By: Somarq

Corinto, fim de tarde.

    No centro da praça, em frente à escadaria que levava ao Palácio, foi armado um círculo de corda para separar o povo dos governantes, ou melhor, da Conquistadora. E, uma majestosa cadeira em forma de trono a esperava.

    O toque da corneta anuncia que a Conquistadora estava chegando. Tão majestosa quanto as suas vestes, ela surgiu. Era uma mulher belíssima. Cabelos negros presos por um adorno em forma de diadema, cheio de pedras preciosas, ladeadas por penas douradas, como se fossem duas asas prestes a voar, e uma enorme safira entre elas.

    Sua vestimenta ela trouxera da China, seda pura de fundo negro com flores e motivos dourados. Na cintura uma bandagem escura amarrada por cinto da mesma cor, com pingentes dourados. Porém, o que mais se destacava nela eram os olhos penetrantes e profundamente azuis.

–   Pode começar._ ordenou ela.

    O chefe dos soldados lhe fez reverência e seguindo em frente, desceu a pequena escada do calabouço. Parando entre as duas celas pergunta a um dos guardas:

–      Quem é a escrava agitadora?

–      É aquela ali, senhor._ apontou o guarda para uma garota loura num canto da cela.

–      Aquela ali?!_ indagou incrédulo.

–      Sim, senhor. É uma agitadora. Tivemos que traze-la amarrada e amordaçada.

–      Traga-a, vai ser julgada.

    Escoltada por dois soldados, a garota foi jogada no chão em frente à escadaria, aos pés da Conquistadora, que pergunta:

–      Qual é o crime dela?

–      Eu falei._ respondeu a garota levantando a cabeça, o rosto meio encoberto pelo desalinho dos cabelos.

    O chefe dos soldados completa:

–      Incitou o povo contra você. E encorajou a revolta.

    A Conquistadora levantou uma das sobrancelhas como se duvidasse do que acabara de ouvir. Levantou-se e desceu a escadaria até onde estava a garota deitada. Abriu os braços como se fosse fazer uma saudação e ordenou:

–      Levante-se.

    A garota se levantou, olhou-a por um instante, parecendo surpresa pela proximidade, mas nada disse, encarando-a.

    A Conquistadora afastou os cabelos que cobriam a face da garota e, segurando-lhe no queixo, sarcasticamente pergunta:

–      Você é culpada?

    A garota, com um gesto de cabeça se desvencilhou da mão dela, respondendo:

–      Eu dei voz ao povo… aos medrosos, aos famintos… aos que desapareceram na noite e nunca mais foram vistos.

    Virando-se de costas para a Conquistadora, gritou para o povo:

–      Vocês não têm dignidade, nem direitos?… O direito de viver, de se libertar do mal?

     Silêncio total.

–      Acho que eles não ouvem a sua voz._ disse com mais sarcasmo a Conquistadora.

    A garota, novamente a encarando, disse:

–      Eu não sou a única. E você não pode quebrar nossos espíritos.

    A Conquistadora chegou tão perto que a garota, para manter o olhar, quase se dobrou pra trás, tamanha a diferença de altura entre as duas. Ela disse:

–      A cura para o espírito é o medo. E você servirá de exemplo. Coloquem ela na cruz.

     Dois soldados agarram a garota e a amarram numa cruz ali mesmo.

     E, antes de subir os degraus que a levariam à suntuosa cadeira, a Conquistadora ordena:

–      Quebre as pernas dela.

–      Sua covarde! Diz que odeia os romanos e faz a mesma coisa que eles fazem.

     Há muito tempo ninguém a enfrentava dessa maneira. E a reação dessa jovem, de alguma forma, mexeu com ela.

–       Insolente! Ninguém fala assim com a Conquistadora. Vou te ensinar a ter respeito._ dizendo isso, o chefe dos faz sinal pro soldado arremessar o martelo nas pernas dela.

     A garota, apavorada, fecha os olhos.

     Antes de o martelo alcançar seu objetivo, o chakram o atinge, derrubando-o.

     A garota abriu os olhos, espantada viu o martelo quebrado no chão, e o chakram voltando pra mão da Conquistadora.

–       Resolvi te dar uma outra lição. Tire-a daí e leve-a pro meu gabinete.

     E ordenou a seguir:

–      Os que foram soldados de Mezentius, crucifiquem. E os homens e mulheres que eram escravos, continuam escravos.

A garota ouviu a ordem.

Como a Conquistadora havia mandado, ela foi levada até o gabinete daquele Palácio, numa sala suntuosa, onde havia uma enorme mesa e por trás dela uma luxuosíssima cadeira.

Os soldados a colocaram ajoelhada defronte à mesa.

O coração da garota estava acelerado. Quando ela havia pensado que seria o fim da sua vida, de repente encontrava-se ali ajoelhada, à espera de uma outra sentença, talvez pior do que a própria morte.

Instantes depois ela chegou. Olhou-a. Foi pra trás da mesa e sentou-se naquela cadeira. Ordenou que os soldados a levantassem. O que foi um alívio para a garota, que já não estava mais se agüentando em ficar naquela posição. Tornou a olhar pra garota por uns instantes, depois pegou um pergaminho, uma pena e começou a escrever.

A garota, ainda sentindo o coração disparado, estava ansiosa e apavorada pra saber qual seria sua sentença. Mas a Conquistadora parecia não ter pressa em se pronunciar sobre isso, continuava a escrever, às vezes parando pra ler o que tinha escrito e depois voltando a escrever novamente, bem calma.

A garota não conseguiu ter noção do tempo que ficou ali parada à espera. Teve vontade de gritar, mas teve medo, e também não queria mostrar para aquela mulher o quão estava desesperada.

–         Muito bem._ disse a Conquistadora. E, enrolando o pergaminho, dirigindo-se a um dos soldados: Soldado, leve essa ordem ao Comandante.

        Depois se dirigiu ao outro soldado, falando:

–         Você pode ir, mas antes me chame as amas.

       A Conquistadora deu a volta por trás da mesa, parando em frente a esta e a garota. Olhou-a de cima a baixo.

–        Vire-se._ ordenou.

      A garota ficou imóvel, desta vez não por desobediência e, sim, por não ter entendido bem a ordem dela. Na verdade, sentia-se muito fraca.

–       Mandei se virar. Será que você só obedece no chicote?

     A garota achou melhor não contrariá-la naquele momento. Foi se virando devagar, até ficar totalmente de costas para ela. Seus pensamentos eram os mais desencontrados possíveis, pois não conseguia imaginar o que ela estaria fazendo ou arquitetando com isso.

    Um longo tempo depois veio à ordem para que ela se virasse novamente. Só que, desta vez, ela se virou rapidamente, encontrando no rosto da Conquistadora um risinho malicioso.

–      Tome cuidado com o que vai falar daqui pra frente. Saiba que eu posso mandar queimar ou cortar a sua língua. Mas tenho um destino melhor pra você. E vai depender de você. Um passo em falso e será entregue aos gladiadores. Já pensou o que eles vão fazer com uma garota tão novinha e bonita como você, totalmente à disposição deles?

     A garota sentiu horror em pensar que poderia ser entregue àqueles homens selvagens. Esse medo a fazia ter forças pra agüentar qualquer humilhação que viesse.

     Nesse instante as amas adentraram na sala. Ela as observou, eram três mulheres fortes, quase gordas, que pareciam ter uma certa intimidade com a Conquistadora, pois não fizeram a reverência.

