresentar melhor: Toris esta é Gabrielle, a barda de Poteidaia.

–         Muito prazer, Gabrielle. Xena falou muito de você.

Toris estendeu a mão para cumprimentar a barda, que afetivamente o abraçou cumprimentando-o do seu modo. Xena sorriu ao ver o embaraço do seu irmão com os braços estendidos sem saber se a abraçava também. Ao ser incentivado pela irmã, então abraçou a barda com carinho.

Após umas explicações que Xena dá contando como encontrou o irmão e como foi o encontro dele com a mãe, ela conclui dizendo:

–         Gabrielle, a mãe bem que queria mandar aquelas tortinhas para você, mas como a viagem é longa… Bem, ela mandou que eu te entregasse essas meias que ela mesma tricotou para você. Disse que as usasse para dormir, já que você sente frio nos pés.

Gabrielle ficou emocionada, pegou as meias e encostando-as no rosto, diz:

–         Xena, diga para a mãe que eu a amo. E já vou usar as meias nessa noite. Faz muito frio aqui.

Xena segurou no pulso dela, perguntando:

–         Gabrielle, você está precisando de alguma coisa, de cobertor, de comprar alguma coisa?

–         Não, Xena, não se preocupe.

–         Não quero que você passe necessidade, Gabrielle.

–         Não estou passando. Ainda estou com aqueles dinares que você me deu.

–         Que eu te dei não, que você ganhou me ajudando a prender aqueles bandidos._ corrigiu a guerreira.

Para Gabrielle aquelas palavras de Xena foram mais que um incentivo foi uma demonstração de reconhecimento. E, agradecida, Gabrielle sorri dizendo:

–         Eu trouxe duas maçãs: uma para você, guerreira e a outra para você, maninho.

Toris olha para Xena sorrindo e voltando a olhar para a barda diz:

–         É a fruta que eu mais gosto, maninha.

–         E que na verdade ia ser de Argo._ disse a guerreira sorrindo.

–         Oh, Xena!_ reclamou a barda meio sem graça.

–         E como Argo não veio, como eu._ disse Toris passando a mão e assanhando a franja da barda, tal e qual Xena costuma fazer.

Xena percebeu que a simpatia entre os dois era recíproca, sentiu uma enorme felicidade dentro de si. Animada disse:

–         Quando sairmos daqui, vamos até Corinto comprar material, pois estamos construímos os nossos próprios reservados nos nossos quartos. Toris, como você sabe, é carpinteiro. E eu estou dando uma ajuda pra ele.

–         E quando fica pronto?_ perguntou Gabrielle curiosa.

–         Nós vamos fazer tudo sem pressa e com o melhor material._ respondeu Toris.

–         Gabrielle pode ficar sossegada que quando você se formar e for lá pra casa já vai estar pronto._ disse Xena ao acabar de comer a maçã.

–         Eu estou contando os dias._ disse a barda.

–         Ah, já ia me esquecendo… Isso é pra você._ disse Xena tirando de dentro da bolsa que carregava.

–         Hum… Pensei que você tivesse esquecido._ disse a barda após cheirar o doce.

–         Eu não te disse, Toris, que essa é uma barda gulosa.

O sino toca.

–         Vamos Toris, essa é a segunda parte do dia que essa barda gulosa mais gosta, quando toca o sino para lanchar.

–         Quando vocês voltam de Corinto? Vão passar por aqui?

–         Daqui a três domingos a gente vem te ver.

Na estrada a caminho do porto, Xena e Toris resolvem parar e acampar na floresta. Depois de ter recolhido alguns gravetos e de ter ajudado a irmã acender a fogueira, Toris se senta ao lado dela num tronco. Pergunta:

–         Xena, não quer se abrir comigo? Você e Lyceus eram inseparáveis, mas eu sempre fui seu confidente. Ou você não confia mais em mim?

Xena olhou bem para aqueles olhos azuis, azuis iguais aos seus e bem séria disse:

–         Não preciso dizer nada, você já sabe. Você me conhece.

–         Quando você vai dizer a ela?

–         Não sei. Gabrielle não sabe que eu a amo. Tenho medo de afastá-la de mim com o meu amor. Eu não suportaria perder a amizade dela.

Como havia combinado, no terceiro domingo, Gabrielle chegou correndo no jardim a tempo de ver a charrete partindo, gritou o nome da guerreira quase aos prantos.

–         Ei, barda, eu estou aqui.

Gabrielle olhou para trás e viu a guerreira sorrindo. E, como era de se esperar, atirou-se nos braços dela.

–         Ôua…_ disse Xena mantendo as pernas firmes para não cair e diz: Pensou que eu ia embora sem te ver?

–         É que eu vi a charrete se afastando pensei que você estivesse cansada de esperar.

–         Nem que eu tivesse que procurar por você lá dentro, eu não ia deixar de ver você.

Gabrielle a abraça ao ouvir tais palavras. Depois pergunta:

–         Onde Toris foi?

–         Pegar uma encomenda, daqui a pouco vem me buscar. E você como está?

–         Sentindo falta de você.

–         Eu perguntei nos estudos.

–         Muito bem, melhor não poderia estar.

–         Sinto orgulho de você, Gabrielle.

–         E eu sinto falta de você, Xena.

–         Como eu disse pra você, Toris e eu, vamos dar um duro danado pra fazer as reformas nos quartos da mãe, no dele e no meu… no nosso._ corrigiu Xena rindo, depois completa: Por isso, só vou poder vir aqui nas suas férias de quinze dias.

–         Xena, eu vou ficar quase quatro meses sem te ver! Isso não é justo!

–         É por um bom motivo, barda.

De repente um barulho de algo sendo arrastado pelo chão e se aproximando dali, fez com que Xena olhasse para os lados e puxasse Gabrielle para um canto, onde uma pequena árvore dava condições para se esconder. E fora nesse mesmo lugar que Xena estivera momentos atrás esperando pela barda. Perceberam que era o jardineiro arrastando um caixote de terra. Como ele se aproximou bem perto delas, Xena encostou Gabrielle contra o muro, colocando seu corpo colado no dela e com cuidado e habilidade puxou e ficou segurando uns galhos da árvore cobrindo-as.

O jardineiro resmungou que ia se queixar porque era o dia de folga dele. Deu um chute no caixote dizendo que podia esperar até amanhã e saiu. Já havia se passado algum tempo que o homem fora embora, mas Xena e Gabrielle não se moveram da posição que estavam: a barda com o rosto no colo da guerreira e esta com o queixo no topo da cabeça dela. E os dois corpos unidos e encaixados.  Além de sentir o doce perfume dos cabelos da barda e da maciez daquele corpo envolto na túnica, Xena estava com a perna esquerda entre as pernas de Gabrielle. Com muito custo e tentando manter indiferença disse:

–         Bem, ele se foi mesmo. Essa foi por pouco.

Gabrielle apenas balançou a cabeça concordando, pois não conseguia falar.

Xena olhou para a colina e avistou a charrete chegando. Tirou da sacola um pequeno embrulho que entregou para Gabrielle, dizendo:

–         Aqui está seu doce, talvez um pouco amassado.

–         Você nunca esquece. Mas eu também não. Aqui está sua maçã e a do mano, ainda bem que não amassa._ disse a barda ao tirar as duas frutas dos bolsos da túnica.

–         Ah, então foi isso o algo estranho que senti na minha perna quando a gente estava escondida.

Toris assobiou. Gabrielle acenou para Toris.

–         Agora tenho que ir barda._ disse Xena levantando o queixo dela.

–         Não se esqueça de mim, Xena._ diz a barda abraçando a guerreira daquele seu jeito tão peculiar.

–         Estarei te esperando.

O tempo transcorria lentamente para Xena e Gabrielle, foram quase quatro meses de agonia e ansiedade. Mas, enfim, o tão esperado momento chegara.

Os portões da Academia se abrem e os alunos saem apressados. Gabrielle pára ali mesmo na porta de saída e procura com os olhos a Princesa Guerreira. Mas não a vê. Esfrega as mãos, não só pelo frio que estava sentindo, como pelo nervosismo que sentia.

–         Pensou que eu não viria?

–         Xena!_ diz ela antes de se virar e logo após se atirando nos braços da guerreira num “extremado-Gabrielle-abraço”.

–         Qualquer dia desse você vai me derrubar, barda. Mas, como eu senti falta disso._ disse Xena a abraçando e sorrindo.

–         Cadê Argo?_ perguntou depois de ter dado uma olhada geral.

–         Ela está no celeiro aqui perto.

–         Quero vê-la, senti falta daquela danada também.

–         Gabrielle, que roupa é essa que você está usando?

A barda deu uma voltinha mostrando a roupa para Xena. Era um casaco longo de lã todo recortado em pedaços de três cores: branco, marrom e alaranjado. O detalhe do casaco é que mostrava por fora a costura dos retalhos simetricamente bem distribuídos. Ficara perfeito na barda.

–         Fui eu que fiz.

–         Por quê não comprou um igual a esse que estou usando?_ disse Xena usando um longo casaco negro com detalhes na cola e nos punhos de pele branca acinzentada.

Parecendo que foi pega de surpresa, gabrielle não soube responder.

–         Mas é claro! Os dinares que te dei não foram suficientes. Eu nem me lembrei de que isso poderia acontecer, que viria o inverno e que aquele seu casaco cinza deve estar todo puído, que falta de responsabilidade a minha!

–         Não, Xena, a falta de responsabilidade foi minha. Você me deixou com uma quantidade suficiente de dinares, eu é que meti os pés pelas mãos comprando a roupa que estou usando por baixo do casaco.

Gabrielle abre o casaco e mostra o conjunto vermelho escuro e com ornamentos prateado que vestia. Era uma saia bem curta com duas pequenas aberturas na frente das coxas com enfeites em metal prateado; por baixo da saia uma calça de pernas curtas iguais a que a guerreira usava, só que era vermelha e não preta; na cintura usava um cinto de couro marrom todo ornamentado com adereços prateados; e usava um top estilo guerreira em vermelho da mesma cor da saia e todo trançado de fitas aveludadas nas cores preta, laranja, marrom e vermelha. E mostrou também as duas munhequeiras de metal e o adorno de braço que, os que as guerreiras costumam usar eram feito de couro, mas o que ela usava era de metal. Disse:

–         Eu não resisti, Xena. É um traje de guerreira e eu nunca tive um. Quase fiquei sem nenhum dinar e olha que eu pechinchei. Mas valeu a pena, é lindo, não é?

–         Muito._ respondeu a guerreira ainda impressionada por ter notado que Gabrielle tinha adquirido forma, que o corpo dela tinha mudado. Percebeu encantada que quem agora estava ali a sua frente era uma belíssima, formosa e jovem mulher. Ficou olhando-a se virar, mostrando a roupa e, ao abrir totalmente o casaco, viu os quadris arredondados, as pernas perfeitas com coxas grossas e torneadas… Xena estava tão embevecida observando-a que ficou atordoada ao escutar Gabrielle dizer, fechando o casaco:

–         Ih, não vai dar pra escapar dessa vez, eles estão vindo aí.

Xena se vira rapidamente, já colocando a mão no chakram e antes que o puxasse, percebe que se tratava de um pequeno grupo de rapazes e moças.

–         Gabrielle, nem precisa dizer. Está é Xena, a Princesa Guerreira, não é mesmo?_ perguntou um jovem de cabelos alourados.

–         Xena esse é o meu amigo Orion, o contador cego.

–         Cego?!_ exclamou a guerreira.

–         É só o apelido, é porque ele costuma declamar e contar as histórias de olhos fechados.

Então Gabrielle teve que apresentar para Xena todos os seus amigos, um por um.

–         Será que dava pra você tirar o casaco por uns instantes?_ perguntou Stallonus, o aluno que narrava as lutas desempenhando-as.

Xena, um pouco sem, jeito atendeu ao pedido e tirou o casaco. Imediatamente foi rodeada pelos futuros bardos que naquele momento a estavam admirando.

–         É, Gabrielle, você soube descrever com exatidão como a guerreira se veste._ disse Orion.

–         Mas que… que… mus… músculos!_ gaguejou Twickenham.

Xena deu uma olhada pra Gabrielle, que percebeu o desconforto da amiga e disse:

–         Bem, pessoal, agora que vocês conheceram a minha amiga a Princesa Guerreira, vocês vão nos dar licença, pois temos um compromisso.

–         Mais uma aventura, Gabrielle?_ perguntou Eurípedes.

–         Quem sabe.

–         Vai nos contar depois?_ ainda Eurípedes.

–         Com certeza.

A caminho do celeiro, Xena pergunta:

–         Então você fala de mim?

–         Eu conto as suas aventuras. Viu só como eles ficaram bobos ao conhecê-la?

–         Eu é que fiquei desconfortada, parecia que eu era um animal em exposição, tive até que tirar o casaco, sem contar com os toques que levei em diversos lugares._ se queixou a guerreira.

Gabrielle riu e assim que avista Argo, corre para abraçá-la. Xena se aproxima da égua dizendo:

–         Prepare-se garota, vai ter um tratamento de princesa!

–         Para onde vamos, Xena?_ perguntou a barda ajudando a guerreira atrelar a égua.

–         Há algum lugar que queira ir?

–         O que eu queria mesmo é ir para Amphipolis, mas como são só quinze dias… Deixo ao seu dispor.

–         Sendo assim vou te levar para uns lugares belíssimos que conheço.

–         Vamos acampar?

–         Amanhã._ disse a guerreira puxando Argo pela rédea enquanto caminhava ao lado da barda. Conclui: Que tal almoçarmos lá na taberna do…

–         Do javali assado?_ completou a barda esperando a confirmação da guerreira.

–         Lá mesmo.

–         Hum…_ exclamou a barda rodando o cajado.

Só então que Xena percebeu porque a barda tinha adquirido formas tão depressa, porque era danada de gulosa.

Durante o silencioso almoço, pois só assim saboreando aquela deliciosa comida a barda parou de tagarelar. Xena aproveitou o momento para lhe dar uma notícia e prestando atenção de qual seria a reação da barda:

–         Estou com dois ingressos para uma peça que vai ser apresentada hoje no final da tarde no Teatro de Dionísio.

–         Uma peça? No Teatro de Dionísio?_ a barda parecia paralisada e incrédula.

–         Sim. Édipo Rei. Aposto que você conhece a história desse rei.

–         Claro. É de Sófocles, o mais profundo dos nossos grandes dramaturgos. Oh, Xena, é verdade mesmo?

Em resposta a guerreira põe os dois ingressos sobre a mesa. Gabrielle pega um e fica admirando-o. Xena a observa e percebe que, neste instante, Gabrielle parecia uma menina que ganhara a boneca que tanto cobiçava, seus olhos diziam isso, no brilho e nas lágrimas que agora escorriam. E com voz trêmula disse:

–         Minha primeira peça… E logo Édipo Rei…Não podia ser mais perfeito… Obrigada, Xena.

–         Se quiser chegar a tempo, temos que partir já.

–         Nem vou querer a sobremesa._ disse a barda limpando a boca com o pequeno pano de mesa.

–         Pra você dispensar a sobremesa, é que isso deve ser realmente muito importante para você. Fico feliz por lhe proporcionar isso.

Gabrielle põe a mão em cima da mão da guerreira dizendo:

–         Xena, eu nunca vou poder agradecer o que você tem feito por mim.

–         Gabrielle, eu é que sou grata a você por ter aparecido na minha vida e por ser a minha amiga._ disse colocando a outra mão em cima da mão da barda. E antes que a garota começasse a chorar, se levantou dizendo: Vamos?

Chegaram bem antes do entardecer na cidade, então foram para uma hospedaria e alugaram um quarto para deixar as suas coisas. Deixaram Argo no estábulo da hospedaria e foram para o teatro.

Xena ficou olhando pro rosto da barda quando entraram no teatro, Gabrielle estava encantada, trazia um sorriso nos lábios olhando tudo e emudecida de emoção. Xena a conduziu até os lugares marcados que era na quarta fileira bem em frente ao palco. Desde quando as cortinas se abriram e até o final de cada ato, a barda não se mexia, mal piscava. Xena quase não prestava atenção na peça, pois a “outra peça” ao seu lado era mais divertida e interessante. Na expressão facial da barda, ela pôde ver ansiedade, alegria, apreensão, compaixão e tristeza. Ao término da peça, lágrimas escorriam pela face dela, a qual sorria e aplaudia com entusiasmo. E até o caminho de volta para a hospedaria a barda narrou todas as cenas que a comoveu. A guerreira do lado apenas ouvia calada e feliz. Jantaram na taberna da hospedaria e a barda ainda continuava com a narração nos intervalos em que não estava comendo. Quando acabam de comer, Xena a interrompe:

–         Vai querer sobremesa, Gabrielle?

–         Hum… Hum._ responde a barda colocando o queixo nas mãos que eram apoiadas pelos cotovelos e diz a seguir: Ih, Xena que falta de educação a minha, fiquei falando sem parar e nem deixei você falar, é que eu nunca tinha ido a um teatro antes. E logo a esse que é o primeiro teatro fechado de toda a Grécia. Me desculpa, tá?

–         Não precisa se desculpar, Gabrielle, você sabe que eu gosto de ouvir você falar._ disse Xena e chamando a servente com um gesto de mão, diz quando ela se aproxima: Vamos querer a sobremesa agora, enquanto isso preparem a tina para o banho lá no nosso quarto.

–         Vocês vão querer mesmo tomar banho agora à noite, com esse frio todo?_ perguntou surpresa a servente.

–         Vamos querer sim._ respondeu a guerreira.

–         Banho quente, por favor._ avisou Gabrielle.

Depois da sobremesa, a servente avisou que o banho estava pronto. As duas subiram para o quarto.

–         Você viu como a servente ficou surpresa quando pedi que preparasse o banho?_ perguntou Xena entrando no quarto.

–         Foi por isso que pedi água quente. Acho que por aqui nessa época ninguém toma banho._ disse Gabrielle colocando o cajado e a bolsa num canto. Depois tirou o casaco e o colocou no cabideiro de parede.

Xena, que já havia tirado o casaco, fica parada com ele na mão admirando os trejeitos da barda. Ao se aproximar da guerreira, a barda toma-lhe o casaco das mãos pendurando-o ao lado do dela e diz:

–         Xena acho melhor você vê se ela preparou direito o nosso banho, enquanto eu vou pagar os nossos panos de banho.

Xena foi até a tina e constatou:

–         Gabrielle, você tem razão o pessoal aqui não está acostumado ao banho nessa época. A única coisa aqui para o banho, além do sabão e da esponja, só essa pequena garrafa de óleo. Nenhum frasco de sais aromáticos.

–         Prepare assim mesmo, Xena._ disse a barda sentada numa cadeira tirando as botas com muito cuidado.

–         Gabrielle, ainda é aquela bota?_ disse a guerreira ao se aproximar.

–         É sim, vou comprar outra quando for pra Poteidaia._ respondeu escondendo as botas atrás da bolsa.

–         De maneira nenhuma._ disse Xena pegando-as e verificando o péssimo estado do solado e dela toda. Avisou: Amanhã vamos comprar uma bota nova pra você. Como foi que ela durou esse tempo todo?

–         Eu acho porque eu só uso fora da Academia. Lá dentro só usamos sandálias. Às vezes eu as usava pra dormir.

–         Pra dormir?

–         É, por causa do frio. Lá nós temos cobertores, mas você sabe que eu sinto muito frio nos pés e as minhas meias estão meio ralas. Mas desde que ganhei as meias que a mãe Cyrene me deu não precisei mais usar as botas pra dormir.

–         Oh, Gabrielle, por que você não me disse isso antes?

–         Xena, você tem feito tanta coisa pra mim que tive vergonha de contar, pois sabia que você iria me dar a sua parte dos dinares. E eu só fiquei desprovida de roupa, porque vendi tudo que tinha de bom para poder ter dinares suficientes para vir para a Academia.

Xena sentiu vontade de abraçá-la, mas se conteve dizendo:

–         Amanhã vamos providenciar isso. Agora vamos tomar banho antes que a água esfrie. Acho melhor prendermos os nossos cabelos.

Rapidamente a guerreira se despiu e entrou na tina. Fingindo lavar o rosto, ficou observando a barda se despir. Viu-a, de costas, tirando o top e depois se enrolar no pano de banho, retirando a seguir o resto da roupa. Quando se aproximou da tina para entrar, Xena fechou os olhos jogando água no rosto. Ao abri-los viu a sua frente. Então lhe estendeu a esponja e lhe virou as costas. Gabrielle ajeitou uns fios de cabelos de Xena que haviam se desprendido, ajeitando com muito carinho, diz:

–         Quanto tempo que a gente não fazia isso, não é Xena? Bem, pelo menos eu. Como é difícil lavar as costas sozinha.

–         E na Academia?

–         Não entendi.

–         Ninguém lhe lavava as costas? É comum nas Academias ter banho comunitário entre as garotas.

–         Não lá. Há apenas os reservados e o banho lá é frio.

–         Mesmo nessa época?

–         Sim.

–         Então ninguém toma banho.

–         É, tem uns alunos que os mestres precisam mandar tomar banho, senão não poderão assistir às aulas. Eu tomo banho todo dia. Mas, antes, faço tanto exercícios para agüentar.

–         Você não havia me contado isso, barda.

–         Não achei necessário e preocupar você com bobagem.

–         Nada do que diz respeito a você é bobagem para mim.

Só então que Xena percebeu que aí estava a explicação completa para o desenvolvimento físico da barda: boa comida e bastantes exercícios. Sentiu vontade de rir ao imaginar a barda se exercitando antes de entrar no banho, mas achou melhor conter o riso, não queria se indispor com ela. Começou a ensaboar as costas dela.

–         Sabe, Xena, eu estava pensando em cortar os cabelos._ disse Gabrielle totalmente ruborizada com o toque das mãos da guerreira na sua nuca, mas aliviada por estar de costas para ela.

–         Por quê?

–         Queria ver como fico.

–         Linda de qualquer jeito.

–         Ah, assim não vale, Xena. Quero uma opinião sem ser com olhos de amiga.

Xena parou de ensaboar-lhe as costas e de frente para ela teve vontade de dizer que ela não só a olhava com olhos de amiga, mas com olhos de paixão. Mas, no entanto, disse:

–         Deixe pra cortar quando estiver mais quente.

–         Tem razão. Como sempre, é claro.

–         Droga!_ exclamou quase gritando a guerreira se virando na tina.

–         O que foi?_ perguntou um pouco espantada a barda.

–         Essa hospedaria é pra quem não gosta mesmo de banho. Não está sentindo que a água está ficando fria?

–         É mesmo, a água esfriou muito rápido, pois não tem muito tempo que a gente está aqui.

Xena pulou rapidamente da tina e ao verificar embaixo desta, diz ao se levantar:

–         Sem pedras vulcânicas! Por isso, a água esfriou logo.

–         É que eles não entendem de banho, porque não tomam banho nessa época.

Depois de se enrolar no pano de banho, a guerreira estende um para a barda. Gabrielle se levantou ao mesmo tempo em que pegou o pano e se cobriu. Foi um lance muito rápido e a guerreira que esperava poder ver melhor qualquer parte daquele corpo, ficou frustrada. Mas, continuou olhando de soslaio a barda se vestir. Viu as coxas dela quando Gabrielle levantou um pouco o pano de banho para vestir a calça. Logo depois ficou frustrada novamente quando a barda vestiu aquela roupa de dormir de algodão.

–         Xena, não vá me dizer que você vai dormir só de calça com esse frio todo?_ disse ela olhando para a guerreira que acabara de vestir a calça.

–         Não. No inverno eu costumo dormir com essa camisa._ disse mostrando e vestindo uma velha camisa masculina.

Gabrielle se aproximou, ajeitou o colarinho que estava por dentro da camisa e antes de ir para a cama, diz:

–         Você fica bem nessas camisas.

Xena ficou tensa, de alguma forma esse elogio mexeu com ela.

–         Você não vem dormir?_ perguntou a barda depois de se deitar.

–         Assim que apagar as velas do lustre. Vou deixar acesa apenas a do candeeiro.

Ao se deitar ao lado da barda, como sempre de costas para ela, a escuta dizer:

–         A partir de amanhã é que começam os meus quinze dias de férias. Queria que fossem inesquecíveis como foi hoje.

–         Tem em mente alguma coisa especial?_ perguntou sem se virar.

–         Deixo a seu critério. Apenas queria acampar antes de voltar a Academia.

–         Vamos fazer isso em algum local apropriado.

A barda se aconchegou nas costas dela dizendo:

–         Boa noite, Xena, durma bem.

–         Boa noite, Gabrielle.

E a guerreira pensou que ela merecia o que estava acontecendo, da tortura pela qual estava passando. Afinal, ela um dia já fora a Destruidora de Nações, quase teve a Grécia a seus pés e com a sua fama de conquistadora, destruiu muitos corações. Era justo que agora pagasse pelo que fizera, pois merecia passar pela essa doce tortura de estar ao lado, de ser abraçada pela pessoa que ela mais desejava e que até então não podia ser sua. Instantes atrás quando lembrou da sua “fama de conquistadora” teve outro daqueles pressentimentos que já vivera aquele momento. Achou melhor dormir, pois já tinha muito que se preocupar ao lembrar que a barda pegou o costume de dormir grudada nas costas dela sem saber o bem e o mal que lhe fazia.

Amanheceu.

Xena já estava pronta, quando conseguiu, finalmente, acordar a barda. Gabrielle levantou bastante sonolenta e tonta de sono tirou a roupa de dormir sob o olhar surpreso da guerreira que, ao vê-la de costas só de calça, engoliu em seco.

Depois de pronta a barda foi lavar o rosto, despejou a água da jarra na bacia e, ao molhar a face com a água fria, só então despertou.

–         Vem fazer o desjejum, Gabrielle. Pelo menos a comida é boa.

–         Bom dia._ disse ao se sentar.

–         Agora que você respondeu ao meu cumprimento, sua dorminhoca?_ disse Xena assanhando a franja da barda.

–         Eu não dormi bem, tive pesadelos.

–         É, eu notei que você se virou a noite inteira. Com o quê você sonhou?

–         Não me lembro, só sei que era um pesadelo.

–         Foi a comida.

–         Eu não comi muito. Eu estava muito excitada com a tarde e a noite maravilhosa de ontem.

–         Talvez tenha sido isso, a peça, a tragédia de Édipo.

–         É, talvez.

–         Bem, acabe de comer que depois vamos sair.

–         Pra onde?

–         Primeiro vamos ver Argo, depois vamos fazer umas compras.

Gabrielle levou duas maçãs para Argo. E enquanto ela escova a égua, Xena a atrelava. Depois foram até uma casa onde vendiam roupas e calçados de couro.

–         Que tal aquela bota, Gabrielle?_ perguntou a guerreira apontando para uma bota marrom clara, quase avermelhada. Conclui: Combina com o seu traje.

–         Deve ser cara, Xena.

–         Você gostou?_ disse a guerreira pegando as botas.

–         É muito bonita.

–         Então calça, acho que dá em você.

A barda calçou as botas e andou de um lado para o outro sob o olhar encantado da guerreira que apreciava o andar gracioso todo próprio dela.

–         E então, o que você achou, Xena?

–         Maravilhosa… quero dizer, você é quem tem que dizer o que achou._ a guerreira quase foi surpreendida.

–         Além de bonita, ela é leve. Nunca vi uma bota tão macia assim.

–         A minha é assim.

–         Os pés de uma guerreira têm que ser bem tratados, você me disse isso uma vez.

–         É por isso que você vai usá-la.

–         Isso que dizer então…

–         Que como minha ajudante tem que estar a minha altura, quero dizer, não quero ver minha guerreira se queixando que não faz o trabalho direito por causa dos pés, bolhas, calos…

Xena não conseguiu terminar de falar, pois a barda abraçou-a dizendo:

–         Oh, Xena! Finalmente, você está me dando crédito e reconhecendo que eu também sou uma guerreira.

Xena olhou para os lados, porém ficou tranqüila por perceber que só as duas estavam naquela parte do estabelecimento.

Ao saírem dali, Gabrielle pergunta abotoando o casaco por causa do frio:

–         A gente vai pra onde agora?

–         Você não disse que queria conhecer a praça Pnice? Então…

–         Mas nós não podemos, Xena.

–         Podemos sim. O Conselho não vai se reunir hoje.

–         Tem certeza?

–         Tenho. Há dois dias teve uma das tais reuniões das quarenta vezes que eles fazem por ano.

–         Como você sabe das coisas, Xena!_ disse a barda admirada.

Chegam ao anfiteatro natural o qual ficava numa das colinas ao oeste da Acrópole. Fascinada, Gabrielle andou de um lado para o outro. Foi até o centro e perguntou:

–         É aqui que eles se reúnem?

–         Aqui mesmo. Bem aqui no centro ficam os representantes de cada uma das dez tribos Áticas. Ao redor, o Conselho é composto de quinhentos homens, cinqüenta representantes de cada uma dessas tribos.

–         Por que só de homens?

–         Porque as mulheres ainda não perceberam que estão perdendo lugar, que estão sendo colocadas de lado, como seres inferiores. Há uma exclusão proposital da presença da mulher em qualquer posição superior ao do homem. Se continuarmos assim, chegará o dia em que nem terão direito nenhum.

–         Mas isso não pode acontecer, Xena.

–         É por isso que eu sou guerreira.

–         Eu também. Como barda não quero que ninguém cale a minha voz, o meu direito de me expressar. E como guerreira quero ter liberdade pra viver do jeito que eu quiser.

–         Isso foi muito bonito, Gabrielle. Mas, agora, guerreira, vamos pegar a estrada. Conheço um atalho na descida onde tem um riacho que costuma ter peixe grande.Já pesquei algumas vezes por aqui.

À beira do riacho, Gabrielle ficou sentada numa pedra observando a guerreira em pé dentro d`água, usando apenas o traje debaixo e sem as botas, mergulhar os braços, esperar pacientemente e pegar um peixe grande. A barda ainda não estava acostumada com a habilidade da guerreira de pescar dessa maneira.

Assim que Xena saiu da água, ela correu ao seu encontro entregando-lhe o pano de banho para a guerreira se enxugar, enquanto colocava o peixe na panela. Depois a ajudou a calçar as botas e colocar a armadura. Já pronta, Xena ensina a Gabrielle a tratar do peixe.

Após comerem, ainda sentada ao lado da guerreira, Gabrielle diz:

–         Podíamos acampar aqui, o quê você acha, Xena?

–         Aqui não, Gabrielle. A noite aqui é um gelo. Venta muito. Já que você está querendo mesmo acampar, daqui a pouco vamos descer o riacho, é que lá embaixo tem uma pequena gruta onde poderemos acampar.

–         Que maravilha! Hum, esse peixe também estava maravilhoso, uma delícia!_ disse se levantando.

–         Ainda cabe mais alguma coisa aí dentro, barda?

–         Por que você está dizendo isso?_ ficou curiosa.

–         Por isso._ disse Xena estendendo um pequeno pacote pra ela.

Gabrielle se sentou novamente, abriu o pacote e vendo do que se tratava, disse:

–         Humm… Pra isso sempre tenho um lugarzinho reservado.

–         Não é aquele doce que vende perto lá da Academia._ avisou a guerreira.

–         Mas é gostoso._ disse a barda depois que comeu um pedaço e oferecendo o doce diz: Quer um pedaço? Experimenta.

–         Não é todo seu._ disse desviando o rosto.

–         Ah, Xena, experimenta só um pouquinho.

–         Não, obrigada. Pode comê-lo todinho.

–         Só um pedacinho…_ insistiu Gabrielle mostrando com o dedo indicador e o polegar o tamanho.

–         Tá bem, só um pedacinho então.

Gabrielle tira uma pequena lasca do doce e oferece a Xena.

–         O quê?! Só isso Gabrielle?_ disse a guerreira impressionada com o “tamanho” mínimo do doce nos dedos da barda.

–         Foi você quem pediu._ disse colocando o doce na boca de Xena, perguntando a seguir: Que tal, gostou?

–         Como vou saber, nem deu pra sentir. Me dá outro pedaço.

–         Não.

–         Não?!

–         Não.

Xena percebeu que Gabrielle estava brincando, se divertindo. Resolveu entrar no jogo.

–         Que barda gulosa! Me deixa provar isso.

–         Não._ disse Gabrielle virando-se de costas para ela e se divertindo com isso.

–          Ah, é assim?_ rapidamente Xena a vira para si e segurando a mão dela que estava com o doce, dá uma boa mordida nele ao mesmo instante em que olha para a barda e a vê olhando-a com uma expressão encantada no rosto. Desconcertada a guerreira disfarça dizendo:

–         Hum, gostoso mesmo.

Descendo a estrada a caminho da gruta, encontraram com um vendedor ambulante.

–         O que você tem aí pra frio?_ perguntou Xena.

–         Tudo._ disse o homem descobrindo a carroça.

–         Escolhe alguma coisa pra você, Gabrielle.

A barda segurando as rédeas de Argo, diz sem olhar para dentro da carroça:

–         Não estou precisando de nada.

–         Está sim. Principalmente de roupa para dormir.

–         Mas Xena…

–         É uma ordem, Gabrielle._ disse seriamente.

A barda obedece. Dá uma olhada nas roupas, vê um conjunto de luvas, gorro e cachecol, pergunta o preço e achando caro, deixa-o de lado. Mesmo pegando as outras peças de roupas, de vez em quando olhava para aquele conjunto. Percebendo, Xena pega o conjunto e o dá para ela, dizendo:

–         É seu.

–         Mas Xena é muito caro.

–         É um presente, Gabrielle._ disse pagando ao vendedor.

–         Mais um._ disse sem jeito.

–         Não quero que minha ajudante adoeça.

Durante todo o caminho, ao ver a barda calada, toda encolhida, Xena dá a volta na frente de Argo, ficando ao lado de Gabrielle e percebe que ela havia chorado.

–         O que foi barda?_ perguntou parando na frente dela.

–         Eu nunca poderei pagar o que você faz por mim, Xena.

–         Não viso nenhuma recompensa, a não ser a sua amizade.

Foi então que Gabrielle chorou mais. Xena a conduz para fora da estrada perguntando:

–         O que está acontecendo com você, Gabrielle?

–         Estou feliz por ter uma amiga como você.

–         Chegamos.

Era uma gruta pequena atrás de uns arbustos. Dentro dela havia um pequeno lago provocado pela água que descia de alguma nascente.

–         Isso aqui, além de ser um excelente lugar para pernoitarmos, Gabrielle, ainda tem água para beber. Agora vou lá fora pegar alguns gravetos para fazer uma fogueira. E você podia arrumar as nossas coisas, escolhe um lugar para a gente dormir.

Não foi preciso procurar muito, logo a guerreira achou uns gravetos e ao entrar na gruta, viu a barda que acabara de arrumar as coisas delas num canto, olhando com admiração e acariciando o conjunto que há pouco lhe dera. Só então que Xena percebeu que, Gabrielle, devia ter passado necessidade durante esses quase três anos na Academia, embora ela nunca tenha se queixado. A guerreira lembrou da pequena quantidade de dinares que Hecuba dava a filha quando voltava para a Academia, era somente o preço de duas passagens de barco e nada mais. Xena ficou chateada com ela mesma por não ter percebido isso antes e de como a barda não fazia questão da sua parte das vezes que elas ganharam recompensas pelos serviços prestados. E que graças a esses dinares que recebera de Xena, Gabrielle pôde comprar a tal sonhada roupa de guerreira e que passara frio por isso. Percebeu que, na verdade, se não fosse por ela, aquela barda sonhadora jamais se formaria. Sorriu feliz por estar proporcionando essa felicidade para aquela garota.

–         Xena, o que é que você está fazendo aí parada?_ perguntou a barda.

–         Ahn… Estou tentando coçar as minhas costas._ inventou a guerreira que fora pega de surpresa.

Gabrielle foi até onde ela estava e coçando-lhes as costas, diz:

–         Francamente, Xena, com tantos galhos nas mãos você poderia ter usado um deles para coçar as costas. Mas, enquanto eu estiver por perto, deixe que eu faço isso.

–         Como está a água?_ perguntou a guerreira se desvencilhando e colocando os gravetos próximo onde elas iriam dormir.

–         Fria, muito fria.

–         Bem, vou acender logo a fogueira e esquentar o resto do peixe que sobrou do almoço. Acho melhor a gente não tomar banho hoje, já está anoitecendo.

Depois que jantaram ficaram um bom tempo conversando até que a barda não conseguiu conter um leve bocejo. A guerreira então resolveu que era a hora de dormir. Gabrielle foi arrumar os cobertores e Xena foi ver Argo.

–         Oh, não!_ quase gritou a barda.

–         O que foi?_ perguntou Xena se aproximando.

–         Olha só o que aconteceu com a minha roupa de dormir._ mostrou a roupa toda molhada.

–         Como foi que isso aconteceu?

–         Eu tirei a roupa da bolsa e deixei aqui em cima desta pedra, enquanto arrumava os nossos cobertores. E ela deve ter escorregado e caiu aqui atrás onde a água escorre. Vou ter que dormir com a minha roupa de guerreira._ disse chateada.

–         Vai nada._ disse a guerreira e pegando de dentro da bolsa a camisa branca que ela costuma dormir. Completa: Pegue!

–         E você?_ pergunta a barda após pegar a camisa.

–         Vou dormir com a minha roupa de baixo.

Enquanto a barda mudava de roupa, Xena foi bloquear a entrada da gruta. Estava arrumando os galhos quando viu Gabrielle levar até o nariz a sua camisa. Desatenta e espantada com aquele gesto acabou por levar uma estocada de uma haste flexível, mas bastante dura que acabou por machucá-la. Capengou até a sua bolsa de montaria e pegou um ungüento.

–         O que foi que aconteceu, Xena? Você se machucou?_ perguntou Gabrielle se aproximando e já vestida na sua camisa, que nela serviu como uma perfeita roupa de dormir.

–         Não foi nada. Levei uma estocada aqui por dentro da coxa. Vou passar esse ungüento…

–         Deixe que eu passo._ disse a barda tomando o ungüento da mão da guerreira.

Gabrielle ajuda a Xena a tirar a armadura, o traje de couro, ficando somente com o traje debaixo. Depois a ajuda a tirar as botas. Então se ajoelha frente à coxa machucada e começa a massageá-la com o ungüento. Xena estava paralisada, com a respiração contida. Mas quando sentiu a mão direita da barda deslizando pela parte de dentro da sua coxa direita, sentiu algo desenfreado, tomando forma e antes que isso desenvolvesse, fazendo com que ela perdesse a cabeça, se desvencilhou saindo correndo e antes de entrar na água tirou o traje e a calça. Gabrielle que havia levado um susto com aquela reação da guerreira levanta-se dizendo:

–         Xena, saia daí! Você pode ficar doente.

A guerreira que estava sentada coberta pela água até os ombros molha o rosto, se levanta e sai calmamente da água.

Gabrielle corre até ela com o pano de banho e agasalhando-a, pergunta:

–         Xena, por que você fez isso?

Depois de se enxugar e vestir a roupa que havia tirado, a guerreira diz sem olhar para a barda:

–         Porque isso ajuda a enrijecer os músculos.

–         Quer que eu passe o ungüento de novo?

–         Não precisa._ disse Xena com firmeza.

–         Se precisar é só pedir. Eu já vou deitar, estou com muito frio. Você não vem?

–         Daqui a pouco.

Secando as pontas dos cabelos, Xena ficou olhando a barda calçar as meias, o cachecol, o gorro e se meter embaixo do cobertor. Caminhou até a fogueira colocando mais gravetos para que esquentasse mais, se aqueceu um pouco enquanto pensava no quê realmente ocorrera. Ver aquela garota ajoelhada a seus pés, com o decote da camisa que ela não fechara direito deixando ver todo o colo e quase todo o seio dela. E sentir a mão dela deslizar por dentro da sua coxa… Fora demais para ela. Teve ímpetos de agarrá-la, beijá-la e possuí-la. Sentiu raiva por saber que a Conquistadora ainda fazia parte dela. “Conquistadora?! Não, Destruidora!”. Mais um momento daqueles em que ela se sentia confusa, era como se ela tivesse sido ou vivido algo antes do que era agora. Ficou confusa. Sentindo-se bastante aquecida, resolveu deitar. E como sempre a barda se aconchega as suas costas.

–         Xena como você está quente!_ disse se aconchegando mais as costas dela.

–         Me aqueci na fogueira.

–         E a coxa?

–         Não dói mais. Vamos dormir?

–         Está bem. Boa noite. Ah! Boa noite, Argo._ disse mais alto a barda.

A égua relinchou em resposta. Foi o bastante para Xena relaxar. Agora, mesmo com a barda colada em suas costas, sentia-se mais tranqüila.

Quando Gabrielle acordou não viu a guerreira. Olhou ao redor e só viu Argo. Foi até lá e afagou a égua, depois foi até o pequeno lago e molhou o rosto. Quando estava mudando de roupa é que reparou na pequena panela com água no fogo e as duas canecas ao lado da fogueira. Se aproximou, percebeu que Xena havia posto folhas de chá dentro delas. Pegou a panela com um pano e colocou a água quente nelas. Depois foi até a entrada da gruta. Percebeu que ainda chovia muito, quase não dava pra enxergar direito por causa do aguaceiro, mas viu a guerreira chegando com uma ave na mão e com um peixe na outra.

–         Desjejum, almoço e jantar garantidos._ disse mostrando a guerreira.

–         Isso quer dizer que vamos ficar aqui?

–         É o jeito. Está chovendo muito._ disse Xena entrando e puxando os galhos para fechar a entrada.

–         O chá está pronto. Vou pegar o pano de banho para você se enxugar.

–         Agora não, porque eu vou levar Argo lá fora. Pode pôr o peixe no espeto, já está tratado. Não demoro.

Quando voltou, percebeu que a barda estava usando o casaco colorido e que a aguardava com o pano de banho na mão.

–         Xena tira logo essa roupa molhada, se enxuga e vista o casaco.

–         Sim senhora._ disse já se despindo.

Terminaram o desjejum. Xena foi tratar a ave que trouxera e Gabrielle ficou ao lado ajudando.

–         E Argo, Xena, vai ficar lá fora?

–         Antes de anoitecer vou buscá-la.

–         Hoje eu não fico sem tomar banho. Assim que tiver descansado daquele peixe delicioso, vou me exercitar bastante para poder entrar nesse laguinho gelado.

–         Ao invés disso, vamos treinar._ sugere Xena, colocando a ave no espeto e a colocando na fogueira.

–         Vamos continuar com as aulas com o cajado?

–         Claro. Tenho uns truques que eu quero que você aprenda.

Instantes mais tarde, enquanto a perdiz assava, as duas vestidas nos seus trajes de guerreiras se exercitavam lutando. Xena improvisou usando um galho forte como cajado. Rodou por cima da cabeça e trocando de mão rodou o cajado improvisado por todo o corpo. Logo depois mandou que a barda fizesse o mesmo. E quando a barda aprendia, outro truque novo era ensinado. Ficaram lutando por muito tempo, Xena só parava para ir virar a ave no espeto. Depois voltava e treinava mais golpes novos com a barda. Até que ficaram completamente esgotadas e suadas.

–         Gabrielle que tal o banho agora?

–         Imediatamente Xena.

Em pouco tempo a guerreira se livrou de toda a roupa e entrou no pequeno lago. Gabrielle também havia se despido e vinha trazendo o pano de banho da guerreira, o sabão e com o seu pano de banho cobrindo-lhe à frente. Onde estava a guerreira pôde ver o contorno das curvas daquele belo corpo. A barda parou na beira do lago e perguntou:

–         Está muito frio?

–         Dá pra suportar. Vem logo antes que o seu corpo esfrie.

–         Então pegue o sabão._ disse a barda jogando o sabão forçando a guerreira a pegar.

No momento em que Xena pulou para pegar o sabão, Gabrielle aproveita para entrar no lago.

–         Você tem razão, Xena, não está tão frio assim.

Xena olhou para ela com um sorriso maroto e estendendo o sabão diz:

–         Rápido, vamos ensaboar as costas uma da outra, antes que a gente comece a sentir frio.

Instantes depois.

–         Vamos sair. _ avisou Xena.

–         Já estava começando a sentir frio.

Xena levanta na frente de costas para Gabrielle, que a segue. A guerreira teve vontade de se virar, mas se conteve. Depois de vestidas, as duas foram para frente da fogueira se aquecer e comer a ave assada.

–         Parou de chover._ disse Xena se sentando novamente ao lado da barda após ter dado uma espiada na abertura da gruta.

–         A gente vai hoje ou amanhã?

–         Amanhã de manhã. Tem muita lama lá fora. Antes do entardecer vou chamar Argo.

–         E eu vou dar um banho nela, deve estar toda suja.

–         Você gosta dela._ não fora uma pergunta e sim uma confirmação.