–       Quero que vocês a levem, dêem um banho, coloquem roupas limpas e a alimentem. Não, não lhe dêem comida. A tragam, depois de pronta, aos meus aposentos. Ah, e se ela não quiser obedecer, podem  bater. E joguem fora esses trapos que ela está vestindo.

      As três mulheres levaram a garota. E foram dando conselhos para ela, dizendo “Se não quiser sofrer é melhor obedecer às ordens da Conquistadora”, “Não é qualquer um que ela traz pra dentro do Palácio”, “Se eu fosse você tratava de me comportar”. E foram muitos sermões até chegar à sala de banho. Lá perguntaram o nome dela.

–     Gabrielle._ respondeu, olhando para a enorme banheira de pedra.

      Enquanto uma desamarrava os seus cabelos, a outra a despia, e a terceira enchia a banheira. E antes que entrasse na banheira, elas despejaram um balde de água em seu corpo, e nos pés. Gabrielle ficou quieta, olhando, deixou que as mulheres lhe dessem banho. Só em determinadas partes, que ela mesma fez questão de lavar. Gabrielle não conseguiu se lembrar da última vez que tomara um banho assim, pra dizer a verdade, nunca. Pois em sua casa, em Poteidaia, não tinha esse luxo e esses sais…

      Enquanto duas a enxugavam, a outra, que havia saído, voltou trazendo uma                                               túnica azul celeste, que Gabrielle viu, mas não acreditou que fosse para ela. Enrolada, ela ficou sentada num banco, olhando-a, enquanto uma das mulheres penteava os seus cabelos. Por um momento esqueceu de tudo, do que era, onde estava… aquele azul a invadia. Se alguma daquelas mulheres olhasse para os seus olhos verdes, veria que tinham sido invadidos por aquele azul. De repente viu-o vindo em sua direção. Foi aí, então, que despertou.

     A mulher que havia acabado de lhe pentear, a pôs de pé e a despiu. A outra lhe colocou a túnica. Era macia, maravilhosa. Gabrielle nunca tinha sentido nada igual sobre a pele. passou as mãos por cima do tecido, acariciando-o.

–        Muito bonito, não é mesmo?_ disse uma das mulheres.

–        Aposto que nunca teve nada igual._ disse a outra.

–        Ela realmente tem muito bom gosto._ completou a outra.

–        Ela?!_ balbuciou Gabrielle.

–        Sim, ela, a Conquistadora. Agora, vamos leva-la até ela.

Colocaram chinelos confortáveis em seus pés, e antes de sair, uma das mulheres avisou:

–        Vamos providenciar umas calças para você, pois, as que temos aqui com certeza são muitos grandes._ disse mostrando a largura dos seus próprios quadris.

As outras riram, mas todas perceberam que a garota estava tensa.

Levaram-na aos aposentos da Conquistadora. A voz dela mandou-as entrar, no entanto, ela não estava à vista. Enquanto elas ficaram em pé esperando-a, Gabrielle olhou bem o aposento. Nunca tinha visto nada igual. Tudo ali era luxo, riqueza e bom gosto. Havia uma mesa retangular, não muito comprida, perto da janela, com duas cadeiras confortáveis. Almofadas de diversos tamanhos espalhadas pelo chão e pelos cantos. Reparou também numa arca enorme perto da porta. No imenso espelho comprido quase ao lado da cama, e um tapete lindíssimo ladeando a cama, que era imensa e parecia muito confortável. Ao lado da cama estava ela, que havia saído de um outro aposento do próprio quarto.

–        Bom trabalho. Podem ir.

As três mulheres saíram sorrindo.

Ela se aproximou de Gabrielle, olhando-a de novo daquela maneira, de cima a baixo e de baixo à cima, desconcertando-a.

–      Sabia que ficaria lindo em você. Perfeito.

Parou tão próxima a ela, que Gabrielle pôde sentir o perfume que exalava do corpo dela: eram sais aromáticos que lhe encheram não só as narinas, como também os sentidos. Era inebriante o cheiro. Despertou desse entorpecimento quando sentiu os dedos dela no seu cabelo e de imediato aqueles magníficos olhos azuis à sua frente. Encarou-a.

A Conquistadora suspendeu uma das sobrancelhas.

Gabrielle, com a cabeça erguida, quase dobrada pra trás, porque ela era realmente muito alta, continuou encarando-a.

Com a sobrancelha ainda mais levantada, sinal de irritação, ordenou:

–      Abaixe o olhar.

Gabrielle manteve-o firme. Em seguida recebeu uma bofetada e um puxão no decote da túnica pela mão firme da Conquistadora, que lhe disse faca à face:

–     Quando eu ordeno é para obedecer, escrava.

Gabrielle ia passar a mão no lado da face esbofeteada, mas a Conquistadora a impediu e ela mesma acariciou a sua face dizendo:

–     Não me faça mais bater em você, não gostaria de machucar esse seu rosto de menina.

      Depois se afastou e foi até a mesa ao lado. Sentou-se e ordenou que Gabrielle a servisse.

      Meio que arrastada, pois suas pernas não queriam obedecer, ela se aproximou da mesa. Seus olhos se arregalaram diante de tal abundância de comida. Ela não se lembrava do que comera na última vez. Talvez uma sopa aguada ou um pedaço de pão duro e sem gosto. Não conseguiu se lembrar diante daquela visão. duro sem gosto. O estômago se manifestou, doía.

–        Encha primeiro a minha taça com vinho._ ordenou a Conquistadora.

       Gabrielle encheu a taça e a entregou, mas os seus olhos não conseguiam se desvencilhar da comida. O cheiro das diversas iguarias já havia lhe invadido os sentidos.

–        Agora, sirva-me um pouco de cada coisa.

        Gabrielle movia-se com lentidão, sentia-se fraca e tentada com toda aquela comida passando pelas suas mãos. Num determinado momento, em que servia, seu estômago se manifestou. Pôs a mão esquerda comprimindo o estômago, tentando abafar o ruído. Olhou assustada para a Conquistadora, que, de imediato, perguntou:

–        Está com fome?

–        Estou.

–        Quando responder a minha pergunta, não se esqueça de dizer “Sim, senhora”._ disse ela apertando o pulso

da escrava.

–        Sim,… senhora._ respondeu Gabrielle forçadamente.

       A Conquistadora larga o pulso da escrava, bebe um pouco de vinho, e antes de comer a carne que a escrava acabara de servi-la, pergunta:

–       Quanto tempo está sem comer?

–       Uns três ou quatro dias… senhora.

–       E o que comeu da última vez?

      Pra Gabrielle a pergunta parecia fora de propósito ou de propósito, era torturante.

–       Acho que foi uma sopa aguada ou um pão sem gosto, não me lembro direito… senhora.

      A Conquistadora ficou calada, continuou comendo. Instantes depois disse:

–       Vá até a cabeceira da minha cama e puxe aquela argola que está pendurada.

      Gabrielle foi até onde estava a argola, num determinado momento ficou com medo de cair, as pernas estavam trêmulas.

–       Agora puxe para baixo duas vezes, e venha para cá.

      Gabrielle puxou e depois voltou pra frente da mesa.

      Imediatamente veio uma das mulheres que a havia banhado.

–       Traga um copo de leite.

      Gabrielle arregalou os olhos, com tanta comida e vinho, pra que ela ainda iria querer leite?…

      Pouco tempo depois, a ama trouxe o copo com leite.

–       Pegue-o._ disse a Conquistadora pra Gabrielle.