–         Muito. E é engraçado isso. Lá em Poteidaia, nós sempre tivemos um cavalo e eu nunca pude cuidar como faço com Argo. Porque papai nunca deixou Lila e eu sequer se aproximar dos bichos. Ele achava que a gente poderia estragar os animais, mimando-os.

–         Argo também gosta muito de você. E olha que ela não deixa ninguém chegar perto dela.

–         Ela é linda.

–         Você também._ essas palavras escapuliram da boca da guerreira.

Gabrielle sorriu daquele jeito todo próprio dela franzindo o nariz. Xena coçou a ponta do seu próprio nariz desajeitada.

Nisso, Argo bate o casco já entrando na gruta.

–         Olha só Xena quem está chegando!_ disse Gabrielle indo ao encontro da égua.

–         Vamos cuidar da nossa amiga, Gabrielle, que ela bem que está precisando._ disse olhando para a égua que estava molhada com folhas grudadas por todo o corpo e com as pernas e patas enlameadas.

Enquanto cuidavam de Argo, Gabrielle escovando a crina e Xena limpando os cascos, a barda pergunta:

–         Xena depois daquele dia A… o Deus da Guerra apareceu pra você?

–         Uma vez. Mas eu o despachei com pouco caso que ele ficou chateado e sumiu. Deve estar ocupado com as guerrinhas dele.

–         Xena, eu tenho tanto medo que ele possa te convencer, te seduzir…

–         Ele me seduzir?! Já foi o tempo. Hoje eu tenho nojo dele. Ele representa o passado que eu quero esquecer.

Gabrielle nada disse, mas tornou a sorrir daquele jeito que tanto a guerreira gostava.

As duas estavam dormindo, quando Gabrielle começou a se debater. Xena acorda e fica observando a barda que chama por ela em seu sonho. A guerreira a acorda ao perceber que ela parecia estar sofrendo.

–         Xena!… Graça aos deuses que era apenas um sonho…

–         E o que foi que você sonhou, se lembra?

–         Eu sonhei que estava encolhendo.

–         Encolhendo?

–         É, encolhendo. Ficando cada vez menor. Eu tinha caído num buraco. Tudo que você jogava para que eu pudesse pegar, eu não conseguia alcançar, porque tudo era enorme para as minhas mãos. Até que eu sumi. Via você chorando, me chamando… Mas você não podia me ver, eu tinha virado um grão, um grão de areia. Aí acordei._ disse se sentando.

–         Foi um pesadelo, Gabrielle, foi um pesadelo._ disse Xena segurando as mãos dela bastante preocupada, disse: Agora deite, vamos dormir.

–         Posso dormir abraçada com você?

–         Não vai dizer que está com medo?

–         Estou com medo sim, não tenho vergonha de admitir.

–         Está bem, barda._ disse Xena se deitando e abrindo o braço para acolher a barda, conclui: Venha, que eu não vou deixar que nada de mal lhe aconteça.

Gabrielle se aconchegou no braço dela.

Acordaram cedo e logo partiram.

Chegaram ao vilarejo no meio do dia com o sol a pino.

–         Esse vilarejo é conhecido como a cidade da uva e do vinho. Quis trazer você aqui para que conheça a Cidade de Dionísio.

–         O deus Baco?

–         É, ele é também conhecido por Baco.

–         Ai, Xena, a gente vai dormir aqui?

–         Por que a pergunta Gaby?

–         Por causa das Mênades.

–         Das bacantes?

–         Xiii… Não fale esse nome.

–         Por quê?

–         Atrai.

–         Isso não passa de supertição, Gabrielle. Nós vamos passar essa noite aqui e amanhã partiremos bem cedo. E no caminho vou te levar até o grande teatro de Epidauro, é bem perto daqui.

–         É aquele que foi construído pelos adoradores de Dionísio e onde o sacerdote tem o melhor lugar reservado?

–         Como sabe disso?

–         Li nos livros e pergaminhos lá da Academia. Só espero não encontrar nenhuma bacante._ disse tampando a boca.

Xena riu, realmente, ela era uma barda muito engraçada.

Foram até a única pousada da cidade. Onde comeram carne de porco e Gabrielle não quis beber do famoso vinho. Depois foram até o celeiro onde Argo estava. Enquanto a barda alimentava a égua, Xena conversava com o dono do celeiro.

–         O quê vocês conversavam?_ perguntou Gabrielle quando a guerreira se aproximou.

–         É que hoje começa o festival de inverno. Vai ter uma grande festa por toda a cidade.

–         Ai, ai, as ba… as mêna… as garotas vão estar por aí._ disse a barda passando a mão na testa.

–         Elas atacam nos bosques, Gabrielle.

–         Mas algumas vêm à cidade para atrair suas presas, até dançam com elas, as embebedam… e quem sabe não mordem ali mesmo.

–         É, você leu mesmo sobre isso!

–         Ah, Xena vamos embora daqui.

–         Deixa de bobagem, Gabrielle. Além do mais eu estou aqui.

–         Mais você é uma só. Elas andam aos bandos. E basta só uma mordida para que uma jovem inocente se transforme numa bacante._ assustada tampa a boca.

–         Isso se for uma jovem. Se não for, elas sugam todo o sangue.

–         Ai, Xena.

Xena percebeu que a barda não estava brincando, viu que ela estava muito assustada, que ela sentia medo mesmo.

–         Venha, vamos conhecer melhor a cidade. Nós não somos as únicas pessoas estranhas aqui, tem gente de todo lugar da Grécia. Tivemos sorte em arranjar aquele quarto.

–         É, bem de frente para a praça._ lamentou a barda.

Xena pôde constatar que havia realmente um grupo de gente estranha visitando a cidade. Achava que não tinha cabimento o medo da barda. Todavia achou melhor ficar atenta.

Como era inverno anoiteceu depressa.

Xena havia saído da tina, estava se enxugando quando percebeu que a barda ainda estava sentada dentro dela.

–         Mas o que foi agora, Gabrielle? Você já está aí dentro há bastante tempo, antes mesmo de eu chegar… O quê que há?

–         Ah, Xena a gente precisa mesmo descer? Não podemos ficar aqui?

–         Já entendi. Vamos Gabrielle, sai daí, vem se arrumar.

A barda nem se mexeu.

A guerreira olhou para ela e com as mãos na cintura disse:

–         Só tem um jeito de lidar com uma barda teimosa.

Pegou o pano de banho de Gabrielle e se aproximou da tina, dizendo:

–         Tirando-a daí.

–         Não precisa, Xena, eu saio.

Xena estendeu o pano de banho, abrindo-o a sua frente para que a barda se enrolasse nele. E foi o que ela fez. Rapidamente a guerreira puxou-a, tirando-a da tina e a levando no colo até a cama onde estavam as roupas. Hesita por uns instantes e depois diz ao colocá-la no chão:

–         Estou te esperando lá embaixo.

Saiu sem olhar para trás. Parou atrás da porta. Passou a mão no rosto e percebeu que esquecera o casaco. Fez menção de entrar, mas pensou que do jeito que estava, se visse a barda nua… Achou melhor descer e tomar um licor.

Instantes depois, Gabrielle se aproxima dela que estava sentada ao balcão e lhe estende o casaco, dizendo:

–         Sei que você não é de sentir frio, mas, por favor, ponha o casaco. Não sei o que seria da sua saúde se eu não estivesse aqui para cuidar de você.

Xena vestiu o casaco sem dizer uma palavra.

De repente, começaram a ouvir um som irresistível vindo da praça. O servente avisou a elas:

–         O festival começou. E o vinho é de graça.

Xena praticamente arrastou Gabrielle para a praça.

–         Agora que reparei, Gabrielle por que você está com o cajado?

–         Me sinto mais segura. Tal qual você com suas armas.

Andando atrás dela, Xena riu sem que a barda visse. E achou divertido o modo como ela estava atenta a tudo a sua volta. Mas como era ainda uma principiante não percebeu um grupo de garotas vestidas com roupas pretas, todas muito pálidas que dançavam sem parar. De imediato, Xena, percebeu que eram bacantes. Afastou a barda sem alarde e avisou ao mestre de cerimônia sobre a presença delas. Depois de um tempo elas sumiram, devem ter percebido que notaram suas presenças. Mesmo assim, sem perigo por perto, a guerreira achou melhor não contar nada para a barda.

Mais tarde no quarto.

–         Viu como não tinha nenhuma bacan… _ a guerreira não terminou de falar porque a barda tampou-lhe a boca com a mão.

–         Xiii… Não diga esse nome.

–         Você não acha que está exagerando Gaby?

–         Não, Xena. Posso fechar a janela?

–         Se isso a tranqüiliza…

Gabrielle fechou a janela, verificou se a porta estava trancada e ao deitar pediu:

–         Xena se importa de deixar as velas acesas?

–         Ah, essa não, Gabrielle. Vai ficar muito claro.

–         Então posso dormir abraçada com você?

–         Está bem.

E mais uma vez a guerreira estava com a barda nos braços aninhada a ela. Ao mesmo tempo em que sentia prazer em tê-la assim, sentia-se tolhida por ter que ficar imobilizada, não tocá-la da maneira que desejava. Desta vez Gabrielle ao enlaçar a cintura de Xena com a mão esquerda, provocou um estremecimento na guerreira que de imediato se ajeitou para que a barda não percebesse. Xena poderia jurar que sentira calor nesse momento. Demorou pra dormir, quando conseguiu foi acordada pelo choro da barda. Olhou para Gabrielle e percebeu que ela estava tendo um pesadelo. Acordou-a com cuidado.

–         Xena!… Oh, Xena…_ sussurrou agarrando-se a guerreira.

–         Gabrielle, o que foi que você sonhou, você se lembra?

–         A gente estava num rio se banhando, quando eu comecei a encolher e indo para o fundo do rio. Via você mergulhar me procurando, emergia me chamando, tornava a mergulhar e eu estava ali perto de você, mas você não me via, porque eu tinha me transformado num minúsculo peixe, num peixinho.

E a barda então começa a chorar. Xena a abraça, coloca a cabeça dela no seu peito para que ela não veja a sua expressão de preocupação.

–         O que será isso, Xena? Por que eu tenho tido esses pesadelos?

–         É como você mesma disse barda, é um pesadelo. Nada mais do que isso. _ disse sem convicção.

Enquanto botava a barda para dormir, Xena ficou lembrando do que acontecera na praça durante o festival. Ela havia pegado duas canecas de vinho e pediu para Gabrielle pegar uvas e outras frutas. A barda dispensou o vinho e estava comendo com prazer as belas uvas que trazia na pequena cesta. Xena pediu que ela lhe desse umas uvas. A barda foi tirando do cacho uma a uma e colocando na boca da guerreira. A princípio Xena estranhou, mas depois foi gostando do tratamento, percebendo também que a barda não estava ciente do que estava fazendo, pois a atenção dela estava dirigida para as pessoas ao redor. Xena comera um cacho inteiro de uva sem ao menos ter tido vontade. Ela também percebera que as pessoas que olharam para elas pensaram que eram amantes ou que a barda fosse sua escrava. O servente da pousada chegou até a indicar uma pousada numa cidade perto dali que ele disse que era freqüentada por guerreiras e amazonas. Já estava ficando difícil de esconder o que ela sentia pela barda, algumas pessoas até conseguiam perceber.

Olhou para a barda, parecia que dormia tranqüila deu um beijo no topo da cabeça dela, aspirou o perfume dos cabelos dela e deitou ao lado dela.

No dia seguinte partiram cedo. Enquanto caminhavam na estrada, Xena disse querendo arreliar um pouco:

–         Eu não disse que não tinha bacantes…

–         Xiii…

–         Ah, Gabrielle, não exagera já estamos longe de lá.

–         Eu não sou exagerada, você que é muito descrente.

Xena olhou pra Gabrielle e percebeu que ela estava tensa. Montou em Argo e estendendo a mão para ela, disse:

–         Venha, Gabrielle, suba. Cavalgando chegaremos mais depressa.

Quando a barda fez menção de montar atrás dela, Xena a puxa para frente dizendo:

–         Segure firme o cajado, Gabrielle. Pode deixar que eu a seguro. Vamos Argo, corra garota!

–         Por que você está correndo, Xena?_ perguntou Gabrielle um pouco assustada.

–         Acho que você não vai gostar de saber.

–         Bacantes! Você deve ter visto…

–         Ladrões. Eram muitos e estavam escondidos. E eu não estava disposta a lutar com eles.

–         Devíamos avisar a melícia sobre eles.

–         Não será necessário. Eles vão ter uma bela surpresa daqui a pouco quando a tropa ateniense cruzar o caminho deles.

–         E eu não percebi nada! Como eu tenho que aprender com você guerreira._ disse encostando mais as costas no tórax de Xena.

          A guerreira nada diz, apenas a aperta mais nos braços. Ao sentir que já estava chegando, Xena diminui o galope para, na verdade, poder curtir um pouco mais aquele momento.

          Assim que chegaram, Xena desmontou e quando ia descer a barda, esta salta quase em cima dela. Por pouco não se chocaram.

–         Já sei saltar de Argo, Xena.

–         É, estou vendo, quase me atropelou.

–         Uau! Como esse teatro é grande!_ disse a barda admirada olhando para baixo da colina.

–         Não é à toa que é chamado de o Grande Teatro de Epidauro.

–         Eu não acredito que vou conhecer o maior de todos os teatros.

–         Argo fique aqui._ disse a guerreira para a égua e completa: Venha, vamos descer pra você ver melhor.

Enquanto desciam Gabrielle perguntou:

–         Quantas fileiras de lugares têm esse teatro, Xena?

–         Umas sessenta e sete fileiras em forma de ferradura. E as da frente, na maior parte é ocupada por sacerdotes e nobres.

Assim que chegaram na frente do palco, Gabrielle vai até o centro e diz em voz alta:

–         Argo, você está me ouvindo?

A égua lá em cima relincha em resposta.

–         Uau, Xena, a acústica aqui é fantástica!

–         É a melhor de toda a Grécia. Já assisti uma peça aqui, o som é inacreditável. Este teatro foi muito bem arquitetado foi feito numa erosão, nesse enorme buraco entre as ruínas do Proskenion e a Skene, daí o eco que produz o tal som, uma acústica fantástica.

–         Por que esse teatro tem o nome de Epidauro, se ainda estamos em Atenas?

–         Porque aqui é a divisão entre Atenas e Epidauro. Agora, o porquê eu não sei.

–         Porque foi construído pelo povo de Epidauro em homenagem a Dionísio._ respondeu uma voz vinda da platéia, da fileira da frente.

Xena avistou logo a figura de capuz sentada no trono de pedra reservado ao sumo sacerdote de Dionísio. A guerreira ao se aproximar percebeu que se tratava de uma senhora.

–         Obrigada pela informação. Quem é você?

–         Meu nome é Soraya.

–         E o que você está fazendo aqui, Soraya?

–         Cumprindo uma missão.

–         Sentada no trono do sacerdote de Dionísio?_ perguntou a guerreira com certa ironia.

–         Não se preocupe, os sacerdotes só vão se reunir aqui daqui a dois dias.

–         Está bem informada.

–         Tenho que ser.

–         A senhora veio de onde?_ perguntou Gabrielle.

–         Eu vim e estou voltando para Cálcis.

–         Cálcis?… É isso, Cálcis! A senhora não é cartomante lá?

–         Era. Já não sou mais.

–         Ah, que pena! Eu estava pensando que quando fosse passar por lá iria fazer uma consulta. Uma vez bem que tentei, mas estava muito cheio.

–         E o que você quer de mim, minha jovem?

–         Gostaria de saber um pouco mais sobre o meu destino.

–         Tem coisas no destino que não é bom saber com antecipação. O certo é aceitar e deixar acontecer._ disse isso olhando insistentemente para Xena.

–         Mas é muito interessante saber o quê está por vir, não acha?_ perguntou Gabrielle com os olhos brilhando de curiosidade.

–         Não é não, minha jovem, pode acreditar no que eu estou dizendo._ disse a senhora olhando desta vez para Xena com uma expressão forte no olhar.

–         Gabrielle, não vai insistir, não é?_ disse Xena olhando enigmaticamente para a mulher.

–         Oh, não, Xena. Na verdade eu ia convidá-la para almoçar com a gente.

–         Não sei se devo._ disse a senhora ainda olhando insistentemente para a guerreira.

–         Claro que sim. A menos que não goste de carne assada com pão e frutas._ disse Xena a encarando.

–         Então aceito.

E elas repartiram a comida. Xena notou que a cartomante olhava pra Gabrielle de uma maneira muito estranha e que a olhava como se quisesse dizer alguma coisa. Xena entregou a Gabrielle um saco de cenouras dizendo:

–         Gaby me faz um favor, leva lá pra Argo essas cenouras, ela deve estar com fome.

Enquanto Gabrielle foi alimentar a égua, Xena imediatamente disse:

–         Agora pode falar.

–         Como você sabe que eu tenho algo para falar?

–         Porque vi como me olhava. E ficou claro que não queria fazê-lo na presença da minha amiga. Por tanto, seja rápida antes que ela volte.

–         Pois bem, guerreira, o que eu vou lhe contar a sua amiga não poderá saber. É sobre o que irá acontecer com ela._ disse Soraya quase sussurrando.

–         O que vai acontecer com ela?!_ perguntou Xena confusa.

–         Por favor, não me interrompa, pois o tempo é pouco. Preste atenção: No fim da próxima estação, leve-a ao antigo templo de Afrodite, onde vocês já estiveram uma vez. A vida dela vai estar nas suas mãos guerreira. Ela precisa permanecer pura como é, isso é vital para a cura.

–         Cura, cura de quê? Do quê você está falando?

–         A vida dela vai estar em suas mãos. Lembre-se que só a pureza dela poderá curá-la e o amor que você sente por ela. Se você a ama de verdade, não a tocará, não antes do inevitável acontecer.

–         Inevitável?! Mas o que é que é isso? O que é que não se pode evitar?

–         As pedras do destino já estão em andamento. Agora só resta esperar o desfecho. Você não pode esquecer disto guerreira: a pureza dela deve permanecer intacta. Entendeu?

–         Como você sabe do meu amor por ela? Como você sabe dessas coisas? Quem é você? Por que eu não posso tocá-la?_ Xena estava mais do que confusa, estava tonta com aquilo tudo que ouvira.

–         Estou aqui numa missão, é tudo que eu posso dizer. Se eu soubesse como curá-la, te diria. Lembre-se, a cura não está no corpo. A cura está no sentimento.

–         Quem está querendo fazer mal pra ela?

–         Já cumpri a minha missão te avisando. Agora é com você.

–         Mas eu nem sei do quê se trata, como isso vai acontecer e como eu posso evitar isso.

–         Eu já disse. No final da próxima estação leve-a para o antigo templo de Afrodite. Ela não pode saber que vai acontecer algo com ela. Gabrielle precisa permanecer casta. Você freie seus instintos ou então poderá perdê-la para sempre.

E sem olhar para trás a mulher avisa:

–         Ela vem vindo. Nossa conversa terminou.

–         Mas…

–         Se ela souber será pior, será mais trágico. Não esqueça de tudo que eu lhe disse.

Gabrielle chegou perguntando:

–         Vocês estavam conversando sobre o quê?

–         Eu estava pedindo informação como voltar mais rápido para Cálcis por terra, já que não viajo pelo mar. _ disse a cartomante.

–         Eu também tenho problemas com o mar, mas Xena diz que é o meio mais rápido.

–         Bem, eu já vou indo. Obrigada pela comida.

–         Eu é que agradeço._ disse Xena demonstrando na voz o que realmente sentia.

Assim que a mulher se afastou Gabrielle perguntou:

–         Xena foi mesmo sobre ir pra Cálcis que vocês tanto conversavam?

–         E o que mais poderia ser, Gabrielle?

–         Não sei, mas lá de cima me pareceu que você estava nervosa.

–         Impressão. Vamos embora?

Durante toda à tarde enquanto cavalgavam Xena permaneceu calada, cismada com as palavras da cartomante que não lhe saiam da cabeça.

–         Xena!_ quase gritou a barda e vendo o rosto assustado da guerreira diz: Aposto que não escutou uma palavra do que eu disse.

–         Desculpe Gabrielle, é que eu estou preocupada onde vamos acampar.

–         Ah, pensei que fosse alguma coisa a ver com aquela cartomante.

–         Imagina, nem me lembrava mais._ mentiu a guerreira.

Já estava bem escuro quando Xena avistou uma clareira.

–         Vamos passar a noite aqui. Vou fazer uma fogueira. E você desatrela Argo.

Tarde da noite, Xena acorda com os gritos abafados de Gabrielle chamando por ela. Xena a acorda com cuidado.

–         Oh, Xena… Tive outro pesadelo._ disse abraçando-se a guerreira.

–         Conta.

–         Eu sonhei que estava colocando uns gravetos na fogueira quando comecei a encolher. Gritei por você, mas você não me ouvia. Tentei chegar perto de você, mas você quase me pisou. Depois você foi embora com Argo e eu fiquei sozinha, desesperada e chorando. Aí você me acordou.

–         Foi um pesadelo, Gaby, apenas um pesadelo._ disse Xena abraçando-a preocupada.

–         Estou com medo de dormir, Xena.

–         Não tenha medo, Gaby, durma que eu vou velar seu sono.

–         Está bem.

Instantes depois a barda conseguiu dormir, mas a guerreira não. Estava preocupada. Essa era a terceira vez que a barda se lembrava do pesadelo que tivera. E era quase sempre a mesma coisa, Gabrielle encolhia e ela não conseguia salvá-la. Lembrou o que a cartomante falou sobre que a vida da barda estava nas mãos dela. No entanto no sonho ela lhe escapulia pelas mãos. Precisou meditar para poder dormir.

No dia seguinte, depois do desjejum seguiram a pé por um bom tempo e depois cavalgaram. Chegaram numa pequena aldeia onde apenas almoçaram e seguiram viagem. Xena resolveu cortar caminho pela floresta e acabou por descobrir um lugar para acampar próximo ao rio. Após cumprirem todo o ritual que sempre faziam ao acampar, as duas se sentam próximas a fogueira descalçando as botas.

–         Acho que essa noite não vai fazer tanto frio igual às outras noites._ disse Xena agora tirando a armadura.

–         Eu diria que hoje está até quente._ disse Gabrielle indo pegar os cobertores.

–         É e está demorando pra escurecer.

Quando ia pegar os cobertores Gabrielle vê, próximo a armadura de Xena, o chakram. Pega-o e admirando diz:

–         Bem que você poderia me ensinar a usá-lo, Xena.

Xena olha para ver do que se tratava e avisa a seguir:

–         Gabrielle, não brinque com isso é perigoso.

–         Eu não estou brincando.

–         É melhor deixá-lo onde estava.

–         Se está pensando que eu posso me cortar, não se preocupe, eu sei que isso aqui é uma arma.

–         Gabrielle põe no chão.

Gabrielle não diz nada e segura o chakram como se fosse lançá-lo. Xena estende a mão e com voz autoritária, diz:

–         Me dá isso aqui Gabrielle.

–         Calma Xena, não vou arremessá-lo. Só estou treinando.

–         Isso não é brinquedo.

–         Eu sei, eu não estou brincando. Como o chakram é leve!

–         Gabrielle me dá isso aqui._ disse se levantando.

–         Não._ respondeu recuando.

–         Gabrielle…

–         Não dou, não._ disse a barda ainda recuando e sorrindo.

–         Olha que eu vou aí pegar.

–         Vem nada.

–         Gabrielle…

–         Você não é capaz._ atiçou a barda sempre caminhando pra trás.

–         Olha que eu lhe mostro que sou. E se eu for aí, você vai ver só o que acontece.

–         Ver o quê?

–         Vou te jogar no rio de roupa e tudo.

–         Vai nada.

–         Gabrielle não me provoque…_ disse se aproximando.

–         Vamos fazer o seguinte: se eu chegar lá onde Argo está eu ganho e você me ensina a arremessar o chakram. Se você ganhar pode me jogar no rio.

Xena olhou e viu a égua na beira do rio a poucos metros de onde elas estavam.

Gabrielle que já havia tomado uma certa distância, diz espantada e apontando pra trás da guerreira:

–         Xena olha ali!

Enquanto Xena se põe em guarda olhando para trás e tentando ver do que se tratava, Gabrielle sai correndo tomando uma boa dianteira.

Ao perceber que fora enganada, que era um estratagema da barda para ganhar a aposta, Xena aperta os olhos e numa expressão totalmente selvagem solta o seu grito de guerra e sai correndo. E para compensar o tempo que perdeu, Xena salta dando várias cambalhotas no ar até ultrapassar a barda que estava a três passos da chegada, saltando por cima dela e tocando em Argo.

–         Assim não vale!_ reclama a barda.

–         Ah… E trapacear vale?_ disse a guerreira com as mãos na cintura.

–         Ah, Xena, eu só estava brincando._ disse a barda entregando-lhe o chakram.

–         Mas eu não._ disse a guerreira jogando o chakram no chão e pegando a barda no colo.

–         Xena o quê você vai fazer?

–         O que eu prometi._ disse caminhando em direção ao rio.

–         Xena você vai ter coragem de fazer isso comigo?_ disse a barda numa voz tão meiga e com uma expressão tão angelical, que a guerreira a olhou por uns instantes, assim tão de perto, com aqueles olhos intensamente verdes da cor da água que o rio tinha naquele momento. Colocou-a no chão e em seguida, rapidamente, tirou o traje de baixo e se atirou no rio.

Gabrielle foi até a beira do rio, meio atônita com aquela atitude da guerreira, procurou por ela que havia sumido, já estava ficando preocupada quando a guerreira emergiu. Quando Xena, finalmente, sai da água, Gabrielle pergunta:

–         Xena que deu em você, por que você fez isso?

–         Eu estava precisando._ disse passando direto por ela e indo em direção a fogueira.

Gabrielle se aproxima colocando o chakram junto com o traje da guerreira e entregando-lhe o traje de baixo. Assim que Xena se veste, Gabrielle põe a mão no ombro dela, dizendo:

–         Desculpa.

–         De quê?

–         Pela brincadeira.

–         Gabrielle, você sabe que eu gosto de brincar.

–         Eu fui uma garota má.

–         Garota má?! Você não sabe o que é uma garota má. Eu fui uma garota má. Gabrielle, você não tem nem idéia de como eu era uma assassina, uma bandida, uma sacana. Sim, eu tripudiava com os sentimentos de quem se aproximava de mim. Era a Destruidora de Nações, como muitos me chamavam. Você teria medo de mim, me odiaria, porque eu estava dominada por…_ parou de falar abaixando a cabeça.

–         Por Ares. Xena, ele se aproveitou que você era uma adolescente amargurada pela perda do seu irmão e expulsa pela sua mãe e pelo seu povo.

–         Isso mesmo. Eu estava cheia de ódio, mesmo depois que vinguei Lyceus. Queria me vingar de tudo e de todos. Eu havia esquecido de quem eu fora e de quem eu era. Me transformei num monstro. Com certeza você me odiaria. E se você chegasse até mim, era porque seria uma escrava._ ao acabar de dizer isso Xena sentiu aquela estranha sensação de ter vivido o que acabara de dizer.

–         Você tinha escravos?

–         Tinha. Principalmente na época em que vivi uns tempos no mar. Eu tinha um barco grande, veloz que usava para saquear outros barcos, onde além dos tesouros, também ficava com os escravos. E teria muito mais se não tivesse conhecido Hércules e se não tivesse tido aquele desentendimento com Darphus e de ter sido destronada, bendito seja aquele dia.

–         Então, não foi de todo mal a surra que você levou?

–         Foi a segunda melhor coisa que podia ter me acontecido. A primeira coisa veio depois, quando conheci você.

–         Obrigada por me fazer sentir importante.

–         Quem deve agradecer sou eu.

–         Xena, eu sou tão importante assim para você?

–         Muito mais do que você imagina.

A barda abaixou os olhos dizendo:

–         Xena, eu não mereço a sua amizade.

A guerreira se levanta e a olhando de frente pergunta:

–         O que você está dizendo, Gabrielle? Eu é que não mereço a sua amizade, que você seja minha amiga e que goste de mim.

–         Não fale assim._ disse a barda ainda com os olhos baixos.

–         Sabe por quê eu estou na estrada? Estou tentando redimir tudo aquilo que fiz de errado no passado. Não que com isso consiga apagar ou compensar os crimes que cometi, mas pra tentar ajudar àqueles que precisam de ajuda contra as pessoas iguais a que já fui um dia. E você é essa força que preciso pra continuar.

Gabrielle levantou os olhos e viu lágrimas nos olhos da guerreira, disse emocionada:

–         Eu não vou deixar você voltar a ser a Destruidora. Vou estar sempre ao seu lado, presente ou não.

–         Como assim, presente ou não?_ teve um certo tom de preocupação o tom de voz da guerreira.

–         Se de repente eu morrer, vou virar um raio de luz e invadir o seu coração.

Xena segura as mãos da barda, levando-as até a sua boca e diz emocionada antes de beijá-las:

–         Gabrielle se você morrer, morro também.

A barda se atira nos braços da guerreira chorando.

–         Oh, não, Gabrielle, como você anda chorona…_ disse Xena tentando acalmá-la e a afastando um pouco de si, conclui: Agora vá arrumar os nossos cobertores, que eu vou colocar o peixe pra esquentar.

Mais tarde, enquanto Xena estava cuidando de Argo, Gabrielle tira o cinto e a saia para dormir, ficando só com a calça de perna e o top. De onde estava a guerreira ficou olhando, achou-a linda sob a luz do luar que a iluminava contornando aquele corpo tão desejável. Sentiu-se invadir por tamanho desejo que teve que virar de costas.

–         Não vem dormir?_ perguntou Gabrielle se deitando.

–         Agora não, depois que limpar as minhas armas._ disse a guerreira se sentando de frente pra fogueira e de lado para ela.

Na verdade, Xena não queria se deitar porque estava ardendo de desejo e não saberia qual seria a sua reação se a barda se encostasse nela como sempre fazia.

–         Xena, você está sem sono? Quer que eu te faça uma massagem?

–         Não, não precisa. Quando eu terminar aqui e se ainda estiver sem sono vou andar um pouco.

–         Quer que eu te faça companhia?

–         Não, não precisa. Agora durma Gabrielle.

Demorou propositalmente ao limpar as armas, depois resolveu andar um pouco. Pensou e constatou que o seu desejo pela barda estava aumentando, se é que fosse possível ser maior do que já era e que ela já não estava mais controlando o impulso de espiá-la, de ver um pouco mais daquele corpo que tanto queria ter, além da vontade de dizer a ela que a amava, que a queria. Por isso que não podia se deitar ao lado dela naquele momento, porque se a barda a abraçasse, se isso acontecesse, ela não responderia por seus atos. Era muito forte o que sentia, quase incontrolável. Xena sabia que tinha que lutar contra isso, refrear os instintos como a cartomante dissera. Lembrou das palavras de Soraya, não podia correr esse risco, Gabrielle não era só a pessoa que ela mais amava e queria, ela era a sua amiga. Ficou por um longo tempo pensando, cansada resolveu se deitar. Se aproximou sem fazer barulho, olhou para a barda, sem dúvida que estava dormindo, puxou a coberta e deitou se cobrindo a seguir. Deixou as costas prontas para que a barda se aconchegasse durante a noite. E foi o que aconteceu. Gabrielle ao se aconchegar nas costas dela acabou por acordá-la. Xena prestou atenção no sono da barda, estava tranqüilo, então sossegada dormiu.

Quando a guerreira acordou, percebeu que estava com a barda em cima dela. Adorou sentir aquele corpo quente e extremamente macio sobre o seu corpo, mas tinha que acordá-la, pensou “Mas esta barda é mesmo espaçosa… Como se não bastasse me fazer de travesseiro, agora eu sou o seu colchão também! Vou acordá-la, só quero ver a cara dela”. Deu um beijo na cabeça dela e a chamou. Preguiçosamente Gabrielle abriu os olhos e viu que havia escalado a guerreira, que estava não somente com a cabeça no peito dela e o braço envolto da cintura, mas a sua perna totalmente em cima da guerreira. Levantou a cabeça e viu Xena olhando-a divertida que lhe diz:

–         Bom dia, pelo que vejo dormiu muito bem, não é mesmo?

–         Ahn… Bom dia, Xena… Eu não sei como isso… Me desculpa… _ balbuciou saindo de cima dela.

–         Pelo que vejo também, você não teve pesadelo esta noite.

–         Não. Dormi tranqüila.

–         Deu pra perceber. Agora levante, vamos fazer um rápido desjejum e voltar pra estrada.

–         Vamos para algum lugar especial?

–         Aquela cidade indicada pelo servente da Cidade de Dionísio e que eu gostaria de conhecer.

–         Então vamos.

Chegaram no fim da tarde na tal cidade. Foram direto para a tal pousada indicada pelo servente. Pediram um quarto e antes de subirem para a acomodação, a servente avisa que a noite ia ter música para dançar e que elas eram bem-vindas. A barda ficou toda animada. Xena já estava achando que tinha feito uma besteira ou que tinha cometido uma imprudência ao levá-la para lá. Pois sabia exatamente que tipo de freqüência deveria ter aquele lugar. Agora, como convencer a barda de não sair do quarto… Não ia ser fácil, mas ela tinha que tentar.

–         Xena a gente podia tomar um banho agora, se arrumar e descer.

–         Excelente idéia a do banho. Há dois dias que não tomamos um banho decente e relaxante.

Durante o banho a guerreira tenta convencer a barda e ao fazer-lhe uma massagem nas costas com a esponja de banho, diz:

–         Gabrielle, eu estava pensando que, ao invés de descermos, comêssemos alguma coisa aqui mesmo no quarto. Posso pedir que tragam a galinha assada, que é a especialidade da casa e um bom vinho. Que tal?

–         E perdermos a oportunidade de comer ao som de uma boa música? Nada disso.

–         É que eu estou cansada._ mentiu a guerreira.

–         A gente não precisa ficar a noite toda, só o tempo de comermos sem pressa. Você mesma disse que música é relaxante e faz a gente dormir mais leve.

Xena percebeu que não adiantava argumentar, Gabrielle já havia decidido. E quando aquela barda queria uma coisa…

A música já havia começado há bastante tempo, quando as duas desceram para o salão. Como Xena havia previsto, a freqüência era exclusivamente de mulheres. Percebeu que todos os olhares eram dirigidos a elas. E que todas as mesas estavam ocupadas.

–         Eu não disse que teria sido melhor que comêssemos lá em cima._ disse a guerreira.

–         É, você tem razão. Devíamos mesmo ter jantado lá no quarto e descido depois.

–         Venha, vagou dois lugares no balcão.

Xena pediu uma porção de galinha assada e duas taças de vinho.

–         Xena?

A guerreira se virou ao chamado. E surpresa perguntou:

–         Acidália! O que você está fazendo aqui?

–         Sou eu quem deveria perguntar, já que essa pousada é minha e da Amanda.

–         “Guerreira”… Como é que eu não me lembrei quando vi o nome._ disse Xena admirada.

Nisso chega Amanda, que estava atrás do balcão, cumprimenta Xena e olha indagativa para Gabrielle. Percebendo Xena diz:

–         Esta é a minha amiga Gabrielle._ e se dirigindo a barda explica: Gabrielle esta é Acidália, uma guerreira, e sua amiga e sócia Amanda. Elas são as donas desta pousada.

–         Somos as donas graças a Xena._ comentou Acidália.

–         Gabrielle não sabe, ela não sabe de nada._ disse Xena frisando a última palavra.

As duas entenderam. Acidália avisa:

–         Vocês duas são as nossas convidadas de honra. E serão sempre que vierem aqui. Mas agora quero que se divirtam. Mais tarde conversaremos.

Nem bem as duas haviam se retirado, Gabrielle, que se manteve calada até então, pergunta:

–         O que eu não sei Xena?

–         É uma longa história Gaby.

–         Vai me contar? Ou vou ter que perguntar pra suas amigas?

Sem alternativa, Xena resumiu a história, omitindo o fato de ter transado com Acidália e de as ter convidado para tal envolvimento. Disse apenas que ficara com pena das duas e como aquela pequena fortuna era produto dos saques da Destruidora, nada mais justo que ajudá-las a recomeçar.

Gabrielle sorriu e segurando-lhe a mão, diz:

–         Estou orgulhosa de você. Vamos dançar?

–         Dançar?!

–         Não sei se você reparou, mas o salão está cheio de mulheres dançando…_ parou de falar e olhando de novo para os pares conclui:… uma com a outra.

A guerreira percebe que só agora a barda notara que a freqüência era predominantemente feminina. Ficou observando-a olhar atenta aos pares dançando e namorando.

–         Xena, elas estão…_ Gabrielle não conseguiu concluir, pois ficara espantada vendo duas mulheres se beijando.

–         Agora você sabe porque não devíamos descer._ disse Xena um pouco sem jeito.

–         Tudo bem, mas eu ainda quero dançar. Vamos dançar?

–         Dançar?! Gabrielle, não sei se você percebeu mesmo que isso aqui… Quero dizer…

–         Não me importa, sei lá o que isso aqui for, quero apenas dançar. Se você não quiser dançar comigo, danço sozinha._ disse saltando do banco.

Xena olhou ao redor e notou que tinha muitas guerreiras sozinhas e isso não era nada bom.

–         Espera. Deixa eu acabar de beber.

Depois foram para um canto mais sossegado.

–         Você sabe dançar?_ perguntou a barda na frente dela.

–         Claro que sim._ disse a guerreira num meio sorriso.

–         Então me ensina, porque eu não sei.

–         Você não sabe? Nunca dançou?

–         Já dancei a dança dos camponeses quando festejamos a boa colheita. Mas essa maneira de dançar não sei não.

–         É fácil. Quando for música lenta é só se mexer bem lentamente, quase sem sair do lugar. E quando for música agitada, balance o corpo, os braços conforme sentir a música.

–         Falando assim parece fácil.

–         E é fácil mesmo._ disse a guerreira se aproximando da barda e segurando as mãos dela que estavam estendidas. Xena começa a se mexer lentamente dando pequenos passos de um lado para o outro e conseguindo conduzir Gabrielle no mesmo ritmo.

Gabrielle olhou ao redor e viu que as outras mulheres dançavam de forma diferente. Estavam abraçadas, mais envolvidas fisicamente. Os braços delas não estavam estendidos ao longo do corpo como elas estavam fazendo. Aquelas mulheres dançavam enlaçando o pescoço ou a cintura uma da outra. Sentiu uma vontade incontrolável de pôr os braços no pescoço de Xena. Resolveu então, timidamente, desprender a mão direita da mão dela e tocar por cima da armadura o ombro da guerreira.

–         O que foi, a alça está desprendendo?_ perguntou a guerreira olhando para o próprio ombro.

–         Não. Estou ajeitando o cordão que dei, estava aparecendo._ inventou Gabrielle sem olhar para ela. Disse: Xena você dança muito bem.

–         E você aprende depressa.

Gabrielle ficou pensando porque Xena não a envolvia nos seus braços naquele momento. Estava a ponto de pedir isso para ela, quando a guerreira perguntou:

–         Sabe rodopiar?

–         Como elas estão fazendo? Acho que sei.

–         Então me dê a sua mão direita.

–         Não seria melhor tirarmos os casacos?

Penduraram os casacos na parede e foram dançar. Xena segurou a mão da barda, levantando o braço e fazendo-a rodopiar ao ritmo da dança. Depois colocou a mão da barda em seu ombro e com sua mão direita segurou a cintura dela para os passos rítmicos. A guerreira constatou que a barda era uma excelente aluna, pois aprendera rápido. Estavam dançando tão bem que despertaram as atenções dos outros pares. Xena notou que todos os olhares eram dirigidos para elas. Sentiu-se lisonjeada e ao mesmo tempo um estranho ciúme a invadiu. Pois viu que muitos olhares eram dirigidos a barda, olhares de cobiça. Olhou bem para Gabrielle, de como ela estava linda com aquela sensualíssima roupa de guerreira, de como aquela garota ficara tão bonita e desejável, de como ela a espiava nos momentos íntimos e de como aquelas lobas famintas também estavam olhando para ela da mesma maneira. Xena tinha consciência que estava sendo torturada. Era uma doce e maravilhosa tortura, por ter a barda o tempo todo ao seu lado, mas sem poder tocá-la do jeito que ela queria tocar. Porém, ali, ninguém sabia disso, todas pensavam que eram amantes e que ela a tinha. Envolveu a barda nos braços, enlaçando-a pela cintura. Quando a puxou um pouco mais para si, viu a barda rindo pra ela daquele jeito tão inocente, que sentiu culpa por está se aproveitando dela.

–         Que tal uma caneca de vinho?

–         Por mim, eu não parava de dançar. Mas já que você está com sede…

–         Estou, estou com muita sede._ disse Xena sem poder explicar de que sede era.

Ao voltarem para o balcão, a servente avisa:

–         Já está pronto. A senhora vai querer agora?

–         Vou. Ah, eu também quero duas taças de vinho.

–         O quê é Xena?_ perguntou curiosa.

–         Você vai ver.

Nem bem acabou de responder, a servente deposita no balcão uma bandeja e Gabrielle ao ver o que era, sorri.

–         Torta de maçã com calda de ameixa preta._ diz Xena e acrescenta: Não foi isso que você queria comer hoje de manhã?

–         Xena, você mandou fazer para mim?

–         Bem, como nunca festejamos juntas os nossos aniversários, essa poderia ser uma boa ocasião._ Xena lembrou que nunca fora tão sem criatividade como estava sendo naquele momento, finaliza: Feliz aniversário, Gabrielle.

–         Feliz aniversário pra você, Xena.

Gabrielle corta um pedaço da torta com a colher, passando-a na calda e a leva até a boca de Xena que vira o rosto dizendo:

–         Não Gabrielle, mandei fazer pra você.

–         Mas você como aniversariante também tem que comer. E o primeiro pedaço é seu.

Xena não discutiu, abriu a boca e saboreou aquele pedaço de torta. Gabrielle também comeu um pedaço, achou delicioso e logo após deu outro pedaço pra guerreira, que não se fez de rogada e que estava adorando o tratamento, mas demorava de propósito mastigando para dar tempo da barda comer mais. Xena adorava vê-la satisfeita, feliz.

Quando terminaram de comer, Gabrielle pegou o pequeno pano de mesa e limpou o canto da boca da guerreira e em seguida a sua própria boca. Tal gesto, para as outras pessoas, com certeza, confirmava que havia intimidade entre elas.

–         Estão satisfeitas?_ perguntou Acidália ao se aproximar.

–         Lia, deixa as duas. Não vê que elas estão querendo ficar a sós._ repreendeu Amanda enlaçando a amiga pelo braço.

–         Que falta a minha. Xena, você e a sua namorada podem pedir o que quiserem.

–         Gabrielle é minha amiga._ disse Xena olhando seriamente para a ruiva, levantando a sobrancelha.

–         Oh, desculpe… É que pensamos… Bem, não importa. O que importa é que vocês sejam bem tratadas.

–         Isso você pode ter certeza que sim._ disse Gabrielle.

Depois que as duas saíram, Gabrielle diz:

–         Posso fazer um pedido de aniversário?

–         O quê é?

–         Posso?

–         Pode.

–         Vamos dançar?

–         De novo?!

–         Por favor…_ implorou a barda.

–         Está bem.

“O que Gabrielle quer, que Xena não faz?”_ pensou a guerreira. Aquela barda não tinha noção do poder que tinha sobre ela.

Estava tocando agora um ritmo agitado e elas dançaram como da outra vez, mão de Gabrielle no ombro de Xena e desta na cintura da barda. Durante a dança Xena percebeu, novamente, os olhares gulosos das outras guerreiras, quase parou de dançar para pegar o casaco e cobrir a barda. Lembrou que nunca na vida dela tivera ciúmes de alguém como estava sentindo naquele momento por Gabrielle. Tinha que parar o que estava sentindo, então perguntou:

–         Vamos subir?

–         Está com sono?

–         Estou.

–         Está bem._ concordou a barda um tanto desolada.

–         Vamos pegar os casacos._ disse a guerreira aliviada.

Quando tomaram o caminho para a escada, Xena viu e pode sentir os olhares de inveja. Repuxou no canto da boca um sorriso ao lembrar que todas aquelas mulheres estavam pensando o que aconteceria naquele quarto, seria na verdade, o menos óbvio, elas iriam dormir.

Assim que entrou no quarto, Gabrielle diz:

–         Você viu só?

–         O quê?

–         Foi a primeira vez que não me confundiram como sua escrava. Não que eu me importe que pensem isso. Mas foi porque elas me viram como uma guerreira, já que acharam que eu era a sua namorada.

Gabrielle quis ver a reação de Xena com o que dissera, mas teve uma amarga resposta:

–         Imagine só, que disparate, dizer que somos namoradas! Só na cabeça daquela ruiva.