      Gabrielle pegou o copo da mão da mulher, enquanto a Conquistadora dizia:

–       Faça uma sopa forte e traga aqui.

     A mulher se retirou e Gabrielle, totalmente atônita com o pedido, se aproximou devagarzinho com o copo, como se ele estivesse pesando nas mãos. Quando ia entregar à Conquistadora, ela lhe diz:

–       Beba.

      Gabrielle não esperou que ela mandasse novamente e bebeu o leite saboreando, de olhos fechados, como se fosse o néctar dos deuses. Ao terminar e abrir os olhos encontrou de novo aquele riso malicioso no rosto da Conquistadora. Sentiu-se novamente humilhada. Aquela mulher com aqueles magníficos olhos azuis a constrangia.

      A Conquistadora se levantou, deu a volta pela mesa, indo até o outro lado da cabeceira da sua cama, o lado oposto de onde estava a argola pendurada. Ela parou e acenou pra Gabrielle chamando-a:

–       Venha aqui.

      Mil coisas passaram pela cabeça de Gabrielle, até um certo medo, mas obedeceu a ordem. Agora já conseguia se mover melhor.

       Parou ao lado da Conquistadora que, com um jeito com a mão, empurrou a parede que se abriu. Transformando-se numa pequena porta, sob o olhar espantado de Gabrielle, que percebeu ser um esconderijo.

–       Entre._ ordenou a Conquistadora.

      Gabrielle entrou. Era um pequeno aposento, onde havia uma cama, uma pequena mesa e cadeira, um baú e no alto, acima da cama, uma minúscula janela com grades.

–       É aqui que você vai ficar._ disse a Conquistadora e acrescentou: Vá até lá e puxe a cortina.

      Gabrielle se dirigiu ao fundo do quarto. Na parede ao lado havia uma cortina que ela abriu e percebeu que era um pequeno compartimento, onde havia uma pequena tina com uma caneca dentro, uma torneira na parede e, num canto, um pequeno banco sanitário.

–   Quero que tome banho todo dia. Não quero uma escrava fedendo como você estava. Agora fique aqui. Só saia quando eu chamar.

      Depois que a Conquistadora se retirou, Gabrielle andou pelo pequeno aposento, chegando até a cama. Ao se sentar percebeu que o colchão era macio. Não sentira um assim desde a última vez em que Menzentius a arrastou para a cama dele. Diante desta lembrança, Gabrielle cobriu o rosto com as mãos, debruçando em suas próprias pernas. Seu coração doía ao lembrar disto, das humilhações que passou nas mãos daquele homem. Ao levantar a cabeça, foi então que viu, que a posição da sua cama ficava na direção da cama da Conquistadora, que estava sentada lá, lendo um pergaminho. Viu quando ela ergueu a cabeça, olhando pra frente e apontando para onde ela estava, disse algo que não conseguiu ouvir. Instantes depois, duas das três amas entraram trazendo umas coisas nas mãos.

–       Venha menina, essa sopa, o pão e a água são pra comer agora.

      Gabrielle levantou e se aproximou. A ama mostrou a cadeira pra ela se sentar. Gabrielle obedeceu e com o cheiro delicioso da sopa que já havia entrado pelas narinas, pegou a colher e, um pouco trêmula, começou a saborear aquela comida. Percebeu que a outra ama havia colocado alguma coisa no baú, e um pano de banho e sabão em cima dele.

     As duas mulheres ficaram ao lado, esperando que Gabrielle terminasse. Depois recolheram o prato com a colher, deixando a garrafa com a caneca. E antes de se retirarem, uma avisou, apontando o baú:

–      Tem roupa pra vestir amanhã, calças (riram) e roupa pra dormir.

     Saíram.

     Gabrielle olhou para o aposento da Conquistadora e não a viu. Levantou-se e foi até a porta, onde a viu sentada à mesa, limpando aquela arma que parecia uma argola, a qual a salvou de ter levado uma martelada nas pernas. Ao perceber sua presença ali, a Conquistadora diz asperamente:

–       Não a chamei. Volte pro quarto.

–       Queria agradecer.

–       Escrava minha só fala quando eu mandar. Saia!_ gritou.

      Gabrielle, totalmente desconcertada, se retirou. Estava completamente confusa, aquela mulher mexia com os nervos dela. Não sabia o seu nome, apenas a conhecia como a Conquistadora. Ouviu na cela, que ela era cruel, perigosa e destruidora de nações. E que todos tinham medo dela. Então, o melhor que ela tinha a fazer era ficar quieta e cumprir suas tarefas de escreva.

     Mas o tempo passava e o silêncio era absoluto.

     Andou um pouco pelo quarto. Parou em frente ao baú. Tirou o pano de banho e o sabão, colocando-os na mesa. Se ajoelhou e abriu o baú. Viu as roupas que estavam dentro. Saias, blusas, vestuário de baixo e roupa pra dormir. Tudo de boa qualidade, igual ao que ela usava em Poteidaia. Mas a túnica que ela estava usando era única.

     Levantou, pegou uma calça e vestiu. Depois fechou o baú e, ao levantar o seu olhar, deparou com a pequena janela no alto da cabeceira da cama. Chegou perto. Era realmente muito alta. Tirou os chinelos, subiu na cama, ainda não a alcançava. Subiu na pequena cabeceira da cama. Só então pôde olhar pela janela, mas já estava bastante escuro pra ver alguma coisa direito, só as tochas que iluminavam o Palácio. Inclusive, já estava ficando escuro o seu quarto.

–    Desça daí!

      Levou um susto que quase despencou. Desceu rapidamente.

–       Mas o que é que você pensa que está fazendo?

–       Só queria dar uma espiada pela janela.

–       Como é que se diz?

–       Só queria dar uma espiada pela janela… senhora.

–       Você não tem querer, escrava. Eu é que determino o que você pode ou não pode fazer. Quem manda em você sou eu. Não quero vê-la nas janelas. E acrescentou antes de voltar pro quarto: Venha.

      Gabrielle ficou tensa, mas seguiu-a.

      A Conquistadora parou ao lado da cama e, virando-se de frente para ela, ordenou:

–        Dispa-me. Primeiro o adorno da cabeça.

      Gabrielle teve que ficar quase nas pontas dos pés para poder desprender o adorno atrás da cabeça dela. Soltando os cabelos, ela viu como eram compridos, cheios e negros como a escuridão. Para retirar o adorno, teve que ficar de frente para ela. Esticando-se toda para poder tirar aquela peça dourada, ela deparou com aquele par de olhos magnificamente azuis, que a fitavam assim tão de perto. Era um olhar penetrante, que quase a fez derrubar o adorno. Aquela mulher a perturbava, parecia que queria vê-la por dentro.

      Agora, com o adorno nas mãos, ela o achou mais bonito ainda. Colocou-o numa pequena mesa ao lado da cama.

–    Agora a roupa.

      Gabrielle começou a desatrelar o cinto de pano que prendia a bandagem em forma de cinteira. Para que ela pudesse dar a volta com o cinto, a Conquistadora abriu os braços para os lados, exatamente como quando fez a saudação na praça. E Gabrielle pôde sentir a força do olhar dela, sem ao menos levantar os olhos, não se atreveu. Sentiu o tempo todo que ela a olhava.

      Assim que tirou a cinteira, o vestido se abriu um pouco. Deu a volta por trás e despiu-a. Gabrielle arregalou os olhos com o que viu. Por baixo daquela suntuosa roupa a Conquistadora apenas usava uma calça mínima que deixava as nádegas desnudas. Gabrielle nunca tinha visto nada igual antes. Lembrou que suas calças sempre foram enormes.

–       Descalce meus pés._ ordenou sem sair do lugar.

     Gabrielle ficou novamente em frente a ela. Os seios dela à mostra, novamente a desconcertou, nitidamente embaraçando-se toda ao se abaixar para desatar as botas. Desamarrou uma por uma antes de tentar descalça-la. Gabrielle pensou que seria mais fácil se ela estivesse sentada. Sabia que não poderia sugerir isso, afinal ela era uma escrava. Mas sem que ela pedisse, a Conquistadora levantou a perna para que ela pudesse retirar a bota. Fez o mesmo com a outra perna.

     Gabrielle pegou a vestimenta e os complementos e perguntou:

–      Onde quer que eu os coloque… senhora?

–      Ali, em cima daquela arca. As botas deixe aí.

     Como Gabrielle estava demorando, arrumando a vestimenta em cima da arca, ela ordenou:

–      Venha cá!

     Já era a terceira vez que Gabrielle gelava a esse chamado.

–      Arrume a cama.

     Gabrielle puxou a colcha vermelha que cobria a cama e viu que o pano que cobria o colchão era de seda na cor âmbar. Dois travesseiros com fronhas da mesma cor e várias almofadas de diversas cores.

     Gabrielle se afastou da cama, dizendo:

–      Está pronta… senhora.

    A Conquistadora sentou-se na beira da cama, olhou-a de baixo pra cima com aquele olhar que a inibia, disse:

–      Vem cá.

     Gabrielle gelou. Ela sabia muito bem o que acontecia a uma escrava no quarto do seu senhor. Mas… era uma mulher.

     Gabrielle se aproximou lentamente. Parou na frente da Conquistadora, que a puxou para mais perto. Sentada, a Conquistadora ficou da mesma altura da escrava. Sem nenhuma cerimônia, a Conquistadora começou a desabotoar a túnica dela. Gabrielle sentiu dificuldade pra respirar, não sabia o que pensar, o que fazer… o que ela estava fazendo.

     Num instante já estava sem a túnica, diante daqueles olhos que estavam semicerrados, examinando-a .

     De repente sentiu-se puxada pela cintura ao mesmo tempo em que sentiu uma boca sequiosa no seu seio direito. Depois a outra mão acariciou o seu outro seio. Ela ficou imóvel, não conseguia nem pensar, seu coração completamente descompassado.

     Novamente uma outra surpresa pela Conquistadora ter se levantado num repente e a ter pegado no colo, e a colocado no meio da cama. Num piscar de olhos a Conquistadora tirou a própria calça e ainda em pé ao lado da cama, debruçou-se sobre ela e tirou a sua calça. Gabrielle estava atônita. Isso era inaudito para ela. A Conquistadora subiu na cama e se ajeitou em cima dela. Só então Gabrielle percebeu o que estava acontecendo, que ela ia pertencer a uma mulher.

     Ela não conseguia se mexer, nem sequer poderia imaginar que expressão teria seu rosto neste momento. Viu o rosto dela se aproximar do seu. Aqueles olhos… aquele azul invadir os seus, hipnotizando-a. Sentiu então a boca beijando-a, sugando… devorando-a num beijo nunca experimentado antes. Ficou sem fôlego. A Conquistadora percebeu e então desceu até o pescoço. Cheirando-o, beijando, chupando… Gabrielle continuava ainda imóvel, completamente tensa.

     Em beijos decrescentes, aquela boca alcançou seu seio esquerdo enquanto o direito era acariciado pela mão dela.

    Não reagiu quando ela ergueu suas pernas e a colocou na posição desejada. Erguendo a cabeça a Conquistadora olhou-a nos olhos, colocou a mão lá e a afagou com intenção. Gabrielle a esse íntimo contato amoleceu e se entregou. Percebendo que aqueles olhos azuis ficariam invadindo os seus e sentindo novamente o toque dela lá, fechou os olhos, deixou-a fazer.

    Gabrielle não teve noção de quanto tempo ela ficou ali, nos braços da Conquistadora. Perdeu completamente a noção de tudo, parecia entorpecida.

   No momento de repouso, em que ficara ainda nos braços da Conquistadora, a qual descansava quase toda em cima dela, Gabrielle se mexeu um pouco. De imediato, a Conquistadora rolou pro lado dizendo:

–     Agora vá pro seu quarto.

   Gabrielle desconcertada se levantou, calçou os chinelos enquanto colocava a roupa e, ao pegar sua calça no chão, viu que a Conquistadora havia puxado a colcha até a cintura, estava de bruços com o rosto virado pro outro lado. Não dava pra perceber se ela estava dormindo.

   Gabrielle entrou no seu quarto. Mal podia ver a cama, mas mesmo assim tateou até o fundo do quarto. Abriu a torneira, encheu um pouco a tina e se lavou. Depois pegou, com muita dificuldade, uma roupa pra dormir.

    Deitou-se. Tinha feito tudo sem pensar. Mas ao se deitar não conseguiu fechar os olhos. Seus pensamentos se voltaram para o que tinha ocorrido há poucos instantes. Gabrielle estava revoltada, mas do que isso, estava com vergonha porque não conseguiu se manter fria como acontecia quando Mezentius a tomava. Pensou “Aquele porco ficava em cima de mim, grunhia, grunhia e caía de lado. Mas ela…” Sentiu mais vergonha por lembrar, do que tinha acontecido com ela antes, que gozara durante todo o tempo que ela a teve. “Da próxima vez_ pensou e sentiu um tremor_, vou ficar tão fria e rígida que ela vai desistir de mim”. E adormeceu.

     Acordou com o reflexo do sol em seu rosto, levantou e percebeu que a porta do seu quarto estava fechada. Pra dizer a verdade, nem sabia ao certo onde era a abertura, assim, parecia uma simples parede de pedras. Ficou na dúvida se ela já tinha se levantado ou se à noite ela havia fechado a porta. De qualquer maneira, ela irá chamá-la.

      Lavou o rosto e a boca. Depois sentou no chão de frente pro baú e o abriu. Escolheu uma saia verde-musgo e uma blusa rosa pálida. Arrumou a túnica azul num canto do baú e ajeitou o pano de banho que estava estendido na cadeira. A porta se abriu e a ouviu chamar:

–        Escrava!

       Sentiu-se irritada com aquele tratamento, afinal ela tinha nome. Chegou na porta e a viu sentada à mesa.

–        Venha me servir.

       A mesa fora posta, com certeza, pelas três amas.

       Gabrielle se aproximou.

–        Primeiro, me sirva o leite.

       Gabrielle pegou a jarra e encheu o copo dela de leite. Depois a mando dela, o pão cortado em pedaços e lambuzados em geléia. Fez tudo sem olha-la. Queria evitar olha-la nos olhos. Ainda sentia raiva e, principalmente, vergonha. Mas a Conquistadora em nenhum momento lhe dirigiu o olhar. Fez o desjejum rapidamente.

–       Venha me vestir.

      Gabrielle viu em cima da cama as roupas que ela mostrou. Pegou a calça comprida indicada por ela. Quando se virou, viu-a de novo somente com aquela calça cavada e o roupão no chão.

–       Vamos, o que está esperando…_ reclamou com aquele risinho malicioso.

      Gabrielle ajudou-a a vestir a calça marrom e um colete de couro preto, cheio de botões e ornamentos de metal, que mais parecia uma armadura. Colocou em cada braço as braçadeiras e as munhequeiras longas de couro preto. A Conquistadora sentou-se na cama para que ela lhe calçasse as botas.