–         O que você quer dizer com isso?_ perguntou um pouco magoada.

–         Que qualquer um pode ver que somos amigas.

Batem a porta. Era Acidália.

–         Desculpem, sei que não é o momento propício… Mas, Xena, eu preciso muito falar contigo._ fez sinal para que ela saísse.

Xena encostou a porta. A ruiva segurou-lhe os braços dizendo:

–         Queria lhe agradecer por ter vindo aqui. Novamente você nos salvou.

–         Como assim?

–         Amanda andou um tempo cismada. O que eu tenho sofrido, você nem faz idéia.

–         Ainda não entendi.

–         Xena, depois daquela noite lá nas termas, eu demorei um longo tempo pra convencer Amanda que, o quê eu tive com você naquele dia foi apenas uma transa. Até pouco tempo ela sentia ciúmes de mim com você. Agora não, você veio acompanhada… E por falar nisso, viu só que fora eu dei, achando que Gabrielle era sua amante?

Xena puxa a ruiva para o fundo do corredor, dizendo:

–         Gabrielle é só minha amiga.

–         Era essa garota que você tentou encontrar na minha Amanda naquela noite?

–         Era sim.

–         Você a ama?

–         Ela é a coisa mais importante da minha vida.

–         Por que você não se declara a ela?

–         Porque tenho medo de perder a amizade dela.

–         Eu acho que você deveria tentar.

–         Ainda é cedo. Ela é totalmente inexperiente.

–         Amanda disse que vocês estão pensando em partir amanhã.

–         Ainda não combinei direito com Gabrielle.

Quando voltou ao quarto, viu a barda deitada, achou estranho. Chamou por ela, mas Gabrielle nem se mexeu. Xena sentiu que tinha algo errado. Mudou de roupa, vestiu a camisa e antes de se deitar ao lado dela, tentou ver se ela estava acordada e teve a impressão que Gabrielle fechara os olhos quando ela se aproximou. Teve vontade de chamá-la novamente, mas resolveu respeitar o silêncio dela. Deitou e custou a dormir. Ali do seu lado, Gabrielle estava mesmo acordada, sentia-se traída, as palavras de Acidália ecoavam pela sua cabeça. Ela escutara o começo da conversa das duas. Mesmo sabendo que, não tinha o direito de se sentir traída por Xena por ter tido um envolvimento com aquela ruiva durante o tempo em que já se conheciam, mesmo assim sentia-se enganada. Xena escondera isso dela quando lhe contara como ajudou Acidália e Amanda. Omitira não somente que as duas eram amantes, como também do seu envolvimento com a ruiva. No quê mais a guerreira havia-lhe mentido? Será mesmo que não procurou por Atma daquela vez? Por que escondia tais coisas dela? Talvez fosse porque não a considerasse capaz de entender. Será que Xena ainda a considerava uma criança? Então lhe mentira chamando-a de ajudante, de guerreira?… Não era só a traição que a magoava, principalmente porque não havia nada entre elas, o que mais lhe doía era por ter sido enganada, Xena lhe mentira. Engoliu as lágrimas, pois não queria chamar a atenção dela. Custou a dormir.

Quando acordou, Xena estranhou por não encontrar a barda aconchegada nela. Realmente alguma coisa deve ter acontecido. Ficou pensando se deveria acordar a barda, mas não foi preciso.

–         Bom dia._ disse Xena observando-a.

–         Bom dia._ respondeu secamente.

Xena continuou observando como ela estava agindo. Gabrielle depois que se levantou, lavou o rosto e sentou-se à mesa defronte a ela. E como fazia todas as manhãs, lhe serviu o desjejum, se serviu e comeu calada. Xena resolveu quebrar o silêncio, perguntando:

–         Teve outro pesadelo?

–         Não.

–         Está chateada comigo?

–         Não.

–         Então por que está assim?

–         Assim como?

–         Calada, distante. E se não está zangada comigo, com quem então?

–         Comigo.

–         Com você, por quê?

–         Porque sou uma idiota._ disse se levantando e indo arrumar a cama.

–         Não quer me contar o quê se passa?_ perguntou Xena se aproximando.

–         O quê eu tenho pra falar? Nada. São coisas minhas.

–         Está no seu ciclo?

–         Não.

–         Quer ir embora ou ficar mais um dia aqui?

–         E você o que quer?

–         O que você quiser.

Gabrielle pensou um pouco e disse:

–         Vamos ficar mais um dia.

–         Ótimo. Que tal agora mudarmos de roupa e fizéssemos uma caminhada com Argo?

Gabrielle balançou a cabeça concordando. Xena sentiu-se um pouco aliviada.

Enquanto andavam, Xena notou que Gabrielle continuava extremamente carinhosa com Argo, como ela sempre fora, no entanto bastante fria com ela. Xena agora tinha certeza que a bronca da barda era em relação a ela. Só que não conseguia se lembrar o que fizera pra deixá-la tão brava assim. Resolveu dar um basta nisso.

–         Me desculpa.

Gabrielle olhou para ela sem entender.

–         Me desculpe se te fiz alguma coisa, embora eu nem mesma sei o que fiz._ disse Xena.

Gabrielle encheu os olhos de lágrimas e disse abaixando o olhar:

–         Sou eu quem deve pedir desculpas.

–         O que está acontecendo, Gabrielle?_ perguntou segurando-a pelos braços.

–         Sabe que dia é hoje?

A guerreira pensou, coçou a cabeça, chegou até a olhar pra Argo como se ela pudesse lhe dizer alguma coisa, olhou novamente para a barda e disse:

–         É algum dia especial?

–         Estamos na metade das minhas férias. Só tenho sete dias para ficar junto a ti.

–         Oito, Gaby.

–         Não, Xena, são sete dias. É que no décimo quinto dia vou ter que me apresentar no fim da tarde na Academia.

–         Você está certa. Então é por isso que você está assim._ disse Xena nitidamente aliviada.

–         A gente só vai se ver no dia da formatura, como é que você quer que eu me sinta?

–         Sua barda tola, você acha mesmo que eu ia ficar esse tempo todo sem fazer umas visitinhas pra você lá naquele jardim?

–         Vai mesmo, Xena? Mas você não disse que tem um longo trabalho para fazer com Toris?

–         Isso não vai impedir de eu dar umas escapulidas.

E, novamente, a barda começa a chorar. Xena a abraça dizendo:

–         Gabrielle, eu já lhe disse que você anda muito chorona?

–         Eu sou uma garota má, Xena.

–         E essa agora! Por que você acha isso?

–         Porque eu exijo muito de você, mas do que você pode me dar.

–         Você não exige nada, Gabrielle. Tudo que dou pra você é porque posso dar. Agora vamos parar com essa conversa boba e vamos caminhar mais um pouco._ disse soltando a barda.

Quando voltaram para a pousada, Gabrielle já tinha voltado ao normal, com a sua alegria costumeira.

Durante o almoço com Acidália e Amanda, Xena comenta:

–         Nós estamos querendo acampar, mas com esse frio…

–         Você já ouviu falar das Águas Quentes?_ perguntou Acidália.

–         Já, mas não sei onde fica.

–         Fica exatamente há dois dias daqui. Num desvio ao lado da velha estrada, dentro da floresta que leva para a cidade de Atenas.

–         Nós viemos por esta estrada, cortamos caminho por ela._ lembrou Xena.

–         No meio do caminho não tem uma estrada interrompida, cheia de buracos?_ perguntou Acidália.

–         Tem sim.

–         Pois é, esse é o caminho, essa é a estrada que vocês têm que seguir. Mais adiante vão achar um novo caminho, uma estrada com uma bifurcação. O caminho da esquerda, não tem passagem livre, vocês vão ter que passar por dentro do bosque porque é lá que fica o lago das Águas Quentes. O caminho da direita leva até uma casa, que antes tinha sido um estábulo, que agora é uma pousada para amazonas e guerreiras. Não convém levar a sua amiga para lá se não quiser arranjar problemas. Nós erramos o caminho e fomos parar lá, duas guerreiras se engraçaram pela minha Amanda. Se não fosse por ela, por ter me puxado e até ameaçado de me deixar, eu teria levado a maior surra da minha vida. Vocês precisavam ver o tamanho e a largura das duas mulheres.

Todas três riram com os gestos que Acidália fez se referindo ao físico das mulheres citadas. Até Xena que momentos antes ficara tensa quando a ruiva havia se referido das duas mulheres tinham se engraçado pela sua Amanda, olhara imediatamente para Gabrielle que não demonstrou nenhuma surpresa e continuou prestando atenção na conversa dela. E a guerreira quase caiu dura quando a ruiva disse:

–         Nós passamos a nossa noite de núpcias lá._ e olhou com carinho para a companheira.

–         É um lugar maravilhoso, meio escondido, um paraíso._ disse Amanda segurando a mão da companheira.

–         Quando as nossas ajudantes estiverem mais preparadas para cuidar disso aqui, vamos voltar lá.

–         E a água é quente mesmo?_ perguntou Gabrielle.

Xena que estava calada, somente observava a barda, pergunta:

–         É um lago mesmo?

–         Respondendo as duas perguntas: a água é quente mesmo. No verão deve ser insuportável acampar lá. Não é um lago normal, é pequeno e cheio de pedras vulcânicas coberta por uma camada de areia, areia mesmo. O que posso dizer mais é que é um lugar único._ disse Acidália.

–         Então deve ter um vulcão por perto._ disse Xena.

–         Sinceramente nem notei, também num lugar daquele e com a minha Amanda ao meu lado…

Desta vez a guerreira nem olhou para a barda. Sentiu vontade de esganar aquela ruiva. E ficou surpresa quando a barda disse:

–         Gostaria muito de conhecer, vamos Xena?

–         Tudo bem, partiremos amanhã bem cedo._ foi o que a guerreira conseguiu falar naquele momento.

Amanda e Acidália trocaram um olhar significativo e cúmplice. Xena notou.

Na manhã seguinte.

–         Não queríamos incomodá-las, é muito cedo._ disse Xena para Acidália e Amanda.

–         Imagine se iríamos deixar vocês partirem sem que fôssemos nos despedir._ disse Acidália.

–         Mas nós nos despedimos ontem._ disse Xena.

–         Vocês se despediram, mas nós vamos nos despedir agora e pedir para que voltem aqui, não é Lia?_ disse Amanda.

–         É sim. E Amanda preparou um lanche para vocês levarem pra viagem.

Gabrielle agradeceu, pegou a sacola com o lanche e colocou na lateral da sela de Argo.

Um dia e meio depois chegaram a frente da estrada interrompida. Xena desmonta. Gabrielle ao desmontar, pergunta:

–         É aqui?

–         É aqui que começa. Agora vamos achar o caminho com a pequena bifurcação.

Passam por inúmeras árvores até encontrarem o caminho com a pequena bifurcação.

–         É o da esquerda, não é?_ perguntou Gabrielle.

–         É sim. Fique aqui com Argo que eu vou sondar o da direita.

Xena andou até a estrada que dava para o bosque. Parou, fez sinal com a mão espalmada para que Gabrielle esperasse e sumiu entre as folhagens. Pouco depois reapareceu.

–         E então?_ perguntou a barda.

–         É, a tal pousada está lá.

–         Você foi até lá?

–         Não, só fui ver se ainda existia. Vamos sair daqui, alguém pode nos ver.

Adentraram pelo bosque até o fim deste. Até que avistaram o pequeno lago.

–         Que lugar lindo, Xena!_ disse deslumbrada.

–         É mesmo. Este é um dos poucos lugares da Grécia que eu não conhecia._ disse Xena e ao virar para o lado avista algo e diz: Olhe ali, Gabrielle, é uma escavação na clareira, quase uma gruta, onde poderemos acampar sossegadas e protegidas do sereno ou se chover.

–         Amanda tem razão de dizer que este lugar é um paraíso._ disse Gabrielle molhando a mão no lago e constatando: A água é quentinha. Isso aqui é um sonho.

Xena que fora constatar a temperatura da água, diz:

–         Vamos arrumar as nossas coisas, depois vou desatrelar Argo e após isso, que tal um banho bem relaxante?

–         É pra já!_ disse Gabrielle arregalando os olhos e sorrindo.

Xena tinha tirado as armas, a armadura e agora estava cuidando de Argo, quando a barda a chama:

–         Xena vai demorar?

–         Só mais um pouco Gabrielle.

–         Você não sabe o que está perdendo.

A guerreira olhou e viu que a barda já estava dentro do lago.

–         Ah, não me esperou, não é? Espere só até eu chegar aí.

–         O que você vai fazer?

–         Você vai ver._ disse a guerreira numa expressão muito marota.

Depois que se despiu foi andando de tal maneira que a barda nadou para mais longe, submergiu e nadou por baixo d`água de volta a pedra onde ela havia colocado os panos de banho, o sabão e a esponja. Ficou atrás desta escondida. Esperou um pouco e então resolveu olhar onde a guerreira estava, mas não a viu. Estava procurando com o olhar quando sentiu algo puxar o seu pé e em seguida ser tragada para o fundo do lago. Estava se debatendo quando viu no fundo a guerreira subindo em sua direção após largar o seu pé. Ela estava sorrindo emitindo várias bolhas de ar ao redor do rosto dela. Sem se conter, Gabrielle deu dois socos nos ombros dela, que a puxou para a superfície.

–         Oh, Xena!… Você… me… assustou!_ disse a barda ainda engasgada com a água que bebera.

–         Desculpe, desculpe._ disse a guerreira sem convencer, ainda com cara de travessa.

Xena bem sabe que não foi muito honesta com a barda, pois mergulhou na intenção, não só de brincar com ela, mas de espiá-la, ver o corpo lindo que a barda havia adquirido. E que agora, mais do que antes, iria ativar a sua imaginação nos momentos de excitação. De certa forma, Xena sabia que a estava usando, mas não conseguia evitar, era mais forte do que ela. No entanto, a consciência lhe pesou fazendo que fosse a primeira a sair da água, deixando que a barda pudesse se cobrir sem ficar constrangida.

Mais tarde.

–         Pensei que a comida fosse durar até o almoço de amanhã, mas só vai dar pro desjejum._ disse Gabrielle colocando a carne na panela para esquentar na fogueira.

–         Quanto tempo você quer que fiquemos aqui?_ perguntou Xena se sentando ao lado dela.

–         Até partimos para a cidade de Atenas.

–         A contar de hoje teremos cinco dias, pois levaremos um dia e meio para chegarmos a tempo de você se apresentar. Quer mesmo ficar esses dias todos aqui?

–         Gostaria muito. Aqui é muito lindo. Temos conforto para acampar, água quentinha… Só se você não quiser ficar.

–         Como você mesma disse, aqui é o lugar perfeito para acampar. Por mim tudo bem.

–         Então está decidido, vamos ficar aqui.

Na manhã seguinte, após o desjejum.

–         Vou sair a tarde pra caçar quer vir comigo?_ disse enxugando os pratos que a barda acabara de lavar.

–         Você vai me ensinar a caçar?_ perguntou Gabrielle enxugando as mãos.

–         Vou. Agora que você é minha ajudante é bom que me ajude nisso também. Vou te ensinar tudo que sei.

–         Tudo?

–         Sim. Eu já te ensinei a pescar, agora vou te ensinar a caçar e a fazer armadilhas.

–         Armadilhas para quê?

–         Tem dois tipos de armadilhas que você precisa aprender: as que servem pra pegar animais e as que servem para proteção. Vou te ensinar as duas. E vai ser agora mesmo.

 E, Xena, então, levou Gabrielle para a floresta e mostrou como fazer armadilhas com cordas e galhos para pegar coelhos e cervos. Também mostrou e montou armadilhas feitas também de cordas e galhos colocadas em pontos estratégicos do acampamento para não só pegar o intruso, como também para que fosse avisada da presença dele pelos barulhos dos galhos que se soltariam e bateriam um no outro.

Gabrielle se empenhou ao máximo e aprendeu em pouco tempo. Voltaram para o acampamento para almoçar e depois foram de novo para a floresta desta vez para caçar.

Já estava no final da tarde quando Xena conseguiu caçar um cervo. Gabrielle antes tinha perdido dois coelhos, três perdizes e um outro cervo. Iam ficar sem jantar se não fosse Xena ter caçado aquele cervo.

–         Sou uma negação como caçadora.

–         Gabrielle essa foi a primeira vez que você caça, a sua primeira tentativa._ disse Xena querendo confortá-la.

–         Foram seis tentativas, seis bichos que devem estar rindo de mim. E perdi as seis flechas.

–         Por falar nisso, amanhã vamos treinar sua pontaria. Agora vá até o nosso acampamento e traga um saco para que eu coloque as partes do cervo que vou levar.

–         E o que você vai fazer com o resto?

–         Vou deixar aqui para os outros animais.

–         Que animais?

–         Bem, perto daqui tem uma alcatéia. Vi rastros.

–         Lobos!_ disse Gabrielle espantada e olhando em todas direções.

–         Ah, tinha me esquecido que você tem medo de lobos. Mas fique tranqüila, que eles estão bem longe daqui, foram caçar e só vão sentir o cheiro desse cervo à noite. Vá logo Gaby e cuidado com as armadilhas. E traga o sal também.

Depois que Gabrielle saiu e enquanto esquartejava o cervo, Xena lembrou que essa noite a barda iria dormir agarradinha a ela. E se ouvisse os uivos dos lobos, aí seria nos braços dela que aquela garota amedrontada dormiria. A guerreira sorriu satisfeita.

Quando a barda voltou com o saco, Xena já havia separado as peças de carne e reclamou:

–         Você demorou, o quê houve?

–         Estava procurando o sal, mas acho que nós não trouxemos. Você comprou como pedi?

–         Não, esqueci completamente. Mas já sei o que vou fazer. Vamos levar a carne para o nosso acampamento, depois vou até aquela pousada comprar um pouco de sal e quem sabe amônia.

–         Amônia pra quê?

Xena olhou para a barda e achou melhor não dizer que a amônia seria para colocar na entrada da passagem para o acampamento, por causa da carne do cervo, para espantar os lobos. Se dissesse com certeza iria assustá-la, então disse:

–         É para qualquer eventualidade. Agora me ajude a carregar isso, segure nas pontas do saco aí atrás.

Assim que chegaram no acampamento, lavaram as peças de carnes.

–         Vou até a hospedaria, não demoro._ avisou Xena.

Xena tomou cuidado ao sair da floresta e seguiu a pé até a outra estrada da bifurcação. Quando entrou na hospedaria percebeu que o ambiente era quase escuro, descuidado e até um pouco sujo. Completamente diferente da “Guerreira” a hospedaria da Acidália e da Amanda. Percebeu que já havia freguesia, três mesas ocupadas, num total de doze amazonas, nenhuma guerreira. Foi até ao balcão, uma mulher muito gorda a atendeu.

–         Uma caneca de vinho._ pediu a guerreira e viu que ao lado do balcão havia um extenso corredor com candeeiros iluminando várias portas, sem dúvida que eram os quartos. E do outro lado do balcão um outro corredor que levava a cozinha, pois vira quando a porta se abrira e a servente com uma bandeja de comida passou. Assim que recebeu a caneca de vinho perguntou: Tem torta, bolo ou doce para vender?

–         Depois de amanhã vamos ter torta de maçã.

–         Eu estou acampada não muito longe daqui e gostaria de comprar sal e amônia.

–         Posso arranjar a amônia, mas o sal… estamos esperando o entregador.

Xena levou a garrafa de amônia e foi até onde estava o cervo morto. Cortou um galho e com ele varreu o chão. Depois jogou um pouco de amônia por todo o caminho que levava a entrada do acampamento Quando ia colocar mais amônia antes de abrir a passagem, alguém chama por ela. Mesmo antes de se virar conhecera a voz, era Atma.

–         Xena o que você está fazendo aqui?_ perguntou Atma puxando o cavalo.

–         E você Atma o que faz aqui?_ perguntou Xena levando tempo para arranjar uma resposta.

–         Estou indo para a hospedaria. E você o que está fazendo aí?

Percebendo que não adiantaria mentir, disse:

–         Estou acampada aqui perto.

–         Por que você está jogando amônia aí?_ perguntou quando se aproximou e sentiu o cheiro forte.

–         Para que os lobos não sintam o cheiro da carne que cacei.

–         Está sozinha?

–         Não. Atma por acaso você tem sal pra vender?

–         Tenho e bastante.

–         Você me venderia uma boa quantidade de sal?

–         Eu posso dar a quantidade que você quiser, contanto que você me convide para almoçar.

Xena coçou a cabeça pensando como ela iria explicar pra Gabrielle e quando ia responder contando a verdade, alguém diz:

–         Está convidada.

Era Gabrielle que estava parada, segurando o galho que tampava o caminho. Xena pensou “Era só o que me faltava. Agora que o caldo vai entornar de vez”.

–         Espera aí, eu te conheço…_ disse Atma se aproximando de Gabrielle e conclui: Você não é aquela garotinha que Xena estava levando para a Academia?

–         É ela mesma, a minha amiga Gabrielle._ Xena respondeu logo.

–         Bem, tenho que refazer o que disse. Garotinha não, e sim uma bela mulher._ disse Atma olhando de cima a baixo a barda, admirando-a.

Xena ficou esperando pela reação de Gabrielle e qual não foi a sua surpresa, quando viu o sorriso da barda e a delicadeza dela em abrir passagem segurando o galho para que Atma passasse com o cavalo. E as duas foram andando na frente, enquanto Xena espalhava amônia pelo caminho.

–         Posso te fazer uma pergunta bastante indiscreta?_ Atma perguntou para Gabrielle.

–         Pode.

–         O que é que você e Xena estão fazendo aqui escondidas?

–         Acampando._ respondeu simplesmente.

–         Que vocês estão acampando eu sei, mas você não deveria estar na Academia?

–         Estou no período de férias. E Xena está me ensinando a ser uma guerreira.

Atma a olha surpresa e diz ao ver o lugar:

–         Mas que beleza!

–         Lindo, não é?_ disse Gabrielle.

–         Muito. Engraçado, eu freqüento há muito tempo a hospedaria aqui perto, mas nunca tinha vindo aqui. Acho mesmo que nem as donas da hospedaria conhecem. Também fica bem escondido.

Xena se aproxima, mais do que curiosa pra saber o que as duas conversavam e escutando apenas o que dissera Atma, diz:

–         Atma queria te pedir um favor para que não comente com ninguém sobre esse lugar.

–         Pode deixar, Xena. Temos mesmo que preservar esse lugar.

–         Agora acho melhor salgarmos a carne que não vamos comer.

Atma tira de cima do cavalo várias sacolas e dentro de uma delas um saco de sal. Pergunta:

–         Será que dá ou quer mais?

–         Dá e sobra._ disse Xena pegando o saco de sal.

Enquanto salgavam a carne, Xena estava pasma com o entrosamento da barda com Atma, que conversavam animadamente. E foi assim também durante o jantar. E a guerreira quase se engasgou com a água quando Gabrielle convidou Atma para passar a noite ali.

–         Seria maravilhoso, mas tenho que ir para a hospedaria. Tenho negócios a fazer lá. Mas amanhã, se vocês me convidarem, venho almoçar essa carne deliciosa com vocês.

–         Então está convidada._ disse Gabrielle, novamente se antecipando a Xena.

–         Bem, vou indo. Vou levar o meu cavalo pra não levantar suspeitas e pra esse lugar permanecer secreto.

–         Vou com você pra que não caia nas armadilhas._ disse Xena, na verdade, dando uma satisfação a Gabrielle.

Enquanto caminhavam pelo bosque desviando das armadilhas, Atma diz:

–         Xena como essa sua amiga ficou bonita! Quem diria que aquela menininha magrinha fosse se tornar nessa mulher apetitosa.

–         Atma, Gabrielle pode parecer uma mulher, mas ela ainda é uma criança._ disse Xena interrompendo-a e muito séria.

–         E você está apaixonada por ela.

–         Que absurdo Atma!_ repreendeu Xena parando.

–         Confessa Xena, qual é o problema?_ perguntou encarando-a.

–         Gabrielle é minha amiga.

–         Mas você a ama, está nos teus olhos. Eu te conheço guerreira.

–         Você está vendo coisas.

–         Eu sabia que um dia você iria se apaixonar.

–         Não começa, Atma e vamos andando antes que fique escuro demais.

–         Tudo bem, já que você não está apaixonada por ela… E se eu lhe disser que estou interessada nela?

–         Não se atreva._ disse a guerreira em cima dela.

Atma riu, se afastando um pouco, diz:

–         Calma guerreira, não se preocupe. Você sabe que eu gosto de mulher alta e morena. Mas, quem sabe?_ e saiu apressadamente.

Quando Xena voltou pro acampamento reparou que Gabrielle havia arrumado tudo e estava preparando os cobertores para dormir. Pela primeira vez, a guerreira ficou sem ter o que dizer. Começou a tirar as braçadeiras, a armadura, as botas e viu que o pano de banho da barda estava molhado.

–         Você se banhou?

–         Foi. Eu estava cheirando a carne.

–         Nem me esperou._ a voz da guerreira soou decepção.

Gabrielle notou e disse:

–         Desculpe, pensei que você fosse demorar.

–         Tudo bem, vou tomar um banho agora, também estou cheirando a carne e amônia.

Gabrielle terminou de arrumar os cobertores, sentindo-se egoísta por ter tomado banho correndo, fizera aquilo de propósito porque ainda estava chateada com a guerreira, desconfiava dela com Atma. De repente percebeu que a guerreira havia esquecido o pano de banho. Pegou o pano e foi até a beira do lago. Abriu-o mostrando-o para ela. A guerreira veio nadando e quando chegou perto levantou e caminhou em direção a ela. O coração da barda quase parou ao ver a guerreira se aproximando toda molhada e lindamente nua. Mas do que depressa levantou o pano na altura do seu rosto para que ela não visse o rubor que lhe cobria a face naquele momento. Quando Xena se enrolou no pano, Gabrielle perguntou ainda perturbada:

–         Quer beber um chá?

–         Só se você for beber._ respondeu se enxugando.

–         Então vou fazer.

Gabrielle estava esperando o chá ferver quando viu Xena se aproximando vestida naquela camisa branca, seu coração disparou. Ficou olhando-a, achando-a mais linda.

–         O que é quê você está olhando?_ perguntou Xena em pé na frente dela.

–         É que você fica muito… muito bem vestida assim._ quase a barda se trai.

–         Você já disse isso antes, mas é bom ouvir de novo._ disse se sentando e arregaçando as mangas.

Gabrielle teve vontade de fazer outro elogio, mas preferiu calar. Xena pegou mais uns galhos secos que estavam ao lado e depois que os colocou na fogueira, disse sem olhar pra barda:

–         Fiquei feliz do modo como você recebeu e tratou Atma.

–         Ela é também sua amiga._ disse olhando-a.

–         Mesmo assim.

Gabrielle novamente preferiu ficar calada. Limitou-se apenas a pegar a caneca da guerreira, serviu o chá e entregou a ela. Enquanto tomavam o chá um lobo uivou tão perto que Gabrielle quase derrubou a caneca ao se levantar assustada.

–         Esse… esse lobo está aqui bem perto, não está?

–         Não, Gaby. Ele está na floresta, lá onde o cervo morto ficou.

–         Tem certeza, Xena? Me pareceu que ele estava ali atrás daquelas árvores._ disse apontando pro bosque.

–         Foi o eco. O lobo estava chamando a família dele para comer.

Xena estava se divertindo vendo o medo da barda que agora estava ao lado dela e com os olhos arregalados pra escuridão do bosque.

–         Xena, eu estive pensando… Não seria melhor a gente acender mais uma fogueira ou quem sabe mais algumas fogueiras?

–         Não precisa temer, barda. Os lobos não virão para este lado.

–         Como você pode ter certeza? Com essa carne toda aqui…

–         Eu sei. Além disso, só por precaução, coloquei amônia em pontos estratégicos. E o vento que só sobra em uma direção aqui, me dá essa segurança. Não se preocupe. Vamos dormir?

Antes de deitar, Gabrielle colocou o chakram e a espada ao lado de Xena e o cajado ao seu lado. E a cada uivo de lobo, além de estremecer, agarrou-se tanto as costas da guerreira que já estava quase a escalando. Xena disfarçando a satisfação virá-se para ela e a abraçando, disse:

–         Agora veja se dorme, barda.

–         Obrigada por me proteger, Xena.

Novamente o sentimento de culpa veio à mente da guerreira. Mas não quis nem pensar nisso, estava muito cansada e acabou adormecendo, não sem antes dar um beijo no topo da cabeça da barda.

Na manhã seguinte, as duas estavam treinando com cajados, quando Atma chega.

–         Acho que não cheguei num bom momento. Volto daqui a pouco.

–         Espere Atma._ disse Gabrielle.

–   Não, se eu ficar é bem capaz de Xena querer me botar pra lutar. E, francamente, eu estou muito cansada pra isso.

–         Não vou, não. A gente já terminou._ disse Xena.

–         Agora é a minha vez de dar uma virada na carne que está assando._ avisou Gabrielle deixando o cajado de lado.

–         Gabrielle, você sabe usar esse cajado tão bem quanto Xena._ disse Atma se aproximando da barda.

–         Melhor do que Xena?! Aí você está exagerando._ disse a barda rindo.

–         Eu já tinha falado isso pra ela. Mas ela achou que era brincadeira minha._ disse Xena também se aproximando.

–         Gabrielle, o que Xena diz tem que ser considerado, essa guerreira sabe tudo.

–         Que exagero Atma._ retrucou Xena.

–         Antes que eu me esqueça, vou pegar ali no saco as duas garrafas de vinho que escondi ontem. E hoje pra não levantar suspeita pedi que ninguém fosse me chamar pro almoço ou outra coisa qualquer. Disse que estava de ressaca e queria descansar. Pulei a janela e vim pra cá. Xena me ajuda a pegar as garrafas.

Xena foi com Atma até onde ela deixara o saco com as garrafas. Atma diz baixinho:

–         Xena como você está conseguindo resistir? A Xena que eu conheci já a teria seduzido. E não venha me dizer o que disse ontem, que ela é uma criança, você está tão apaixonada por ela que não enxerga isso.

–         Quer parar com isso!_ disse seriamente.

Durante o almoço, Atma avisou que iria embora no dia seguinte bem cedo. Havia fechado um negócio e ia para Corinto.

–         Pois é, negócio é negócio. E por causa disso vou perder a inauguração do bordel amanhã.

–         Do bordel?!_ perguntou Gabrielle.

–         É, hoje à noite ainda dormirei na hospedaria. Mas, a partir de amanhã, vai virar um bordel. Um bordel especial só pra guerreiras e amazonas. E agora de manhã quando fui dar aquele aviso eu vi as garotas e os rapazes que vão trabalhar lá. Humm… Vou ficar freguesa toda vez que passar por aqui.

–         E a festa de amanhã vai ter música, dança?_ perguntou Gabrielle mostrando interesse.

–         Claro. Quem já viu um bordel sem música e dança? Ah, me esqueci que você não deve saber o que é um bordel.

–         Já estive em um._ respondeu a barda.

Ao ver a cara de surpresa de Atma, Xena explica:

–         Na verdade, nós fomos ajudar Aglaia a livrar o bordel dela das garras de dois irmãos facínoras.

–         Eu estive com ela antes de vir para cá, mas ela não me disse nada.

–         Ela é muito discreta.

–         Só se for “nisso”.

E as duas caem na risada.

–         Será que a gente poderia ir amanhã, Xena?_ perguntou a barda.

Antes de responder, Xena percebeu a expressão de Atma ao ver a barda lhe pedindo consentimento, disse:

–         Não, Gabrielle. O ambiente aqui é diferente daquele que fomos e da hospedaria “Guerreira”.

–         Mas Xena…_ insistiu Gabrielle.

–         Não e ponto final._ disse asperamente.

–         Ah, então vocês conhecem a hospedaria “Guerreira”!

–         Claro, Acidália e Amanda são duas amigas nossas._ respondeu Xena olhando para Gabrielle que estava emburrada.

–         Não sei porque eu ainda fico espantada por você conhecer os lugares mais incríveis da Grécia._ disse Atma.

–         Com licença, vou ver Argo._ disse Gabrielle se levantando e levando umas cenouras e nabos para a égua.

Atma ficou olhando o carinho da barda com a égua, que se portava docilmente ao trato dela. Disse:

–         Não me diga que ela conquistou Argo também?

–         Também? Como também?

–         Você também. Quem você pensou que fosse?_ perguntou Atma divertida com a situação.

–         Você não disse que estava encantada com ela?_ perguntou Xena testando-a.

–         Ela realmente é um encanto. Mas você sabe muito bem do que eu gosto, guerreira.

Atma levantou para lavar as mãos. E Xena percebera que ela também a chamava de guerreira, mas não da maneira como a barda chamava. Gabrielle tinha um jeito todo próprio e especial de dizer essa palavra. E ela adorava ouvir, pois se sentia forte e importante aos olhos daquela pequena garota.

Atma voltou e disse:

–         Hoje tenho um encontro com uma das garotas, a mais alta delas e uma bela mulher.

–         Gabrielle ia te convidar pra dormir aqui._ disse Xena.

–         Ia não, vou._ disse Gabrielle se aproximando.

–         Sinto muito, Gabrielle. Mas é que eu tenho um encontro. Fica pra próxima. A gente vive mesmo se esbarrando por aí.

No final da tarde, ao se despedir Atma se aproxima de Gabrielle e diz:

–         Gabrielle, eu gostei muito de você. Se você me permite, gostaria de te dar um conselho. Posso?

–         Claro, Atma.

–         Se você quer a guerreira, então vá a luta, garota. O momento é esse._ Atma passa a mão carinhosamente na face de Gabrielle e se afasta.

Gabrielle fica paralisada com o que escutara.

Xena conduziu Atma até a entrada do bosque. Atma diz:

–         Xena, só você não vê que essa garota está caidinha por você.

–         Pára com isso, Atma.

–         Depois não vá dizer que não foi avisada.

–         Vamos mudar de assunto?

–         Se você quer continuar sofrendo, problema seu. Mas que vocês estão perdendo tempo, estão.

Em resposta Xena olha feio para ela.

–         Tudo bem, não vou insistir. Se você quiser aparecer hoje para conversar, sabe onde me encontrar._ disse Atma e antes de passar para o outro lado da estrada diz: Acho que vocês ainda não perceberam que já é um casal. Eu achei bonitinho ela pedir a você para ir amanhã na festa.

–         É que eu sou responsável por ela.

–         Será mesmo que você não notou que ela não é uma menina, que já é uma mulher?

–         Você não entende, Gabrielle é muito ingênua.

–         Ah, isso ela é mesmo. E você não permite que ela não seja.

–         Atma, eu acho que você está se metendo demais em algo que você não conhece direito, pra não dizer que não é da sua conta._ disse abrindo mais a passagem, praticamente convidando-a a se retirar.

–         Está bem, Xena. Quando esfriar a cabeça, se quiser conversar comigo sobre isso, é só me procurar lá na hospedaria. Ah, uma coisinha, o que aquela criança precisa é de carinho, carinho de amante._ e saiu depressa.

Quando voltou pro acampamento, viu Gabrielle no lago. Se aproximou dizendo, quase numa bronca:

–         Novamente não me esperou.

–         Você demorou. Mas fiquei te esperando._ disse a barda se ensaboando.

Xena se despiu rapidamente e nadou até onde Gabrielle estava.

Enquanto a barda ensaboava-lhe as costas, a guerreira perguntou:

–         É impressão minha ou você realmente está chateada?

–         Não é impressão não. Realmente eu estou muito aborrecida com você, Xena._ e continuou a massagear-lhe as costas.

–         O que foi que eu fiz?_ perguntou querendo olhá-la de frente.

–         Eu só queria que você me enxergasse um pouco._ respondeu a barda esfregando-lhe o pescoço.

 Xena se vira para ela e diz:

–         Mas eu só tenho olhos pra você… Quero dizer, eu presto atenção nas coisas que você me fala e estou sempre atenta a tudo que lhe diz respeito.

–         Se tivesse mesmo atenta perceberia que não sou mais a garotinha de Poteidaia, que sou… sou uma mulher.

–         Por que você está me dizendo isso Gabrielle?

–         É porque você gosta de me tratar como se eu fosse uma criança, não me enxerga como adulta que sou. Há pouco aqui mesmo na presença de Atma você me tratou como se eu fosse… sua filha! E isso eu nunca quis ser._ disse demonstrando que ainda estava ressentida.

Xena passou a mão molhada no rosto e depois disse:

–         E tudo que eu não quero é te magoar.

Gabrielle vira de costas para ela e começa a chorar. Xena fica atordoada, sem saber o que fazer, se aproxima mais de Gabrielle e quando ia abraçá-la lembrou que ambas estavam nuas, então apenas acariciou por trás os cabelos dela, dizendo:

–         Barda, você anda muito chorona. Desculpa essa guerreira que às vezes usa tão mal as palavras como seus próprios gestos. Mas pode ter certeza que eu nunca quis te magoar.

–         Oh, Xena…_ balbuciou Gabrielle se virando e abraçando a guerreira.

O contato do corpo da barda, mais a água naquela temperatura, fez a guerreira quase desabar. Ainda mais quando Gabrielle deitou o rosto no seu peito. Prendeu a respiração, quase sentiu falta de ar por isso. Mas não queria que a barda percebesse o que estava se passando com ela. Tentou levantar os braços pra afastá-la um pouco, mas não conseguiu, a barda mantinha-os seguros. E qualquer movimento brusco naquele momento poderia parecer que a estava rejeitando, porém o seu instinto não queria que se afastasse, mas a prudência lhe dizia que sim. Com muita sofreguidão conseguiu suspender os braços e com as duas mãos afastou um pouco a barda e passando a mão molhada no rosto dela, disse:

–         Não gosto de vê-la chorando, principalmente se for por minha causa.

–         Não é por sua causa, Xena. É que eu estou com os nervos à flor da pele.

–         Por quê?

–         Depois de amanhã vamos voltar pra cidade de Atenas. É isso.

Xena ri aliviada e espirra com a mão um pouco de água no rosto da barda, que ri com a brincadeira, mas não revida.

–         Venha vamos comer, o seu estômago acabou de avisar._ disse Xena sorrindo.

–         É, o esganado. Acho que ele tem vida própria.

–         Agora sim, a barda está de volta._ disse Xena sorrindo e nadando depressa para a margem.

–         Xena!

O dia já havia clareado quando Gabrielle despertou com um raio de sol no seu rosto. Ainda sonolenta olhou para o lado e percebeu que Xena havia levantado. A barda se levantou e procurou a guerreira com os olhos e não a viu. Porém, percebeu que ao lado de sua caneca, ela havia colocado uma maçã. Mudou de roupa e se sentou perto da fogueira que já estava com a carne no espeto assando. Começou a saborear a maçã com o olhar fixo na direção do caminho da floresta. Virou o espeto da carne para que assasse por igual. Já estava ficando impaciente. Andou de um lado para o outro até que, não agüentando mais, pegou o cajado e quando foi em direção ao caminho, encontra Xena.

–         Aonde você foi, Xena?_ perguntou a barda.

–         Bom dia, Gaby._ disse a guerreira bem humorada.

–         Bom dia. Aonde você foi? Por que não me acordou?

–         Eu não te acordei porque você dormia profundamente. E eu fui me encontrar com Atma, fui pedi um favor pra ela.

–         Posso saber o quê é?

–         Não._ disse a guerreira passando rapidamente por ela.

–         Não?!_ disse a barda confusa.

–         Não._ respondeu segurando o riso.

–         Pensei que não houvesse segredo entre nós._ disse Gabrielle se aproximando dela.

–         Mas não há nenhum segredo._ disse Xena virando a carne no espeto.

–         Então por que você não quer falar o que conversou com Atma?_ perguntou a barda se sentando ao lado dela.

–         Porque não quero estragar a surpresa.

Se Gabrielle visse a expressão de sapeca no rosto de Xena, não ficaria tão preocupada como estava.

–         Surpresa?! Que surpresa?

–         Gabrielle se eu contar deixa de ser surpresa.

–         E quando eu vou saber?

–         Que barda curiosa!_ disse Xena se levantando e mordendo o lábio inferior pra não ri.

Assim que terminaram de almoçar, Xena se levanta dizendo:

–         Não demoro.

–         Vai aonde?

–         Não demoro.

Xena se afastou tão rápido que não deu tempo de Gabrielle resmungar alguma coisa.

Pouco tempo depois, a guerreira aparece com um embrulho nas mãos e se aproxima de Gabrielle, que estava estendendo as roupas lavadas em cima de uma pedra ao sol.

–         Isso é para você._ disse estendendo o embrulho à barda.

Gabrielle enxugou rapidamente as mãos e se aproximou da guerreira com um pequeno riso nos lábios. Pegou o embrulho e ao tirar o pano, diz encantada:

–         Torta de maçã com calda de ameixa preta! Ai, Xena como você conseguiu isso?

–         Pedi pra Atma encomendar pra mim.

–         Hum… Que cheiro! Isso deve estar uma delícia. Venha Xena, vamos comer.

Xena ficou olhando a barda pegar a faca, os pratos e cortar a torta aspirando o aroma. Era gratificante ver a alegria dela nas coisas mais simples da vida. Gabrielle não ligava para dinares, jóias e nem roupas finíssimas e caras, ela gostava era de roupa de guerreira e de comer. Ah, sem dúvida que aquela barda era doida por doce.

–         Mais um pedaço?

–         Está brincando? Ainda nem terminei esse aqui._ disse Xena colocando a mão na frente do prato.

–         Então foi isso que você pediu pra Atma.

–         E o quê você pensou que fosse?

–         Que tivesse marcado um encontro com ela, depois que me levasse na Academia.

Xena ignora o comentário, termina de comer e diz:

–         Vou tomar um banho, você vem?

–         Se você esperar eu dar duas mordidinhas?

–         Ô Gabrielle, deixa a torta aí que ela não vai fugir e venha logo.

A barda não discutiu e foi atrás da guerreira.

À noite, após o jantar, Xena se arruma colocando a armadura, as braçadeiras, as munhequeiras e as armas, depois se aproxima de Gabrielle que fica surpresa e diz:

–         Gabrielle, eu vou até a hospedaria, vou demorar um pouco. Mas chego a tempo pro nosso chá antes de dormir.

–         Vou com você._ disse a barda se levantando.

–         Não, Gabrielle, eu vou sozinha.

–         Não é hoje a tal da festa que Atma falou?

–         É, acho que é.

–         Então está resolvido.

–         O que você quer dizer com isso?

–         Que eu vou com você.

–         Mas não vai não._ disse Xena com as mãos nos quadris.

–         Vou sim. Por que você pode ir e eu não?_ perguntou a barda também com as mãos nos quadris.

–         Porque… porque… Ora, porque eu sou uma mulher vivida, experiente.

–         E eu estou começando a viver.

–         Mas não nesse lugar, Gabrielle.

–         O quê tem esse lugar pra você não querer me levar?

–         Você sabe, é um bordel.

–         Mas você vai.

–         Barda, você ainda é uma criança. Eu sou uma guerreira, uma mulher guerreira e tenho as minhas necessidades.

–         Em primeiro lugar, eu não sou mais criança. Eu sou uma garota, uma mulher. E por fim, eu também tenho as minhas necessidades.

–         Gabrielle, as necessidades as quais me referi são necessidades físicas… sexuais. Entendeu agora?

–         Eu também sinto isso._ disse firme.

Xena já estava ficando sem argumento para convencer aquela barda teimosa, então diz:

–         Olha Gaby, você não pode ir porque você é virgem.

Gabrielle, mesmo ruborizada, responde:

–         Posso deixar de ser.

Xena fica possessa e rangendo os dentes, tira o chakram da cintura, a bainha com a espada das costas e atira-os no chão. Depois tira a armadura quase a arrancando do corpo. Logo a seguir tira as botas e antes de se atirar na água, sob o olhar espantado de Gabrielle, joga o traje na beira do lago e mergulha.

Gabrielle, ainda um pouco atônita, fica feliz por ter impedido a guerreira de sair.

Emergindo, já mais calma, a guerreira murmurava para si mesma:

–         Barda maluca! Sim que eu vou deixar ela ir lá! Quer ter experiência… Não consigo imaginar vê-la nos braços de outro ou outra, a não ser nos meus. Ninguém poderá amá-la como eu.

Quando Xena, finalmente, saiu da água, Gabrielle que estava a esperando na beira do lago, diz:

–         Xena essa é a terceira vez que você, sem nenhuma explicação, pula dentro d`água. Por que você fez isso?

A guerreira a olha, depois revirando os olhos para cima suspira demonstrando impaciência. Pega o pano das mãos da barda sem nada dizer. Gabrielle então diz:

–         Só quero ver o que você vai fazer quando estivermos num local onde não tiver água por perto.

Xena teve vontade de ri, escondeu o rosto no pano fingindo que o enxugava. Agora que estava completamente serena, pôde constatar que a barda era realmente ingênua e que ela não tinha o direito de assustá-la com o seu desejo, com o seu amor.

Depois de colocar um outro traje e de se deitar ao lado da barda, que parecia que ainda estava aborrecida, a guerreira se apóia no cotovelo e olhando para ela pergunta:

–         Gabrielle me diz uma coisa: você realmente falou sério quando disse que ia deixar de ser virgem lá no bordel?

A barda se vira e leva um pequeno susto causado pela proximidade do rosto da guerreira com o dela, dá um leve suspiro e responde:

–         Não. Só falei aquilo pra te provocar.

–         Pra me provocar?

–         Sim, para que você tivesse um pouco mais de respeito por mim.

–         Pelos deuses, Gabrielle! Eu não faço outra coisa a não ser te respeitar!_ disse com indignação.

–         O respeito a que me refiro é pela mulher que sou e você se nega a ver.

Por uns instantes as duas se encararam e Xena pôde ver nos olhos da barda um misto de tristeza e ressentimento.

–         Sinto muito, Gabrielle. Eu nunca fui boa com as palavras.

Gabrielle se ergue, também se apoiando no cotovelo e com a outra mão segura a mão livre de Xena, dizendo:

–         Xena, como você, eu também tenho necessidades que até agora tenho feito sozinha.

Xena abaixa os olhos e diz:

–         E eu sou culpada disso, por ter te desviado de Perdicas.

–         Perdicas?!

–         Ele poderia ter sido o seu primeiro.

–         Poderia se eu o amasse. Mas não é nele quem penso quando estou…_ Gabrielle não completou o que ia dizer, deitou novamente, se virando de costas, pois se sentia envergonhada.

–         Você pensa em alguém?_ perguntou a guerreira, após tão inesperada revelação.

–         Penso.

–         Em quem você pensa, Gabrielle?_ Xena não conseguia conter a curiosidade.

–         Estou com sono. Boa noite, Xena.

Um silêncio se fez repentinamente.

–         Boa noite coisa nenhuma!_ disse Xena virando a barda pra si.

–         Estou com sono, Xena.

–         Duvido. Se fosse eu quem tivesse falado, você não me deixaria em paz.

–         Está bem, Xena. O quê você quer saber?_ disse novamente se apoiando no cotovelo.

–         Você disse que pensa em alguém. Quem?

A barda coçou o nariz e olhando seriamente para a guerreira, diz:

–         Antes de responder… E você também pensa em alguém naquele momento?

–         Penso.

Gabrielle leva um susto com a resposta, mas mesmo assim pergunta:

–         Se eu disser, você diz também?

Xena olha cheia de dúvidas e desconfiança para a barda e deitando, diz:

–         Acho melhor a gente esquecer isso.

–         Eu também acho.

E cada uma se virou para um lado, sabendo que aquela noite seria a mais longa que já tiveram.

Ao amanhecer, quando despertou Xena percebe que estava com a barda completamente grudada nas suas costas. Era uma sensação única que a guerreira adorava sentir. Passara a noite pensando em quem a barda pensava e por quem ela sentia desejo no seu momento íntimo. Sentiu raiva, se corroeu de ciúmes, pensou que fosse explodir de tanta curiosidade. Queria saber quem era aquele ou aquela que tinha a atenção especial da barda. No entanto, neste momento, com o contato dela em suas costas, a leve respiração lhe causando arrepios, sentia-se feliz. Não quis levantar, pois queria curtir mais um pouco aquele contato.

De repente veio-lhe a mente as palavras que Atma lhe dissera, que Gabrielle estava “caidinha” por ela. Suspirou desejando que isso fosse verdade, quando sentiu uma pequena e suave mão deslizar e envolver a sua cintura. Teve vontade de se virar pra ver se Gabrielle estava dormindo ou acordada. Resolveu ficar como estava imóvel. De repente, quando a barda se mexeu, a guerreira teve a leve impressão de sentir os lábios dela nas suas costas. Mas não pôde precisar se fora realmente um beijo ou ela simplesmente poderia ter encostado a boca ao se aconchegar.

Xena já estava começando a achar que estava querendo acreditar nas palavras de Atma, quando Gabrielle retirou a mão da cintura dela. Então se virou abruptamente e encontrou aqueles olhos verdes fitando-a. Ficaram por alguns instantes olhando uma para a outra até que Gabrielle sorriu daquela maneira, franzindo o nariz, que tanto ela gostava.

–         Bom dia.

–         Bom dia, mas bom dia mesmo._ disse Xena também sorrindo.

–         O que vamos fazer hoje?_ perguntou ainda deitada e olhando nos olhos da guerreira.

–         Se nesse lago tivesse peixe, seria pescar. Quer aprender a saltar?_ disse Xena também sem se mover do lugar.

–         Você vai me ensinar a dar aquelas cambalhotas no ar?_ Gabrielle fez um sinal com os dedos indicadores rodando-os como se dessem cambalhotas.

–         Não. Primeiro eu vou ensinar você a dar saltos com o cajado. E, depois, quem sabe.

Tornaram a ficar caladas apenas se olhando, quando Argo relincha.

–         Argo quer que levantemos. Ela precisa sair._ disse Xena se levantando.

–         Já vamos Argo!_ grita Gabrielle se levantado também.

Quando terminou de preparar o chá, Gabrielle levou a caneca até onde Xena estava, diz:

–         Aqui está o chá e um pedaço da torta que sobrou de ontem. Está mais deliciosa.

–         Estou sem fome, quero só o chá._ disse Xena pegando só a caneca.

–         De maneira nenhuma. Você é uma guerreira e tem que se alimentar bem. E até o almoço vai demorar um pouco.

–         Gabrielle, eu realmente não estou com fome.

–         Tudo bem, então eu diminuo o teu pedaço da torta. São só três mordidas Xena.

Gabrielle disse essas últimas palavras com tanto carinho que só restou para a guerreira obedecer. Principalmente, porque os três pedaços seriam dados pelas mãos da barda na sua boca.

–         Mais um?_ perguntou a barda já com outro pedaço próximo da boca da guerreira.

–         Não. Você disse três._ respondeu Xena desviando a boca.

–         Então como eu.

Xena não disse nada apenas ficou observando a barda saborear o último pedaço da torta. Era impressionante o apetite daquela pequena garota e também era gratificante satisfazer os pequenos desejos dela como este.

O dia passou depressa. Já no começo da noite, após terem arrumado as bolsas para o dia seguinte, Gabrielle se senta numa pedra à beira do lago. Xena percebe que ela estava triste e se senta ao lado dela, dizendo:

–         Não fique assim e não vá chorar, Gabrielle. Eu estou aqui com você e nunca vou te abandonar.

–         Mas vai demorar tanto para ficarmos juntas de novo. Atenas é tão longe de Amphipolis…_ lamentou a barda.

–         Lugar nenhum é longe o suficiente para que eu não possa te visitar._ disse a guerreira querendo consolar.

–         São seis meses Xena.

–         Sei disso. E eu irei visitá-la sempre que puder.

Gabrielle tenta, mas não consegue segurar as lágrimas. Então esconde o rosto com as mãos.

–         Oh, não, Gabrielle… Você anda muito chorona, barda. O que está havendo?

–         Xena, eu ando tendo mau pressentimento._ disse enxugando as lágrimas.

–         Mau pressentimento? Por que não me contou?

–         Pra não estragar esses dias que ficamos juntas.

Só então que Xena lembrou que Gabrielle era uma vate, que pressentia quando alguma coisa iria acontecer. Pegou-a pelos braços e a encarando pergunta:

–         O que você anda pressentindo Gabrielle?

–         Não sei ao certo Xena, mas sei que diz respeito a nós duas. São visões.

–         Me conta.

–         Uma dessas visões era que eu olhava pra você e via você sumindo, até que não conseguia mais te ver, restando apenas fumaça. Eu pensei que quando estivesse na Academia conseguiria desenvolver esse dom, ao invés disso descobrir que não sei controlar isso.

–         Gabrielle, eu quero que você não esconda nada de mim. Quero que me conte tudo que sentir, ver ou sonhar. Você promete?

–         Prometo.

–         Mesmo quando estiver lá na Academia quero que escreva o que acontecer ou que sonhar para não esquecer e depois me mostre quando eu for visitá-la. Vai fazer o que eu estou pedindo?

–         Vou.

Só então Xena percebe que ainda a estava segurando pelos braços, então a larga, dizendo:

–         Acho que vou tomar um banho antes do jantar. Quero me despedir dessa água maravilhosa.

–         Vou com você.

Xena começou a tirar a roupa perto da onde elas dormiam, sabia que a barda só se despia por completo na beira do lago. Quando terminou de se despir levou um susto ao olhar para trás. Gabrielle havia se despido ali mesmo e estava usando apenas o pano de banho que lhe cobria a frente, deixando o contorno do corpo desnudo. Xena ficou muda, ou melhor, queria falar, mas não conseguiu ante aquela visão. Limitou-se a pegar o seu pano de banho da mão da barda e se dirigir para o lago. Ao colocar o pano de banho em cima da pedra, viu de soslaio Gabrielle colocar o dela. Sentiu um frêmito e começou a suar frio. Mergulhou imediatamente no lago. Gabrielle fez o mesmo. Quando abriu os olhos debaixo d`água viu-a a sua frente olhando-a com um sorriso de lábios repuxados. Emergiu imediatamente. Gabrielle também emerge e ao olhar pra Xena se aproxima e estende a mão e tira uma mecha de cabelo que cobria o rosto da guerreira. Fizera isso com tanto carinho que Xena segurou a mão dela no próprio rosto e em seguida soltou-a e mergulhou, contornando o outro lado daquela pedra, onde Gabrielle sempre colocava o sabão. Quando emergiu sentiu que, pela primeira vez, se sentia desnorteada. Gabrielle surgiu ao seu lado. Xena então pegou o sabão e começou a se ensaboar.

–         Me dá aqui que eu vou ensaboar as suas costas._ Gabrielle estendeu a mão.

–         Não, não precisa._ disse Xena sem olhar para ela.

–         Precisa sim._ disse a barda tomando-lhe o sabão.

Xena virou de costas para que ela a ensaboasse. Fechou os olhos para agüentar o doce martírio o qual estava sendo submetida. Parecia que a barda fazia de propósito acariciando-lhe as costas, pensou ela.

–         Pronto guerreira. Agora é a minha vez._ disse Gabrielle entregando-lhe o sabão e virando-se de costas.

Para que a guerreira pudesse ensaboar-lhe completamente as costas, a barda subiu numa pedra embaixo da água, deixando as costas toda à mostra. E como a água era transparente, Xena viu um pouco mais abaixo da cintura dela e aquela visão tão provocativa, excitou a guerreira que percorria com a mão ensaboando as costas da barda e que ao descer para a cintura quase lhe tocou as nádegas. Xena sentiu que não conseguiria controlar a própria mão e então deu o sabão para a barda. E completamente excitada, se afastou nadando. Foi para um canto bem longe, quando estava tentando se tocar, viu a barda se aproximando. Passou a mão no rosto e nadou para o outro lado. Mas Gabrielle foi atrás. Ficou nervosa, pois estava precisando ficar a sós para se tocar, satisfazer aquela ansiedade que a consumia, mas como? Lá vinha a barda de novo. Resolveu então sair da água. Pegou o pano de banho se enxugou e quando estava se vestindo, percebeu que Gabrielle havia chegado. Desta vez não quis espiá-la, por causa do que estava sentindo naquele momento, queimando-se toda por dentro. Quando acabou de colocar a armadura, Gabrielle se aproximou, ficando na frente dela e perguntando:

–         Vai sair?

–         Vou. Mas não vou demorar._ disse ajeitando a bainha da espada.

–         Você vai lá na hospedaria?

–         Vou._ respondeu colocando as braçadeiras.

–         Vou com você. É só o tempo de trocar a roupa de dormir.

–         Não, Gabrielle. Eu vou só._ disse bem séria.

–         Xena isto não é justo.

–         Entenda Gabrielle, eu preciso.

–         E eu não?_ disse a barda olhando-a seriamente.

–         Gabrielle, por favor, estou no meu limite.

–         Pensa que é só você quem tem vontade Xena?

–         Não vou mais discutir, você fica e eu vou. E não me desobedeça._ disse já se virando para sair.

–         Por que você precisa ir?_ disse a barda segurando-a pelo braço.

–         Já disse, eu preciso.

–         Precisa como assim?

–         Pelos deuses Gabrielle, eu preciso… preciso me satisfazer… preciso de sexo._ disse completamente alterada e sem olhar para a barda.

–         Xena…

–         Por favor, Gabrielle…_ disse a guerreira se saltando.

Quando Xena conseguiu se recuperar e ia se afastar, ouviu a barda dizer:

–         Xena se você precisa tanto assim, faça comigo.

–         O que você disse Gabrielle?_ a guerreira achou que não tinha ouvido direito.

–         Faça amor comigo.

Xena tropeçou nos próprios pés quando pensou em dar um passo pra trás e acabou dando um passo pra frente, totalmente atônita, pois não acreditava no quê acabara de ouvir.

–         Gabrielle, você está dizendo que é pra eu fazer amor com você?

–         Por que não? Se vai procurar uma mulher estranha, que você nem conhece, então faça comigo.

Xena passou a mão pelo rosto, assanhou a franja e não soube com que tom de voz e com muito custo, disse:

–         Gabrielle, eu não posso. O que eu faria com uma outra mulher seria apenas sexo, necessidade. Mas com você…

–         Eu sei, comigo você não conseguiria. Desculpe se te fiz essa oferta absurda._ disse abaixando os olhos, envergonhada e decepcionada.

–         Não Gabrielle, não foi uma oferta absurda, foi a mais maravilhosa oferta que já recebi._ disse emocionada.

–         Então por que você rejeitou?_ sentiu-se novamente envergonhada pela insistência.

–         Porque com você não seria apenas sexo.

–         Sei, a nossa amizade é maior que tudo._ disse tentando entender e ainda de cabeça baixa.

–         Gabrielle a nossa amizade é a coisa mais importante da minha vida. Mas não é só isso._ disse Xena olhando-a encantada.

–         Nem precisa dizer, eu já sei. Você ainda me vê como a garotinha de Poteidaia…_ disse Gabrielle sem conseguir encará-la.

–         Às vezes. Mas também não é isso._ disse Xena se aproximando.

–         Se não é nada disso, o quê é então? Pode falar, eu vou entender._ disse completamente arrasada.

–         Porque eu te amo Gabrielle._ disse parando ao lado dela.

–         Eu sei, eu também te amo Xena._ disse fechando os olhos pra não chorar.

–         Você não entendeu, eu não te amo só como amiga, eu te amo como mulher. Acho que sempre te amei, até mesmo quando você era aquela garotinha que conheci em Poteidaia.

Quando Gabrielle abriu os olhos e a viu na sua frente, parecia não acreditar no que ouvira. Olhou para Xena que lhe diz:

–         Eu te amo Gabrielle.

–         Oh, Xena…_ disse quase num sussurro e chorando.

Xena ficou sem saber o quê fazer, quase se desesperou, mas se controlou e disse:

–         Gabrielle, não se preocupe que eu não vou deixar que o meu amor e o desejo que sinto por você interfira na nossa amizade. Prometo não tocá-la. Não a forçarei a nada. A nossa amizade para mim é sagrada. Por favor, não me deixe, não me abandone.

–         Oh, Xena, eu nunca vou te abandonar._ disse Gabrielle abraçando-a e confessando-lhe: Durante esses quase três anos, eu tenho sofrido tanto de tanto amor que sinto por você.

–         Você me ama mesmo, Gabrielle?_ perguntou a guerreira ainda incrédula e segurando o rosto da amada com carinho.

–         Eu te amo Xena. Eu sou parte de você.

Xena não resiste e a beija na boca, um beijo suave como tivesse medo de tocá-la e que aos poucos foi se transformando num beijo sofrido, num beijo completamente apaixonado. Gabrielle gemeu entre os lábios da guerreira.

–         O que foi Gabrielle?

–         Seu beijo…_ balbuciou a barda levando a mão aos lábios.

–         Não gostou?_ perguntou apreensiva.

–         Oh, sim, gostei muito, mas…

–         Mas o quê?_ Xena estava realmente preocupada.

–         É que o seu beijo me faz… sentir coisas._ disse a barda se saltando dos braços da guerreira e com um sorriso brejeiro vira-lhe as costas.

–         Que coisas seriam essas?_ a guerreira deu corda para aquele jogo de sedução que a barda estava propondo.

–         Não sei explicar.

Xena dá a volta e parando na frente dela passa as costas da mão da orelha até a ponta do queixo dela, dizendo num tom sedutor:

–         Que tal a gente tentar novamente, quem sabe você descobre o que é?

–         Você acha que vale a pena?

Xena puxa Gabrielle para si e a beija carinhosamente, sem pressa, tão lentamente que sente os suspiros dela em sua boca. De vez em quando abria os olhos e a via de olhos fechados totalmente abandonada em seus braços. Afasta o rosto um pouco e olhando-a nos olhos pergunta:

–         E agora, já sabe o que sente?

–         Sei._ respondeu passando a ponta do nariz no queixo de Xena.

–         E o quê é?_ a guerreira quase não conseguiu falar.

–         Que eu quero fazer amor com você._ disse depositando um beijo entre os seios da guerreira.

–         Gabrielle…

Xena aperta mais Gabrielle em seus braços e a beija agora com paixão. Depois se afasta e imediatamente tira a armadura, as braçadeiras, as munhequeiras e o traje, ficando apenas com a roupa de baixo. Então se aproximou de Gabrielle que a olhava encantada, pegou-a no colo e a levou até os cobertores. Com muito carinho a colocou sentada e ajoelhada a sua frente, então se debruçou sobre ela beijando-a com toda ternura que estava sentindo. Depois, com cuidado, foi deitando-a sem parar de beijar. Estava com o corpo quase todo em cima dela quando começou a desatar o laço do cordão da sua roupa de dormir. Levou as mãos até as pernas da barda e quando ia começar a levantar a sua roupa de dormir, ouviu nitidamente em seu ouvido as palavras da cartomante: “Ela precisa permanecer pura… A vida dela vai estar em suas mãos… Só a pureza dela poderá curá-la… Se você a ama, não a toque, não antes de o inevitável acontecer”. Parou. Sentou ao lado. Pensou no quê dizer, se não podia contar a verdade para ela.

–         O que foi Xena?

–         Gabrielle, eu não posso. Não agora.

–         Por que, amor?

Xena a olha e se debruça sobre ela. Passa a mão contornando carinhosamente o rosto dela enquanto diz:

–         Gabrielle, você é a razão de eu existir. Se você não tivesse me acontecido, eu não sei o que seria de mim. Possivelmente não teria conhecido o verdadeiro amor, não teria achado a paz e o perdão que estava procurando. Você é a razão de tudo. Você é o meu coração.

Gabrielle a ouvia encantada, estava muito emocionada pra conseguir dizer alguma coisa. Era um momento mágico, tanto sonhado por ela, mal conseguia respirar, ouvir tudo aquilo que sempre sonhou e estar nos braços da guerreira era como se estivesse no paraíso, nos Campos Elíseos.

Xena continuou:

–         Eu queria que a nossa relação fosse realizada da maneira correta e legal.

–         Como assim amor?

Xena sorriu pra Gabrielle, ela estava adorando o modo carinhoso com que a barda a estava tratando.

–         Quero me casar com você.

–         Casar? Mas como?_ perguntou totalmente surpresa.

–         Afrodite. Ela pode nos casar, não é a deusa do amor? E, além disso, você é a protegida dela.

–         Fala sério, Xena?

–         A menos que você não queira casar comigo. Que só me queira como amante. Afinal, eu sou dez anos mais velha que você é natural que não queira se sentir presa.

–         Xena, mais do que ser sua amante, eu quero ser o seu amor.

–         Você é o meu amor.

–         Eu quero casar com você Xena. É o meu maior sonho ser sua por sentimento e por direito.

Xena não resiste e a beija carinhosamente. Quando sente que Gabrielle está correspondendo e se entregando apaixonadamente, se afasta dizendo:

–         Temos que parar Gaby, para que Afrodite possa nos casar, as núpcias terão que ser depois da cerimônia, não antes, entendeu?

–         Entendi sim, amor. Mas, então, quando a gente vai se casar se só temos dois dias juntas?

Xena suspira fundo e diz:

–         Só depois da sua formatura.

–         Xena, você vai consegui esperar?

Xena senta e Gabrielle senta de frente para ela. A guerreira pergunta:

–         Gabrielle, o que é que você quis dizer se eu vou consegui esperar?

–         É que você… É que você guerreira, a pouco estava querendo ir lá na hospedaria pra…

–         Eu estava, não estou mais. Não quero mais ninguém. Só quero você.

–         E você vai agüentar esse tempo todo?_ a barda falou demonstrando um pouco de preocupação.

–         Sabendo que você me ama e me quer, eu agüento muito mais. E você?

–         Se esperei por você até agora…

Deitaram abraçadas no mesmo cobertor. Xena pergunta:

–         Gabrielle, você me ama mesmo? Não está influenciada pela nossa amizade?

–         Xena, eu te amo desde a primeira vez que te vi quando entrou naquele armazém. Você que demorou pra perceber que me amava.

–         Gabrielle, você tem certeza que quer ser minha?

–         Agora mesmo se você quiser._ disse se aconchegando mais nos braços de Xena.

–         Querer eu quero, mas também quero realizar o seu sonho que é o meu também. Vamos ter a nossa primeira noite, a nossa primeira vez lá no velho templo de Afrodite.

–         Que foi o primeiro templo de Afrodite?

–         Esse mesmo.

–         Oh, Xena… Obrigada, amor.

–         Por quê?

–         Aquele lugar faz parte do meu sonho.

–         Como assim?

–         Ah, Xena… Desde que conheci aquele lugar, toda vez que eu… pensava em você e eu… fazendo, era ali._ disse a barda completamente corada.

–         Então é lá que você pensa na gente fazendo amor?

–         É, depois que conheci aquele lugar.

–         Antes de mim com quem você imaginava?

–         Imaginava uma pessoa maravilhosa.

–         Quem?

–         Não conseguia ver o rosto, só sabia que era uma pessoa maravilhosa, só assim conseguia.

–         Por quê?

–         É que às vezes eu não conseguia.

–         Quando?

–         Quando pensava em Perdicas.

Xena quis olhar nos olhos dela para ver a resposta que ela daria a pergunta que faria naquele momento:

–         Você e Perdicas nunca… quero dizer, ele nunca tentou? E como você pensava nele naquele momento?

Gabrielle coloca as duas mãos em cima dos ombros de Xena e a olhando assim tão perto, diz:

–         Eu nunca tive nada com Perdicas. Entre nós só houve beijos, nem carícias. Ele nunca tentou nada, pois me conhecia bem e sabia que eu ainda não estava preparada para isso. Eu era muito criança. Só fiquei noiva dele por insistência do meu pai.

–         Você ainda não respondeu como pensava nele naquele momento._ a guerreira se deu conta que não estava conseguindo esconder o ciúme.

–         Quando me imaginava nos braços dele, eu não conseguia. Por mais que tentasse não conseguia. Tinha que pensar naquela pessoa especial. Só agora sei que aquela pessoa era você.

–         Mas nós ainda não fizemos como você pode ter certeza?

–         Nós não fizemos de fato. Mas eu já fiz com você muitas e muitas vezes. E a tal pessoa especial que não tinha um rosto antes, agora tem… o seu.

–         Gaby não diga mais nada, eu preciso te resistir.

–         Obrigada.

–         De novo essa palavra! Por que desta vez?

–         Por conseguir resistir. Acho que eu não conseguiria.

–         Se eu tenho resistido e controlado até hoje, uns dias, uns meses a mais…

Gabrielle a beijou na boca e se aconchegou mais nos braços dela, dizendo:

–         Agora não preciso mais disfarçar e arranjar desculpas para te abraçar.

–         Quer dizer então que você andou fingindo, se aproveitando de mim?

–         Não, eu nunca fingi com você. Eu realmente tinha e tenho medo de dormir ao som de lobos. Mas aproveitei a chance para ficar abraçada com você.

–         Gabrielle me diga uma coisa, hoje de manhã você estava acordada quando pôs a mão na minha cintura?

–         Estava.

–         E depois disso, foi mesmo um beijo que senti nas minhas costas?

Gabrielle riu colocando as mãos no rosto e confessou:

–         Foi sim, não resisti.

–         Mas que barda assanhada!_ disse Xena cobrindo a cabeça de Gabrielle com a manta. Depois a puxou mais para si e disse: Agora, vamos fechar os olhos e tentar dormir.

Quando amanheceu, Xena já estava acordada. Quase não dormira, excitada do jeito que estava. Sentia-se feliz por ter, finalmente, o amor de Gabrielle, embora ainda não a tivesse tido. Tinha consciência de que estava no seu limite, queria muito fazer amor com ela, nunca desejou tanto alguém assim como desejava Gabrielle. Entretanto, sabia que teria que esperar. Olhou para aquela linda e formosa garota que estava adormecida em seus braços e suspirou. Depois levantou delicadamente a ponta do queixo dela e depositou os seus lábios na boca da barda que, ao abrir os olhos, ficara vesga com aquela proximidade. Xena riu sem tirar os lábios dos lábios de Gabrielle e a beija.

–         Bom dia, amor._ disse a barda com os braços envoltos no pescoço da guerreira.

–         Bom dia, coração. Dormiu bem?_ disse Xena a puxando pela cintura.

–         Nos seus braços eu durmo sempre bem. Xena temos mesmo que partir hoje?

–         Hoje é muito vago. Partiremos agora mesmo.

–         Ah, Xena…

–         Gabrielle…

–         Tá bem, mas eu vou levantar sob protesto.

Na estrada.

Quando Gabrielle montou em Argo e abraçou a cintura de Xena, estremeceu tão forte que a guerreira perguntou:

–         O que foi Gabrielle?

–         Acho que foi o frio. Lá no nosso acampamento estava tão quentinho.

–         Claro por causa das águas quentes.

Novamente Gabrielle se estremeceu toda. Xena parou Argo e ajudou a barda descer, depois a puxou para a sua frente, a abraça dizendo:

–         Quero ver você estremecer agora.

–         Com você me abraçando pode até nevar que eu não vou sentir._ disse a barda se aconchegando mais nos braços dela.

–         Eu quero aproveitar todo o momento em que posso ter você nos meus braços, minha barda.

–         Eu também. Se não fosse por Atma, talvez não estivéssemos juntas agora.

–         Aquela guerreira, desmiolada e alcoviteira, me disse que você estava “caidinha” por mim._ disse Xena no ouvido dela.

–         E ela me disse, que se eu te queria, que eu fosse à luta. Foi o que eu fiz.

–         Ah, então foi você quem deu início a nossa história?

–         E não foi?

–         Me lembre de agradecer a Atma quando esbarrarmos com ela por aí.

–         Olha só Xena: Atma, Acidália e Amanda, todas com letra “A”. Que coincidência!

–         Você esqueceu de Aglaia e de…

–         Ares._ disse Gabrielle se estremecendo.

–         O que foi?

–         Esse nome me provoca arrepios. Mas tem também: Afrodite, Atena e Artemis, embora essas duas últimas deusas eu nunca tenha visto.

Xena ficou calada, estava preocupada. De agora em diante tudo que Gabrielle sentir fora do comum será motivo de preocupação para ela. A guerreira tomou uma decisão, antes de voltar para Amphipolis iria até Cálcis procurar a cartomante Soraya.

Cavalgaram o mais que puderam e pernoitaram na estrada.

–         Esta é a nossa última noite._ disse Gabrielle aninhada nos braços de Xena.

–         Não fale assim, pois não será uma despedida._ disse Xena a apertando mais.

Gabrielle afasta a cabeça um pouco pra trás e olhando cada traço que seus dedos percorriam do rosto da amada, diz:

–         Minha linda guerreira.

–         Você realmente me acha linda?

–         Você é linda. Linda mesmo minha guerreira.

–         Aos seus olhos, amor. Você que é linda.

–         Eu sou ao seu coração._ disse agora contornando os lábios amados e os beijando a seguir.

Xena novamente custou a dormir. A idéia de ter que se separar da barda doía-lhe e a irritava, mas não podia demonstrar isso a ela.

No dia seguinte, durante toda manhã caminharam e cavalgaram sem parar. E chegaram na cidade de Atenas no começo da tarde.

–         Agora vamos para a taberna onde podemos sentar e comer direito._ disse Xena desmontando.

–         Esse negócio de comer cavalgando, aumentou mais a minha fome._ disse Gabrielle descendo de Argo.

–         Eu pensei que você fosse dizer que é muito chato comer quase pulando, barda gulosa.

–         Onde vamos comer?_ perguntou ao ver que Xena não parou na primeira taberna.

–         Vamos andar mais um pouco e vamos comer naquela taberna lá na praça da Academia.

–         Hum… Onde tem aquele doce que você levava toda vez que ia me visitar.

Xena olhou pra ela e sorriu. Aquela barda não tinha jeito mesmo.

Na taberna. Já haviam almoçado e Xena estava esperando Gabrielle que estava saboreando a sobremesa.

–         Quando a gente vai se ver agora?_ perguntou Gabrielle levando a boca de Xena um pedaço do doce.

–         Só no final do mês que vem. Venho só pra te ver, minha barda.

–         No último domingo?

–         É, vê se dá pra chegar um pouco mais cedo. Vou estar te esperando.

–         Xena, você me promete uma coisa.

–         O quê?

–         Xena, você promete que não vai procurar nem Atma, nem Odessa, nem ninguém?

–         Gabrielle, eu sou quero você.

–         Promete?

–         Prometo.

–         Tenho medo que você possa não resistir. Afinal, você já se jogou na água por três vezes.

Xena riu e recusou o doce oferecido.

–         Eu agi assim, foi porque você estava comigo e eu não podia tocá-la. Mas agora que eu sei que você me ama e me quer, eu sei que posso resistir e te esperar.

–         Eu te amo tanto, Xena.

–         Também te amo, gabrielle.

–         Queria tanto te beijar.

–         Já acabou de comer? Então venha._ disse Xena se levantando.

Gabrielle a seguiu até os fundos da taberna, onde ficava o depósito. A guerreira a puxou para um canto, atrás de um enorme monte de feno. Xena a envolveu nos braços e a beijou com paixão. Gabrielle quase perdeu o fôlego. Xena se controla, mas torna a beijá-la com fervor.

–         Xena…_ sussurrou a barda quase sem poder falar.

–         Gabrielle esse beijo foi para que você tenha a certeza que é só você quem eu quero, quem eu amo, quem eu desejo.

–         Então me deixa te mostrar como eu te amo._ disse Gabrielle nas pontas dos pés e segurando o rosto da amada.

Gabrielle beijou com extremo carinho que Xena relaxou por completo nos braços dela. Depois disse acariciando a face da amada:

–         Esse beijo foi pra você lembrar que eu sou apaixonada por você, minha querida guerreira.

–         Eu não vou me esquecer, coração. Mas temos que ir agora, Gaby._ disse tentando se desvencilhar dos braços dela ainda que contragosto.

–         Oh, Xena, não. Vamos ficar mais um pouco._ disse a barda se agarrando a ela.

Xena rir.

–         Vamos, meu bem. Você vai ter que entrar e pegar as informações sobre o dia da formatura.

Gabrielle havia entrado para pegar as informações e Xena ficou na praça esperando. Aproveitou para comprar o doce que a barda tanto gostava. Momentos depois, Gabrielle estava de volta.

–         E aí?_ perguntou Xena percebendo que a barda havia deixado a bolsa e o cajado na Academia.

–         Nenhum dia de folga. Sair, só depois da formatura._ disse desanimada.

–         Não fica assim, Gaby. Como já disse, no último domingo do mês que vem, venho para te namorar. Ah, isso é pra você._ disse a guerreira entregando o embrulho.

Gabrielle pega o pacote, já sabendo do que se tratava.

–         Você não esquece, amor.

–         De novo, não!_ disse Xena olhando por trás da barda.

Gabrielle não teve nem tempo de se virar, pois foi logo cercada pelos seus amigos de turma.

–         Ei, Gabrielle, já perguntou pra Xena?_ perguntou Orion.

–         Ainda não, Orion.

–         O quê é?_ perguntou Xena.

–         Eles querem saber se você pode…

Como Gabrielle hesitou, Eurípedes tomou a vez:

–         O que ela quer dizer é se você poderia nos dar a honra da sua hábil perícia.

–         O que ele quer dizer,_ interrompeu Orion e conclui: É se você poderia comparecer um dia para nos contar sobre a sua experiência como guerreira.

Xena olhou pra Gabrielle, levantando levemente a sobrancelha num meio sorriso e disse:

–         Gabrielle por que você não disse nada?

–         Pensei que você não fosse gostar de servir de modelo.

Xena puxou a barda de lado e disse baixinho:

–         Gabrielle, você não percebeu? Essa é mais uma chance que teremos pra ficarmos juntas.

–         Pra ficarmos juntas com a classe toda também.

–         Para isso dá-se um jeito._ disse Xena piscando o olho e depois se aproximando dos colegas da barda diz: Aceito sim, fico muito honrada com o convite. Quando vai ser isso?

–         Dois meses antes da formatura._ disse Stallonus verificando no pergaminho.

–         E te… terá que… que ser no… no pri… primeiro sábado._ finalmente conclui Twickenham.

–         Então está combinado. No primeiro sábado, dois meses antes da formatura, estarei aqui._ disse Xena olhando para Gabrielle.

–         Venha antes do almoço, pois almoçará conosco._ avisou Orion.

Depois se retiraram, deixando as duas a sós.

–         Não, de novo não, Gabrielle._ disse Xena ao perceber a expressão de choro da barda.

–         Não vou chorar._ disse engolindo as lágrimas.

–         Olha, quero que você escreva tudo que sonhou ou que sentir de estranho, promete?

–         Prometo. Mas por quê?

–         Tudo que lhe diz respeito, barda, diz respeito também a mim._ disse Xena tocando com a ponta do dedo indicador a ponta do nariz da barda, concluindo: Agora vai. Todos já entraram.

Gabrielle se aproxima de Argo e a abraça, dizendo:

–         Vou sentir muito a tua falta, Argo. Não se esqueça de mim.

A égua balança a cabeça.

Depois a barda se aproxima novamente da guerreira e colocando a mão no ventre dela diz com a voz embargada:

–         E você também não se esqueça que eu estarei contando os dias para te ver. Não se esqueça que eu te amo muito e estarei sempre pensando em você, minha linda guerreira, meu amor.

–         Eu trago você no meu coração. Eu te amo Gabrielle.

Ficaram se olhando por uns instantes sem que conseguissem se mover, até que o sino tocou novamente e uma parte do portão foi fechada. Então Gabrielle se afastou, andando quase de costas sem deixar de olhar pra Xena, parecia que queria guardar aquela imagem amada na mente.

Xena nunca se sentira tão mal como estava se sentindo agora. A ausência de Gabrielle doía-lhe na alma. Nunca se sentira tão só como estava se sentindo naquele momento. Mas a certeza do amor da barda, a lembrança daqueles beijos, do corpo dela completamente abandonado no seu, daquela pele macia e perfumada, do cheiro doce dela… Xena apressou Argo, a lembrança daquele corpo tão desejado despertou o seu instinto. Iria acampar a margem do rio.

Enquanto fomentava a fogueira com os gravetos, Xena tentava se concentrar no quê iria fazer, mas a imagem atraente de uma certa barda roubava-lhe a atenção. Deitou ali perto da fogueira. Seus pensamentos agora eram ocupados pela fantasia da sua primeira noite com a barda.

No dia seguinte, chegou no porto bem cedo. Estava resolvida que não iria direto para Amphipolis, primeiro iria para Cálcis. Foi o que fez.

Dias depois ao chegar em Cálcis, foi direto para a casa da cartomante. Parou na frente da casa e percebeu que não havia mais o cartaz indicando o nome da cartomante e também as cortinas coloridas de conchas e pequenas pedras penduradas que ficavam na frente da porta. Porém tinha certeza que era ali. Bateu na porta. Pouco depois esta se abre.

–         Entre. Estava esperando por você._ disse a cartomante.

–         Sabia que eu viria?_ perguntou Xena adentrando.

–         Como disse, estava te esperando._ disse se sentando atrás de uma pequena mesa e indica com a mão para que Xena se sente em frente a ela.

–         Eu estou aqui pra saber dessa história toda. Quero saber por que você me disse aquilo sobre Gabrielle. Quero que me conte tudo e quem está por trás disso._ disse Xena debruçando os braços na mesa.

–         Já que agora vocês estão namorando, o cuidado é bem maior e mais sofrido.

–         Como você sabe disso?_ perguntou a guerreira surpresa.

–         A garota é protegida de Afrodite.

–         E como você sabe disso também? Não vai me dizer que leu nas cartas porque eu não acredito.

–         Afrodite me disse.

–         Afrodite… É claro! Como eu não pensei nisso… Mas o que está acontecendo?

–         A deusa Atena numa das suas visitas às Fases descobriu que um outro deus havia se metido em seus domínios e passado por cima de suas ordens. Então se reuniu com suas duas irmãs, Afrodite e Artemis, e contou o que estava acontecendo. Como Afrodite precisava de uma mortal com certos poderes mediúnicos, então ela me procurou e me levou até vocês para que contasse a você o que estava acontecendo.

–         E o que está acontecendo?_ perguntou preocupada.

–         Afrodite me disse que Ares lançou um feitiço sobre Gabrielle.

–         O quê?!_ disse a guerreira cerrando os punhos e batendo na mesa.

–         Calma, Xena, mais do que nunca você vai ter que se controlar.

–         Vou ter que me controlar, mas como? Como eu posso me controlar sabendo que aquele maldito lançou um feitiço em Gabrielle? Que espécie de feitiço é esse?

–         Isso você vai perguntar a Afrodite. Ela pediu que eu te avisasse que depois que você fosse visitar Gabrielle, vá ao templo abandonado, ela disse que você sabe onde fica.

–         E o que mais ela disse?

–         Foi aquele aviso que eu lhe dei, pra não tocá-la, de mantê-la pura.

–         Mas como não tocá-la? Ela é minha namorada. Isso é um martírio!

–         O recado foi dado. Se eu fosse você faria exatamente o que ela pediu.

–         Claro. Eu vou fazer. Me diga uma coisa, você não quis jogar cartas pra Gabrielle porque já sabia sobre isso, não é mesmo?

–         Sim. Fiquei com medo de ver a morte dela nas cartas.

–         E o que você acha, me diz sinceramente, isso vai acontecer?_ perguntou apreensiva.

–         Afrodite disse que as pedras do destino estão em andamento, não tem como evitar ou deter isso. Agora só resta esperar pra providenciar a cura. Foi o que ela disse. E eu também acho a mesma coisa.

–         Obrigada por tudo. Eu já vou indo. Tenho que ajustar contas com um certo deus._ disse se levantando.

–         Não faça isso, Xena!_ disse Soraya se levantando também.

–         Por quê?

–         Porque Ares não pode saber que você sabe. Aliás, você não pode conta isso pra ninguém.

–         Eu não vou contar pra ninguém, o que eu quero agora é quebrar a cara de Ares.

–         Não Xena, você não pode invocá-lo. Foi o que Afrodite falou. Vá para o templo na data marcada, lá ela irá esclarecer tudo. Controle seus impulsos por Gabrielle.

–         Por Gabrielle, somente por ela._ disse Xena se acalmando.

E antes que Xena fosse embora, Soraya pediu que quando tivesse tudo resolvido que dessem um jeito de avisá-la, que ela ia ficar ali esperando e que depois ela iria voltar para Corinto e mudar de vida. Xena concordou.

Foram quase dois meses de muito trabalho e sofrimento para Xena. Não podia contar o que estava acontecendo, nem para Toris e nem para a sua mãe. Por isso, mergulhava no trabalho para não se desesperar. A guerreira teve vontade de ir até o templo abandonado, mas ela sabia que seria perda de tempo, que Afrodite só iria aparecer no dia combinado. Porém o que mais a intrigava era o sumiço de Ares. E essa espera a estava deixando com os nervos à flor da pele.

No dia marcado, logo após o almoço, Gabrielle estava apreensiva, andava de um lado para o outro, olhava para a colina e nada. Sentou um pouco, mas logo se levantou aflita e quando ia espiar novamente, eis que Xena salta do muro.

–         Xena! Pensei que você não viesse._ disse a barda praticamente se atirando nos braços dela.

–         Como isso é bom!_ disse a guerreira abraçando a barda e conclui: E eu vou deixar de vir te namorar, minha linda?

E as duas se beijam apaixonadamente.

–         Oh, Xena senti tanto a sua falta…_ disse a barda a olhando encantada.

–         E eu então Gaby tive que mergulhar no trabalho para que o tempo passasse depressa.

–         No quê você está trabalhando?

–         Eu já disse, estou trabalhando com Toris.

–         E o que vocês fizeram lá no nosso quarto?

Xena adorou ter ouvido isso, deu um riso malicioso, puxou a barda para trás da pequena árvore e disse:

–         O nosso quarto está ficando lindo Gaby. Sei que ficaria mais bonito se você mesma o decorasse.

–         Eu confio no seu bom gosto, amor.

–         Diga de novo._ disse Xena olhando para cada detalhe daquele rosto amado.

–         O quê?

–         Como me chamou agora.

Gabrielle riu daquele jeitinho todo próprio de franzir o nariz e apertar os olhos, que tanto encantava Xena.

–         Amor. Meu amor. Xena, você é o meu amor.

Xena se encostou no muro e envolvendo a barda nos braços, a olha tão de perto e diz quase a beijando:

–         Você está cada vez mais linda, barda.

–         Para mim, você é a mulher mais linda e desejável de toda a Grécia e eu morro de ciúmes em deixá-la sozinha por aí.

–         Não sinta ciúmes, barda, pois eu só tenho olhos pra você.

–         Jura?

–         Juro.

–         Que só pensa em mim?

–         Só penso em você.

–         Xena, eu não sei se tenho o direito de querer saber isso de você.

–         Gaby, você tem todo o direito de querer saber o que quiser de mim. Pode perguntar.

–         É que eu escutei o começo daquela conversa que você teve com Acidália. Que você e ela… Que você fez amor com ela._ disse Gabrielle séria.

–         Gabrielle, eu não fiz amor com ela, fiz sexo. Eu precisava.

Gabrielle abaixou os olhos, parecia sentida com o que ouvira. Xena ficou sem jeito, sem saber o que dizer. Então, a barda, carinhosamente, coloca as mãos no ventre da guerreira e encostando o rosto no peito dela, diz:

–         Xena, eu morro de ciúmes só de pensar em você com outra pessoa. Te amo tanto guerreira.

–         Acidália foi a última, Gabrielle. Agora é diferente. Ninguém mais me interessa, pois tenho você._ disse a abraçando.

Ficaram se beijando, trocando juras de amor até que o sino toca.

–         Esse é o momento mais triste para mim. Ter que me despedir de você._ disse Gabrielle encostando a cabeça no colo da amada.

–         Também é para mim, Gabrielle. Mas logo, logo iremos ficar juntas. Agora tenho que ir.

–         Não vi Argo.

–         Deixei-a num celeiro, pois quando cheguei o jardineiro estava do lado de fora limpando.

–         Então manda isso para ela. E essa é pra você._ disse entregando as duas maçãs.

–         Seu doce, hoje, eu não pude trazer, a taberna estava fechada.

–         O doce da sua presença é o que eu mais gosto.

Xena rir e pega dois embrulhos que havia escondido em cima do muro atrás daquela árvore e diz:

–         Aqui está. Imagina se eu não ia trazer um doce pra minha amada. E isso aqui foi a mãe que mandou para você, é um outro par de meias.

–         Agradeça a mãe por mim. Diga a ela que amei a meia.

–         Agora come logo esse doce. O sino já bateu e vão sentir a sua falta à mesa.

Depois que, praticamente, engoliu o doce, Gabrielle pergunta:

–         Quando você vem me ver?

–         Agora só naquele sábado em que fui convidada.

–         Mais dois meses de martírio.

–         Gabrielle…_ repreendeu docemente Xena e a beijou apaixonadamente.

Xena estava no barco a caminho de Amphipolis. Tinha acabado de armar a rede para dormir, quando estava tirando a bainha com a espada das costas sentiu “o cheiro”. Puxou a espada, dizendo:

–         Será que você não me deixa em paz, Ares?

O deus se materializa a sua frente, dizendo:

–         Impressionante, eu não consigo mesmo passar despercebido por você.

–         O que é que você quer?_ ainda com a espada em riste.

–         O de sempre, você!

–         Então, perdeu seu tempo, pode dar o fora._ disse colocando a espada na bainha que pendurou na rede.

–         Xena, eu posso dar o mundo pra você.