      Nesse momento alguém bate a porta. Ela manda entrar. Assim que o vê pergunta:

–       O que é Krykus?

–       Xena, se não sairmos agora a sua estratégia não vai dar certo.

     “Xena… então o nome dela é Xena”._ pensou Gabrielle que acabara de amarrar a última bota.

–       Pegue a minha espada e o chakram.

      Gabrielle olhou pra cima da pequena mesa do lado da cama e pegou a espada com a bainha e a argola, que agora ela sabia que se chamava chakram.

     Quando estava arrumando nas costas da Conquistadora a bainha com a espada, Krykus disse pra Xena, examinando Gabrielle com os olhos:

–       Quando você se cansar dela, mande-a pra mim.

     A Conquistadora arrumou o chakram na cintura e antes de colocar um adorno, uma espécie de touca de pano marrom com pedras preciosas e botões de metais na cabeça, disse:

–       Prepare a tropa que eu estou indo.

     Nem bem Krykus se retirou, ela lançou um olhar severo que fez Gabrielle gelar. Depois disse:

–      Vá comer. Escolha o que quiser que estiver na mesa. E só vista a túnica azul quando eu mandar.

     Depois tirou a chave do lado de dentro da porta e fechou-a, trancando.

     Gabrielle, ainda parada no mesmo lugar, diz pra si mesma:

–       Ela saiu e me trancou… Aonde será que ela vai?

     Correu até a sala de banho da Conquistadora, a janela lá era maior e mais baixa. Com cuidado, num cantinho, consegui vê-la saindo à frente da tropa. Talvez tivesse uns cinqüenta ou mais soldados com ela, calculou Gabrielle.

–      É sinal que vai demorar. Vou ter tempo pra pensar como fugir daqui… Pelos deuses!… Quanto tempo eu vou ficar aqui presa? Ela levou a chave.

    Sentou-se à mesa e, enquanto comia, lembrou-se de quando estava na cela, o quanto ela e as outras presas tinham que implorar pra comer quando Mezentius viajava. Os guardas, com raiva por não poder toca-las, simplesmente as ignoravam. E a cozinheira só podia levar comida uma vez por dia, quando deixavam.

–      É melhor comer só um pouquinho. Se a comida acabar, ninguém vai ouvir os apelos de uma escrava, ainda mais trancada.

    Depois andou de um lado pro outro sem saber o que fazer. Viu do lado do imenso baú de roupas da Conquistadora, um balde de couro com uns rolos de pergaminhos dentro. Não resistiu. Sentou num almofadão ao lado e pegou um dos pergaminhos_ estava em branco. Pegou outro, outro, outro… todos em branco. No cantinho havia um menor, do mesmo tamanho do balde, por isso quase não o viu e nele estava escrito até a metade. Percebeu que eram relatos. Leu:

  “Hoje matei Cortese, o assassino do meu amado irmão Lyseus”.

  “Alti previu que eu vou ser a Destruidora de Nações”.

  “Matei Cyane, a Rainha das Amazonas, a pedido de Alti”.

  “Conheci César. Fui traída por ele. Mandou quebrar minhas pernas. Vou matá-lo”.

  “M`yla me ensinou os pontos de compressão e deu a vida por mim”.

  “Conheci uma mulher maravilhosa, Lao Ma, uma chinesa. Ela curou as minhas pernas”.

  “Livrei Amphipolis das garras de Mezentius”.

  “Hoje eu sou a Conquistadora, a Destruidora de Nações. A profecia de Alti se cumpriu”.

     Gabrielle tornou a ler, depois o enrolou direitinho e colocou no mesmo lugar. Ficou pensando no que lera.

     Mais tarde, quando ela estava pensando numa maneira de fugir dali, como fez quando ainda era escrava de Mezentius em Amphipolis, isso devido a Xena ter invadido com seu exército o Palácio, facilitando a sua fuga. Por isso, a melhor maneira de fugir seria quando a Conquistadora não estivesse por perto, estivesse viajando.

     De repente escuta o barulho do trinco e a porta se abre. Olha assustada. Mas logo a seguir fica aliviada, eram as três amas.

–       Como está menina?_ perguntou uma delas.

–       Da maneira que uma escrava pode estar.

–       Não diga isso._ disse a mesma mulher e acrescenta: Se todas as escravas fossem tratadas assim…

–       Pois sou tão escrava quanto aquela que vive debaixo de chibata. Porque não somos donas do nosso próprio destino.

–       Nós também somos escravas.

      Gabrielle arregalou os olhos.

–       Mas ela não nos trata assim. Temos tudo que queremos. E só a nós que ela confia a chave dos seus aposentos. Mandou que cuidássemos de você.

      Gabrielle ficou muda.

–       Veja só! Nós esquecemos de tirar a mesa de manhã._ reparou a outra ama.

–       Trouxemos o seu almoço._ disse a terceira colocando a bandeja em cima da mesa.

–       Ela disse que você pode fazer as refeições aqui. E se quiser pode usar a sala de banho dela. Viu como você tem tratamento especial?

     Gabrielle, meio sem jeito, sentou-se à mesa e perguntou:

–      Ainda não sei o nome de vocês.

–      O meu nome é Philana. E elas são Jana e Alana._ disse a ama que a pouco a havia chamado de menina.

     E antes de saírem com a comida servida pela manhã, Philana avisou:

–      Ela não quer que você lave roupa. Nós pegaremos as roupas sujas. E que era pra você usar a loção de lanolina nas mãos. Está no armário da sala de banho.

     E pegando-lhe nas mãos, diz:

–      Ela tem razão, você tem as palmas das mãos muito ásperas.

     Saíram e trancaram a porta.

     Gabrielle ficou por uns instantes imóvel, depois, olhando para as próprias mãos, confere que elas tinham razão, diz:

–      O que ela queria? Uma escrava com mãos de seda.

     Dias se passaram e Gabrielle não havia pensado num meio seguro de fuga, pois não conhecia o Palácio ainda.

    Num final de tarde, após ter tomado banho, pega do balde de couro um pergaminho e na mesa, a pena e a tinta. Vai até a mesa grande e começa a escrever. Depois que acaba, enrola o pergaminho. Coloca a pena e a tinta no mesmo lugar. Vai até o seu quarto e esconde o pergaminho embaixo do colchão na cabeceira da cama.

    Lembra que esquecera algo na sala de banho da Conquistadora, vai até lá e vê sua calça na beira daquela imensa tina. Abriu a torneira e começou a lavar. Pelo barulho que veio lá de fora, ela imaginou que eram os soldados no pátio fazendo jogos, como faziam todo fim de tarde. Mesmo presa naqueles aposentos, Gabrielle já tinha noção de alguns movimentos daquele Palácio.

    Quando estava torcendo a calça pra pendurar, uma voz a fez estremecer.

          –    O que é que você está fazendo?

                Era a Conquistadora.

          –    Estava lavando a minha calça… senhora._ conseguiu balbuciar.

          –    Não quero que lave roupa, as amas não a avisaram?

          –    Sim, mas é apenas uma calça… senhora.

          –    Deixe-me ver as suas mãos.

    Gabrielle se aproximou. Enxugou na própria saia a mão direita e a estendeu à Conquistadora, enquanto que, com a esquerda, segurava a calça molhada.

   Após examinar a mão dela, devido à proximidade sente o cheiro de frescor que exala do corpo dela.

          –   Acabou de tomar banho agora?

          –   As amas disseram…

          –  Sei._ a interrompeu e acrescentou: Dei ordem pra você usar isso aqui. Preciso de um banho. Prepare.

   Gabrielle colocou a calça lavada em cima da pia e começou a encher a tina, enquanto ela foi para o quarto.

   Quando Gabrielle tinha acabado de colocar os sais, ela entra perguntando:

         –    Está pronto?

   Gabrielle virou-se pra responder, mas a voz não saiu diante da nudez da outra, apenas balançou a cabeça.

   A Conquistadora entrou na tina. Gabrielle quis se afastar.

         –    Com licença…

         –    Fique.

   Gabrielle obedeceu. Ficou parada, desnorteada, sem saber o que fazer. Viu-a lavar o rosto, o pescoço, os braços, as axilas e os peitos… Desviou o olhar.

         –     Lave as minhas costas._ disse estendendo a esponja pra ela.

    Gabrielle se aproximou e esfregou delicadamente as costas dela.

         –     Esfregue bem, passei todos esses dias sem tomar um banho.

    Gabrielle obedeceu.

         –     Agora os meus cabelos.

    Gabrielle espumou o sabão e passou-o naqueles cabelos negros como a noite e tão comprido como a dona. Após terminar de lavar os cabelos, a Conquistadora ordenou:

         –      Pegue na arca uma calça e um roupão.

     Gabrielle se retirou enquanto ela acabava de se lavar.

     Quando Gabrielle voltou, ela já estava se enxugando. Novamente, completamente nua a sua frente. Virou-se de costas para que Gabrielle lhe colocasse o roupão. Depois, pegando a calça da mão dela, colocou-a no bolso do roupão. E vendo que Gabrielle ia até a tina perguntou:

          –      O que você pretende fazer?

         –      Vou esvaziar a tina… senhora.

    Mas a Conquistadora a puxa pelo braço, levando-a para o seu aposento. O coração de Gabrielle disparou, pois viu o olhar flamejante dela e a maneira com que apertava o seu braço.

    Chegando no quarto, ela sentou-se na beira da cama e disse:

         –     Escove meu cabelo.

    Gabrielle pegou a escova em cima de uma mesinha, onde, ao lado, tinha um enorme espelho que ia até o chão. Começou a escovar os cabelos dela. Quando estava de frente, penteando a franja, a Conquistadora desatou o laço de sua blusa. Depois, abraçando-a pela cintura, desabotoou a saia por trás. E num instante a saia estava caída aos seus pés e sua blusa sendo puxada pra cima.

    Lá ia acontecer de novo. Gabrielle lembrou do seu propósito de manter-se fria.

    Quando a Conquistadora a deitou, elas já estavam nuas. Ficou toda esticada, completamente rígida. A Conquistadora debruçou sobre ela e, mansamente, beijou sua têmpora direita. Depois esfregando a boca pela sobrancelha, beijou-lhe a fronte. A seguir, esfregou os lábios na outra sobrancelha, beijando-lhe a têmpora. Desceu os lábios roçando e dando pequenos beijos pela mandíbula esquerda parando no queixo e mordiscando-o de leve. Depois o mesmo no outro lado, fechando o círculo.

    Novamente, beijou-a entre os olhos. Descendo com a boca até a ponta do nariz, onde fez uma leve compressão com os dentes. Beijou entre o nariz e a boca. Depois rodeou a boca, nos contornos dos lábios, com beijos. E mais beijos no pescoço. Beijos com a boca aberta. O coração de Gabrielle parecia que ia sair pela boca. A Conquistadora foi descendo, do pescoço ao meio dos seus seios, com esses beijos especiais. Levantou os seus braços e os colocou estendidos no alto da cabeça, beijando-os pela parte de dentro e mordiscando as axilas. Voltou ao meio dos seios, passou a língua. Foi descendo com a boca aberta. Rodeou o umbigo com mais beijos e passou levemente a ponta da língua bem no meio dele. Gabrielle agarrou o lençol com as duas mãos, não queria sentir o que estava sentindo.

     Depois, a Conquistadora foi descendo lentamente com a boca aberta em beijos demorados. Sem que Gabrielle pudesse se conter, ela a preparou. Desta vez ela fez de outro jeito, deixando-a atônita. E num beijo estranho e diferente, Gabrielle não resistiu e se entregou.

     Gabrielle não conseguiu conter suas próprias mãos que afagavam os cabelos da Conquistadora. Deveria empurrá-la, mas ela a queria ali. E o tempo parecia ter parado. Ela já estava exausta, suas pernas não se agüentavam mais, dobradas; suas mãos apertavam os ombros da Conquistadora. A voz, pelo menos, conseguiu segurar, pois não saberia o que dela sairia, um apelo para que parasse ou que continuasse. Ela já havia passado do seu limite, sentia que estava completamente esgotada. Gabrielle pensou que fosse morrer de tanto gozar. Um último espasmo e ela parou. Mesmo de olhos fechados, Gabrielle percebeu que ela a estava olhando. Descerrou os olhos só um pouquinho e viu aquele olhar azul ainda cheio de desejo se aproximando. Fechou os olhos. Sentiu um beijo ardente subindo do pescoço até atrás da orelha esquerda. Depois na outra orelha. E, finalmente, na boca. Um beijo que parecia não terminar nunca. Gabrielle não correspondia, até que as mãos da Conquistadora começaram a acariciar os seus cabelos, principalmente perto do pescoço, onde os dedos dela percorreram em carícias nunca antes sentida. Então, ela participou do beijo, colocando sua língua na boca da Conquistadora e sugando a dela também. Seria um momento de entrega se, de repente, não tivesse recobrado a consciência e parasse. Sentiu vergonha por não conter o seu desejo. Sim, era desejo. Algo nunca sentido por ela antes.

     Bateram à porta insistentemente. A Conquistadora levantou a cabeça, se afastou um pouco de Gabrielle e gritou:

          –     O que é?

          –     Xena, sou eu. Abra, tenho uma mensagem importante pra você.

     Ela resmungou algo incompreensível. Levantou-se da cama. Pegou o roupão e ordena pra Gabrielle:

          –     Vá pro seu quarto e feche a porta.

Gabrielle obedeceu.

     Ela esperou Gabrielle fechar a porta e abriu a porta para Krykus, sem deixá-lo entrar. Diz:

          –     Espero que seja realmente importante.

          –     Posso entrar?

          –     Entre.

     Krykus deu uma olhada pelo aposento e diz:

          –     Ah, você está sozinha…

          –     Estava na cama. Cadê a mensagem?

          –     Aqui. Leia.

     Xena pegou a mensagem da mão dele, leu e disse:

          –     Mas isso é um convite de reunião dos Senhores da Guerra!

          –     Que irão se encontrar em Esparta. Se sairmos amanhã…

          –    Chegaremos a tempo de acabar com a festa deles. Prepare uma tropa de homens descansados. Partiremos assim que o dia clarear.

          –     Certo. Vou agora mesmo. Ah, e aquela sua escrava lourinha?

          –     O que tem ela?_ perguntou Xena bem séria.

          –     Pensei que estivesse aqui com você.

          –     Está no lugar dela e isso não lhe diz respeito.