–         Não me interessa, é muito grande.

–         Posso te dar a Grécia.

–         Já houve um tempo que isso me interessaria, mas não me interessa mais.

–         O que você quer? Pede. Eu posso dar._ disse com ênfase, abrindo os braços.

–         Qualquer coisa?

–         Qualquer coisa.

–         Quero que você suma da minha vida.

–         Reconheça que você me mentiu.

–         Que eu te menti… no quê?_ perguntou Xena sem entender.

–         Quando me disse que era só amizade o que você sentia pela sua amiguinha.

–         E era mesmo. E você não tem nada com isso. Não se meta na minha relação com Gabrielle.

–         Ah, então você confessa, você conseguiu… Está tendo um envolvimento com a sua amiguinha.

–         Envolvimento não, estamos tendo um relacionamento amoroso. Nós nos amamos e você não tem nada com isso.

–         Me diga uma coisa, Xena: o que é que você viu nela?

–         O que não vi em você.

–         Eu sempre soube das suas preferências e até achava estimulante. Mas com essa lourinha insignificante é demais.

–         Olha como fala de Gabrielle._ ameaçou Xena com o punho fechado.

–         Vamos fazer um acordo.

–         Não quero acordo com você.

–         Pelo menos me escute.

Xena pensou um pouco e fez menção com a mão pra que ele prosseguisse.

–         Eu quero você e você quer a lourinha. Eu aceito, pode ficar com ela, contanto que fique comigo.

–         Você está louco? Enlouqueceu de vez? Você não tem nada que se meter entre nós duas. Entenda de uma vez, não quero nada com você.

–         Xena, depois você não vá dizer que eu não tentei. Isso é um aviso!_ disse irritado.

–         Me diga uma coisa, Ares: o quê você está fazendo aqui?

–         Eu… Bem, eu vim tentar te convencer._ disse coçando de novo o cavanhaque.

–         Não é disso que estou falando. Eu estou me referindo ao fato de você estar aqui num barco no mar. Que eu me lembre, nós nunca nos encontramos num barco em alto mar.

–         Você sabe muito bem porque, Xena.

–         Ainda aquela história que um deus não pode invadir o território, digo, o domínio de um outro deus?

–         Vejo que não esqueceu. Como você também sabe que eu tive um desentendimento com o meu tio Poseidon e que evitei por um longo tempo o caminho pelo mar.

–         Sei, as guerras marítimas que você provoca, emporcalham os domínios de Poseidon. E agora vocês fizeram as pazes.

–         Mas isso não vem ao caso. Estou aqui para te dar mais uma chance.

–         De que é que você está falando, que chance é essa?

Ares torna a coçar o cavanhaque, parecia não saber o que responder.

Por um momento Xena teve vontade de dizer que sabia o que ele tinha feito, mas por amor a Gabrielle ficou calada. Entretanto, como Ares não se resolvia, ela disse:

–         Como é que é Ares, não tenho a noite toda pra ficar escutando as suas bobagens.

–         Bobagens!_ ele quase gritou.

–         Se manda, Ares, quero dormir.

–         Muito bem, você continua me desprezando. Mas isso vai acabar. Você vai vir a mim e então conversaremos. Eu sei esperar._ disse sumindo.

Xena sentou na rede com os braços apoiados nas coxas, estava preocupada com as palavras de Ares, principalmente essas que ele disse antes de sumir. Fora mais que uma ameaça, era uma certeza. Xena estava ansiosa para falar com Afrodite.

Alguns dias depois, o barco aportou no porto de Amphipolis, mas Xena não foi para casa, seguiu com Argo na direção do caminho que levava para Poteidaia, também não iria para lá. Ia para o velho templo de Afrodite que ficava exatamente entre as duas cidades. Foram quase dois dias de viagem até que, saindo da estrada e pegando uma trilha que ia para a floresta e que poucas pessoas conheciam, chegou ao velho templo. Desmontou e foi guiando a égua até chegar numa pedreira. Com muito cuidado para não destruir os galhos de um enorme arbusto, Xena abriu a entrada da caverna. O templo era bem protegido. Caminhou com Argo até o centro do templo e avistou no altar sentada, em meios a várias almofadas, a deusa Afrodite.

–         Até que enfim, Xena. Isso aqui não é nada divertido. Olha só como está vazio! Eu gostava tanto daqui.

–         Não foi pra falar do templo que você me chamou, Afrodite._ disse Xena em frente a ela.

–         Engana-se Xena, o templo também faz parte do que tenho a lhe dizer.

–         Estou a sua disposição e ansiosa para saber do que se trata.

–         Ares a procurou, não foi?

–         Você deve saber.

–         Não sabia não. Atena o anda caçando por toda parte. Eu tinha certeza que ele ia te procurar. Onde vocês se encontraram?

–         Num barco no mar.

–         Ah, então tio Poseidon é que o está escondendo… Atena precisa saber disso.

–         Afrodite, por que você me chamou aqui?

–         Ah, ainda não falei? Mas que cabeça a minha! Olha Xena, como você já está sabendo, Ares lançou um feitiço sobre Gabrielle. Mesmo ela sendo a minha protegida, nada posso fazer, pois as pedras do destino estão em andamento e nem nós deuses podemos com elas. O que temos que fazer é esperar pra saber que tipo de feitiço foi lançado. Como ele pediu a ajuda das três Fases, é sinal que o feitiço não terá efeito imediato. Então teremos tempo de procurar a cura.

–         Afrodite, por que você deu aquela ordem pra que eu… não tocasse em Gabrielle?_ perguntou a guerreira se sentindo constrangida.

–         Porque não sabemos qual o tipo de feitiço que foi lançado. E tem um que, se for lançado numa virgem e se ela deixar de ser virgem, aí então não tem cura e ela morrerá.

–         Maldito seja!_ gritou Xena e conclui: Conhecendo Ares do jeito que conheço, o feitiço foi esse.

–         Então guerreira, você vai ter que fazer o seguinte…

Xena voltou para Amphipolis, queria se entregar ao trabalho para não ter que pensar. Tinha que seguir o que Afrodite lhe dissera.

Foram quase dois meses de angústia, a guerreira emagrecera. Para Cyrene e Toris era porque ela sentia falta de Gabrielle, mas só ela sabia que não era só por isso.

Finalmente, chegara o dia, Xena estava na frente do portão da Academia. Nem precisou bater, pois uma parte do portão se abriu e ela avistou no lado de dentro, Gabrielle. Parecia que a porta da felicidade se abrira para ela. Como era maravilhosa aquela tão amada visão. Adentrou e só então que percebeu que ao lado da barda estavam os falantes colegas dela. A guerreira respirou fundo. Gabrielle correu-lhe ao encontro e a abraçando disse ao seu ouvido:

–         Eu te amo, guerreira.

Xena quase a tomou nos braços, mas se conteve.

Após ser apresentada aos outros colegas da barda, foram direto ao refeitório, onde Xena foi apresentada aos mestres da Academia. Depois de toda formalidade, sentaram-se à mesa para o almoço em homenagem a ela que estava ali como convida de honra. Xena pensou no que ela não fazia por aquela barda. Colocaram-na sentada na cabeceira da mesa. Gabrielle se sentou a sua direita e Orion a sua esquerda. Enquanto conversavam, furtivamente a barda colocou a mão esquerda no joelho direito da guerreira. Xena olhou de soslaio para ela, enquanto que com a mão direita acariciava a mão de Gabrielle.

Findo o almoço, Gabrielle teve permissão para levar Xena pra conhecer toda a Academia. Enquanto seus colegas preparavam a sala para receber a convidada.

–         Agora quero conhecer o seu aposento._ disse Xena assim que se viu só com Gabrielle.

A barda sorriu daquele jeitinho todo dela e pegando a guerreira pela mão seguiram num corredor até o final. Gabrielle abriu a cortina do quarto e disse:

–         É aqui, minha Princesa Guerreira, que passo as noites longe e sonhando com você.

Xena entrou e viu dois beliches e quatro arcas pequenas.

–         Onde você dorme?_ perguntou Xena.

–         Aqui._ disse Gabrielle apontando pra cama debaixo do beliche que ficava mais distante da saída do quarto.

Xena a enlaçou pela cintura por trás e beijou-lhe suavemente o pescoço. Gabrielle suspirou. E isso excitou a guerreira que subindo com os lábios até o lóbulo da orelha da barda, coloca-o todo na boca.

–         Ai, Xena, quando você faz isso eu… eu fico toda mole._ disse Gabrielle quase ofegante.

Xena parou. Gabrielle virou de frente para ela e a beijou na boca. Xena não resistiu e beijou apaixonadamente aquela garota tão amada. Quando sentiu o abandono da barda em seus braços, o corpo dela todo encostado no seu, com muito custo disse:

–         Vamos Gabrielle, já devem estar procurando pela gente.

Antes de sair Xena colocou uma pequena folha de pergaminho dobrada embaixo do travesseiro da barda, sem que ela visse.

Quando saíram da ala dos corredores dos aposentos, encontraram com Orion e Eurípedes.

–         O recinto já foi plenamente restaurado para a sua exímia estada._ disse Eurípedes.

Xena olhou pra Gabrielle.

–         Ele quis dizer que já está tudo pronto para recebê-la. Já podemos ir para a sala._ explicou Orion.

Xena tornou a olhar pra Gabrielle, com um jeito tão maroto que a barda prendeu o riso apertando os lábios.

Depois de ser amplamente argüida, a guerreira já estava se sentindo mais exausta do que se estivesse lutando numa cansativa batalha. Gabrielle já havia percebido, mas não tinha coragem pra interferir e pedir pra terminar, porque sabia que assim sua guerreira teria que ir embora e cada instante ao lado dela era valioso para ela. E a barda sabia que também com Xena ocorria o mesmo.

Um dos mestres de Gabrielle pôs fim na entrevista, agradecendo muito comovido pela gentileza dela de ter atendido e de ter ficado aquele tempo todo à disposição dos alunos. Xena olhou pra Gabrielle, só ela sabia qual era a verdadeira razão.

Gabrielle a acompanhou até o portão.

–         Você vem amanhã?

–         E eu vou perder a chance de te namorar barda?

–         Depois do almoço estarei te esperando no jardim.

–         Estarei lá. Ah, antes de dormir, olhe embaixo do seu travesseiro.

Gabrielle arregalou os olhos, surpresa. Xena riu e disse ao passar pelo portão:

–         Já sei que não vai esperar até lá, barda curiosa.

–         Sonhe comigo amor.

Gabrielle disse num tom de voz tão suave, que Xena respondeu numa voz bem rouca:

–         Sonho sempre.

Assim que o portão fechou, Gabrielle ao passar pelos colegas deu uma desculpa que precisava ir no reservado e foi direto pro quarto. Levantou o travesseiro e viu a pequena folha de pergaminho dobrada. Abriu-a ansiosa e leu:

                   G.

“Sobre a terra negra, dizem alguns,

a coisa mais bela.

É um grupo de cavalaria ou,

para outros, de infantaria;

Outros falam de navios, mas eu_ seja o que for

que qualquer ame”.

“Sobre a terra sei que andas,

a mais bela das musas.

É a luz que veio clarear o meu caminho,

é quem mais clamo;

Outros poetas falam de flores, mas eu_ só sei dizer

que é você

quem eu amo”.

                   X.

Gabrielle beijou o pergaminho, tornou a ler e chorou de felicidade. Disse baixinho:

–         Eu te amo, Xena. Te amo mais que tudo na vida.

No dia seguinte, Gabrielle praticamente não almoçou, comeu o suficiente e correu para o jardim. Chegando lá viu a guerreira encostada na pequena árvore a esperando com um botão de rosa vermelha na mão. Gabrielle correu para os braços dela e então se beijaram.

–         Oh, Xena… Que coisa linda esse poema que você me deu, de quem é?_ disse tirando de dentro do bolso o casaco o pequeno pergaminho.

Xena pega o pergaminho e apontando o poema diz:

–         Estes primeiros versos são da poeta de Lesbos.

–         Sapho?

–         Ela mesma, a décima musa. E este outro poema… Bem, eu quis completar o poema de Sapho que fora rasgado lá na praça central de Atenas.

–         Foi você quem fez?_ perguntou no mesmo tom de voz suave da anterior.

–         Gabrielle, eu tentei confessar nesses versos o meu amor por você.

–         E você conseguiu, Xena. Foi o presente mais lindo que já recebi.

–         Aqui está a complementação do poema que eu não pude te entregar ontem._ mostrou o botão de rosa vermelha e ao entregar disse: Esse botão é você, minha menina. E a cor vermelha é a paixão que você me provoca. Eu te amo, Gabrielle.

Gabrielle pegou o botão de rosa e sorriu e chorou ao mesmo tempo, abraçando Xena a seguir.

–         Eu não gosto quando você chora, minha barda. Não gosto de vê-la triste.

–         Mas eu não estou triste, Xena, eu estou feliz. Choro de felicidade.

–         Gabrielle…_ disse Xena num tom de voz cheia de paixão.

A guerreira a puxou para mais perto de si, ficaram por uns instantes se olhando, se namorando somente com os olhos, algo totalmente inédito para Xena. Depois a abraçou, envolvendo-a toda em seus braços. Gabrielle encostou o rosto bem no meio daqueles peitos rijos, daquela pele bronzeada que tanto a seduzia e daqueles longos cabelos negros que enfeitavam os belos ombros largos. Mas o cheiro único da sua guerreira e daquele couro que ela tanto gostava a estava inebriando. Não resistiu e beijou aquele colo. Xena fechou os olhos de prazer, sentiu as mãos da barda deslizarem timidamente rodeando sua cintura, depois subirem pelas costas até os ombros, abraçando-a assim por trás, enquanto o rosto dela continuava mergulhado no seu colo.

Xena sentia vontade de fazer coisas com ela, mas a barda era inexperiente e ela não queria assustá-la e também tinha consciência que não devia. Freou o desejo de acariciar aqueles seios arfantes que sentia encostados no seu corpo. Beijou o pescoço da barda com muito cuidado para não se exceder e excitá-la. Até as suas mãos manteve-as longe das partes do corpo da barda em que queria tocar.

Gabrielle levantou a cabeça e beijou a ponta do queixo de Xena, que não resistindo procurou seus lábios. Até nos beijos, Xena tinha que manter o controle, mesmo com Gabrielle deixando-a fazer tudo que quisesse, beijando-a daquela maneira tão carinhosa e provocante, tão excitante. Era quase exasperante ter que parar quando o desejo crescia.

Toca o sino.

–         Vamos ter que nos separar agora, barda._ disse Xena se sentindo salva.

–         Vamos ficar mais um pouquinho._ disse Gabrielle a abraçando pela cintura.

–         Você vai perder o lanche.

–         Não me importa. Eu quero ficar o mais tempo possível com você. Xena a gente só vai se ver agora no dia da formatura.

–         Gabrielle pode ser perigoso ficarmos aqui, pode vir alguém atrás de você.

–         Não vira ninguém me procurar. Eu avisei que queria ficar sozinha pra terminar uma trova, que na verdade já terminei.

–         Mesmo assim eu vou ficar atenta._ disse Xena olhando para a porta que dava para o jardim.

Gabrielle tira as mãos da cintura da guerreira e diz colocando a mão direita no ventre da amada:

–         Xena, eu não disse nada ontem, mas estou te achando tão magra… Você esteve doente, amor?

–         Não. Emagreci de tanto sentir a sua falta, coração._ ela não podia contar toda a verdade, somente uma parte.

–         Veja só que namorada você arranjou: enquanto você emagrece, eu engordo.

Xena ri e diz brincalhona:

–         Ah, então a comida me substitui! Mas que maneira de demonstrar que ama alguém! Barda, você sente vontade de me comer?

Gabrielle corou repentinamente, mas disse:

–         A comida substitui só um pouco o prazer que sinto quando estou com você.

Desta vez foi Xena que sentiu não um rubor, mas a pele arder de desejo de tirá-la dali e lhe dar todo o prazer que só ela pode dar. Algo bate as suas coxas, apalpou e perguntou:

–         O que é isso aqui?

Gabrielle mete a mão no bolso do casaco e tira as duas maçãs, dizendo:

–         A sua maçã e a de Argo. Diz pra ela que estou sentindo muito a falta dela.

Xena tirou o pacote de trás da árvore e o entrega a Gabrielle que diz:

–         Ah, o meu doce! Você nunca esquece.

–         Nunca.

–         Vou deixar pra comer depois.

–         Gabrielle, você não acha perigoso levar esse doce lá pra dentro? E se pegarem você comendo e perguntarem onde conseguiu?

–         Você tem razão. Mas é que quando estou aqui com você nada me interessa a não ser ficar com você, te namorar, te beijar.

–         Não seja por isso, podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo._ disse a guerreira colocando o doce na boca da barda que, quando começou a comer, foi beijada pela guerreira que lhe tomou uma parte do doce da sua boca.

Para Gabrielle aquela forma de beijo a surpreendeu e a encantou, fez o mesmo com a guerreira.

Ao perceber um pouco de creme nos cantos dos lábios da barda, Xena encosta a boca nos lábios dela e com extrema carícia foi recolhendo com a língua. Ao perceber que Gabrielle abrira a boca excitada, beijou-a ardentemente. Xena quase perdeu a noção de onde estava e, novamente, a voz de Soraya ecoou na sua cabeça “Ela precisa permanecer casta. Você freie seus instintos ou então poderá perdê-la para sempre”. A guerreira ofegou e com muito custou se desvencilhou de Gabrielle.

–         Ai, Xena… Você é fogo guerreira, não sei nem se eu vou conseguir lhe satisfazer._ disse a barda completamente tonta.

–         Ah, vai sim, barda. Porque você é tudo que eu quero, que eu preciso, que eu amo._ disse Xena a segurando pelos braços.

–         Mas você é tão grande e eu sou tão pequena._ disse isso de olhos baixos.

Xena com a mão direita levanta o queixo da barda e olhando-a nos olhos diz:

–         Você é do tamanho exato pra mim, como eu gosto.

–         Xena, como você pôde se interessar por mim, nem experiência eu tenho, nem sei com fazer… Tenho medo de decepcioná-la._ tornou a baixar os olhos, envergonhada.

Xena amou o que acabara de ouvir, novamente segurando o queixo da barda, disse:

–         Eu ensino. Mas sei que não vou precisar, basta ser você mesma e agir por instinto. E sendo você a minha barda que tanto amo, eu sei que nunca irá me decepcionar.

–         Você me ama de verdade?

–         Amo.

–         Você realmente me quer?

–         Quero. Eu a desejo como nunca desejei alguém.

–         Vai mesmo esperar por mim?

–         Vou.

–         Não vai se envolver com mais ninguém?

–         Não.

–         Nem Atma, nem Odessa…

–         Não, não._ interrompeu Xena.

–         Nem…_ a barda não conseguiu completar o que ia dizer, porque a guerreira calou a sua boca com um apaixonado beijo.

O sino toca de novo.

–         Agora você vai ter que ir e eu também, barda. Mas antes quero saber se você teve algum pesadelo ou sentiu algo estranho.

–         Não nunca mais tive pesadelo e também não tenho sentindo nada estranho a não ser a falta que sinto de você. Mas amor, antes que você vá, quero agradecer por você ter me dado crédito por ter contado lá na Academia os dois auxílios que eu lhe dei.

–         Eu só falei a verdade, você realmente foi de grande ajuda na fazenda do meu amigo Greg e salvou a minha vida na casa da Aglaia. Ainda bem que no momento eu olhei para você e falei que era uma hospedaria, imagine se eu dissesse que era um bordel.

As duas riem. Gabrielle então pergunta:

–         Xena da última vez que nos vimos, antes de ir para Amphipolis você se encontrou com Ares?

–         Por que a pergunta?

–         Você esteve com ele, não foi?_ insiste Gabrielle.

–         Estive. Mas como você soube?

–         Eu senti. Mas o quê foi que ele falou?

–         O mesmo de sempre. Aquele lá não desiste. Mas o quê você sentiu?

–         Não sei dizer. Só sei que senti que era alguma coisa com você e ele. Fiquei super apreensiva. Fiquei pensando em você o tempo todo, pedindo para que resistisse aos avanços dele.

–         Me protegendo._ não fora uma pergunta o que a guerreira dissera e sim uma constatação.

–         Se eu pudesse sim. O que eu posso fazer é pensar forte com a mente e o coração.

–         Ares não me influencia mais, Gabrielle. Ele faz parte do meu passado obscuro, que definitivamente não faz mais parte da minha vida. Desde o momento em que te conheci que só há você na minha vida._ disse passando a palma da mão na face da amada.

–         Xena, eu não suportaria vê-la na escuridão. Se for pra isso acontecer, eu quero morrer antes.

–         Não diga isso Gabrielle, não diga isso. Se você morrer, eu morro também.

–         Xena me prometa que, mesmo que alguma coisa me aconteça, você jamais voltará a ser a Destruidora de Nações, promete?_ pediu a barda bem séria.

–         Gaby, eu já prometi. Tá bem, eu prometo que nunca mais volto pra escuridão.

–         Promete que não vai me esquecer?

–         De novo! Tá bem, eu prometo que não vou esquecer nunca de você, pois como posso esquecer a minha luz.

–         Sei que o que vou dizer agora pode parecer egoísmo, pode até ser, mas eu não quero que você seja de mais ninguém. Se eu pudesse faria amor com você agora só pra você não sentir vontade de fazer com outra pessoa.

–         Eu só quero fazer amor e sexo com você, minha barda. Mas não faria agora, assim de qualquer maneira. Eu sei esperar, não quero que você se preocupe, coração.

–         Mas o que eu posso fazer se eu morro de ciúmes de você!_ desabafou Gabrielle.

–         Tem ciúmes de mim, é?_ perguntou a guerreira se sentindo feliz com a revelação.

–         Tenho.

–         Não como eu tenho de você, minha barda.

De repente escutaram vozes se aproximando.

–         São os seus colegas procurando por você._ disse Xena.

–         Xena…_ ia dizer alguma coisa a barda, mas a guerreira a calou com um ardente e rápido beijo.

E antes de pular e já em cima do muro, diz:

–         Estarei aqui pra festa da sua formatura. Venho te buscar de vez. Te amo barda.

–         Eu te amo Xena.

Xena, montada em Argo a caminho do porto, ainda sentia na boca o gosto dos beijos de Gabrielle. Essa seria a última vez que voltaria sozinha, isso a alegrou um pouco.

Xena se entregou ao trabalho para não cair em desespero. As suas noites em Amphipolis estavam sendo de puros momentos de recordações, de espera, de angústia e de excitação. Sonhava com o momento de ter a barda, fazia mil planos para esse tão ansiado dia… Mas, também, temia pelo o que iria acontecer com Gabrielle. Afrodite sumira e o pior, Ares também. A guerreira se sentia inútil, impossibilitada de agir, só restava mesmo esperar.

Finalmente, o dia da formatura estava próximo. Xena foi até Poteidaia para levar a família de Gabrielle para a festa. Porém, dias antes ela fora até um local na floresta perto da cidade de Pilates, que ficava entre Amphipolis e Poteidaia. Se aproximou de uma velha árvore infrutífera e subindo ao alto dela, retirou um despercebido tampo no tronco da árvore e pegou dentro dele um saco de couro cheio de dinares que ela havia escondido quando ainda era a Destruidora.

–         Este é o último. Vou usá-lo, não em meu benefício, mas para ajudar quem precisa._ disse a guerreira ao esconder o saco de couro na sela de Argo.

Em Poteidaia, depois de ter falado para Hecuba e Lila sobre a felicidade que iriam proporcionar a Gabrielle ao irem para a formatura, contudo percebeu que as duas, depois da euforia do convite, se esmoreceram.

–         O que é que está havendo?_ perguntou Xena.

–         Xena, a gente adoraria ir para a formatura de Gabrielle, mas é que…_ hesitou um pouco Lila antes de concluir: Nós não temos roupas para tamanho acontecimento.

–         Olha Lila, eu vou assim do jeito que estou._ disse Xena.

–         Mas você é uma guerreira, Xena. Esse é o seu uniforme. Enquanto nós… Bem, nós somos camponeses e usamos roupas de camponesas. Lá é Atenas, a principal e mais moderna cidade de toda Grécia, nós iríamos passar vergonha nessa festa.

–         É por isso que eu vim cedo, vamos fazer umas compras antes de irmos para a Academia. Se partirmos amanhã chegaremos um ou dois dias antes em Atenas e vocês terão tempo para escolherem as roupas.

–         Nós não temos condição financeira para uma despesa dessa, Xena._ disse Hecuba acanhada.

–         Mas Gabrielle tem._ disse Xena.

Mãe e filha entreolharam-se sem entender o que a guerreira dissera. Xena tira da sela de Argo o saco de dinares e o mostra, dizendo:

–         Aqui dentro deste saco estão os dinares que Gabrielle economizou durante estes três anos em que ela foi minha ajudante. Tenho certeza que ela ficará feliz ao vê-las bem vestidas na festa dela.

E assim Xena conseguiu convencer as duas mulheres. E ao perceber que Herodotus que estava parado na porta e a tudo escutara, Xena se aproxima e diz para ele:

–         Eu sei que não gostas de mim. Mas é por Gabrielle, sua filha, que lhe peço: A sua presença é muito importante para Gabrielle. Esse é o maior momento da vida dela e a família dela tem que fazer parte disso. Gabrielle merece essa felicidade pelos três anos de sacrifício que passou para transformar o sonho em realidade. Pense como ela ficará feliz ao vê-lo lá.

Xena procurou pela pousada na qual ela já havia se hospedado, mas esta já havia fechado. Resolveu então acampar ali por perto. Quando foi pegar Argo que estava no celeiro da família de Gabrielle, é interpelada por Lila que, praticamente, a obriga a dormir na casa dela, no quarto dela e na cama de gabrielle.

A guerreira adorou deitar naquela cama e naquele travesseiro que abrigara por muitas noites a cabeça sonhadora da sua barda. Aspirou e conseguiu sentir o cheiro dos cabelos de sua amada. Pensou que só uma dúzia de dias a separava de vê-la de novo e que dali por diante não a deixaria nunca mais.

Na manhã seguinte, Xena ficou surpresa e feliz por ver que Herodotus resolveu ir também. Enquanto Xena ia montada em Argo, os três foram de charrete, que deixaram num celeiro do porto ao pegar o barco para Atenas.

Depois de quase dez dias de viagem chegaram no porto de Atenas. Xena alugou uma charrete para os três, que os levou até o centro da cidade e lá, antes de percorrer o mercado, foram até uma hospedaria onde alugaram os quartos e Xena aproveitou pra deixar Argo no celeiro de lá.

No final do dia, a guerreira estava tão cansada como se estivesse numa das muitas batalhas da qual participou. Mas estava feliz por ter conseguido e comprado as roupas para a família de Gabrielle, como também, por ter achado o traje de guerreira igual ao que Gabrielle havia comprado e que gostava tanto. Comprou logo o estoque que tinha, dois conjuntos iguais. Só assim a barda ficaria despreocupada em não gastar a única roupa de guerreira que possuía.

No dia seguinte saíram bem cedo e antes do anoitecer e se hospedaram numa pousada. E, na manhã seguinte, seguiram até a Academia, chegando como o combinado.

Os portões se abriram e os parentes e os convidados dos formandos foram conduzidos até o imenso pátio que fora todo enfeitado e enfileirado por bancos ladeando um extenso tapete vermelho por onde os formandos iriam passar. Xena e a família de Gabrielle conseguiram lugares na quarta fileira. A guerreira se sentou na extremidade do banco perto do tapete vermelho, ela queria que a barda a visse e também a sua família.

Instante depois começa a cerimônia e Xena avista Gabrielle logo à frente, a menorzinha do grupo, a guerreira riu. Gabrielle a procurava com os olhos impacientemente até que a viu e sorriu de alegria. Ao passar ao lado de Xena é que Gabrielle percebeu, quando ela lhe mostrou Lila e seus pais. O sorriso que se estampou no rosto da barda, impressionou a guerreira. Todos os formandos usavam togas brancas, presas na cintura por cordões dourados e calçavam sandálias também douradas. Todos ostentavam na cabeça uma coroa de folhas de louro-cereja e com suas flores minutas, alvas e racemosas. A barda estava linda, luminosa. Lá em cima do palco, olhando para Xena, ela deu aquele sorriso de franzir o nariz que tanto a guerreira gostava.

Depois de toda a formalidade cansativa da cerimônia, era chegado o momento da oratória dos alunos. Ao chegar a vez de Gabrielle, após declamar um lindo poema de sua própria autoria e de ter agradecido aos mestres e colegas, diz:

–         Para finalizar, eu tenho em especial três agradecimentos a fazer: À minha mãe e à minha irmã Lila que quando souberam da minha intenção de vir pra Academia, me deram todo o apóio que precisava; Ao meu pai por ter vindo e por ter me dado essa alegria; E, em especial, a uma pessoa que, sem ela, sem sua ajuda, apóio e dedicação, eu não teria conseguido, não estaria aqui neste momento, à minha amiga Xena.

Enquanto os aplausos soavam, os olhares de Xena e Gabrielle se acariciaram.

Finda a cerimônia, os alunos conduzem seus convidados para o salão do refeitório para o banquete de despedida.

Gabrielle após ter abraçado sua mãe, sua irmã e o seu pai, se aproxima de Xena e antes de abraçá-la diz:

–         Eu não teria conseguido sem você, guerreira.

As duas se abraçam e Gabrielle diz baixinho:

–         Eu te amo, Xena.

–         Eu te amo, Gabrielle._ disse a guerreira ao seu ouvido.

–         Eu não sei o que faria sem você. Você é a melhor coisa que me aconteceu.

–         Não Gaby, você é que é a melhor coisa que me aconteceu. Você está linda, barda.

–         Você também, amor.

Durante o banquete, o mestre de Gabrielle dirigiu a ela eloqüentes elogios e a convidou para trabalhar na Academia como mestre. Hecuba e Lila arregalaram os olhos, enquanto Herodotus parecia completamente surpreso. Só Xena que pareceu preocupada com o convite. Contudo ficou aliviada ao ouvir a barda recusar.

–         Pensou que eu fosse aceitar o convite?_ disse Gabrielle falando só pra Xena.

–         Você gostaria de trabalhar aqui?_ respondeu Xena com uma outra pergunta.

–         Seria uma honra, se eu não a tivesse conhecido.

–         Então é por minha causa que você não…

Gabrielle a interrompe dizendo:

–         É só por um motivo, que eu não conseguiria viver longe de você, amor.

Xena ficou sem o que falar, aquela garota sempre a surpreendia.

Enquanto Gabrielle se despedia dos seus colegas, Hecuba se aproxima de Xena e diz;

–         Xena obrigada por tudo que você fez para que Gabrielle tenha conseguido se formar. Sei que se não fosse por você, ela jamais conseguiria. Obrigada, minha filha, você sempre será bem vinda lá em casa.

Xena ficou comovida e beijou as mãos de Hecuba em resposta. Depois, ainda meio sem jeito, se afastou. Passou por Gabrielle e fez um sinal com a cabeça que queria falar com ela. Foram até o jardim.

–         Xena, o que foi?

–         Gabrielle, não sei se teremos chance de conversarmos a sós, o que eu quero lhe dizer é que, quando chegarmos a Poteidaia, você avisa aos seus pais que precisa pagar uma promessa que você havia feito a Afrodite se conseguisse se formar. E que eu a levaria lá.

–         Vamos para o antigo templo de Afrodite?_ perguntou animada.

–         Vamos.

–         Eu estava tentando arranjar uma desculpa para quando chegasse em Poteidaia. Mas essa que você arranjou é convincente e não chega a ser uma mentira. Você acha mesmo que Afrodite vai nos casar?

–         Gabrielle, você é a protegida dela, se você pedir ela vai atender.

–         Xena eu vou sentir falta desse lugar, dos nossos encontros e dos beijos que trocamos aqui._ disse Gabrielle olhando ao redor.

–         Eu também levarei todas essas recordações, mas nós duas vamos estar juntas e isso é o que importa.

–         Então me dá um beijo para selar esse compromisso.

E Xena a abraçou e a beijou com todo amor.

–         Xena, eu agora vou até o meu quarto pra trocar de roupa._ disse Gabrielle meio ofegante.

–         Eu te acompanho até o corredor e a espero lá._ disse Xena sabendo que era realmente o que devia fazer.

Quando Gabrielle apareceu vestida naquela roupa vermelha de guerreira que ela amava tanto, Xena percebeu que Herodotus fizera cara feia, desaprovando.

–         Que roupa é essa?

–         É a minha roupa de guerreira, pai.

–         Ainda continua insistindo com essa bobagem?

–         Não é bobagem, pai. Eu sou uma guerreira.

–         Então pra quê se formou?

–         Porque eu também sou uma barda, pai.

–         Não te entendo.

–         Não precisa me entender, pai. Só quero que o senhor me aceite.

–         Podemos ir? Vocês querem conhecer o templo de Zeus, que fica bem próximo daqui ou querem ir para a hospedaria?_ interrompeu Xena apreensiva com a conversa de Gabrielle com o pai.

–         Eu não sei quanto a vocês, mas eu estou muito cansada, quero ir para a hospedaria._ disse Hecuba.

Todos concordaram em ir para a hospedaria. Xena havia alugado dois quartos, um para os pais da barda e o outro para ela, Gabrielle e Lila. Quando Gabrielle entrou no quarto percebeu que as coisas de Xena estavam num canto no chão. Havia só duas camas. Uma estava com os pertences de Lila e a outra com um volumoso embrulho em cima. Virou pra Xena e esta lhe diz:

–         É o meu presente pra você.

Curiosa a barda sentou na cama e desembrulhou depressa. Ao perceber que se tratavam de dois pares completos do mesmo traje de guerreira que estava usando, diz mista de surpresa e emoção:

–         Xena como você conseguiu? Pelos deuses, você deve ter gastado uma fortuna! Eu te conheço, você não pechincha… Dois trajes, amor?

–         É para que você não precisa agora ter todo esse cuidado que você tem com o seu traje.

Gabrielle guarda com todo cuidado e quando se levantou para dar um beijo em Xena, Lila entra.

–         A mãe disse para quando formos jantar pra bater na porta do quarto deles._ avisou Lila se sentando na cama com os pertences dela e ajeitando o vestido, diz: Gabrielle, eu ainda não te agradeci pela roupa e os sapatos. Eu não sabia que se ganhava tão bem como guerreira.

–         Ahn?_ balbuciou Gabrielle ao ser abraçada e beijada pela irmã.

–         Gabrielle, a Lila está se referindo “àqueles” dinares que você mandou que eu levasse para que a sua família comprasse as roupas para a sua formatura. Era a sua parte dos trabalhos que fizemos ajudando as pessoas contra os malfeitores, “lembra”?_ disse Xena a olhando significativamente.

O olhar de Gabrielle para Xena foi mais do que de gratidão foi de puro amor. E com um sorriso que demonstrava tudo isso, disse:

–         Claro que me lembro. Mas, na verdade, o mérito todo foi seu. Eu, apenas, humildemente tentei te ajudar.

–         Não acredite no que ela disse, Lila. Gabrielle é muito modesta. Você precisa ver como ela usa o cajado.

–         Gabrielle, você conseguiu o que queria: se tornar uma barda e uma guerreira. Eu estou orgulhosa de você!_ disse Lila tornando a abraçar Gabrielle.

Quando estavam todos juntos jantando na taberna da hospedaria, Gabrielle comenta com Xena:

–         Eurípedes e Orion foram convidados para serem mestres e eles aceitaram.

–         Você também devia ter aceitado._ disse Herodotus.

–         Pai, eu não quero só narrar histórias, eu quero vivê-las. Talvez um dia, quem sabe, eu venha dar aulas em Poteidaia, em Amphipolis…_ olhou para Xena com carinho e significativamente.

–         Não vamos mais falar nisso._ interrompeu Hecuba e se virando para Xena pergunta: Xena, quanto tempo levaremos para chegar no porto de Poteidaia?

–         Esse barco que vamos viajar amanhã de manhã é o mais veloz, devemos chegar em seis ou sete dias. Talvez até em cinco dias, isso vai depender do vento e das condições do mar.

De repente, Xena lembrou das palavras de Afrodite, olhou pra Gabrielle que estava sorridente, conversando com Lila e sentiu um aperto no coração. Não, não poderia perdê-la, não agora que ela ia ser sua. Como não conseguia comer, pegou duas maçãs e antes de se levantar avisou:

–         Vou ver Argo

Quando estava alimentando a égua, perdida em seus pensamentos, é surpreendida por dois pequenos braços que a abraçam por trás pela cintura.

–         Xena, dentro de poucos dias estaremos casadas. Eu serei sua esposa e você será minha esposa também, como tenho sonhado com isso. Parece mesmo um sonho isso que vai acontecer com a gente._ disse Gabrielle com o rosto encostado nas costas da guerreira.

–         Por falar em sonho…_ Xena se desprendeu dos braços da barda e a abraçando de frente conclui: E os pesadelos, continuaram?

–         Oh, não, nunca mais. Acho até que tive aqueles pesadelos foi porque eu vivia embaixo de tensão, apaixonada por você, com ciúme e medo que você arranjasse outra pessoa. Sofri tanto.

Xena não se conteve e sorriu do jeito engraçado da barda falar.

–         Tá rindo de quê, guerreira, por ter me deixado desesperada?

–         Não. É por eu nunca ter notado isso, sou uma tonta!_ disse revirando os olhos brincando.

Gabrielle passou os dedos, com a palma da mão aberta, da franja até o queixo de Xena, num gesto carinhoso e brincalhão. Quando Xena fez menção que ia beijá-la, escutaram a voz de Lila chamando por Gabrielle.

–         Vai lá, Gaby._ disse Xena dando um rápido beijo nos lábios dela.

–         Não demora, vou ficar esperando por você na cabine._ disse a barda e antes de se afastar fez um carinho em Argo.

Assim que Gabrielle saiu, Xena sentiu “o cheiro”. Puxou a espada, mas de repente o odor sumiu. Isso a preocupou. Era evidente que Ares estivera ali, senão se fez presente foi pelo motivo que ela sabia, Atena estava atrás dele. Mas a briga desses dois deuses ali no barco, no mar… Esse pensamento a assustou. Tomou uma decisão, não iria desgrudar um só instante de Gabrielle, não com Ares por perto. E saiu quase correndo do porão.

Quando Xena entrou no quarto, viu uma cena bastante pitoresca. Gabrielle empurrava e Lila puxava uma das pesadas camas, elas estavam tentando colocar uma cama encostada na outra.

–         O que vocês estão fazendo?_ perguntou a guerreira com as duas mãos na cintura e prendendo os lábios pra não ri.

–         Que bom que você chegou Xena, ajuda a gente aqui._ disse Gabrielle e conclui: É que estamos querendo unir as duas camas.

–         Pra quê?_ perguntou a guerreira como se não soubesse.

–         Ora, pra gente dormir!_ disse a barda olhando para ela com um certo brilho no olhar.

Xena entendeu perfeitamente. E num instante colocou as duas camas unidas, sob os olhares de admiração das duas. Depois começou a se despir tirando a armadura e o traje de guerreira ficando apenas com o traje debaixo. Gabrielle percebeu que Lila olhava de soslaio para Xena, parecia bastante curiosa, perguntou para ela:

–         Lila, me conta como foi a viagem de vocês de Poteidaia para Atenas. Vocês enjoaram?

–         Quanto a enjoar, ninguém enjoou na viagem, o mar estava calmo, não choveu… Mas foi um aperto durante toda a viagem.

–         Por quê?_ perguntou Gabrielle curiosa.

–         É que só tinha um barco pra Atenas e só uma cabine disponível. Foi um aperto. O pai e a mãe ficaram nas camas e eu fiquei numa rede que Xena arranjou.

–         E Xena?

–         Coitada. Foi dormir onde o cavalo dela ficou.

Xena que estava atenta à conversa das duas viu quando Gabrielle a olhou com tanta ternura que ela foi obrigada a desviar o olhar e começou a descalçar as botas.

Gabrielle ao acabar de arrumar a cama, se deita no meio e diz:

–         Lila deita aqui a minha direita e Xena deita aqui a minha esquerda. É porque Xena prefere ficar do lado perto da porta, coisa de guerreira.

–         Acho que eu nunca vou te entender Gabrielle, principalmente agora que virou guerreira. Vocês têm cada mania!

Xena deitou ao lado da barda, depois que Lila se deitou. Ela preferia ter vestido a camisa branca que ela costumava dormir, mas achou mais prudente ficar com o traje porque assim se vestiria mais depressa em caso de alguma emergência. Olhou para Gabrielle e Lila, elas estavam com aquelas roupas de dormir medonhas.

–         Boa noite, meninas._ disse a guerreira se virando de costas para elas.

Já havia passado um longo momento em que estava ali deitada querendo dormir, mas Xena não quis virar de frente para Gabrielle, pois sabia que ela estava acordada, não escutara a respiração dela em suas costas. Sentiu uma curiosidade de saber o que ela estava fazendo, estava pensando se olhava ou não, quando sentiu uma pequena mão na sua cintura e ao mesmo tempo em que recebeu um beijo nas costas, bem perto da nuca. Sem mover o corpo Xena levanta a cabeça e se virando pra trás encontra o rosto de Gabrielle que estava um pouco debruçada e lhe diz ao ouvido:

–         Obrigada por tudo amor.

Xena se deita de frente e Gabrielle se debruça sobre ela beijando-a na boca. Ainda beijando Xena abre um olho e espia Lila que estava de costas e ressonava. Então enlaçou Gabrielle pela cintura e a beijou apaixonadamente.

–         Minha futura esposa. Estou contando os dias._ disse Gabrielle sussurrando com o rosto quase em cima ao de Xena.

Xena suspira e absorve apaixonadamente o que escutara e diz:

–         Eu também, mas agora vamos dormir, minha linda, antes que eu não te resista._ sussurrou Xena no ouvido da barda numa voz tão rouca que a fez se afastar sem reclamar.

No dia seguinte, Xena acordou todos bem cedo, fizeram o desjejum e embarcaram para Poteidaia. Novamente dividiram o mesmo quarto, só que agora era no barco e Xena preferiu dormir numa rede ao lado da cama de Gabrielle. Era o mais prudente e sensato que a guerreira poderia fazer para não correr risco de ser pega por Lila num colóquio amoroso com Gabrielle.

Dois dias se passaram, Xena estava escovando Argo quando sentiu “o cheiro”. Pegou o balde cheio d`água e mirou na direção do deus invisível.

–         Mas o que é isso, Xena… Não me diga que agora vai querer me dar banho?_ disse Ares se materializando.

–         Será possível que você não me deixa em paz!_ disse Xena colocando o balde no chão.

–         Que paz? Eu sou o Deus da Guerra!

–         Você é um fanfarrão, isso que você é._ disse Xena tentando manter a calma e escovando a crina de Argo.

–         Xena escuta bem o que vou lhe dizer: esta é a última vez que vim te procurar, da próxima vez que nos encontrarmos, será você que irá invocar a minha presença.

–         Eu acho que o mar não anda lhe fazendo bem, Ares.

–         Eu te fiz uma oferta e você não aceitou. Pois bem, eu quero ver até quando você vai me resistir. Não se esqueça que até ela, a sua amiguinha, eu te ofereci.

–         Você deve estar louco mesmo, Ares. Eu não precisei de você para conquistar o amor de Gabrielle.

–         Não se faça de boba, Xena. Você sabe muito bem do que estou falando.

–         Acho que não sei não, reanima a minha memória, vai._ disse colocando as mãos na cintura e empinando a cabeça para trás.

–         Eu, um deus, aceitei que você, uma mortal especial, ficasse com ela, aquela coisinha irritante, contanto que ficasse comigo.

–         Por que eu iria ficar com você, se já tenho ela?

–         Tem mesmo, Xena?_ disse Ares com deboche rodeando a guerreira.

–         O que você quer dizer com isso?_ perguntou segurando a frente do colete negro dele com raiva.

–         Sabe Xena, que nem tudo que parece às vezes é, ou será, tudo que parece às vezes não é._ disse com sarcasmo.

Xena largou o colete dele, teve vontade de dá um soco bem no meio daquele sorriso irônico e lembrando que tinha que se controlar para não mostrar que sabia o que ele fizera, disse:

–         A começar por você.

–         Xena, depois não vá dizer que eu não avisei. Basta apenas você dizer que sim, que aceita o acordo. Você fica com ela e eu fico com você. Aí nenhum de nós sai perdendo O que me diz?

–         Que você está ficando surdo e repetitivo. A minha resposta é não. Não quero nada com você, se manda Ares.

–         Eu te avisei. Mas logo, logo você vai me procurar e aí veremos._ esbravejou o deus antes de sumir.

Logo em seguida, chega Gabrielle desconfiada e preocupada.

–         Xena, tudo bem?

–         Agora sim.

–         Eu senti a presença dele.

–         Não posso esconder de você, Ares esteve aqui.

–         Eu sabia. Ele não desiste, não é?

–         É sim, estou pagando por pecados passados.

–         O que é que ele queria?

–         O de sempre, eu!

–         Ele terá que me matar primeiro.

–         Não diga isso, Gaby. O que seria de mim sem você?

Gabrielle passou a mão em torno do rosto de Xena que lhe pegou a mão e a beijou.

–         Xena, quando nós nos conhecemos você me disse que não tinha sonhos e agora, já consegue sonhar?

Xena ainda com a mão da barda entre as suas responde:

–         Sonho com você.

Gabrielle então beija as mãos de Xena que seguravam as suas.

–         Acho que seu pai vai me matar quando descobrir que seduzi você._ disse Xena olhando-a com intenção.

–         Acho que ele ficará indignado e irá me expulsar e me renegar quando ele souber que a filha dele seduziu uma certa guerreira.

–         Ah, então foi você quem me seduziu?

–         E não foi? O que é que eu fiz até agora senão te seduzir?

–         E eu que sempre me julguei esperta e, no entanto, passei esses anos em total cegueira, em não perceber que o meu amor era correspondido.

–         Que tempo a gente perdeu…

–         Sabe de uma coisa, estando ao seu lado, o meu tempo nunca foi perdido._ disse a guerreira acariciando o rosto da barda.

–         Mas teria sido bem melhor se a gente tivesse percebido os nossos sentimentos.

–         Você tem razão, barda. Mas foi bom isso ter acontecido, porque eu só me achei quando encontrei você.

Quando estavam se beijando, novamente a voz de Lila chamando por Gabrielle. Rapidamente a barda dá um beijo na amada e diz antes de sair correndo:

–         Deixa eu ir ver o que ela quer, se não ela não pára de gritar.

Xena achou graça e acabou se esquecendo do encontro com Ares.

Depois de mais cinco dias navegando, de olhares furtivos à noite no quarto, de rápidos beijos quando iam cuidar de Argo e, além disso, todas as noites após o jantar, a pedido da tribulação, Gabrielle contava histórias. Xena observou que Hecuba e Lila sentiam orgulho de Gabrielle. Só Herodotus que não demonstrava qualquer emoção, embora tenha ficado admirado com o convite que Gabrielle recebeu para dar aulas. Desde o primeiro momento que o vira, Xena percebeu que aquele homem seria um problema na sua relação com Gabrielle. Ela bem que tentara fazer amizade com ele ou, pelo menos, ganhar a sua simpatia, mas foi tudo em vão.

Finalmente, chegaram ao porto de Poteidaia. Enquanto Herodotus foi buscar a charrete, Xena fez um sinal com a cabeça para Gabrielle segui-la. Assim que a barda se aproxima, a guerreira diz:

–         Gaby, não vai dar tempo de irmos até a sua casa. A lua muda hoje e ainda teremos uma boa cavalgada até o templo.

–         Eu já falei com eles sobre a promessa.

–         Então vamos escoltá-los até a estrada e seguiremos em frente._ disse Xena conduzindo Argo até a charrete de Herodotus.

Enquanto Herodotus foi conduzindo a charrete, atrás dela iam sentadas as três mulheres da família dele. E Xena seguia ao lado montada em Argo. De vez em quando recuava um pouco e ao perceber que Hecuba e Lila estavam distraídas, piscava o olho e mandava beijos furtivos pra Gabrielle, que abaixava os olhos sorrindo do jeito que a guerreira adorava ou retribuía jogando beijinhos somente com os lábios. Num dado momento, Xena pegou uma florzinha amarela, beijou e deu para a barda sem nada dizer e sem que as outras duas mulheres vissem. Gabrielle cheirou a flor, passou-a pelo contorno do seu rosto, beijou-a e a colocou no meio dos seios. Xena se aproximou e inclinando para Gabrielle disse quase ao ouvido:

–         É exatamente aí que eu queria estar._ E erguendo-se abruptamente diz: Gabrielle prepare o seu cajado, temos problemas.

Depois se aproximou de Herodotus e disse:

–         Pare a charrete e não desça.

E antes que alguém perguntasse alguma coisa, detrás dos arbustos de cada lado da estrada saem quatro homens todos com espadas em riste.

Xena se ergue um pouco na sela, dizendo:

–         Muito bem, vocês só têm uma escolha: nos deixam passar em paz, ou, passamos assim mesmo, mas vocês ganharão alguns ossos quebrados.

Os oito homens começaram a rir e um se vangloriou dizendo que eram oito contra dois, já que as mulheres da charrete não contavam. Xena olhou pra Gabrielle e viu que ela ficara irritada com tal comentário. Isso era bom, Xena se sentiu mais tranqüila, ela já vira que quando a barda estava irritada lutava bem.

Sem desmontar, Xena partiu para cima dos dois bandidos que estavam próximos a ela. Com um fortíssimo chute no rosto de um e um golpe certeiro de espada no braço do outro, neutralizou os dois. Depois, com um salto mortal desferiu, ainda no ar, um outro chute no rosto de um outro que se aproximara. Foi até a charrete ajudar Gabrielle que lutava com o cajado com dois homens, neutralizou um, paralizando-o, com o golpe de compressão. Deixando a barda surrar o outro bandido. Mais um bandido veio em sua direção, ela suspendeu a espada obrigando o homem fazer o mesmo, então desferiu um chute no estômago dele, fazendo-o curvar e, rapidamente, ela aplicou novamente o golpe de compressão. Correu para ajudar Herodotus que estava usando o chicote para se defender dos dois bandidos que o estavam atacando. Num salto ficou do lado de Herodotus e lhe pediu o chicote dando-lhe a espada para proteção. Habilmente rodou o chicote por cima da cabeça e estalando-o pelos corpos dos dois bandidos, surrou-os até desmaiarem. Depois pegou a espada com Herodotus e se virando, deu tempo ainda de ver a barda dá duas bofetadas com a ponta do cajado no último bandido, que ao receber o último golpe com a ponta do cajado debaixo do queixo, lhe virando a cabeça para trás e o fazendo cair desmaiado.

–         Bom, muito bom. Mas mantenha a cabeça sempre em harmonia com o cajado e os braços._ disse Xena orgulhosa.

–         Eu só quero saber o que foi isso?_ perguntou Herodotus bastante enfezado.

–         Tentaram nos assaltar, pai._ disse Gabrielle.

–         Não foi isso que eu quis dizer. Eu estou indignado com você Gabrielle._ disse seriamente Herodotus.

–         Não estou te entendendo Herodotus?_ perguntou Hecuba.

–         Não? Então eu vou te explicar: como não bastasse Gabrielle ter se afastado de nós, ainda por cima se transformar numa guerreira! Prefiro que você morra a se transformar numa guerreira, numa perdida.

–         Herodotus!_ replicou Hecuba.

Herodotus se vira para Xena e a acusa:

–         É por sua causa que ela não se casou com Perdicas. Que é que você quer, arruinar a vida dela? Já não basta o mal irreparável que você fez a ela virando a cabeça dela, a mudando por completo. O que é que você quer mais, matá-la ou transformá-la na espécie de gente que é você?

–         Pai!_ gritou Gabrielle indignada, após várias tentativas de pedir para que ele parasse com as ofensas a Xena.

–         Herodotus você passou dos limites. Como você pode dizer uma coisa dessas depois do que houve aqui!_ disse Hecuba espantada.

–         Pai, se não fosse Xena e Gaby, teríamos sido assaltados ou coisa pior._ disse Lila ainda um pouco assustada.

Herodotus nada diz se sentando na charrete com os braços cruzados e de costas para elas.

Hecuba se aproxima de Xena e lhe segurando nos braços, diz:

–         Xena, eu quero agradecer por tudo que você tem feito, não só por Gabrielle, como também por nós. E agora a pouco por ter salvado as nossas vidas e de ter ensinado a Gabrielle a se defender tão bem, fiquei tão orgulhosa. Quem sabe se uma de vocês possa ensinar a Lila também. E perdoe meu marido, ele não sabe o que diz.

–         Obrigada, mãe._ disse Gabrielle colocando a mão em cima da mão da mãe que segurava o braço de Xena.

–         Não se preocupe, Hecuba. Não levei em conta o que ele disse._ disse a guerreira ainda sem jeito e conclui: Vamos indo?

–         E esses bandidos?_ perguntou Lila.

–         Quando eles acordarem vão sentir a conseqüência de mexerem com quem não deviam. Eu bem que avisei que eles iriam ganhar alguns ossos quebrados. Gabrielle e eu vamos escoltar vocês até o caminho para o vilarejo.

Após deixá-los no caminho de casa, as duas partem para o templo. Xena olha para o céu que já estava escurecendo.

–         Xena.

–         O que é Gabrielle?

–         Não seria melhor acamparmos e amanhã fôssemos para o templo?_ perguntou Gabrielle a abraçando mais forte.

–         Não. Temos que chegar hoje no templo._ disse Xena passando a mão no braço de Gabrielle e sentindo que ela estava gelada, pergunta: Está com frio?

–         Hum… hum…

Xena parou Argo, desmontou, mandou Gabrielle chegar pra frente e a abraçando diz:

–         E agora melhorou ou quer que eu pegue o casaco?

–         Não precisa, os seus braços me aquecem mais._ disse a barda se aconchegando no corpo quente da guerreira.

Xena a apertou, fechando os braços ao redor dela. Naquele momento lembrou que não sabia ao certo o que iria acontecer. Doía-lhe não poder contar para a barda que a estava levando para algo que nem ela própria sabia, mas tinha que ser feito. Era lá, o único lugar que poderia acontecer a cura. Mas mesmo assim, sentia que a estava levando para um sacrifício. Xena suspirou e beijou o pescoço de Gabrielle. E seguiram, a viagem, caladas.

De vez em quando, a guerreira aspirava o aroma dos cabelos e do pescoço da amada. Num determinado momento, não se contendo vira o rosto da barda e a beija calorosamente. Depois desceu para a nuca e beijou com a boca aberta, quase a chupando. Xena se sentia excitada com ela completamente abandonada em seus braços, sentindo o cheiro dos cabelos, do pescoço e dos ombros dela. E ainda vendo e sentindo aquelas coxas roliças encostadas nas suas. Suspirou alto.

Num determinado momento, ainda com a barda recostada em seu corpo, Xena percebeu que ela estava muito quieta, então encostou seus lábios no pescoço dela e sentiu que ela estava quente demais. Colocou a mão embaixo do pescoço dela e percebeu que ela estava febril, diz:

–         Gabrielle, você está com febre.

–         Eu não estou me sentindo bem, Xena._ disse num tom de voz cansada.

–         Já estamos quase chegando. Vou fazer um chá para abaixar essa febre.

Assim que chegaram, Xena teve que desmontar Gabrielle, pois a barda mal conseguia manter os olhos abertos. Com Gabrielle no colo e Argo a seguindo, Xena conseguiu com um pouco de dificuldade abrir o caminho da entrada do templo. Ao entrar percebeu que os candeeiros e as velas estavam acesos, o primeiro passo do plano de Afrodite. Colocou Gabrielle no segundo degrau do altar para que ela se debruçasse naquele pedestal, enquanto ela preparava os cobertores no chão próximo ao altar. Pegou Gabrielle no colo e a colocou deitada no cobertor e a cobriu até o pescoço. Depois acendeu uma pequena fogueira para poder fazer o chá. Enquanto a água esquentava, Xena colocava panos úmidos na testa de Gabrielle. Quando o chá ficou pronto, levantou um pouco Gabrielle, o suficiente para que bebesse o chá.

–         Beba Gabrielle._ disse praticamente forçando-a a beber.

Depois que conseguiu fazer a barda beber todo o chá, Xena deita ao lado dela.

–         Sinto muito Xena, por estragar a nossa noite._ diz Gabrielle quase sussurrando.

Uma guerreira comovida diz:

–         Gabrielle, você não estragou nada, você adoeceu, como poderia ter sido eu. Mas amanhã você não me escapa, barda.

–         Xena… me dá um beijo…

–         Quantos você quiser, minha barda._ disse Xena se inclinando e beijando aquela boca que tremia de febre.

Ao perceber que Gabrielle dormira, Xena a deitou no cobertor, cobriu-a com a manta e a beijou nos lábios. Depois foi desatrelar Argo. Enquanto arrumava as coisas num canto, não tirava os olhos da barda. Alimentou Argo e não preparou nada para comer, estava sem fome. Tirou a armadura e apetrechos e deitou ao lado de Gabrielle, ficou velando-a até que dormiu de cansaço, porém abraçada a ela.

O dia ainda nem bem havia surgido, quando Xena desperta com Gabrielle dormindo em seus braços. Instintivamente pôs a mão no pescoço dela e suspirou aliviada ao perceber que a febre cedera. Então a puxa mais para si e percebe algo estranho. Apalpou de novo por baixo da manta e sentiu a falta das curvas cheias da barda. Levantou a manta e quase não acreditou no que via. A jovem que dormia ao seu lado era Gabrielle, mas aquela Gabrielle que ela conhecera há quase três anos atrás. Sentou assustada, tirou a manta que ainda cobria da cintura aos pés de Gabrielle e constatou que era verdade, ali ao seu lado estava a garotinha de Poteidaia.

–         Gabrielle._ chamou a guerreira com um certo receio.

–         Calma, Xena. Ela não vai acordar, ela está encantada._ disse Afrodite se materializando sentada ao lado de Gabrielle.

–         Afrodite… O que está acontecendo?… Gabrielle ela…

–         Calma, guerreira. Como eu já te havia prevenido, você vai precisar ter muita calma.

–         Mas o que está acontecendo?_ quase gritou a guerreira.

–         Atena vai te explicar melhor.

Nisso, a outra deusa se materializa a sua frente. Xena se levanta e fica em frente a ela.

–         Xena, o feitiço começou. A cada mudança de lua ela terá uma encolha. A primeira encolha já aconteceu agora na lua minguante, fazendo ela regredir ao momento em que vocês se conheceram; A segunda encolha será na próxima lua, ela terá sete anos menos; a terceira e a quarta encolha também terá sete anos menos; Até quando chegar novamente na lua minguante, então, a cada noite ela regredira um mês de vida.

–         Explica melhor mana._ disse Afrodite ao ver a expressão atônita da guerreira.

–         Eu vou tentar explicar com mais clareza. Essa primeira encolha, ela voltou aos dezessete anos; A segunda ela terá dez anos; A terceira terá três anos; E a quarta ela terá sete meses. E, quando mudar novamente para a lua minguante, a cada dia ela regredirá um mês até o último dia da lua minguante onde o feitiço se completará e ela morrerá.

–         Não, isso não!_ gritou Xena.

–         Calma, Xena.

–         Calma? Você só sabe dizer isso, Afrodite?_ perguntou a guerreira num tom pesado de voz.

–         Xena é exatamente isso que você vai ter que ter daqui pra frente._ disse Afrodite se levantando após passar a mão na cabeça de Gabrielle.

–         Me digam o que é que eu tenho que fazer?_ perguntou Xena.

–         Primeiro se acalmar._ disse Atena e completa: Após falar com as Fases, eu tive uma conversa com Zeus e chegamos a conclusão que a cura está em você.

–         A cura está em mim?! Como assim?

–         Xena, você mesma vai ter que descobrir. Nós não podemos dizer, não é permitido, pois poderia acarretar em conseqüências desastrosas.

–         Mas então como eu vou saber qual é a cura? E por que tínhamos que vir para cá?

–         Porque aqui Atena, Artemis e eu unimos as nossas forças._ interrompeu Afrodite e explica: Esse templo fica bem no meio dos templos que cada uma de nós temos. Em forma de desenho os nossos templos fazem um triângulo, sendo que com esse bem ao centro. Entendeu? E essa forma é a mais perfeita, poderosa e mística de todas.

–         E por que vocês fariam isso por uma simples mortal?_ perguntou Xena desconfiada.

–         Porque Gabrielle está sob a minha proteção._ disse Afrodite.

–         Gabrielle também tem a minha proteção. Eu estava no templo quando ela me ofertou aquela maçã. Eu vi o coração dela. E, também quero ajudá-la porque ela foi atingida nos meus domínios. Ares violou as nossas leis._ disse Atena.

–         E Artemis, o que ela tem com isso?_ perguntou a guerreira sem entender.

A deusa se materializa em sua frente, dizendo:

–         Você não entenderia, Xena. São conseqüências de um passado marcado e de um futuro previsto, que nem nós deuses podemos e conseguimos controlar. É por causa disso que Gabrielle tem e sempre terá a minha proteção.

–         Vocês estão querendo que eu implore? Pois bem, eu imploro, me digam pelo menos o quê fazer?_ Xena estava deixando o seu orgulho de lado.

–         No momento nada. Só ficar ao lado dela._ respondeu Atena e avisa: A importância dela ficar aqui é que somente neste templo podemos mantê-la adormecida.

E a deusa explicou que se elas saíssem dali, Gabrielle acordaria e toda mudança das fazes que ela passaria seria com dor e desespero, pois ela não a reconheceria. Se ficasse em sua companhia, Gabrielle sofreria por estar em companhia de uma estranha. Levá-la para a sua família em Poteidaia seria o mesmo que desistir da sua cura, pois ela tinha que permanecer ao lado dela e os pais de Gabrielle com certeza não permitiriam. As duas tinham que ficar ali, nem Xena poderia transpassar a entrada do templo.

Xena pensou que fosse enlouquecer tentando entender o que aquelas deusas diziam. Perguntou:

–         E se eu invocasse a presença de Ares aqui?

–         Aqui ele não pode aparecer sem a nossa permissão._ respondeu Artemis.

–         Então em outro lugar._ disse Xena.

–         Você ainda não entendeu Xena, você não pode sair daqui._ disse Atena.

–         Eu preciso falar com Ares._ insistiu Xena.

–         Se você sair daqui, o encanto quebra e Gabrielle acorda. Aí então começa o sofrimento dela e o seu também. E, creia-me, será bem maior do que você está sentindo agora._ avisou Atena.

–         O que é que você quer falar com Ares?_ perguntou Afrodite.

–         Iria propor um acordo para salvar Gabrielle._ explicou Xena.

–         E o que te garante que Ares cumpriria o acordo? Meu irmão é conhecido por não cumprir com a sua palavra, se eu fosse você jamais confiaria nele._ disse Artemis.

–         E, além do mais, ele nada pode fazer agora._ disse Atena acenado com a cabeça para as irmãs.

–         Cuide dela, Xena. Vamos ver o que podemos fazer pela nossa criança. Agora temos que ir._ disse Afrodite.

E antes que Xena pudesse perguntar alguma coisa, as deusas, ao mesmo tempo, somem.

Xena ainda confusa com tudo o que havia escutado e que estava acontecendo, tenta se recompor. Vasculha com o olhar o templo e vê alguns bancos jogados num canto. Vai até lá, verifica o estado dos bancos um a um, depois os coloca lado a lado no centro do templo e começa a forrar com os cobertores que ela havia deixado ali antes de ir pra Poteidaia pegar a família de Gabrielle para a formatura. Levara também mais alguns utensílios como os candeeiros e jarros de óleos para abastecê-los. Depois de pronto, pega Gabrielle no colo e percebe com tristeza que quão tão leve ela estava. Também percebeu que aquela roupa vermelha de guerreira que a deixava tão sensual, agora estava larga nela. Com jeito, sentou a barda na cama improvisada e encostando a cabeça dela no seu ombro desatou os nós do top dela. Deitou-a com cuidado e viu os seios pequenos quase em botão. Com mais cuidado ainda, tirou o cinto, a saia e a calça de perna de guerreira, deixando-a somente com a calça debaixo. Tirou também as botas. E antes de cobri-la reparou nas coxas dela e deu um suspiro, a lembrança da imagem de como aquelas coxas haviam se tornado lhe doeu no peito. Improvisou um travesseiro enrolando um cobertor, deixando uma parte para ela também colocar a cabeça quando fosse se deitar ao lado dela. Depois se afastou indo até onde Argo estava. Alisou a crina da égua com carinho. Tirou de dentro da bolsa da sela algumas cenouras e deu a égua. Depois a levou onde havia um pequeno córrego de água, deixando-a saciar a sede. E voltou pro lado de Gabrielle. Tirou apenas a armadura e os adereços. Colocou a espada e o chakram ao lado de onde ia ficar. Deitou ao lado dela e estendeu o braço esquerdo por cima da cintura da barda e dormiu olhando para aquele rosto de menina que ela tanto amava.

Xena acordou sobressaltada e imediatamente pegou o chakram e a espada no mesmo instante que se sentara. A presença que sentira era de Afrodite sentada ao lado de Gabrielle.

–         Pobrezinha da minha menina… Eu gostaria de puder fazer mais por ela, mas não posso.

–         Se você gosta tanto dela como diz então a ajude, não a deixe morrer. Você é uma deusa, faça alguma coisa!_ disse Xena guardando as armas.

–         Estou fazendo Xena, estou fazendo. Mas eu vim saber como você está?

–         O que você acha?

–         Que você é a guerreira mais forte que conheço, mas você tem que se cuidar. Vejo que você trouxe as coisas que mandei trazer, mas o quê você vai comer?

Só então que Xena lembrou que só havia trazido cenouras e frutas. E que desde o desjejum no barco não comera nada e que só agora o seu estômago se manifestara.

–         Nós pensamos nisso. Como você não pode sair daqui pra caçar e pescar, Artemis já deu um jeito nisso. Olha!_ diz Afrodite apontando para o pequeno córrego.

Xena foi até lá e viu que o córrego estava cheio de peixes.

–         Basta pescar, Xena. E essa água que corre lá de cima você pode beber e tomar banho se quiser.

–         Já sei que não tem nada a dizer sobre Gabrielle._ disse a guerreira voltando para o lado da barda.

Quando Xena chega na cama improvisada, Afrodite já está lá sentada ao lado de Gabrielle, a deusa diz:

–         Eu bem que queria te trazer boas notícias, porém o que eu tenho pra dizer vai te aborrecer mais ainda.

–         Diga de uma vez._ a voz da guerreira soou triste.

–         Você vai ficar uns dias sem ter notícias nossas.

–         Por quê?

–         Porque precisamos encontrar Ares, só ele sabe exatamente qual é a cura.

–         Mas vocês não disseram que a cura está em mim?_ disse a guerreira já se alterando.

–         E está. Só não sabemos como.

–         Eu já disse que Ares está no mar.

–         Não está mais. Artemis e Atena já estiveram com o tio Poseidon e ele disse que Ares foi embora sem avisar, o que é bem a cara dele. Xena, você conhece algum lugar onde ele possa estar escondido?

–         Acho que não. Talvez nos templos dele.

–         Nos templos, não. Artemis está sempre por lá. Deve ter algum lugar onde ele pode se esconder com segurança.

–         Deve estar em algum buraco pra se esconder como um grande rato que ele é.

–         Xena se você se lembrar de algum lugar é só gritar por mim.

E antes que a deusa desaparecesse, Xena diz:

–         Afrodite… Obrigada.

–         Não me agradeça, eu ainda não fiz nada._ ao acabar de falar a deusa some.

Xena se sentou ao lado da barda, olhou-a com ternura, ajeitou a franja e as palavras de Afrodite lhe vieram à mente, repetiu uma a uma:

–         Ela não vai acordar, ela está encantada. Encantada!

Uma tênue esperança se acendeu na mente da guerreira que rapidamente se debruçou sobre a barda e a beijou nos lábios. Xena abriu os olhos e percebeu que Gabrielle nem se mexera, resolveu então beijar com mais sentimento… Mas nada. Não era feitiço que se quebrava com um beijo.

–         Sinto muito Gabrielle por ter envolvido você nisso. Sim, é por minha causa que você se encontra neste estado. Oh, minha barda, eu tinha tantos planos para nós duas. Não sei o que será de mim sem você.

Sete dias haviam se transcorridos. Quando chegou a segunda mudança de lua, ao despertar, Xena quase não acredita no que via. Ao seu lado não estava mais adormecida a jovem Gabrielle e sim, uma Gabrielle menina de cabelos curtos na altura dos ombros.

–         Gabrielle!…_ é somente o que consegue dizer.

Nesse instante Afrodite aparece.

–         Ela está com dez anos, Xena. Como ele é bonitinha!_ disse Afrodite acariciando o rosto de Gabrielle.

–         Que feitiço é esse Afrodite?_ perguntou a guerreira bastante confusa e desesperada.

–         Um dos mais cruéis. Seria o mais cruel se ela estivesse acordada. Ainda bem que conseguimos a tempo adormece-la, ou melhor, encantá-la.

–         Eu pensei que esse fosse um encanto que se quebrasse com um beijo.

–         Você andou lendo as histórias dos pergaminhos de Gabrielle? Esse feitiço é bem mais forte. E deve ser quebrado com algo também tão forte.

–         Com o quê?

–         Mesmo se eu soubesse não poderia lhe dizer. Você vai ter que descobrir sozinha.

Xena contava os dias com desespero. Havia tentado de tudo, confessava o seu amor no ouvido da barda, lhe beijava os lábios e chorava a cada tentativa frustrada. Sentia-se presa, confinada àquela caverna em forma de templo, sem poder agir. Amaldiçoava Ares pela dor que estava sentindo. E sentia raiva dela mesma por ter cruzado o caminho da barda.

Mais sete dias e sete noites haviam decorrido e a terceira mudança de lua ocorreu. Xena desperta, não ao lado daquela menina Gabrielle de dez anos. Ela arregala os olhos assustada ao ver que, quem estava ali dormindo, era um bebê de três anos, de cabelos curtos e bochechuda.

–         Como é ela gorduchinha!_ disse Afrodite se materializando.

–         Afrodite, por tudo que lhe é sagrado, salve Gabrielle!_ implorou Xena.

–         Sinto muito, não depende de mim, Xena.

–         Eu não agüento mais ficar aqui impossibilitada de agir. Que droga! Eu sou uma guerreira! Eu quero ir atrás daquele remendo de deus.

–         Xena, você sabe a conseqüência, se você fizer isso._ disse Afrodite alisando as bochechas de Gabrielle.

–         Afrodite na próxima lua ela terá sete meses e aí vai ocorrer… e eu não vou responder por mim._ disse Xena socando a própria mão.

–         Primeiro o que você tem que fazer é se acalmar e tirar essa calça dela._ disse Afrodite após levantar o pano que cobria Gabrielle.

Xena levantou o pano e tirou a calça que ela havia deixado na jovem Gabrielle, dizendo:

–         Nem mesmo um pano pra bebê eu tenho aqui.

–         Não seja por isso._ disse a deusa e num estalar de dedos o pequeno pano surgiu em sua mão, entrega a Xena dizendo: Isso é totalmente desnecessário, porque ela está encantada.

Mesmo assim, Xena pegou o pano e vestiu no bebê. Depois perguntou:

–         E o cachorro sarnento?

–         Parece que evaporou no ar.

–         Vocês já foram falar com os outros deuses?

–         Já, mas ninguém sabia dele. E também não estava escondido por lá.

–         Tem certeza?

–         O que você quer dizer com isso, guerreira?_ perguntou Atena se materializando.

–         Vocês fizeram uma visita pra Hades?

–         Fomos, mas ele não estava lá.

–         Tem certeza?

–         O que você está insinuando, Xena?_ perguntou Atena.

–         Que Ares pode ter usado o elmo de Hades. Vocês viram o elmo?

Atena olhou pra Afrodite que balançou a cabeça negando. Respondeu:

–         Não vimos não.

–         Que eu saiba Hades nunca se afasta de seu elmo, quando isso acontece…_ disse Xena.

–         É porque alguém estava usando ele, adivinha quem?_ disse Afrodite.

–         Vamos Afrodite, você, eu e Artemis precisamos fazer outra visitinha a Hades.

E antes que a guerreira pudesse dizer alguma coisa, as duas deusas sumiram.

–         Só espero que elas encontrem aquele maldito. Se eu perder Gabrielle, eu o mato!

Três dias depois, Afrodite aparece. Xena estava assando um peixe para almoçar.

–         Hum… Esse peixe está com um cheiro bom! Embora eu não goste muito de peixe.

–         Não vá me dizer que não pegaram Ares…

–         Pegamos sim. O safado estava mesmo invisível usando o elmo.

Xena se ergue, quase num salto e pergunta ansiosa:

–         E então?

–         Levamos para o Olimpo e lá Zeus o puniu tirando os poderes dele para não fugir de novo, até ser julgado pelos outros deuses.

–         Não me interessa o que vai acontecer a Ares, o que eu quero saber é como vou curar Gabrielle.

–         Ele disse que não sabe.

–         Ele está mentindo, é claro que ele sabe, chegou até a me propor um acordo. Eu quero falar com ele. Garanto que arranco isso dele de um jeito ou de outro.

–         Não tem como, Xena. Você não pode sair daqui e Ares não pode sair do Olimpo.

–         Traga-o aqui. Por favor, Afrodite… por Gabrielle.

A deusa vacila um pouco e diz:

–         Vou falar com as minhas irmãs.

Xena não conseguiu comer direito. Estava inquieta, andando de um lado para o outro, quando as três deusas aparecem trazendo Ares com elas. O primeiro impulso de Xena foi de avançar nele e matá-lo com as próprias mãos. Porém, a imagem do rosto meigo de Gabrielle lhe veio a mente, rangeu os dentes e trincado-os, enquanto sacudia a cabeça de um lado para o outro dos ombros, um exercício que a acalmava, a fez manter o controle. E o silêncio que havia se estabelecido, foi quebrado pela própria guerreira.

–         Eu posso esquecer o que você fez, se você dizer como posso curar Gabrielle._ disse fechando as mãos ao falar.

–         Eu não tenho o controle disto, Xena._ disse Ares.

–         Como não tem?_ perguntou se aproximando e completa: Você está mentindo.

–         Você acha?_ disse com sarcasmo.

Xena continuou com as mãos fechadas como se estivessem prontas para socar. Ainda se controlando diz:

–         Se eu perder Gabrielle, deixo de ser guerreira, deixo de lutar e provavelmente acabarei morta. É isso que eu vou querer, pois só assim poderei me encontrar com ela novamente.

–         Louca! Você perdeu o juízo, Xena!_ esbravejou o deus e conclui: Como pode uma excepcional guerreira como você se interessar por uma… por uma coisinha como aquela!

–         Você quer mesmo saber? Pois bem, foi o amor. A gente se ama. E Gabrielle é a melhor coisa que apareceu na minha vida.

Ares bufou de raiva. Olhou para trás, viu Gabrielle deitada e então disse:

–         Assim é que ela é menos irritante.

Foi o que faltava para a guerreira pegar o chakram e o pressiona no pescoço dele.

–         Xena, cuidado com isso, eu estou sem os meus poderes._ avisou temeroso Ares andando para trás até se encostar na parede de pedra.

–         E eu com isso._ disse Xena com uma expressão sinistra no rosto.

Ares olhou para as três irmãs, que a tudo assistiam em silêncio, mas elas pareciam indiferentes. Então ele grita:

–         Ei, vocês precisam fazer alguma coisa, ela vai me matar!

As três deusas continuam sem demonstrar nenhuma reação.

–         Xena é covardia matar um deus… quero dizer, um homem indefeso.

–         Quem disse que eu quero te matar?

–         Eu pensei…

–         Eu vou é tirar fora algo que você nunca mais vai usar._ disse isso colocando o chakram num lugar bem abaixo da cintura dele.

–         Pare Xena! Eu estou dizendo a verdade. Quando lancei o feitiço sabia que a cura é praticamente impossível, embora as Fases acham que é o mais simples de todos os feitiços.

–         Por que elas disseram isso?_ disse Xena comprimindo mais o chakram no local mais sensível de Ares.

–         Cuidado com isso, Xena. As Fases me disseram que só almas gêmeas possuem a cura._ disse quase sem puder respirar.

Xena retira o chakram daquele local e se afastando um pouco diz:

–         Não vou sujar as minhas mãos com você. Prometi a Gabrielle que jamais voltarei para a escuridão. Agora suma da minha frente.

–         Não posso, eu estou sem os meus poderes._ disse ele com as mãos na frente da braguilha.

–         Gostei de ver, Xena._ disse Atena se aproximando e conclui: Você está no caminho certo. Deixe fluir os seus sentimentos que você encontrará a resposta.

–         Então vocês já descobriram a cura?

–         Está tão claro isso, mais límpida do que a água mais pura. A cura está mesmo em você._ avisou Atena.

–         Como você pode não enxergar isso, Xena?_ perguntou Artemis.

–         Vocês não se esqueceram que eu não sou uma deusa como vocês, como posso enxergar isso?

Afrodite se aproxima e diz baixinho no ouvido de Xena:

–         Não procure a cura com os olhos.

–         O quê?!_ perguntou confusa a guerreira.

–         Temos que ir._ avisou Atena.

As deusas já haviam partido há um bom tempo, mas Xena continuava no mesmo lugar remoendo os pensamentos, todas as palavras que foram ditas e, principalmente, esse último diálogo que tivera com as três deusas. Elas haviam descoberto a cura naquele instante quando ela conversava com Ares. O próprio deus, que lançara o feitiço, disse não conhecer a cura, como foi que aquelas deusas descobriram? Xena achou que ia enlouquecer de tantos pensamentos que vagueavam pela sua mente.

No dia seguinte quando acordou, Xena sabia que agora viria a pior fase. Naquela noite Gabrielle vai passar pela quarta fase, ela vai se transformar num bebê de sete meses e na lua seguinte definharia a cada dia da lua minguante. E quando chegasse a lua nova, ela… Xena não conseguiu completar o pensamento. Tomou uma decisão, não iria dormir. Achou que, talvez, isso impedisse de alguma forma da transformação acontecer.

Xena se aproximou daquela Gabrielle de três anos e sorriu ao tocar-lhe a bochecha. Disse:

–         Barda como você é linda, desde bebê.

 Debruçou e deu um beijo na bochecha daquele bebê tão amado.

–         Linda, não?_ disse Afrodite aparecendo.

–         Queria mesmo falar com você._ disse Xena.

–         Eu nem devia estar aqui.

–         Por quê?

–         Porque eu não posso interferir, já falamos sobre isso.

–         Então por que veio?

–         Porque eu gosto muito dessa menina._ disse a deusa se sentando ao lado de Gabrielle e lhe alisando os cabelos.

–         Uma vez Gabrielle me disse que ganhou de presente de solstício um carneirinho de madeira feito por Senticles, que quando puxava o rabo, ele berrava. Ela me disse que não sabia porquê que, de vez em quando, ela lembrava desse brinquedo, achava, talvez, porque ela o tivesse perdido. Desde então, em todo comércio que passo, sempre procuro por esse carneirinho, mas nunca o encontrei. Será que você poderia trazer um para ela?

–         Claro Xena, agora mesmo._ e num estalar de dedos o tal brinquedo apareceu na palma da mão da deusa que entregou a Xena dizendo: Toma. É você quem deve dar o brinquedinho para ela.

–         Obrigada Afrodite.

Xena pegou o carneirinho, puxou-lhe o rabinho e ao escutar o berro dá um sorriso com lágrimas nos olhos e o coloca ao lado de Gabrielle. Olha para ela com toda ternura que podia sentir, depois virou para Afrodite e perguntou:

–         O que você quis dizer com “Não procure a cura com os olhos?”

–         Se você não sabe, então realmente não a merece._ e sumiu sem mais explicações.

Xena achava que ia enlouquecer. Parecia um pesadelo interminável o que estava acontecendo. Lembrou que esperara tanto por esse momento, que após a formatura de Gabrielle, elas iriam ficar juntas que, finalmente, ela seria sua. Veio-lhe a mente a imagem do corpo lindo da barda, das tantas vezes que furtivamente espiara ela trocando de roupa, como naqueles momentos que mergulhara nos rios só para espiar melhor aquele lindo e desejável corpo. Suspirou alto. Doía-lhe ver quem estava ali deitada, não era aquela jovem tão amada e que tanto ela a desejava. Amaldiçoaria Ares pelo resto da vida por ter-lhe tirado o direito de ser feliz ao lado dela. Pegou o cajado da barda e o acariciou lembrando do carinho que ela tinha por ele e que nem quando chegou ali no templo, doente, quase inconsciente, não o largara. Ao sentir que ia chorar, colocou o cajado ao lado das suas armas e foi ver Argo, saltando a égua, como vinha fazendo nesses dias tenebrosos, para que pudesse caminhar e pastar lá fora.

Xena passou o dia todo se movimentando, fez exercícios de lutas marciais até se esgotar. Preparou o peixe, não sentia vontade de comer, mas sabia que isso era necessário, tinha que ter forças para lutar. Uma guerreira como ela ter que ficar confinada naquele lugar era inacreditável. Mas não era isso que a exasperava, era o fato de ficar impossibilitada de fazer alguma coisa, de agir, de ir atrás de curandeiros, de boticários, de todos os deuses e de implorar para eles pela vida de Gabrielle. Ela engoliria o seu orgulho e se ajoelharia, caso precisasse, na presença de cada um deles. Xena sentia que já não tinha mais nada e que ficaria vazia se Gabrielle lhe faltasse.

Anoiteceu e Xena estava ainda mais agitada e irritada. A tolerância da guerreira estava no limite de sua resistência. Argo já havia voltado e Xena apagou todos os candeeiros, deixando aceso só o que iluminava a cama. A fogueira, como sempre, ficara acesa, pois era obra de Afrodite que não deixava o fogo extinguir. Então, resolveu deitar ao lado de Gabrielle, sentiu os olhos pesarem de sono, mas estava determinada que iria ficar acordada, queria de alguma forma impedir o encanto, da última e mais cruel transformação que a barda passaria. Pegou Gabrielle, acolhendo-a nos braços e a abraçando bem forte.

O tempo foi passando sem que a guerreira tirasse os olhos de cima da barda. Estava convencida de que o calor do seu corpo impediria a transformação. Ante um piscar de olhos, no calor dos seus braços, a guerreira viu a criança de três anos se encolher e se transformar num bebê de sete meses. Não adiantou os gritos de desespero da guerreira em querer impedir, a metamorfose se realizou. Ainda com Gabrielle no colo, ela grita por Afrodite.

–         Xena a sua dor está sendo ouvida lá no Olimpo._ disse a deusa ao se materializar.

–         Então por que não me ajudam? Ajudem Gabrielle.

–         Só você é que pode fazer isso.

–         Que inferno de enigma é esse!_ gritou Xena e mostrando Gabrielle diz: Não tem ninguém que quer a ver curada mais do que eu. Nesse momento, estaríamos lá na nossa casa em Amphipolis, no nosso quarto fazendo amor. Pode ter certeza que se eu pudesse curá-la não estaria agora com ela criança nos braços. Eu sinto que vou enlouquecer se perdê-la.

–         Não posso mais ficar.

Xena segurou no braço de Afrodite e com Gabrielle no outro braço, ajoelhou e implorou:

–         Por favor, Afrodite, não a deixe morrer.

Afrodite ficou surpresa e espantada ao ver aquela guerreira orgulhosa se ajoelhar, implorar e chorar como estava agora.

–         Xena, talvez eu seja até punida pelo o que vou lhe dizer agora. Então preste muita atenção: Fale, ponha para fora tudo o que sente aí dentro. Fale!

E antes que Xena pudesse dizer alguma coisa, a deusa sumiu.

–         Falar o quê?… Falar que eu amo Gabrielle, não tenho feito outra coisa senão confessar isso. Vocês estão me ouvindo! Eu amo Gabrielle._ gritou a guerreira.

Os dias transcorriam como se o tempo estivesse correndo para o desespero da guerreira. Chegara então o sexto dia. Xena não quis pescar com a mão no córrego como ela tinha feito desde então. Não sentia fome, mas não deixou de praticar um pouco de luta marcial. Depois, resolveu se concentrar. Sentou cruzando as pernas ao lado de Gabrielle e tentou se lembrar de tudo que as deusas haviam dito a ela. Todas as palavras vieram-lhe a mente e ela analisava cada uma delas. Contudo, uma conversa que ela tivera com Afrodite sobre o beijo que dera em Gabrielle tentando acordá-la, ficou lhe batendo na mente: “Mas esse não é um encanto que se quebra com um beijo”._ ela havia dito a Afrodite. “Não. É com algo bem mais forte”._ respondeu Afrodite. Xena ficou pensando o quê seria mais forte do que um beijo de amor? A guerreira fizera essa pergunta a si mesma várias vezes durante o dia todo.

Amanhecera. Era o sétimo e definitivo dia do feitiço. Xena não dormira. Na verdade, há três dias que ela se recusava a dormir. Vira novamente a alteração acontecer, de um bebê de um mês Gabrielle agora era uma recém-nascida. Xena pegou Gabrielle nos braços e andando de um lado para o outro foi rememorando todos os momentos que tiveram juntas, os banhos, os olhares furtivos, a descoberta do amor… As palavras da cartomante, de Afrodite, de Atena, de Artemis e de Ares… A guerreira bufou de raiva por ter se lembrado dele. E assim passou toda a manhã e o começo da tarde. Em nenhum momento tirou Gabrielle dos braços. Olhando para aquele rosto tão pequenino tentou ver os traços da bela mulher que ela havia se transformado, na talentosa barda… E foi aí que ela se lembrou dos pergaminhos. Foi até a bolsa da barda e retirou de dentro cinco pergaminhos e o poema que ela fizera para Gabrielle ainda com o botão de rosa vermelha e aquela florzinha amarela que a barda havia colocado nos seios, beijou a florzinha e a guardou naquele pedaço de pergaminho. Enquanto tentava colocar os pergaminhos em ordem numérica, pois a barda sempre os numerava, inclusive os que estavam em Amphipolis na escrivaninha que ela pedira para Toris fazer para Gabrielle. Abriu o primeiro e percebeu ser uma das suas histórias que contara para a barda; Abriu o segundo, outra aventura; O terceiro era sobre as aventuras que viveram juntas_ resolveu ler e se encantou como a barda narrava cada história, realmente ela tinha talento; O quarto era a continuação do terceiro e o quinto era sobre os quinze dias que passaram juntas e a descoberta de que se amavam. No final do pergaminho Gabrielle escrevera um poema o qual ela dera o título de “Almas gêmeas”, leu em voz alta:

“Eu canto a amizade

de duas amigas,

que na ponta da pena

e na ponta da espada,

uma exalta a força

e a outra exalta a fala,

que apesar de serem fêmeas

perceberam juntas

que são almas gêmeas”.

E a guerreira tornou a ler o poema várias vezes, decorando-o.

Aquele poema de alguma forma lhe queria dizer algo, sentia isso. Por isso, repetia-o sem parar. Sentia que a resposta para o seu calvário estava nas entrelinhas daquele poema. Pensou: Ela, Xena, era a espada, a força, e Gabrielle era a pena que escreve a fala; Da amizade entre elas nasceu o amor; Descobriram que não poderiam viver uma sem a outra; Que algo muito forte ligavam-nas; Que se reconheceriam sempre, assim que se encontrassem; Eram almas gêmeas.

–         É isso!_ disse Xena em voz alta e continua: O que pode ser mais forte que um beijo? Só o sentimento que o provoca, o amor. O meu amor por Gabrielle. O amor dela por mim. E o amor que une as nossas almas.

Já havia anoitecido, Xena sabia que só teria mais alguns momentos antes que o pior acontecesse, então, no meio da caverna com Gabrielle nos braços, grita para as Fases:

–         Eu imploro para as três Fases do destino para que ouçam a minha última súplica.

Xena eleva Gabrielle na altura dos ombros e a olhando com ternura, diz:

–         Gabrielle, por você, pela sua vida, para que você possa viver, eu renuncio a minha felicidade junto a você como a minha amada, como a minha companheira e como a minha futura amante._ Xena dá um beijo na testa do bebê e olhando para cima diz com voz firme, mas sem arrogância: Eu suplico que este bebê que tenho em meus braços, viva e cresça. Vou ficar ao seu lado vendo-a crescer e se transformar naquela garota linda que você já foi e pela qual eu me apaixonei. Quero criá-la mesmo sabendo que eu nunca a terei como mulher, pois quando ela se tornar naquela barda por mim tão amada, serei uma velha. Ainda assim quero estar ao seu lado, a amando em silêncio. E, se mesmo assim, vocês Fases e deuses, se não permitirem que eu possa ficar ao lado dela, ofereço a minha vida pela vida e felicidade dela.