     Gabrielle que havia deixado uma fresta pra poder ouvir o que se passava, fechou a porta com cuidado e deitou-se na cama, já vestida com a roupa de dormir.Olhou pra parede, nela estava refletida uma luz, talvez da lua ou mesmo de alguma tocha. Falou baixinho com os olhos fixos na luz:

          –    Mas o que é isso afinal?… Não consigo entender. Será que eu perdi a vergonha, esqueci o que é ter vergonha na cara… Será que eu estou aceitando essa condição de escrava, as humilhações… Pelos deuses, basta ela me tocar daquela maneira e eu não mais me governo… O que está acontecendo comigo?… Será mesmo que cansei de lutar pela minha liberdade?… Preciso ser forte pra fugir e procurar pela minha família.

      Virou de lado, ficando de frente pra porta. Ficou esperando a Conquistadora entrar, mas o tempo foi passando e ela acabou adormecendo.

      Quando acordou, o estômago avisou que ela não havia jantado. Tinha acabado de lavar o rosto quando as duas amas abriram a porta do quarto.

          –      Bom dia._ disseram as duas.

      Gabrielle cumprimentou-as já sentando à mesa.

          –      Deve estar com fome, não é mesmo?_ disse Philana.

          –      Muita.

          –      É, você dormiu sem jantar.

          –      E ela… jantou?

          –      Claro. Ela tem fome de leão.

      Gabrielle ficou de olhos baixos. Perguntou:

          –      Ela saiu muito cedo, não é mesmo?

          –      Você não a viu sair?_ respondeu, perguntando, Philana.

          –      Não, a porta estava fechada.

          –      Pensei que ela tivesse falado com você.

          –      Ela não conversa comigo.

          –      Bem, e por que você não tenta conversar com ela? Foi assim que nós fizemos. Tenta.

          –      Não posso. Sou uma escrava, como ela faz sempre questão de lembrar.

          –      Besteira. Vá com jeito que você consegue tudo dela.

          –      É. Ela até já trouxe você para os aposentos dela._ disse Alana que até então só ouvia.

          –      E ela não costuma trazer seus escravos pra cá?_ perguntou Gabrielle um pouco surpresa.

          –      Já trouxe sim._ respondeu Alana.

          –    É, mas ninguém pra ficar aqui ao lado dela. Ela nunca mostrou esse quartinho pra ninguém._ disse Philana.

          –     Viu como você é especial?_ completou Alana.

     Gabrielle corou. Será que elas sabiam? pensou. Claro que sabiam.

     E saíram, após recolher a caneca e o prato.

     Mais tarde voltaram com o almoço. Gabrielle estava sentada à mesa, almoçando nos aposentos da Conquistadora, e, aproveitando pra pôr em prática o seu plano de fuga, perguntou:

          –     Não seria mais prático eu fazer as refeições na cozinha?

          –     Ela mandou trazer suas refeições para cá._ respondeu Alana.

          –     Sabe o que é, eu fico aqui sem fazer nada. Não posso sequer lavar minha roupa…

          –     Ela não quer que estrague as mãos._ ainda Alana.

          –   Mas ficando trancada aqui, comendo sem fazer nada, vou acabar engordando. Gostaria de ocupar o meu tempo com alguma coisa.

          –      O que você fazia antes de vir para cá?_ perguntou Philana.

          –    Antes de ser escrava, vivia com a minha família, cuidava da casa, ajudava minha mãe nos trabalhos domésticos…_ parou de falar, estava com a voz embargada, engoliu o choro.

          –       E quando virou escrava fazia o quê?

       Gabrielle bebeu um pouco d`água e responde:

          –      Um Senhor da Guerra me comprou pra ser sua escrava pessoal. Eu fazia de tudo, cozinhava, servia a mesa e, quando o maldito estava à noite, em casa…

          –        Ele abusava de você. Como todos os senhores de escravos fazem.

          –        Quantos donos você teve?_ perguntou Alana que estava calada.

          –        Só esse. Agora… ela.

          –        Então, você era virgem quando foi vendida?

          –        Sim. Era noiva, ia me casar.

          –        Que história triste, pobre menina._ ainda Alana.

          –     Conosco foi diferente, já nascemos escravas. Talvez até somos parentes, irmãs… porque a gente se parece. E os nossos nomes também. Mas como tivemos tantos donos… nunca saberemos._ disse Philana.

          –      Ainda bem que Xena tomou Messenia e manteve a gente junta como escravas pessoais dela. E todo lugar que ela vai leva a gente. Agora estamos aqui neste Palácio, em Corinto._ contou Alana.

          –        O melhor que ela já conquistou._ disse Philana.

          –        É, acho que ela gosta daqui.

        Gabrielle acabou de comer, levantando, disse:

          –      Gostaria de pegar um pouquinho de sol. Já tem bastante tempo que eu não vejo um jardim… que eu possa pegar as flores e aspirar seus perfumes… tocar numa árvore… correr pela grama… deitar de frente no gramado e olhar as nuvens no céu desenhando objetos… Sabe, eu fazia isso em Poteidaia, às vezes com a minha irmã caçula Lila, a gente ficava conversando até quase escurecer.

        Parou de falar e foi para o seu quarto, ficara triste.

        Três dias se passaram.

        Numa tarde, quando estava escrevendo no seu pergaminho, escutou gritaria lá fora. Rapidamente guardou o pergaminho, a pena e a tinta. E foi até a janela do banheiro espiar o que estava acontecendo.

        Era a Conquistadora que voltara, estava bebendo e sendo homenageada pelos soldados. Ela estava rindo, parecia orgulhosa do que conseguira. Gabrielle notou que ela se destacava no meio daqueles homens todos, não só pela vestimenta diferente, mas pelo respeito e admiração que todos tinham por ela. E ela sorria como Gabrielle nunca tinha visto, até o momento em que ela levantou a cabeça e a viu olhando entre as grades. Fechou o semblante de tal maneira que Gabrielle saiu rapidamente e ficou preocupada de qual seria a reação dela.

        Instantes depois a porta se abriu e ela avançou em direção a Gabrielle quase gritando:

          –       O que é que você estava fazendo na janela? Eu disse que não queria que chegasse nas janelas. O que é que você está querendo escrava, quer apanhar?

        Gabrielle, que estava confusa em meio às perguntas, balbuciou:

          –        Eu só queria ver…

          –        Queria ver o quê, hein?_ perguntou segurando-a pelos braços.

          –    Escutei o barulho lá fora… queria ver o que estava acontecendo… senhora…_ explicou Gabrielle sentindo dores nos braços.

          –     Ah, quer dizer então que costuma ficar espiando pela janela… Vendo o quê? Os soldados jogando?… Não quero saber de você flertando com os meus soldados.

          –        Mas… eu… não estava… flertando… senhora…_ respondeu quase gemendo.

        A proximidade e a voz de Gabrielle a excitou e ela a agarrou. Apertou-a em seus braços, procurou seus lábios. Gabrielle a repeliu. Ela tentou de novo quase a machucando. Gabrielle virou o rosto dizendo:

          –        Me deixa!

          –        Como é que é?!…_ disse a Conquistadora surpresa com a atitude dela.

          –        Por favor, não quero…_ implorou Gabrielle.

          –       Você não quer?!… Acho que você ainda não entendeu. Você é minha escrava e eu posso fazer tudo que quiser com você. Você não tem querer.

          –     Tenho sim!_ respondeu Gabrielle descontrolada, e acrescenta: Eu não nasci escrava. Fui roubada e vendida. Eu tenho direitos…

        Não terminou a frase, pois a Conquistadora atirou-a na cama e bateu nela com as próprias mãos. Teve o cuidado de não bater no rosto. Enquanto apanhava, Gabrielle a chamou de covarde, e era a segunda vez que ela a chamava assim. Parou.