Ainda com Gabrielle suspensa nos braços, Xena esperou, mas nenhuma resposta foi ouvida, nada aconteceu. Lágrimas rolaram dos olhos dela, tantas que a guerreira quase não conseguia enxergar direito. Abraçou o bebê e foi até a entrada da caverna e espiou a lua que estava mudando. Numa última tentativa gritou por Afrodite. Mas nada. Voltou para o centro da caverna, colocou a espada e o chakram em cima da cama e deitou ao lado abraçada com o seu amado bebê. Disse:

–         Me perdoe, Gabrielle. Eu não fui àquela guerreira que você sonhou um dia que iria te salvar. Eu não devia nunca ter cruzado o seu caminho… Pelo menos você não sofreu. Amanhã quando você estiver…_ não conseguiu completar o que queria dizer, porém sabia o que iria fazer. Ia se despedir de Argo, a colocaria para fora e, com o chakram, lacraria a caverna. Depois se deitaria ao lado do corpo inerte da sua amada. A vida já não mais lhe interessaria.

Xena sentia-se cansada, já não esbraveja mais, quase não sentia os movimentos dos braços e das pernas, era fraqueza por não ter se alimentado, agora pouco lhe importava isso. Mas buscou força de dentro de si para gritar novamente, se é que alguém lhe ouviria:

–         Levem a mim e não a ela. Eu amo Gabrielle mais do que a minha própria vida.

Exausta, abraçou, com um braço, Gabrielle que estava deitada ao seu lado beijando aquela boca pequena e com lágrimas escorrendo-lhe pela face diz baixinho:

–         Oh, Gabrielle… Me perdoe, minha barda, por eu ter fracassado, por não ter sido uma guerreira à sua altura e por não tê-la conseguido protegê-la quando você mais precisou de mim… Me perdoe por descobrir só agora que a amo mais do que a desejo.

Xena bem que quis resistir, mas as suas pálpebras pesaram, os seus olhos se fecharam mesmo tentando mantê-los abertos, a guerreira foi finalmente vencida por Morfeu. E no meio de todo aquele conflito e desespero, mesmo assim, a guerreira sonhou, sonhou com aquele bebê ao seu lado, com a menininha do carneirinho, com a garotinha de Poteidaia e com a linda jovem barda a quem tanto amava. Sorriu.

De repente sentiu um toque na ponta do nariz, abriu os olhos e viu uma boca se afastando e dois olhos verdes a fitando. “Gabrielle”…_ sussurrou sorrindo e fechou os olhos acreditando que estava sonhando. Só que sentiu novamente o toque dos lábios na ponta do seu nariz. Abriu os olhos.

–         Ga… Gabrielle!_ a voz quase não lhe saiu da garganta.

–         Xena…

–         Gabrielle é você mesma?_ interrompeu Xena ainda sem conseguir se mover.

–         Claro que sou eu. Mas agora você pode me explicar, porque eu estou nua, com um pano de bebê que não me cobria nada e ao meu lado um carneirinho parecido com o que eu tinha quando era criança?

Ainda não acreditando, Xena a puxa para cima de si, abraçando-a com força. Depois segurando o rosto da barda entre as mãos e a olhando profundamente nos olhos, não consegue mais prender as lágrimas que deslizam agora de felicidade.

–         Xena por que você está chorando?_ perguntou Gabrielle sem entender.

–         De felicidade, de felicidade…

–         Xena, nós fizemos amor? Eu não consigo me lembrar._ disse Gabrielle totalmente confusa e enrolada no cobertor nos braços da amada.

Xena acaricia aquele rosto tão amado e se sentando, diz:

–         Ainda não, meu coração. Eu vou te contar o que aconteceu.

E a guerreira então contou tudo o que aconteceu, sem largar por nenhum momento as mãos da barda.

–         Então eu fui enfeitiçada!… E há mais de trinta dias que estamos aqui… Esse tempo todo você ficou presa aqui comigo, sofrendo sozinha… Oh, Xena… Como você está abatida, amor._ disse passando a mão no rosto da guerreira, que lhe beijou os dedos ao passarem por perto da sua boca. Comovida conclui: Você sofrendo e eu dormindo!

–         Gaby, você não estava dormindo, você estava encantada.

–         E Ares, vai ficar sem punição?

Antes que Xena pudesse responder, Afrodite se materializa dizendo:

–         Punição por enquanto, não. Mas que Ares está prestando contas neste exato momento, pelo que ele fez, isso está.

–         Afrodite!_ exclamou Gabrielle rindo para ela.

–         Como vai a minha barda favorita?

–         Eu quero te agradecer por tudo que fez por mim._ disse se levantando e indo abraçá-la.

–         Agradeça a Xena. Foi o amor que ela sente por você que a trouxe de volta._ disse a deusa gostando de ser abraçada por aquela mortal.

 Xena se levanta e se aproxima delas, passa o braço em volta dos ombros da barda e pergunta:

–         Como foi isso Afrodite?

–         Atena pode explicar melhor.

As deusas Atena e Artemis se materializam. Atena explica:

–         Enquanto você pensava em Gabrielle como um corpo que você queria, o feitiço estava se fortificando. A partir do momento em que o seu sentimento superou o desejo, o feitiço se desfez. Essa era a cura. A princípio nós não sabíamos, porque isso é uma característica humana. Foi você quem nos fez enxergar isso, a sua áurea estava ficando da mesma cor da de Gabrielle, só um amor verdadeiro entre dois seres possui essa característica.

–         Nós somos almas gêmeas, Xena._ disse Gabrielle olhando-a com ternura.

–         Eu sei, coração._ respondeu Xena também transbordando de emoção.

–         Nada e nem ninguém pode mudar isso._ disse Atena.

–         O amor entre uma guerreira e uma amazonas tem que ser selado._ disse Artemis.

–         Amazonas? Gabrielle não é…

–         Xena, ela quis dizer, barda. Artemis convive muito com as amazonas, por isso, às vezes, ela se confunde._ corrigiu Afrodite.

–         É verdade._ confirmou Artemis.

Mas Xena achou bastante estranho o ocorrido.

–         Artemis e eu temos um longo trabalho a fazer. Afrodite você vem conosco?_ perguntou Atena.

–         Vão vocês na frente, eu quero conversar um pouco com as meninas.

Mas antes que as duas deusas sumissem, Gabrielle as abraça daquele jeito todo característico dela e depois, se ajoelhando, pergunta:

–         Quais oferendas devo fazer?

As três deusas riem, se cercam dela a levantando e acaricio-na.

Xena que tudo assistira, não conseguia entender porquê razão as três deusas caíram de amor por Gabrielle, não que ela não inspirasse tal sentimento_ afinal ela também caíra de amor por aquela barda, mas era incomum essa demonstração de afeto das deusas a uma mortal.

Depois que Atena e Artemis foram embora, Afrodite diz:

–         Não sei se vocês perceberam, mas já é noite. Vocês dormiram quase um dia todo.

–         Afrodite, Xena e eu… Bem, a gente queria que você nos casasse. Você pode?_ perguntou Gabrielle.

–         Agora mesmo se vocês quiserem._ respondeu a deusa.

–         Queremos sim. Mas, antes, gostaria de me vestir._ disse Gabrielle se olhando.

–         Então enquanto você se arruma, eu vou dar um jeitinho nisso aqui._ disse Afrodite olhando para o seu altar.

Xena tentou ajudar a barda a se vestir, mas Gabrielle com pudor de noiva não deixou. Xena achou graça e se afastou, fazendo planos para aquela tão esperada noite.

Quando estava colocando a armadura e seus apetrechos, Xena percebeu que Afrodite havia feito mudanças na caverna: o pequeno altar recebeu um colorido especial com mais velas e flores; num canto, uma mesa cheia de frutas, comidas e vinho; e, no centro da caverna, transformou a cama improvisada, numa confortável cama. Gabrielle se aproximou olhando encantada. Depois foi até onde Xena estava e de mãos dadas foram para frente do altar.

Afrodite sorriu para as duas e perguntou:

–         Vocês querem que eu as case?

As duas dizem que sim.

–         Vocês realmente se amam? Como se eu não soubesse…

As duas novamente dizem que sim, agora olhando uma para a outra.

–         Então, sendo eu a Deusa do Amor e em nome deste, concedo o direito de casamento e união a Xena e Gabrielle que a partir de agora são esposas.

Ao acabar de dizer essas palavras Afrodite se aproxima de Gabrielle e a beija na boca e depois de Xena a beijando na boca também. Percebendo que as duas continuavam olhando para ela, diz:

–         O que vocês estão esperando? Não vão se beijar?

Xena olha para Gabrielle e de mãos dadas a beija carinhosamente. Diz:

–         Eu te amo, Gabrielle.

–         Eu te amo, Xena.

–         Bem, meninas, agora vou deixá-las para que possam ter finalmente à noite de amor que vocês merecem. Eu preciso fazer uma visitinha para uma certa cartomante.

–         Você está falando da Soraya?_ perguntou Xena se lembrando da promessa.

–         Sim, ela mesma.

–         Eu prometi pra ela que iria contar sobre o desenlace desta história.

–         Mas é exatamente isso que eu vou fazer. Soraya é a minha mais fiel devota. E você trate de ficar aqui e fazer a minha protegida feliz.

–         Essa ordem eu vou cumprir à risca.

E antes que a deusa sumisse, Gabrielle puxando Xena pela mão vai ao encontro dela e enlaçando com o braço direito a cintura de Afrodite e com o braço esquerdo a cintura de Xena, as abraças. Era o jeito todo próprio dela demonstrar o que sentia.

Depois que a deusa vai embora, Xena puxa Gabrielle para si dizendo:

–         Sonhei tanto com esse dia, Gabrielle.

–         Eu também, Xena. Agora estamos casadas.

–         Minha esposa._ disse a guerreira a olhando fascinada.

–         Minha esposa._ disse a barda se ruborizando com aquele olhar.

Xena percebe e diz:

–         Que tal a gente comer alguma coisa?

–         Gostaria muito. Afinal, estou um mês sem comer.

–         Só espero que não queira descontar, ir às forras.

–         Xena!

Sentaram-se à mesa, Xena reparou que os olhos de Gabrielle brilhavam ao ver os diversos tipos de doces para a sobremesa. Disfarçou o riso experimentando o vinho, que achou saboroso e depois o despejou nas duas taças.

Quando estavam comendo, uma alimentando a outra carinhosamente, Xena diz:

–         Eu sabia que a tinha conquistado pelo estômago, só não sabia que tinha também conquistado seu coração, barda.

–         Então você me conquistou primeiro pelo estômago! O que você está querendo dizer com isso, guerreira?

–         Estou dizendo das vezes que eu ia te visitar na Academia e levava aquele doce que você tanto gostava.

–         Hum… Aquele doce… Vou sentir falta daqueles momentos, daqueles agrados._ disse a olhando com ternura.

–         Eu sempre vou ter um agrado para você, minha barda gulosa.

–         Eu sou uma barda gulosa por dois motivos: primeiro, por ter te amado desde a primeira vez que te vi e segundo, por querer você todinha para mim.

–         E eu sou uma guerreira experiente da vida, mas que, no entanto, não havia percebido isso.

–         Quando penso no quê você passou nesses dias por minha causa, o quanto sofreu…

–         Gabrielle, você não pode avaliar o tamanho do amor que sinto por você. Se você pudesse entrar na minha mente, sentiria isso; se você pudesse se ver com os meus olhos, você veria que eu só tenho olhos para você; se você pudesse penetrar no meu coração, saberia que ele só pulsa por você.

–         Oh, Xena, como é bom ouvir isso…_ diz Gabrielle acariciando o contorno do rosto da amada e revela: Xena, eu nasci pra te amar e vou te amar sempre.

Em resposta, Xena a puxa para si fazendo-a se sentar no seu colo e a beija com toda emoção que estava sentindo. Depois um pouco embaraçada, diz:

–         Preciso de um banho, há uns três ou quatro dias que eu não tomo banho.

–         E eu então!_ disse Gabrielle sorrindo.

–         Então vamos?_ disse Xena se levantando e estendendo a mão para ela.

–         Pra onde?_ pergunta se deixando conduzir pela guerreira.

Xena mostra:

–         Olha só o poço maravilhoso que Afrodite fez para nós duas._ e ao colocar a mão dentro da água, revela: Água quente! Afrodite sabe mesmo dos prazeres que nós mortais gostamos.

–         Ela não é mesmo um amor?_ disse Gabrielle também verificando a água.

–         O próprio!_ respondeu Xena revirando os olhos.

Enquanto Xena se despia dos trajes, Gabrielle, que só estava usando a saia, a calça de guerreira e o top, despiu-se rapidamente, entrou na água e ficou observando a guerreira se despir. Ao perceber, Xena, lentamente, começa a retirar peça por peça, queria proporcionar esse prazer a sua barda. Primeiro arriou uma alça de um ombro, depois a outra, desprendeu os feches do traje, retirou antes a calça de perna e a calça de guerreira e por último, deixou deslizar suavemente o traje de couro, sem que nenhum momento despregasse os olhos de cima de Gabrielle, que estava encantada ante a visão escultural da sua amada guerreira e continuou olhando-a se aproximar e se sentar a sua frente.

–         Também vou querer vê-la._ disse Xena olhando-a de um jeito que Gabrielle se ruborizou. Então conclui: Depois.

Gabrielle completamente desconcertada pegou o sabão que parecia estar vivo em suas mãos. Percebendo o nervosismo e o acanhamento dela, Xena diz:

–         Vira as costas, meu bem, que eu vou te ensaboar.

E começou a ensaboar aquelas costas que ela sempre teve vontade de acariciar, de beijar. Mas se conteve, mesmo lavando quase ofegante o lindo e cheiroso pescoço da barda. Depois, virou de costas e deixou que Gabrielle fizesse o mesmo com ela. Percebeu que a barda ainda estava um pouco nervosa, sentiu isso no jeito e na respiração descontrolada dela.

Assim que terminou, Xena saiu do poço e pegando o pano de banho abriu-o com as duas mãos para que a barda se enrolasse nele, abraçando-a a seguir. Pegou-a no colo e a conduziu até a frente da cama, colocando-a no chão diz:

–         Deixe eu te enxugar.

Enxugou primeiro os cabelos louros de Gabrielle; depois foi passando o pano suavemente pelo belo rosto da barda; desceu para o pescoço, ombros, braços, pelos peitos… Enquanto os enxugava, os observava encantada contendo a vontade de tocá-los; continuou, agora passando o pano nas costas, nas nádegas, desceu pras coxas, pernas e abaixada, virou Gabrielle de frente para si, percebeu que ela havia colocado as mãos cobrindo timidamente o seu sexo, então se ergueu lentamente, olhando toda aquela beleza a sua frente, ao seu alcance.

–         Quer que eu te enxugue?_ perguntou Gabrielle totalmente ruborizada.

–         Não precisa, até os meus cabelos já estão quase secos._ respondeu a guerreira sabendo que o fogo que se alastrou pelo seu corpo a havia secado. Então diz: Vamos para cama?_ era mais do que um convite, era toda uma espera, a realização de um sonho.

Em resposta, Gabrielle dá um sorriso tímido abaixando os olhos. Este gesto foi para a guerreira tão excitante do que vê-la ali na sua frente totalmente nua.

Xena se sentou ao lado dela na beira da cama e após beijar as mãos da barda e ainda com a boca encostada nas mãos dela, pergunta:

–         Você me ama?

–         Mais do que a minha própria vida.

–         Você me quer?

–         Eu já não te disse isso antes?

–         Diz de novo._ disse Xena passando os dedos da barda nos seus lábios.

–         Eu quero você, Xena, quero ser sua.

Ante essa resposta, Xena debruça por cima de Gabrielle beijando-a carinhosamente, enquanto que suavemente a deita e a ajeita na cama. Beija-a novamente com muito carinho, em beijos suaves e doces como os lábios de Gabrielle. Segurou com as mãos o rosto dela e com os polegares acariciou as suas têmporas. A olhou nos olhos, depois lhe beijou a testa, as sobrancelhas, uma a uma bem vagarosamente; beijou os olhos, por cima das pálpebras, e, tornando-os a olhar assim tão perto viu aquelas íris verdes esmeraldas escurecerem e esmaecerem em duas lindas lagoas; Foi descendo em beijos pequenos até a ponta do nariz, onde o mordiscou levemente; beijou as têmporas, as bochechas que ainda estavam coradas; beijou entre o nariz e a boca; beijou as mandíbulas, agora de boca aberta até que chegou no queixo e o mordiscou de leve passando a língua. Sentiu o corpo da barda tremer. Então, a olhou novamente nos olhos e viu aquele brilho que ela mesma tinha agora em seu próprio olhar. Viu que os lábios dela tremiam ante a sua respiração, então foi encostando lentamente a boca entreaberta nos lábios dela e a beijou suavemente e buscando a língua dela, onde num beijo mais apaixonado, demonstrou toda a emoção que estava sentindo. Sugava-lhe a saliva com paixão, como se sentisse sede. Colara seu corpo em cima ao de Gabrielle, sentindo-a toda tremer. Ficou mais excitada. Então desceu as mãos buscando os braços dela que estavam abraçando a sua cintura. Levou-os para cima, na altura da cabeça dela, depois com a mão esquerda apalpou o seio direito da barda, enquanto a sua boca descia para o pescoço em beijos ardentes, marcantes, sugadores.

–         Xe…na…_ disse Gabrielle quase num murmúrio.

–         Sim…_ disse a guerreira totalmente inebriada.

–         Xena… preciso me levantar.

Xena olhou pra ela um pouco preocupada, perguntou:

–         O que foi, eu estou te machucando? É o peso do meu corpo? Você não está gostando?

–         Não, você não está me machucando, eu gosto do seu corpo no meu e eu estou gostando muito, mas é que…_ Gabrielle parou de falar, se sentia envergonhada.

–         Então, o que é?_ perguntou Xena que estava realmente preocupada.

–         É que eu…_ não conseguiu falar, abaixou os olhos.

–         Pode dizer, Gaby.

–         É que eu estou completamente…_ olhou pra Xena preocupada e abaixou os olhos ao se desculpar dizendo: Isso nunca me aconteceu…

–         O que foi Gabrielle?_ perguntou Xena se apoiando no cotovelo.

–         Eu tenho que me banhar.

–         O seu ciclo chegou?

–         Não.

–         Então o quê?

–         É que estou completamente… molhada._ disse tornando a baixar os olhos, envergonhada.

Xena se deliciou com a cena. Disse:

–         Gabrielle isso é natural. Você está molhada é porque está gostando das minhas carícias…_ e descendo a mão entre as pernas da barda, a afagando carinhosamente, conclui:…do meu toque… não está?

–         Muito… muito…_ disse a barda quase num sussurro sentindo o toque dela lá.

–         Eu também estou molhada, quer sentir?

–         Posso?

Xena ri dizendo:

–         Você pode tudo, o que quiser fazer em mim.

Gabrielle desceu a mão entre as coxas de Xena e constatou o que ela dissera. Mas, não retirou a mão de lá, ficou passeando, tateando, explorando esse local totalmente desconhecido para ela. Viu na expressão de Xena o que isso estava causando nela. Adorou vê a guerreira fechar e abrir os olhos e os lábios numa expressão de prazer, quis proporcionar mais, porém Xena retirou a sua mão a acariciando e a elevou pra cima de sua cabeça, dizendo:

–         Posso continuar? Depois eu serei toda sua, mas agora você é minha.

Gabrielle se deixou ser seduzida, pondo-se toda receptiva para ela. Para Gabrielle aquele momento era o momento mais esperado, mais importante da sua vida, ela estava fazendo amor com a pessoa que mais amava e ia pertencer a ela não só naquele instante, mas para o resto da vida. Pensou que ia morrer de prazer quando Xena sugou seu desejo que vertia. Sentiu quando Xena umedeceu o dedo na sua umidade e com jeito forçou a entrada para lhe proporcionar um prazer nunca antes sentido. Chorou de dor e prazer quando a guerreira por fim desvendou seu caminho, a conduzindo ao gozo. Viu no rosto da guerreira todo o encanto que lhe havia proporcionado. Quando Xena murmurou “minha” com os dedos ainda dentro dela, Gabrielle teve a confirmação que daquele momento em diante jamais pertenceria à outra pessoa.

Quando a chama do amor serenou, já era de madrugada e Gabrielle adormeceu nos braços de Xena. A guerreira a ajeitou no travesseiro e antes de cobri-la deu uma espiada naquele corpo que fora seu. Depois se apoiou no cotovelo e ficou admirando-a. Xena estava fascinada olhando Gabrielle dormir. Era um momento único, mágico, que só ela queria curtir, que era rememorar o momento recente em que teve a barda gemendo de prazer nos seus braços. Até o gemido dela a encantava, a excitava. Gabrielle era toda sensual e ela nem tinha idéia disso. Xena a estava olhando com tanta intensidade que acabou por despertá-la.

–         Xena…_ disse a barda a olhando com os olhos semicerrados.

–         Oi, amor.

–         Já temos que levantar?

–         Não, Gaby._ disse Xena a impedindo de se levantar, conclui: Durma minha barda, que estou velando o seu sono.

–         Você ainda não dormiu?_ perguntou bocejando a seguir.

–         Ainda não. Mas, durma minha barda.

–         Só se for nos seus braços.

–         Está bem, vem cá neném._ disse abrindo os braços.

Gabrielle ri e passa a mão no rosto de Xena, daquele modo brincalhão. Então, Xena a envolve nos braços. Gabrielle se aconchega mais, dizendo:

–         Poderia morrer agora, que morreria feliz.

–         Não, não diga isso nunca mais, Gabrielle. Eu não saberia mais viver sem você.

Gabrielle beija o braço de Xena que a envolve e diz:

–         Nem eu, Xena, nem eu. Você é a pessoa mais importante da minha vida. Eu te amo.

–         E você minha barda, é a minha luz, minha inspiração, minha vida. Eu também te amo Gabrielle.

Gabrielle ergue a cabeça e beija o pescoço de Xena, bem abaixo do queixo. Depois encosta novamente a cabeça no peito dela e adormece.

Xena ainda se sentia completamente emocionada. Se sentia feliz como nunca tinha sido antes. Fora à noite de amor mais linda da sua vida. Olhou novamente para aquela jovem mulher nos seus braços. Sim, agora Gabrielle era mulher, ela a fizera mulher, agora ela era dela. Apertou mais um pouco aquele corpo adorado e fechou os olhos, sabia que ia sonhar com ela.

Acordou com um beijo na ponta do nariz. Abriu os olhos e viu dois lindos olhos verdes. Percebeu que Gabrielle estava sentada e debruçada sobre ela e lhe disse fazendo carícias no seu rosto:

–         Bom dia. Dormiu bem, meu coração?

–         Bom dia, meu amor. Com você nos meus braços dormi muito bem. E agora acordando assim, o meu dia vai ser bem melhor.

Gabrielle a beija.

–         Você percebeu? Eu acordei antes de você._ disse a barda ajeitando uma mecha do cabelo da guerreira que teimava em se misturar com a franja.

Xena a abraça pela cintura e a puxa para si, dizendo:

–         Custei a dormir.

–         E eu dormi que nem um bebê.

–         Você é um bebê._ disse sorrindo.

–         Bebê?! Ontem você viu que não sou nenhum bebê, nenhuma garotinha.

–         É, ontem a garotinha de Poteidaia se tornou minha mulher.

Xena a olhou de tal jeito que Gabrielle ficou ruborizada, mas disse:

–         E você agora é minha também, só minha. E não se esqueça disso._ disse apontando com o dedo o nariz de Xena.

Xena ri e num gesto repentino pega o dedo dela com a boca, chupando-o. Gabrielle pega de surpresa e totalmente excitada com aquele gesto, geme. Percebendo, Xena resolve então começar outro momento de amor.

Quando sentiram fome resolveram se levantar. Ao vestir o traje Xena percebe que Argo não estava.

–         Eu a alimentei e a levei lá fora para que fosse passear._ disse Gabrielle já vestida e preparando o prato pra Xena.

–         Sabe, ela sentiu a sua falta, mesmo você estando o tempo todo aqui. Pois ela sentiu a falta da sua atenção e carinho para com ela. Eu quase não cuidei dela.

–         Você continua abatida, amor. Vou cuidar bem de você para que quando sairmos daqui pelo menos essas olheiras…

–         Gabrielle, essas olheiras não são por causa do meu abatimento._ interrompeu a guerreira e acrescentou: São por sua causa.

Gabrielle sorriu daquela maneira de franzir o nariz que tanto Xena gostava.

–         Vamos ficar mais dois dias aqui e depois iremos para Poteidaia.

–         Ah, Xena… Pensei que fôssemos para Amphipolis._ disse decepcionada.

–         Gabrielle, sua família deve estar preocupada, afinal nós dissemos que você iria pagar uma promessa e já se passou mais de um mês.

–         Você tem razão, aliás, como sempre. Mas, Xena…

–         O que é Gabrielle?

–         A gente vai dizer que se casou?

Xena quase se engasgou com o vinho. Salta um pigarro e responde:

–         Seu pai me mataria.

–         Queria tanto contar para eles…

–         A sua mãe e Lila, sei que acabariam aceitando, mas o seu pai… Ele me odeia. Ele sempre soube que de alguma forma eu ia tirar você dele, é assim que ele pensa.

–         Então a gente vai ter que fingir, dormir separadas… Quanto tempo a gente vai ficar lá?

Xena não conseguiu prender o riso ao perceber a aflição da barda.

–         Está rindo é? Você está rindo agora, quero só ver quando estivermos lá e não podermos trocar sequer um beijo.

Xena parou de rir. Gabrielle tinha razão, ia ser um sacrifício dormir no mesmo quarto que ela sem poder ao menos abraçá-la. Disse:

–         Ficaremos o tempo suficiente.

Três dias haviam se passado e chegara o momento de partir.

–         Vou sentir falta daqui, não vou esquecer deste lugar mágico, da nossa primeira vez e de como fomos felizes aqui._ disse Gabrielle parada no centro da caverna, olhando ao redor.

Xena que já havia apagado todos os candeeiros se aproxima por trás dela a abraçando e dizendo:

–         Esse lugar faz parte de nossas vidas e sempre que pudermos viremos para cá para reviver isso.

Nisso, Afrodite aparece. Gabrielle corre para abraçá-la e depois quando ia se ajoelhar para agradecer, a deusa a impede dizendo:

–         Não, gracinha, você não precisa me agradecer. Afinal, foi Xena e o amor que ela sente por você que a salvou.

–         Eu queria agradecer por estes três dias maravilhosos que passamos aqui e por você ter nos casado._ disse Gabrielle.

–         Não precisa me agradecer, docinho. Bem, eu estou aqui com uma incumbência dada pelo veredicto dos deuses.

Xena puxou Gabrielle, protegendo-a nos seus braços e olhando feio para a deusa.

–         Calma, guerreira. Não é nada contra vocês. Estou aqui pra dizer pra Gabrielle que, a sentença de Ares deve ser dada por ela.

Como Xena e Gabrielle haviam se olhado sem entender, Afrodite explica:

–         Os deuses, quero dizer, nós deuses achamos que nada mais justo que Ares, que infringiu todos os regulamentos dos deuses para se vingar de uma mortal que, nunca fizera nenhum mal para ele, e é protegida de um outro deus, seja punido por essa mortal. Gabrielle é você quem vai escolher o castigo para ele.

Tanto Xena, quanto Afrodite olharam para Gabrielle que, depois de pensar um pouco, diz:

–         Não quero punir Ares. Não seria um castigo, seria vingança. Ele já foi castigado com a perda temporária dos poderes, com a humilhação de ser julgado por atos indignos de um deus. Ao meu ver ele já foi punido.

Afrodite olhou pra Xena que estava orgulhosa com a atitude da sua barda, diz:

–         Acho que nós deuses devíamos aprender um pouco com ela. O que você acha, Xena?

–         Foi você quem disse. Mas eu acho que Gabrielle é uma excelente professora. É só ver o que ela fez comigo.

Chegaram em Poteidaia no começo da noite. Foram recebidas com alegria por parte de Hecuba e Lila. Herodotus estava na aldeia festejando o aniversário de um amigo. Quando Xena estava no celeiro cuidando de Argo, o vê passar tropeçando nas próprias pernas. Ele estava bêbedo, Xena pressentiu que era melhor ela não aparecer na casa e dormir ali no celeiro. Arrumou o cobertor num canto já conhecido, tirou a armadura e os apetrechos, depois se sentou num feixe de feno e começou a limpar a espada lentamente, sem pressa. Na verdade, esperava por Gabrielle.

Instantes depois Gabrielle aparece. Pela expressão do rosto dela, Xena já sabia que havia discutido com seu pai. Abraçou Xena de lado pelos ombros e encostando a testa junto à têmpora esquerda da guerreira, diz desanimada:

–         Oh, Xena é muito triste dizer isso. Mas não dá pra gente ficar aqui.

–         Você discutiu com o seu pai por minha causa?

–         Não foi só por sua causa, foi porque ele não me respeita.

–         Ele está bêbedo, Gaby. Quem sabe amanhã, sóbrio, vocês não possam conversar direito.

–         Amanhã nós vamos embora.

–         Não mesmo, Gabrielle. Vou deixar você aqui por uns dias com a sua família e vou voltar lá pro velho templo.

–         Xena, você esqueceu que agora estamos casadas e que estamos mais unidas do que nunca?

–         Serão só uns dias Gabrielle.

–         Nem meio dia. Não me casei com você pra ficar separada. Vamos passar todos os momentos, bons ou ruins, juntas.

Xena olhou para ela com admiração, amou ouvir cada palavra.

–         Então, me deixa dormir aqui, vou me sentir melhor assim.

–         E eu vou ter que dormir lá no meu antigo quarto. Vou sentir a sua falta.

Xena larga a espada num canto e puxando Gabrielle para a sua frente a envolve inteira nos braços e a beija. Gabrielle a enlaça no pescoço e retribui os beijos. Param ao escutar Lila chamar pela irmã.

Na manhã seguinte, Xena havia acordado cedo e estava escovando Argo quando Gabrielle chega carregando uma bandeja com o desjejum delas. Antes de tomar a bandeja, que parecia pesada, das mãos da barda, Xena a beija. Enquanto Xena arruma a bandeja em cima de um feixe de feno, Gabrielle se dirige a Argo, dizendo:

–         Olha o que eu trouxe pra Argo: cenoura, nabo e maçã.

A égua relincha como se aprovasse. Xena ficou olhando a cena e esperou que a barda acabasse de alimentar a égua. Assim que Gabrielle se sentou e começou a servi-la, Xena diz:

–         Gabrielle converse com o seu pai. Tenho certeza que vocês farão as pazes. Você sabe como falar, você é uma barda formada agora. Vou me manter o mais longe possível do seu pai, não quero constrangê-lo com a minha presença.

–         Tá bem, eu vou tentar.

Quando terminaram o desjejum, Xena ajudou a Gabrielle levar a bandeja até a cozinha. Mas antes de entrar encontram com Hecuba que acabara de chegar da aldeia e que se aproxima delas, dizendo:

–         Gabrielle, eu não pude evitar. O povo daqui quer dar uma festa em sua homenagem.

–         Uma festa para mim, por quê?

–         Por você ser a primeira pessoa ilustre daqui._ disse Hecuba com orgulho.

–         Ilustre?! Não entendi._ disse a barda olhando para a mãe e para Xena.

–         Gabrielle você é uma barda formada na Academia de Atenas._ disse a mãe toda envaidecida.

–         Oh, não mamãe, diz a eles que eu não preciso de festa, que eu vou…

–         Gabrielle seria uma desfeita. O povo está orgulhoso de você._ interrompeu Hecuba agora bem séria.

–         Sua mãe tem razão, Gaby. Isso seria uma desfeita._ interviu Xena.

–         E pra quando é essa festa?

–         Pra sábado que vem.

–         Ahn… Daqui a nove dias, mãe?

–         Por quê? Gabrielle não vá me dizer que vocês já estão pensando em ir embora.

–         Não._ Xena se antecipou em responder, olhando para Gabrielle.

–         Por que não neste sábado?_ perguntou a barda.

–         Porque o vinho vindo de Corinto só chega na semana que vem.

–         É o melhor vinho de toda a Grécia._ disse Xena.

–         Está bem, está bem, vocês me convenceram._ disse tomando a bandeja da mão de Xena e entrando em casa.

–         Não sei quem essa menina puxou. É tão cheia de personalidade…_ disse Hecuba.

Para Xena, Gabrielle era única, disse apenas:

–         Se Gabrielle perguntar por mim, diz que fui pescar, não demoro.

Xena já havia pescado três peixes quando Gabrielle se aproxima trazendo consigo o cajado.

–         Xena, você está sem suas armas?

–         Deixei lá no celeiro.

–         Xena é perigoso andar desarmada. Ainda bem que eu trouxe o meu cajado.

–         Quem disse que estou desarmada, já viu o tamanho dos peixes?

–         Não acredito que você os lançaria como se fossem o chakram._ disse a barda com uma mão na cintura e com a outra segurando o cajado.

–         Lançar não, bateria nos bandidos com os peixes.

Novamente aquela sensação de momento vivido. Xena diz:

–         Não sei o que é isso. Nós duas termos as mesmas sensações de momentos passados.

–         Também não consigo entender isso. Não pode ser coisa de Ares, ele está sem os poderes.

–         Bem, deixa pra lá. Será que esses três aqui bastam para o almoço e o jantar?_ disse levantando os enormes peixes.

–         Nunca vi peixes tão grandes neste rio, vai dar e sobrar até pro almoço e jantar de amanhã.

–         Não quer dar um mergulho?_ Xena convidou de tal maneira que Gabrielle largou o cajado, descalçou as sandálias, desabotoou o cinto e tirou a saia, ficando só com a calça de perna e o top. Segurando a mão de Xena, as duas mergulharam no rio.

Embaixo d`água as duas se abraçaram, se beijaram e brincaram de pega-pega até quando Xena emergiu e viu Lila. Puxou Gabrielle para a superfície, antes que ela a tocasse em certas partes e antes que a barda pudesse dizer alguma coisa, avisou:

–         Lila veio nos buscar.

–         O que é que vocês estão fazendo?_ perguntou Lila curiosa.

–         Estamos pescando._ respondeu Xena.

–         Não precisa, já chega. Estes três que estão aqui são mais que suficientes. Esse grandão aqui vai ter que ser cortado, pois não cabe na panela._ avisou Lila.

–         Esse aí eu vou abrir e assar na fogueira. Gabrielle adora._ disse Xena.

Gabrielle se limitou apenas a confirmar balançando a cabeça, ainda não havia se recuperado com a inesperada chegada de Lila.

Tanto no almoço quanto no jantar, Herodotus evitou se sentar à mesa enquanto Xena estivesse lá. E a guerreira, para que ele ficasse à vontade, dava sempre a mesma desculpa de ir ver Argo. Mas à noite, quando Xena ia se retirando com o prato e a caneca nas mãos, Lila diz pra ela:

–         Xena já que você gosta tanto da companhia da sua égua, pode deixar que a partir de amanhã levo o seu almoço e o jantar para lá.

–         Lila!_ repreendeu Gabrielle se levantando.

–         O que foi Gaby, eu disse alguma coisa de errado?

Xena não diz nada e se retira.

Gabrielle chama a atenção da irmã, dizendo:

–         Lila, eu não posso evitar que o pai maltrate Xena, mas você eu não deixar.

–         Por que você a defende tanto?

–         Estou apenas sendo justa, Xena não merece ser tratada do modo como vem sido tratada toda vez que vem aqui.

–         Como você a defende!

–         Enquanto a minha família a trata mal, a família dela me trata como se eu fosse da família.

–         O que está acontecendo aqui? Vocês estão discutindo por quê?_ disse Hecuba ao chegar na sala.

–         Mãe, eu estou dizendo para Lila que, enquanto Xena é tratada como uma completa estranha por vocês, lá na casa da mãe dela, eu sou tratada como filha. Tenho um quarto, cama, uma caneca reservada só pra mim e um lugar à mesa. Xena nunca contou pra mãe e pro irmão, que dorme no celeiro quando está aqui.

–         Então é por isso que vocês não demoram um pouco mais por aqui?_ perguntou Lila.

–         É porque eu fico incomodada com o tratamento que vocês dão a minha amiga e não estou falando só do pai não. Hoje, Xena fez questão de pescar e pegou aqueles peixes enormes lá no fundo do rio, só para agradar a vocês.

–         Eu percebi isso._ disse Hecuba.

–         Mas nem sequer agradeceu a gentileza dela. Olha, ela nunca se queixou de vocês. Quando pergunto, diz que entende porque vocês não sentem simpatia por ela, por achar que vocês a culpam por eu não ter me casado com Perdicas e de viver essa vida de aventuras que vivemos. Mesmo eu dizendo que a escolha foi minha e que eu é que fui atrás dela. Vocês não podem esquecer que foi ela quem me ajudou a ir para a Academia e se hoje estou formada, agradeço, principalmente, a ela. E vou dizer uma coisa que já devia ter dito antes: Para Cyrene, a mãe de Xena, eu sou como uma filha e ela gosta de mim, principalmente, por ter estado sempre ao lado da filha dela. Ela me disse que eu sou a luz, a salvação de Xena e por isso ela vai sempre me agradecer pela minha amizade.

Gabrielle passa a mão na franja, aliviada por ter falado o que já deveria ter feito antes.

–         Gabrielle vá buscar Xena. De hoje em diante ela vai dormir lá no quarto com vocês._ disse Hecuba.

–         Oh, mãe, obrigada. Mas… Você não vai ficar chateada com isso, Lila?

–         Quer que eu vá com você trazer a guerreira para cá?_ disse Lila sorrindo.

Gabrielle abraça a irmã, dizendo:

–         Obrigada, Lila. É por isso que eu te amo. Mas deixe que eu mesma traga Xena.

Quando Gabrielle entrou no celeiro viu Xena arrumando o cobertor para dormir, se aproxima dela e a abraça pelas costas.

–         Hum… Isso é muito bom!_ diz Xena acariciando os braços da barda.

–         Não posso ficar muito tempo longe de você, estava sentindo falta das suas costas.

Xena riu e a puxa para frente a abraçando diz:

–         Queria que você dormisse aqui comigo.

Completamente envolvida nos braços da guerreira e com as mãos encostadas no peito dela, a barda diz quase num sussurro:

–         Eu também. Mas estou aqui para te levar, você vai dormir lá no meu quarto.

–         Com você?

–         E com a Lila também.

–         Sabia…

–         Pelo menos vamos estar juntas, minha guerreira.

–         Adoro quando você me chama assim._ disse Xena passando a mão na têmpora direita da barda.

–         De minha guerreira?

–         É, minha barda.

–         E eu amo quando você me chama de sua barda, de seu coração, de seu amor… De tudo que se refere que eu sou sua.

–         Mas você é toda minha, neném.

–         Ai, Xena, não fale assim. Eu… eu…

Xena cala a boca da barda com um ardente beijo.

–         Oh, Xena, vamos sair daqui…

–         Por que, neném, não está gostando?_ perguntou beijando-a por trás da orelha.

–         Hum… Muito, mas… é porque se a gente demorar Lila vai vir nos buscar. Já pensou se ela pega a gente assim.

–         Você está certa. Não quero que isso aconteça._ disse Xena a soltando.

O estômago de Gabrielle se manifesta.

–         Eu ainda não jantei._ disse se desculpando.

–         É, realmente, eu sou mesmo muito importante pra você, pra até deixar de comer._ disse Xena brincando.

Em resposta Gabrielle dá um tapa no braço dela. E quando estavam saindo do celeiro, dão de cara com Lila, que como Gabrielle havia dito tinha ido atrás delas.

–         Gabrielle que demora! Xena não queria vir?_ disse com as mãos na cintura.

–         Ah, desculpe a demora Lila. É que eu já tinha feito a minha cama._ disse Xena.

–         Quem deve desculpas não é você, sou eu. Por ter bancado a mal educada e por ter ciúmes de você com a minha irmã.

–         Lila, você não precisa me pedir desculpas…

–         Devo e muito, Xena. O que você fez e faz pela minha irmã não tenho como agradecer.

Xena olha de lado pra Gabrielle com um olhar tão revelador que a barda corou.

–         Gaby como você está vermelha!_ disse Lila clareando o rosto da irmã com o candeeiro.

Gabrielle não soube o que dizer. Coube a Xena falar:

–         É mesmo Lila, você tem razão. Por que será?

Se Lila não estivesse olhando, Gabrielle teria cutucado ou beliscado Xena, não só pelo que dissera, mas pela cara de cínica que fizera.

–         Pensando bem Lila, deve ser fome. Gabrielle ainda não jantou._ disse Xena com uma cara bem safada.

Gabrielle aproveitou que Lila entrara primeiro na casa e deu um tapa no braço da guerreira, que desta vez não foi pega desprevenida.

Xena fez questão de dormir no chão ao lado da cama de Gabrielle. Não quis dormir na cama oferecida por Lila, que iria dormir com Gabrielle na cama dela.

Durante a noite, num determinado momento, quando o quarto estava às escuras, Gabrielle desce a mão à procura da mão de Xena, que imediatamente lhe afaga a mão e depois a leva aos lábios, a beijando afetuosamente. Gabrielle, então, lhe acaricia o rosto, passando os dedos demoradamente pelos lábios da guerreira, que começa a chupar os seus dedos, tirando da barda um suspiro.

–         Você está sentindo alguma coisa, Gabrielle?_ perguntou Lila.

–         Ahn… Não. É que… torci o braço._ inventou a barda.

–         Que coisa Gabrielle, como é que você pode torcer o braço, estando deitada?

–         Pra você ver, Lila, Gabrielle se mexe muito na cama._ disse Xena se divertindo com a situação.

–         Muito engraçada._ protestou Gabrielle.

No dia seguinte, depois do desjejum, Xena foi para o celeiro. Tinha acabado de alimentar Argo quando viu Gabrielle passar. Foi atrás dela, logo a alcançando.

–         Aonde vai?

–         Vou dar uma volta por aí.

–         Sozinha.

–         Sim.

–         Sem o cajado?

–         Sim.

–         Posso te acompanhar?

–         Pra quê?

–         Pra te proteger se aparecer algum bandido._ disse Xena percebendo e gostando do joguinho começado pela barda.

–         E quem vai me proteger de você?_ disse prendendo o riso.

–         Eu não vou fazer nada com você, que você não queira._ disse ao ouvido dela.

–         Então não vai fazer nada._ disse parando na beira do rio e se sentando numa pedra.

Xena se aproxima e diz:

–         Vamos pescar?

–         Hum… Não sei se devo.

–         Não sabe?

–         Eu me lembro muito bem da última vez que pescamos aqui.

–         Não gostou do que aconteceu?

–         Justamente por ter gostado e… muito, que acho não devo.

–         Então, só me resta uma saída. Eu vou te pescar fora d`água.

–         Me pescar? Desde quando eu sou peixe?

–         Desde o dia que caiu na minha rede._ disse Xena em pé em frente a ela.

–         Ah, é? Pois esse peixe aqui vai nadar em outro lugar._ disse se levantando e lançando um olhar provocativo a guerreira.

–         Mas não vai mesmo._ disse Xena se aproximando dela.

–         O que você vai fazer?

–         Você vai ver. Vem cá, peixinho, peixinho…_ disse Xena se aproximando com um olhar totalmente safado.

–         Eu não, não me deixo pescar assim tão facilmente._ disse Gabrielle recuando mansamente tentando não rir e excitada.

–         Mas esta pescadora aqui sabe como “pescar” este peixinho. Você já caiu na minha rede._ a voz da guerreira soava com uma certa malícia.

–         Não esteja tão certa disto._ respondeu a barda bastante excitada.

–         Eu já te pesquei.

–         Pescou nada.

–         Ah, não?

–         Não.

–         Então eu vou ter que fazer de novo.

–         Fazer o quê?

–         Te pescar peixinho.

Gabrielle ao sentir o olhar ardente e o tom de voz insinuante da guerreira, diz num fio de voz descompassada:

–         Aqui… aqui não, Xena. Pode ser perigoso.

–         Então você me dá linha, depois puxa o anzol?_ disse Xena alcançando Gabrielle, mas sem tocá-la.

–         Mas a linha quem dá não é o pescador?_ disse Gabrielle completamente fascinada com aquela proximidade daquela belíssima guerreira.

–         Eu acho que você me entendeu.

–         Completamente._ respondeu a barda quase envergada para trás.

–         O que está havendo?_ perguntou Lila se aproximando.

A voz de Lila foi como um choque para as duas que se olharam. Xena recua um pouco.

–         Vocês estavam discutindo?_ perguntou Lila já na frente delas.

–         Não, a gente não estava discutindo._ respondeu Xena bem séria.

–         Pois eu tive a impressão que estavam, Gabrielle estava andando pra trás enquanto vocês conversavam.

Gabrielle se aproxima da irmã e segurando no braço dela, diz:

–         Lila, Xena não quis falar, mas eu vou contar. A gente não estava discutindo, ela estava me aconselhando a não partir agora e tentar ser mais compreensiva com o pai. E eu não queria ouvir, porque sei que ela sempre tem razão.

–         Então Xena te convenceu a ficar?

–         Como sempre.

Xena olhou pra Gabrielle com ternura.

Desde que chegaram em Poteidaia que Gabrielle, pra não contrariar o seu pai, não usou a sua roupa de guerreira, usava a sua antiga roupa, a saia marrom e o top verde. E Xena evitava usar a armadura e as armas, usando apenas o traje de couro. Teve vontade de vestir a calça marrom e a camisa branca, mas achou que Herodotus poderia ver isso como uma afronta.

Aqueles dias estavam se tornando angustiante para a guerreira. A maior parte do tempo não se sentia à vontade, principalmente quando tinha que se sentar à mesa com o pai de Gabrielle. E ela sabia que a barda também estava agoniada. Havia uns dias em que a barda acordava com dores nos ombros e no pescoço. E Xena sabia que isso só acontecia quando Gabrielle estava tensa. Numa manhã quando estava fazendo uma massagem relaxante nas costas de Gabrielle, no momento em que deslizava as mãos das costas para os seios, quase foi flagrada por Lila. Seu sexto sentido fez com que percebesse Lila, parada na janela pelo lado de fora, observando-as.

Fazia mais de uma semana que tinham feito amor naquela manhã em que partiram do templo. Xena estava ficando irritada, pois não conseguia ficar uns momentos a sós com Gabrielle. E justamente agora que ela conhecia o sabor que tinha a sua barda e sabia também que não conseguiria ficar muito tempo sem senti-la. Já estava a ponto de cometer um desatino, de pegar Gabrielle e se esconder com ela em algum lugar por uns momentos. Mas Lila não desgrudava delas… Contudo, Gabrielle percebe a inquietação da sua guerreira, diz:

–         Xena esta tarde quando Lila for tomar banho, eu vou aproveitar e levar você ao meu lugar favorito. E lá a gente pode namorar um pouco.

E assim foi. Chegando no lugar preferido de Gabrielle no alto da colina, Xena diz admirando a bela paisagem:

–         Você nunca me trouxe aqui.

–         Nem poderia. Estavam criando carneiros aqui. Há muito tempo que não venho aqui.

–         A vista daqui é muito bonita.

–         É mesmo.

Xena vê uma pedra grande atrás de um arbusto, se senta e chama:

–         Gaby vem cá, neném.

A barda já conhecia o tom de voz da sua guerreira quando ela estava excitada. Então se aproxima dela com um sorriso de lábios puxados que a guerreira tanto gostava.

–         Senta aqui._ disse Xena apontando para as próprias pernas.

Gabrielle ia se sentando de lado, mas Xena a vira de frente pra se, dizendo:

–         Assim não, neném. Assim: como se fosse montar.

Gabrielle então, bem insinuante, se senta sobre as pernas da guerreira que quase geme ao ver que aquela antiga saia marrom que a barda estava usando, subira, deixando as coxas à amostra, mais até de quando ela montava em Argo. Xena acariciou aquelas coxas macias. Gabrielle fez uma carícia no rosto da guerreira que a puxa mais pra si e a beija. Primeiro, suavemente, depois com ardor, com paixão. Enquanto beijava, as mãos da guerreira procuraram os seios arfantes da barda, afagando-os. Logo após, os seus dedos começaram a desamarrar os cordões do top verde. Ao notar, Gabrielle diz segurando-lhe as mãos:

–         Xena o que está fazendo?

–         Deixa Gaby, eu não estou agüentando.

Gabrielle soltou as mãos dela. Xena desatou os cordões e assim que conseguiu abrir um pouco o top, desceu o lado direito para baixo e ao ver o peito desnudo cobriu-o logo com a sua boca, beijando-o, sugando-o.

–         Xena… isso é muito bom…_ sussurrou a barda encostando a testa na cabeça da guerreira, acariciando os cabelos e a cabeça dela.

De repente, uma voz ao longe chamando por Gabrielle as fez parar.

–         É Lila!_ disse Gabrielle.

–         Oh, não! Agora não!_ resmungou Xena.

Gabrielle se levantou rapidamente do colo de Xena e mais rápida ainda fechou o top e se ajeitou. Chega Lila, dizendo:

–         Eu estou procurando por vocês já tem um bom tempo. Ainda bem que me lembrei que vocês só podiam estar no seu lugar preferido Gabrielle. Vocês já perceberam como estão coradas. Andaram pegando sol demais. Gaby até o seu pescoço está vermelho.

Xena e Gabrielle se olharam com cumplicidade, só elas sabiam porquê.

Finalmente chegara o dia da festa.

Hecuba fizera, como presente de surpresa, um vestido pra Gabrielle usar ao ser homenageada. Era um vestido de camponesa todo verde com ornamentos e enfeites em amarelo escuro e alaranjado. Ficara muito bonito em Gabrielle e pelo olhar de Xena ela vira que fora inteiramente aprovado.

–         Estou parecendo uma camponesa. Que na verdade eu sou._ disse Gabrielle se olhando no espelho e a sós com Xena.

–         Você está linda, barda. Vou ter que ficar atenta a noite toda tem muito gavião à solta._ disse Xena.

–         Não que eu não queira que você fique de olho em mim, mas não tem nenhum perigo, eu só tenho olhos para você._ disse Gabrielle acariciando o couro que cobria o ventre da sua guerreira.

Durante a homenagem a Gabrielle, Xena se manteve discreta, um pouco afastada, ficou sentada o tempo todo à mesa ao lado de Lila. Ali pode observar que Hecuba transbordava de alegria e orgulho da filha e que Herodotus, sentado em outra mesa com os amigos, também parecia orgulhoso quando cada um dos aldeões vinha-no cumprimentar. Xena respirou aliviada.

Gabrielle, a pedido, teve que contar uma história e ela contou a sua própria história, incluindo a guerreira e dando-lhe o crédito por estar ali sendo homenageada. Pela primeira vez a barda viu a sua guerreira ficar inibida sob aos aplausos que ela pedira em sua homenagem.

Durante a noite toda Gabrielle teve que dançar com todo aldeão que a convidara. Olhava sempre pra Xena que lhe sorria em consentimento. Contudo, algumas vezes surpreendeu Xena a olhando de tal maneira que, curiosa, foi perguntar, aproveitando que Lila estava dançando:

–         O que foi? Por que você está me olhando assim?

–         Estou com vontade de você.

–         Xena!_ disse corando subitamente.

A guerreira se aproxima mais dela e lhe diz ao ouvido:

–         Quem manda ser deliciosa._ e beijou abaixo da orelha da barda.

Gabrielle suspirou fundo e saiu para atender um outro pedido de dança.

–         Já vi que essa vai ser uma LONGA noite._ disse Xena pra si mesma.

A mulher do dono do armazém veio conversar um pouco com Xena.

–         Foi mesmo uma pena o rompimento do noivado de Gabrielle com Perdicas. Também se isso acontecesse, Gabrielle jamais teria se formado, com certeza ele não deixaria.

Esse assunto sempre incomodava Xena, mas deixou que a mulher prosseguisse com a conversa.

–         Perdicas foi para Atenas.Agora ele é um oficial ateniense e está morando lá. Por isso ele botou a fazenda dele à venda. Deixou esse encargo para o meu marido resolver. Herodotus bem que queria comprar, mas não tem dinheiro suficiente.

Agora a conversa foi de interesse de Xena que perguntou qual era o preço pedido.

Quando a festa acabou e que foram para casa, no caminho, Xena avisa:

–         Gabrielle, eu vou ter que ir pra Olinto amanhã bem cedo. Em três dias estou de volta.

–         Vou com você.

–         Não Gabrielle, fique aqui com a sua família. Estou pedindo. Eu não vou demorar.

–         O que você vai fazer lá?_ perguntou um pouco chateada.

–         Eu escondi, numa gruta em Olinto, umas jóias e algumas pepitas de ouro, vou vender tudo e depois eu te conto o que pretendo fazer.

–         Você não esqueceu que agora estamos casadas e que eu deveria ir com você e não deixar você sozinha nunca mais, não é?

–         Eu sei, meu coração. Eu não esqueci. Mas é urgente e além do mais essa será uma ótima desculpa pra deixar você a sós com sua família por uns dias.

Lila se aproxima perguntando:

–         Não vão entrar?

De manhã bem cedo, Xena se levanta, olha pra Gabrielle dormindo e não tem coragem de acordá-la. Vai até o celeiro, quando ia saindo com Argo vê Gabrielle enrolada no cobertor vindo em sua direção.

–         Ia partir sem se despedir de mim?

–         Não quis acordá-la, você estava tão linda dormindo…

Gabrielle a abraça repentinamente. Xena a puxa para dentro do celeiro e a beija apaixonadamente. Depois diz:

–         Em três dias, no máximo, estarei de volta.

O estado de espírito de Gabrielle mudara nesses três dias sem a presença de Xena, Lila notara. Nada a animava, praticamente não saia de dentro de casa. No terceiro dia, passara a manhã toda na varanda da casa de olho no portão. Já estava quase anoitecendo, quando avista ao longe a figura da guerreira e sua égua. Um riso largo tomou conta do rosto da barda. Correu-lhe ao encontro. Xena aumentou os passos para alcançá-la logo. Em poucos instantes estavam uma nos braços da outra.

–         Oh, Xena… Como você demorou! Nunca mais vou deixar você partir sem mim.

–         Também não quero mais ficar um dia sem você, barda. Mas agora tenho uma novidade que quero te contar antes que alguém da sua família apareça.

Xena não disse, mas Gabrielle sabia a quem ela se referiu, Lila, que não as deixava sozinhas.

Após contar a Gabrielle o que fizera e lhe entregando um pergaminho, diz:

–         Agora vá e entregue isso a ela.

–         Oh, Xena… Quero que você venha comigo.

–         Não Gaby, eu vou cuidar de Argo, ela está cansada, precisa de trato.

–         Tá bem, mas daqui a pouco vou levar umas cenouras e maçãs para ela.

Gabrielle entrou em casa e chamou os pais e a irmã. Mostrando o pergaminho diz para Lila:

–         Esse é um presente meu e de Xena para você Lila.

–         Pra mim?_ diz Lila surpresa. Abre o pergaminho e espantada, mostra aos pais dizendo: É a escritura das terras que foram de Perdicas e que agora são minhas! Estão no meu nome!

–         Na verdade, quem comprou essas terras foi Xena, mas ela quis que eu lhe presenteasse, pois ela achou que o pai não aceitaria. Por isso, ela resolveu colocar em seu nome Lila.

–         Eu já não tenho mais como agradecer a Xena, minha filha._ disse Hecuba a Gabrielle.

–         Tratando-a com carinho, mãe. É isso que ela quer e eu também.

E nesta noite, Herodotus se sentou à mesa e pediu que Xena compartilhasse o jantar com eles, quebrando o gelo e o mal estar que antes havia. Gabrielle reluziu de felicidade, Xena notou.

Na manhã seguinte, quando Xena estava tomando banho, Gabrielle abriu a porta do reservado, tirou o pano de banho e o roupão que estavam pendurados na porta e olhando para a sua guerreira completamente molhada, pergunta:

–         Você quer o pano e o roupão?

–         Claro ou você acha que vou sair assim?

–         Eu acho que você devia sair assim como está.

Xena percebeu que a barda a olhava com desejo e que era mais um joguinho entre elas. A guerreira resolveu brincar.

–         Você está querendo que eu vá até aí assim?

–         Por que não?_ disse colocando o pano e o roupão atrás das costas.

–         Se eu for aí, vou puxar você aqui pra dentro.

–         Vai nada.

–         Não?

–         Não.

–         Então eu não tenho alternativa a não ser…

Antes que Xena completasse o que ia dizer, alguém diz:

–         Gabrielle o quê você está fazendo?_ repreendeu Lila.

Gabrielle joga o pano e o roupão para Xena, fechando a porta a seguir. Desta vez, Xena não tinha pressa de sair, queria escutar qual seria a desculpa que Gabrielle iria dar.

–         Ah, Lila, não foi nada. Eu estava brincando com Xena.

–         Brincadeira mais boba essa._ disse Lila.

–         Lila, nós vamos partir amanhã de manhã._ disse Gabrielle.

Xena sai do reservado, vestida no roupão, enxugando os cabelos com o pano e olhando indagativa pra Gabrielle.

–         Já avisou pra mãe?_ perguntou Lila um pouco triste.

–         Não, você é a primeira a saber._ disse olhando pra Xena com um sorriso maroto.

–         Primeira mesmo, nem eu sabia._ disse Xena também com ar maroto.

E quando estavam a sós no celeiro, Xena diz:

–         Então você decidiu que vamos embora amanhã.

–         Xena, amanhã vai fazer quinze dias que estamos aqui. Estou ansiosa para ir pra nossa casa, pra cuidar melhor de você.

–         Confessa que está curiosa?_ disse Xena dando água para Argo.

–         Curiosa só não, estou ansiosa para ver o nosso quarto.

–         Só que você vai ter que esperar um pouco mais._ disse Xena de costas para ela, contendo a vontade de rir.

–         A gente não vai para Amphipolis?_ perguntou a barda se aproximando dela.

–         Não, vamos para… Corinto.

–         Fazer o quê lá?_ perguntou querendo ficar de frente para Xena que não parava no lugar, fingindo sempre pegar alguma coisa.

–         Vou deixar você numa hospedaria e vou resolver um problema.

–         Vai me deixar numa hospedaria?! Você esqueceu que estamos casadas?_ perguntou ainda tentando encarar a guerreira.

–         Por isso mesmo, como é que vou levar a minha esposa para um bordel.

–         O quê? Um bordel? Sozinha é que a senhora não vai.

–         Vou sim, já está decidido._ Xena já estava a ponto de desatar em gargalhada ao notar que a barda estava alterada.

–         Ah, então é assim, você vai me proibir de te ajudar? Xena, eu me casei com você porque te amo e quero ser a sua companheira para o que der e vier, em todos os momentos._ diz sentida.

Xena vira de frente para ela e diz:

–         Eu estou brincando com você, barda. Eu quis retribuir a brincadeira de hoje cedo.

–         Você me enganou, pensei que essa fosse a nossa primeira briga._ disse dando uns tapas nos braços de Xena que perde o equilíbrio ao tentar se desviar e cai deitada num monte de feno, dando gargalhada.

–         Ah, tá rindo, não é? Quer rir mais?_ perguntou Gabrielle já se atirando pra cima de Xena, fazendo cócegas nela.

Xena consegue dominá-la, segurando-a pelos punhos. Gabrielle estava inteira em cima dela, olhando-a fascinada, quando ia beijá-la, escuta um barulho e vê, ao lado, Lila em pé olhando-as e antes que pudessem dizer alguma coisa, ela sai correndo. As duas se levantam. Xena diz:

–         Vai falar com ela.

–         Será que ela percebeu que nós…

–         Acho que sim.

Gabrielle consegue alcançar Lila que tinha ido para o quintal, onde ficavam as galinhas. Lila pega uma pequena vasilha com milho e começa a jogar para as galinhas.

–         Lila.

–         Gabrielle, eu vi, mas não entendi direito. O que está acontecendo entre você e Xena?

–         A gente se ama.

–         Eu sei que vocês se amam como amigas.

–         Mais do que amigas.

Lila parou o que estava fazendo e olhando pra irmã, pergunta:

–         O que você está querendo dizer, Gabrielle?

–         Que eu e Xena nos amamos de verdade.

–         Você está querendo dizer então que… que vocês fazem amor, que são amantes?

–         Já que você só entende assim, é isso.

–         Gabrielle, o que você está me dizendo? Todo esse tempo vocês…

–         Não, você está enganada Lila, durante esses anos não aconteceu e não tem acontecido nada entre nós. Mas aconteceu agora, há poucos dias.

–         Como pôde Gabrielle…

–         Eu amo Xena e sei que ela me ama também. Eu acho que a amei desde o primeiro momento que a vi. Mas ela custou a me enxergar, só me via como a garotinha aqui de Poteidaia que ela levava para a Academia. Mas, aos poucos, eu fui conquistando-a.

–         Gabrielle, você tem coragem de dizer que foi você quem seduziu essa… mulher?

–         Eu não queria que você ficasse indignada pelo fato dela ser mulher também. Quando a amor acontece não é você que vai escolher quem, no amor não há preconceitos. A gente se ama de verdade, somos almas gêmeas. Queria tanto que você entendesse isso, minha irmã, ou, pelo menos aceitasse. Me faria tão feliz.

–         O que você viu nela, Gabrielle?

–         Você não entenderia. Mas mesmo assim vou dizer. Quando a vi, percebi que ela era aquela pessoa que habitava os meus sonhos. Percebi que teria que a seguir e ficar ao lado dela e fazê-la perceber que tínhamos que ficar juntas porque somos almas gêmeas. Mas como convencer uma mulher como ela que eu, uma simples camponesa, era o seu par perfeito?

–         Do jeito que você fala dela, parece que ela é maravilhosa.

–         E é mesmo, Lila. Ela é maravilhosa.

–         É, ela deve ser mesmo, pra você estar apaixonada por ela.

–         Completamente, Lila, completamente.

–         Gabrielle me diga uma coisa: como é que vocês duas fazem?

–         Lila!_ retrucou Gabrielle e acrescenta: Não posso falar das minhas intimidades com Xena. É uma coisa minha e dela. Se fosse você que estivesse casada, falaria das suas intimidades amorosas?

–         Gabrielle, você e Xena não são casadas.

–         Somos sim, a própria deusa Afrodite foi quem nos casou.

–         Então a tal promessa que você foi fazer, era na verdade pra se casar?

–         Na verdade, Lila, eu passei esse tempo todo quase morta. Ares me enfeitiçou e foi o amor que Xena sente por mim que me salvou.

E Gabrielle contou pra irmã tudo que acontecera. Ao terminar, percebera que Lila estava espantada e emocionada com o que acabara de ouvir.

–         Lila, eu só contei isso para você tentar compreender melhor ou, pelo menos, aceitar o amor que Xena e eu sentimos.

–         Gabrielle, eu posso não entender, mas vou respeitar e aceitar.

Gabrielle abraça e beija a irmã daquele jeito todo dela.

Durante todo o jantar, Lila não despregou os olhos de cima de Xena, que fingia não perceber. Só parava de olhá-la quando Gabrielle a cutucava por baixo da mesa.

Antes de dormir, Xena foi até o celeiro arrumar as coisas para a viagem. Gabrielle foi logo após levar as suas coisas.

–         Gabrielle, eu acho que vou dormir aqui hoje. Fica mais fácil. Acordo, alimento Argo e…

–         De maneira nenhuma._ disse Lila e se aproximando e diz: O seu lugar é ao lado de Gabrielle, cunhada.

Xena ri agradecida, enquanto Gabrielle torna a abraçar calorosamente a irmã.

Chegando no quarto, Lila pergunta:

–         Se vocês quiserem unir as duas camas, eu durmo no chão.

–         Não Lila, não precisa. Eu e Xena dormiremos na mesma cama._ disse Gabrielle.

–         Vai ficar desconfortável._ ainda Lila olhando para a largura da cama.

–         Fica não. Dá direitinho nós duas aí._ disse Gabrielle olhando com cumplicidade para Xena e conclui: E não se preocupe que a gente só vai dormir.

Desta vez foi uma certa guerreira que ficou sem graça.

Durante a noite, tanto Gabrielle quanto Xena perceberam que, por duas vezes, Lila levantou a cabeça para espiá-las. Mas só o que vira fora Gabrielle aconchegada nos braços de Xena.

Na manhã seguinte, Gabrielle vestira sua roupa de guerreira e quando ia saindo do quarto com Xena, Lila diz se sentando na cama:

–         Da próxima vez que vocês vierem, vão ficar hospedadas na minha nova casa, lá vocês terão um quarto só pra vocês.

–         Obrigada, Lila._ disse Xena.

Mais uma vez Gabrielle abraça a irmã fervorosamente.

Elas preferiram andar um pouco que cavalgar. Quando pegaram a estrada, então Xena montou em Argo e estendeu o braço para que Gabrielle se sentasse a sua frente, mas a barda preferiu montar atrás, dizendo:

–         Prefiro sentar aqui atrás de você. Quero sentir o contato das suas costas. Senti tanta falta delas.

–         Bem, hoje à noite você poderá se servir à vontade._ disse Xena com certa malícia.

–         A gente vai acampar?

–         É o jeito. Não tem nenhuma hospedaria pelo caminho que iremos. É o mais curto, também o mais desconfortável, mas amanhã à noite estaremos em Amphipolis.

Cavalgaram a amanhã toda, só pararam para almoçar.

Enquanto esquentava a comida que havia trazido de casa, Gabrielle pergunta:

–         Xena, você havia me dito que não tinha mais nenhum saco de dinares escondido.

–         É verdade. Não tenho mais nenhum saco de dinares escondido, mas tinha essas jóias e pepitas de ouro que eu tinha até esquecido.

Gabrielle entrega o prato com comida pra Xena, dizendo:

–         Você não sabe como eu fiquei emocionada com o seu gesto. Depois disso acho que meu pai nunca mais vai fazer comentário ruim a seu respeito, pois nem Lila e mamãe vão deixar.

Xena sorriu e disse:

–         Fiz por você. E comprei isso aqui para você, barda._ disse estendendo um pequeno saco.

Gabrielle ao ver o que tinha dentro exclama admirada:

–         Pelos deuses, Xena, o que é isso!

–         Isso é um cordão de ouro com um pequeno coração também de ouro, escrito no seu interior uma declaração de amor para a mulher da minha vida.

Gabrielle abriu a pequena jóia e nela estava escrito em letras minúsculas: “G. O nosso amor é para sempre. X”.

–         Oh, Xena, que coisa linda! Não precisava, amor. Deve ter sido muito caro essa jóia, deveríamos economizar…

Xena a interrompe dizendo:

–         Se eu não posso fazer um agrado pra mulher que amo, que droga de amante eu sou?

–         Você é a melhor amante que há. É o meu amor._ disse fazendo um carinho no rosto da guerreira. Depois deu o cordão para que a guerreira o colocasse nela.

–         Ficou lindo em você, minha barda. Mas agora vamos almoçar. Descansaremos andando e depois cavalgaremos a tarde toda, parando só para jantar e dormir.

Durante o caminho Xena encontrara vestígios de caçadores, achou melhor evitá-los.

No começo da noite achou uma clareia bem escondida. Não acendeu uma fogueira para não chamar a atenção e nem atrair problemas. Dormiram sentadas, Xena encostada na rocha com Gabrielle sentada no meio das suas pernas com a cabeça apoiada no seu peito. E Argo ficara ao seu lado.

No dia seguinte, no começo da tarde, perceberam que uma enchente havia trazido vários troncos de árvores interditando o caminho, impossibilitando a passagem da égua. Tiveram que seguir pela estrada principal, a guerreira bufou de raiva, dizendo:

–         Teremos que ir pelo caminho mais longo. E vamos ter que passar mais uma noite na estrada. Se não acontecer mais nenhum imprevisto chegaremos amanhã à noite em Amphipolis.

Xena lembrou de uma pequena gruta, na verdade um buraco provocado por uma erosão, onde as três poderiam se abrigar e até acender uma pequena fogueira.

Enquanto Xena desatrelava Argo ficou observando Gabrielle arrumar as coisas. Quando ela se abaixou de costas deixou ver aquele par de coxas roliças e quando ela se abaixou de frente era o par de seios que a guerreira admirava. O olhar foi tão intenso que despertou a atenção de Gabrielle que se exibiu mais. Sabia que com isso estava levando a guerreira ao desespero. Mas era isso que ela queria, queria que a sua guerreira a desejasse e a amasse cada vez mais. Xena então resolveu se afastar indo camuflar a entrada da pequena gruta com uns galhos e deixando bem fraca as chamas da fogueira. Depois se sentou no cobertor ao lado da barda, beijou-a dando-lhe boa noite e quando lhe estendeu o braço para que ela deitasse nele, Gabrielle pede apontando-lhe as costas:

–         Posso?

–         São suas._ respondeu Xena virando- lhe as costas para que a barda pudesse usá-la.

–         Hum… Isso é bom! Como é bom ficar assim._ disse Gabrielle se aconchegando mais nas costas dela e pelo contato íntimo e irresistível levou a mão nas nádegas da guerreira acariciando-as.

–         Gabrielle… _ disse Xena a tentando repreender ao mesmo tempo em que sentia prazer.

–         Sabia Xena, que eu gosto muito desta parte do seu corpo?_ disse acariciando ainda mais.

–         A sua é mais bonita.

–         Não acho, é muito grande.

–         É do jeito que eu gosto._ disse Xena levando a mão para trás até as nádegas da barda, apalpando-as.

Gabrielle dá um suspiro sentindo a mão da guerreira crescer em carícias. Xena percebe e pára, dizendo:

–         Vou parar por aqui, não é prudente. Mas quando chegarmos em Amphipolis, na nossa primeira noite lá, eu vou fazer tanto que você vai ficar cheia de mim.

–         Vai nada, vamos chegar tão cansadas…

–         Pra isso, eu nunca fico cansada. Você é que vai pedir pra eu parar, não vai agüentar._ disse Xena provocando.

Gabrielle limitou-se apenas a se aconchegar mais nas costas daquela experiente guerreira, experiência esta que a preocupou. Como ela iria fazer para agradar e saciar aquela guerreira? Fechou os olhos, sabia que ia pensar nisso até dormir.

No dia seguinte usaram do mesmo expediente do dia anterior, param só para o almoço. Depois de uma boa caminhada, Xena ao montar em Argo puxa Gabrielle para a sua frente onde pôde, além de abraçá-la e acariciá-la, cheirar os seus cabelos, beijar o seu pescoço e virar a cabeça dela pro lado e lhe beijar a boca ardentemente. Disse-lhe ao ouvido:

–         Hoje você não me escapa.

Gabrielle já estava ficando preocupada.

Quando chegaram em Amphipolis, já era noite e Cyrene estava servindo o jantar para os hóspedes. Assim que as viu, estendeu os braços, dizendo:

–         Filhas, até que enfim!

As duas a abraçam ao mesmo tempo.

–         Lindinha, senti muito por não poder ter ido na sua formatura.

–         Eu compreendo, mãe. Adorei os presentes.

–         Mãe, a gente está precisando de um banho._ disse Xena.

–         Também estamos com fome._ disse Gabrielle.

–         Gabrielle, você não quer primeiro conhecer o nosso quarto, tomar um banho, hein?_ disse Xena com intenção.

Antes que Gabrielle pudesse responder, Cyrene percebe o olhar esfomeado da barda vendo os hóspedes comendo. Diz:

–         Depois vocês vão conhecer o quarto e tomar banho, agora vão se sentar lá na mesa da cozinha, senão a sopa esfria.

–         Sopa de quê?_ perguntou a barda.

–         De carne com legumes e pão fresquinho.

–         Hum…_ sussurrou a barda dando o braço para Cyrene e indo pra cozinha, mas antes sorriu de tal maneira pra Xena que ela percebeu que mais um joguinho estava pra começar.

Depois de ajudar Cyrene a arrumar à mesa para o jantar, Gabrielle se senta em frente a Xena. As duas se olham. A guerreira lança olhares maliciosos para a barda que tenta não se intimidar sustentando o olhar.

–         Lindinha, fatie o pão._ pediu Cyrene.

Gabrielle se levantou, pegou a cesta de pão, a colocou em cima da mesa e começou a fatiar o pão. Percebeu que, por estar um pouco inclinada para frente, deixava a mostra um pouco mais que o decote do seu top deixava ver e que a guerreira estava apreciando. Então, se inclinou um pouco mais de propósito, atiçando o olhar guloso da guerreira. Mas Xena ao perceber a intenção dela desviou o olhar. Gabrielle exultou por ter conseguido desbancar um pouco aquela guerreira. No entanto, Xena lhe responde a altura, ao pegar duas laranjas, colocando-as na sua frente em cima da mesa, acariciando-as sensualmente e sem tirar os olhos do decote da barda. Gabrielle se descontrola e quase corta o dedo, dando um grito abafado.

–         Se machucou, Lindinha?_ perguntou Cyrene se virando pra ver.

–         Não, foi só um arranhão.

–         Deixa ver._ disse Xena já pegando a mão da barda.

–         Foi só um pequeno arranhão._ disse Gabrielle vendo naqueles olhos azuis intenções.

Xena passou a ponta da língua na pequena ranhura da parte de fora da mão direita da barda, depois a beijou e a sugou. Gabrielle olhou rapidamente da guerreira para Cyrene que estava distraída cantarolando e mexendo a panela. Tentou puxar a mão, mas a guerreira a virou dando um beijo e sugando-lhe a palma, provocando um leve suspiro na barda.

–         Que foi Lindinha, ainda está doendo?_ perguntou Cyrene trazendo a panela com a sopa.

Xena que havia largado a mão da barda, diz com a cara mais inocente:

–         Mãe, não é dor que ela está sentindo, é fome.

Percebendo que Gabrielle estava completamente corada, Cyrene pergunta:

–         Gabrielle, você está se sentindo bem?

–         Ela está com fome, mãe. Você sabe como essa barda é gulosa. Então._ disse Xena se divertindo com a situação.

Enquanto Cyrene a servia, Gabrielle olhou para Xena que piscou o olho e mandou uns beijinhos para ela. E durante o jantar, Gabrielle notou que Xena de vez em quando a provocava comendo com intenção como a usar a colher com sensualidade entre os lábios ou mesmo bebendo o vinho, roçando com a ponta da língua na borda da taça. A guerreira estava impossível, por várias vezes a cutucou com o pé as suas pernas por baixo da mesa. Como se não bastasse tudo isso, ainda tinha aquele olhar daqueles penetrantes olhos azuis que lhe tiravam o ar, a consciência e a fazia sentir coisas. Gabrielle já estava quase se rendendo quando num ímpeto disse a Cyrene:

–         Mãe, você tem aí umas folhas de melissa?

Xena olha pra Gabrielle com um certo cinismo típico dela, levantando levemente a sobrancelha.

–         Está querendo tomar um chá, Lindinha?_ perguntou Cyrene.

–         Não é pra mim, é pra Xena.

Xena arqueou mais a sobrancelha numa expressão que deixou Gabrielle ruborizada. Disse baixinho só para a barda ouvir:

–         Está com medo, neném?

–         Não sei do quê._ disse Gabrielle também baixinho a provocando.

–         Não mesmo?_ a guerreira estava adorando o joguinho.

–         Não mesmo.

–         Então pra quê o chá?

–         Ora, pra você ficar mais um pouco calma.

–         Não preciso do chá. Você sabe como me acalmar, neném._ disse passando os lábios um no outro.

–         XENA!_ Quase gritou Gabrielle a repreendendo.

–         Vocês estão brigando?_ perguntou Cyrene se aproximando delas.

–         Não mãe, nós estamos…_ tentou explicar Xena.

–         Eu sei, é um joguinho entre vocês._ interrompeu Cyrene.

Xena olha surpresa para Gabrielle que também estava espantada com aquela revelação.

–         Mãe, Gabrielle e eu… Nós temos uma relação… Quero dizer, já não somos apenas amigas…

–         Eu sei, Xena. Quando você me disse que a amava, eu sabia que isso ia acontecer. Sempre soube que a Lindinha também a amava._ Cyrene olha pra Gabrielle que ri para ela e depois olhando pra Xena, conclui: Fico feliz por você, fico feliz por ser ela.

Gabrielle se levanta e a abraça do jeito que só ela sabia fazer. Diz emocionada:

–         Mãe, a gente se casou.

Ante o olhar espantado da mãe, Xena achou melhor contar tudo.

–         Então vocês estão realmente casadas._ não fora bem uma pergunta que Cyrene dissera e completa: Toris vai ficar feliz quando souber.

–         E por falar nele, onde está?_ perguntou Xena.

–         Foi para Trácia. Deve chegar amanhã.

Xena se levanta, dizendo:

–         Bem, mãe, agora vou mostrar o quarto pra Gaby e depois vamos preparar a tina para tomarmos um bom banho quente e relaxante.

–         Já preparei o banho enquanto vocês brincavam._ disse Cyrene sorrindo e conclui: Vocês duas podem ir para o quarto, daqui a pouco eu levo os panos de banhos. Vou fechar a taberna primeiro.

–         Vou pegar as bolsas._ disse Xena pra Gabrielle.

–         Já estão no quarto._ avisou Cyrene.

–         E Argo?_ perguntou a guerreira com as mãos na cintura.

–         Já botei pra dormir.

–         Que eficiência!_ disse Xena.

–         Sendo mãe de guerreiras, tenho que ser ágil._ respondeu Cyrene.

–         Mãe, amanhã você corta o meu cabelo?_ perguntou Gabrielle mostrando a altura do corte.

–         Lindinha, você quer mesmo cortar o cabelo? E Xena o que acha?

–         Eu acho que vou ficar bem melhor de cabelo curto. Xena me disse que me ama de qualquer maneira.

–         E com o cabelo curto sobra mais de você pra … se apreciar._ disse a guerreira a olhando intencionalmente.

Xena fez com que Gabrielle entrasse primeiro no quarto, pois queria ver a reação dela. A primeira coisa que ela viu foi a escrivaninha ficou encantada. Se aproximou, olhou-a tocando e alisando.

–         É toda sua. Para que você possa escrever seus pergaminhos e guardá-los._ disse Xena ao se aproximar e mostra, dizendo: Já coloquei aí os que você deixou aqui.

–         Oh, Xena, eu nunca tive um lugar só meu para escrever, nem na Academia…_ disse a barda passando a mão carinhosamente na face da guerreira.

–         Venha, você ainda não viu o resto.

Ao se virar para o lado, Gabrielle vê a enorme cama com as mesinhas em cada cabeceira. Nem se atreveu a olhar para a guerreira, pois sentia a força daquele olhar. Viu num canto o armário de roupas. Xena abriu as portas dele e lhe mostrou o seu velho conjunto quando era a garotinha de Poteidaia. Gabrielle sorriu daquele jeito franzindo o nariz, então pôs a mão na boca tentando conter o choro da emoção de ver que a guerreira havia guardado aquela roupa com todo amor. Para que a barda não chorasse, Xena correu para mostrar no outro canto do quarto, bem próxima da escrivaninha, a mesa com duas cadeiras para ela fazerem as refeições. Depois se dirigiu para a outra divisão do quarto, dizendo:

–         Vem cá, amor.

Quando Gabrielle se aproximou da entrada ficou encantada ao ver uma tina grande, cravada no chão. Ao redor dela candeeiros, velas, sais e óleos para banho.

–         É como você descreveu, é linda, Xena.

–         Quer ter a honra de preparar o nosso primeiro banho aqui?

–         Com todo prazer.

Nisso, Cyrene chega com os panos de banho, entrega-os a Xena e quando ia se retirar, a guerreira a conduz até o corredor, pois queria falar com ela. Mas é Cyrene quem fala:

–         Filha, sempre notei que essa menina gostava de você, por causa da adoração que ela sente por você.

–         Pois é, mãe, e eu demorei pra perceber isso.

–         Xena posso te fazer um pedido?

–         Pede.

–         Minha filha, nunca magoe Gabrielle. Eu sempre soube que ela era especial, que de alguma forma iria influenciar a sua vida, iluminar o seu caminho. Eu a amo, não só por ela ser essa belezinha de pessoa que é, mas por amar você do jeito que ama.

–         Mãe, eu nunca vou magoar Gabrielle, sabe por quê? Porque estaria me magoando também. Gabrielle nunca teve ninguém além de mim. Eu, às vezes, nem acredito que ela tenha me escolhido para me amar assim. Gabrielle é a minha vida, a minha alma gêmea. Eu não saberia mais viver sem ela.

Quando Xena entrou no reservado, Gabrielle estava de roupão, ela tinha apagado as chamas dos candeeiros e só deixado as velas acesas tanto as do quarto, quanto as do reservado. Era um tom de luz que transmitia um certo mistério, mas muito agradável aos olhos e o cheiro que exalava da água na tina a envolveu por completo, disse olhando para a barda:

–         Desta vez você me esperou.

–         E como não ia te esperar? Você esperou esse tempo todo para inaugurar essa tina comigo._ disse Gabrielle começando a desprender a armadura da guerreira.

Xena deixou que ela a ajudasse a se despir. Sentada num banco Xena também deixou que Gabrielle lhe tirasse as botas, enquanto ela tirava as braçadeiras. Depois soltou os cabelos e em pé tirou o traje de couro e a roupa debaixo, ficando só com aquela calça de guerreira. Então se aproximou de Gabrielle e desamarrando o roupão dela, a despiu devagar, numa quase lentidão, queria pouco a pouco ver cada centímetro daquele corpo tão desejado. Após desnudá-la, sentiu as mãos de Gabrielle puxarem pelos lados a sua calça. Deixou que ela a tirasse. Conteve a vontade de abraçá-la e aí, não iriam para a tina, ofereceu a mão para que entrassem juntas na água. Sentaram, uma em frente à outra, sem nada dizer, apenas se ensaboando. Xena levantou para pegar a garrafa de vinho e as duas taças que trouxera e percebeu que Gabrielle a estava olhando totalmente fascinada, admirando-a. Gabrielle a olhava da maneira que só ela sabia olhar, com os olhos da paixão de uma barda. Xena se sentiu lisonjeada. Entregou a taça, dizendo:

–         Quero brindar ao nosso amor.

Gabrielle com a taça na mão enlaça o braço no braço dela, dizendo:

–         Ao nosso amor!

–         Ao seu amor por mim! Como você pode me amar, eu não mereço ser amada assim por tudo de errado que já fiz.

–         Xena, eu nasci pra te amar e vou te amar sempre.

Xena a beija com carinho e a olhando, pergunta:

–         Me diz uma coisa, você teve realmente medo de mim?

–         Medo não, eu estava ficando preocupada porque não sabia como iria fazer para agradar e saciar você.

Xena pegou as mãos dela entre as suas, dizendo:

–         Gabrielle, eu jamais usaria de violência com você. Será que você não percebeu que além de me agradar, você me deixa plenamente saciada, barda?

–         Vamos sair?_ fora mais que um convite dito na voz suave e quente da barda.

Xena imediatamente se ergue e oferece a mão para saírem juntas da tina. Após se enxugarem, foram abraçadas para o quarto. Começava ali a primeira de muitas noites de amor que viria a seguir.

No dia seguinte, pela manhã Cyrene cortou os cabelos de Gabrielle, enquanto Xena polia as armas.

–         Que tal estou?_ perguntou a barda dando uma voltinha na frente dela.

–         Só queria entender como você pode ficar mais linda do que já é._ disse assanhado a franja da barda.

–         Está parecendo uma menininha._ disse Toris entrando.

–         Oi, Toris._ cumprimentou Gabrielle e perguntou: Isso foi um elogio?

–         Mais do que um elogio é uma verdade. Você ficou mais bonita assim._ respondeu Toris e se virando pra Xena, diz: Que bom que vocês vão morar aqui.

Mais tarde, após fazerem planos para a próxima viagem em busca de auxílio para as pessoas que precisassem de ajuda, foram comunicar a Cyrene e a Toris a decisão durante o jantar. Quase ouve uma discussão entre a guerreira e o seu irmão que saiu chateado da sala, ele queria que Xena ficasse em Amphipolis trabalhando com ele e que deixasse de ser guerreira. Cyrene também não queria que a filha continuasse naquela vida de perigo que levava. Sabia que não adiantaria pedir pra Gabrielle, pois ela apoiaria tudo e qualquer coisa que Xena quisesse. Restava se resignar, pelo menos a filha estava no caminho certo, no caminho do bem.

Xena desabafou para a mãe:

–         Toris não vai entender nunca que eu tenho necessidade disso, de seguir o meu caminho.

–         O nosso caminho, Xena._ corrigiu Gabrielle.

Xena sorriu para ela e segurando a sua mão, diz:

–         Vamos dormir?

–         Mãe, você fez o creme doce que eu pedi?_ perguntou a barda.

–         Fiz sim, Lindinha. Vou pegar.

Xena espantada, diz:

–         Gabrielle, você ainda vai querer sobremesa? Depois não vá reclamar quando te chamo de barda gulosa.

Gabrielle olhou para ela com um sorriso bem característico dela, encolhendo o nariz, provocando uma covinha que deixava Xena encantada.

Cyrene entrega pra ela o pote com o doce.

–         Obrigada, mãe. Vamos Xena._ disse se levantando.

–         Gabrielle, não acredito que você vai levar pra comer lá!

–         Ainda não comi a minha sobremesa._ disse num tom quase ingênuo.

–         E vai comer agora dentro do quarto?

–         Vou._ disse já saindo da cozinha.

Mas ao chegar no quarto, Gabrielle coloca o pote de creme na sua mesa de cabeceira. E abraça Xena pelo pescoço, dizendo:

–         Sabia que eu te amo, guerreira?

Xena riu e disse:

–         Então mostre.

–         Dá pra você abaixar só um pouquinho.

Xena tornou a ri ao reparar que Gabrielle estava nas pontas dos pés. Ao se inclinar pra frente, o seu rosto foi seguro pelas mãos da barda que a beija com ardor. Sentindo o desejo crescer, Xena se insinua, mas Gabrielle se afasta e puxando-a pela mão a leva em direção a cama, dizendo:

–         Vem cá, guerreira. Deita aqui, amor.

Quando a guerreira se aproxima da cama, percebe que esta está forrada, ia fazer um comentário sobre isso, mas Gabrielle começa a desabotoar a sua camisa branca, tirando-a logo; depois desabotoa a sua calça comprida preta e a tira rápido; depois deita a guerreira e com calma lhe tira a calça; depois, em pé, se despe rápida, tirando a saia marrom, a blusa rosa pálida decotada e a calça. Então sobe na cama e se sentando abaixo do ventre da guerreira_ que a esse contato íntimo e úmido dela se excita e num impulso percorre com as mãos o contorno do corpo da barda. Mas Gabrielle segura as mãos dela, trazendo-as até a boca e as beija, depois as estende nas laterais da cama. Esticando o braço direito apanha o pote com o creme. Metendo o dedo no pote, diz:

–         Agora eu vou saborear a minha sobremesa do jeito que eu mais gosto, em você minha guerreira.

E com a ponta do dedo passa nos lábios da guerreira, que tenta pegá-lo com a boca, mas a barda se debruça e com a língua começa a lamber os lábios de Xena.

Novamente com os dedos lambuzados de creme passa-os nos bicos dos seios da guerreira, depois se debruça e começa a lambê-los com a ponta da língua até cobri-los com a boca e chupá-los, provocando um suspiro na guerreira. Gabrielle a olha e dá um sorriso de lábios apertados, feliz por ver o que estava causando na sua guerreira. Então pega mais creme e passa entre os seios até o umbigo. Lambendo todo o doce, percorrendo um caminho de carícias causando em Xena um frenesi.

–         Agora, deixe Gabrielle… Eu quero fazer… o mesmo em você._ disse Xena quase ofegante.

–         Outro dia, Xena. Hoje você é minha.

Gabrielle vira o pote com cuidado e deixa o creme escorrer do ventre até embaixo, provocando um arrepio na guerreira que diz:

–         Gabrielle onde você aprendeu isso? Eu não te ensinei…

–         Certas coisas não precisam ensinar, a gente sente vontade e faz._ disse agora lambendo o ventre dela.

–         Eu também vou querer fazer…

–         Outro dia, Xena. Como disse, essa noite você é minha._ e foi descendo com a boca aberta.

–         Barda gulosa!

De madrugada, aconchegadas uma nos braços da outra, Xena ficou pensando que um dia ela teria que contar pra Gabrielle seu grande segredo, sobre o seu filho Solan. Sabia que por força do destino e pra segurança do próprio filho, não podia contar no momento. E como ela bem conhecia a barda, que iria fazer de tudo para aproximar mãe e filho, era mais sensato esperar o momento certo.

–         Que foi amor, está tão pensativa…_ disse Gabrielle passando a mão carinhosamente pelo seu braço.

–         Eu estava pensando. Sua irmã Lila e sua mãe já me aceitaram. E talvez até a sua mãe já deve estar sabendo que estamos casadas.

–         É, bem capaz de Lila ter contado para ela. Lila nunca soube guardar segredo.

–         Será que elas vão contar pro seu pai?

–         Acho que não. Elas querem que a gente vá visitá-las, se o pai souber… Bem, nunca mais poderemos ir lá. Mas, por que essas perguntas?

–         É que eu estou pensando numa coisa, quando essa coisa acontecer.

–         E eu posso saber que coisa é essa?

–         Claro, você é a principal causa.

–         E o que o meu pai tem a ver com isso?

–         Se o teu pai me trata assim apesar de tudo, imagine quando ele souber o que há entre nós e quando eu te fizer um filho.

Gabrielle arregalou os olhos, espantada e percebendo que Xena estava falando sério, pergunta:

–         Xena, você quer que eu tenha um filho… seu?!

–         E por que não? Gabrielle, eu tenho muitas habilidades…

E antes que a barda lhe fizesse outra pergunta, a guerreira a cala com um ardente e apaixonado beijo.

Uma nova história ia começar.

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Nota