          –         Levante-se. Vá pro seu quarto.

         Gabrielle, banhada em lágrimas, se levantou. Mas foi agarrada pelo pulso.

          –         E da próxima vez que eu lhe quiser, não recuse. Vá!

         Gabrielle correu pro seu quarto.

         Quando as duas amas entraram, a viram sentada no chão ao lado da cama. Parecia uma criança chorando, toda encolhida.

          –          Vem cá, minha menina._ disse Philana levantando-a com cuidado.

          Tiraram-lhe a blusa e a colocaram deitada na cama. Philana diz:

          –        Vou passar esse ungüento nos seus braços e nas costas, principalmente onde está vermelho. Você vai ver como amanhã não vai ficar nenhuma marca.

          –     A marca… que está… aqui… dentro… não vai nunca… se apagar._ disse Gabrielle ainda soluçando.

         Jana, a ama mais calada, estava penalizada, deu um copo de água pra Gabrielle. Perguntou:

          –         O que você fez pra ela te bater?

         Gabrielle, depois de ter tomado o copo d`água e ter vestido a roupa de dormir, responde mais calma:

          –        Eu não tinha feito nada de errado… Apenas escutei o barulho lá fora e fui espiar da janela. Ela não deixou que eu explicasse direito, estava me machucando e quando tentou… eu não quis. Por isso ela me bateu.

          –       Minha menina, você precisa aceitar que você é uma escrava. Senão você vai sofrer muito mais._ avisou Philana.

          No dia seguinte, as amas a avisaram que a Conquistadora havia saído e que só voltaria em três dias, porque fora a uma festa. Desta vez Gabrielle não fizera nenhuma pergunta, o que deixou Philana espantada, a ama com quem ela mais conversava.

          Já havia se passado três dias e ela não apareceu. Estava uma noite muito quente, Gabrielle tomou banho, desta vez no seu quarto, ficou receosa que ela chegasse de repente.

Quando ela chegou Gabrielle estava deitada. Foi até lá. Abriu a porta do quarto. Gabrielle ficou quieta, fingia que dormia. Ela se aproximou, puxou a coberta que a cobria dizendo:

          –          Venha!

          Gabrielle não se moveu.

         A Conquistadora debruçou-se sobre ela e a puxou pelo braço falando mais alto:

          –         Venha, estou mandando.

         Pelo cheiro, Gabrielle percebeu que bebera. Conseguiu se desvencilhar dela soltando o braço, sentando na cabeceira da cama toda encolhida.

         Os olhos da Conquistadora chisparam. Sentou em frente a ela dizendo:

          –         Então vai ser aqui mesmo.

         Puxou as pernas dela, forçando-a a se deitar. Mas Gabrielle a empurrou com as mãos, conseguindo se desvencilhar. Ao tentar sair da cama, é agarrada por trás, pela cintura. A Conquistadora diz ao seu ouvido:

           –       Com Mezentius você não se fazia de rogada. Fazia? Ou apanhava antes de fazer tudo que ele queria?

           –         Ele torturava quem não o obedecia. Eu o obedecia porque tinha medo.

           –         Será que eu vou ter que te ameaçar de tortura pra ter o que eu quero, é?…

           –       Então pode me torturar, se assim lhe apraz… senhora._ disse Gabrielle ainda tentando se desprender dela.

           –      Então você prefere a tortura a se deitar comigo?… Muito bem, vou te dar o que está pedindo.

          A Conquistadora se levantou, tirou o cinto da calça. Empurrou Gabrielle de frente pra parede. A qual encostou a testa na parede, cruzou as mãos ao peito comprimindo a boca, esperando pelo castigo. Fechou os olhos quando sentiu o cinto sendo esfregado nas suas costas. Encolhendo-se toda. Quando escutou um barulho no chão perto dos pés, abriu os olhos e viu o cinto. Olhou pra trás, viu a porta se fechando. Surpresa suspirou aliviada.

          No dia seguinte, Xena fora até a cozinha. Pediu pra que fizessem um chá pra ela. Antes, uma das amas disse que queria falar com ela.

          Xena sentou, bebeu um pouco do chá e perguntou:

          –          Bem, o que você quer conversar comigo, Philana?

          –          É sobre a garota.

          –          O que tem ela? Andou se queixando… pediu que vocês intercedessem por ela, é isso?

          –          Não, ela não pediu nada. E também, ela não é de se queixar.

          –          Então o que é?

          Philana lhe contou tudo que Gabrielle havia lhe dito outro dia sobre sua vida. E acrescentou:

          –         Xena, ela não é igual as outras. Tem personalidade e não é interesseira. É quase uma menina e tem passado por maus bocados.

          –          O que é que você quer que eu faça?… Que a trate como uma princesa?

          –         Que dê um pouco de liberdade pra ela. Está trancada naquele quarto desde que chegou aqui. Fica o tempo todo sem fazer nada e quer ajudar.

          –         O que ela quer é fugir._ disse Xena.

          –        Ela está preocupada, está achando que vai engordar._ acrescentou Jana, piscando o olho pra Philana.

          –         Está bem, arranjem alguma coisa pra ela fazer. Quanto a sair do quarto, vou pensar.

        À tarde as amas foram até os aposentos da Conquistadora e comunicaram a Gabrielle que iam levá-la para dar um passeio pelo jardim.

          –        Verdade?!_ perguntou, sem acreditar.

          –        Foi ela quem mandou._ disse Philana.

        Gabrielle pensou que jamais iria entender aquela mulher. Passou pelo quarto, mas ela não estava.

        Saíram pela porta lateral do Palácio, onde ficava uma parte do jardim. Assim que chegaram lá, Gabrielle correu pro meio das flores. Cheirou, beijou e abraçou os diversos tipos de flores de cores diversas. Parecia uma criança.

          –         Está feliz?_ perguntou Philana.

          –       Muito, muito… É uma pena que aqui não tenha espaço pra gente poder se deitar e olhar pro céu, ver o desenho das nuvens… Posso correr um pouco?

       As três amas se olharam e, mesmo sem entender, consentiram. E se divertiram vendo Gabrielle correr, dando umas voltas em torno daquele canteiro e mexendo com elas ao passar por perto.

       Ao se cansar, parou e sentou na beira do canteiro.

          –       Pelos deuses!… Estou enferrujada, nunca me cansei tão depressa.

          –       Vamos entrar agora._ avisou Alana.

          –       Ah…_ lamentou Gabrielle.

          –       Amanhã tem mais.

          –       Verdade?!_ disse se levantando.

          –      De manhã cedo. Mas agora temos que entrar, pois precisamos preparar o jantar._ esclareceu Philana.

          –       O que estamos esperando… Vamos!_ disse Gabrielle indo na frente.

       As amas a levaram de volta pro quarto. Chegando lá, Philana entregou-lhe uma caixa dizendo:

          –      Esta é uma caixa de linhas para bordados. Você disse que gosta de trabalhos manuais… Sabe bordar?

       Gabrielle estava surpresa, assim que pegou a caixa, abriu, respondendo a pergunta:

          –       Fiz a minha própria colcha de cama e estava fazendo o meu… enxoval.

          –      Agora você já tem como ocupar o seu tempo.

          –      Ela deixou?

          –      Claro.

          –    Mas tenho certeza que foram as senhoras que a persuadiram. Duvido que, se eu pedisse, ela deixasse.

          –      Por que você diz isso?_ ainda Philana.

          –      Porque ela gosta de me maltratar.

          –   Se isso fosse verdade, você ainda estaria trancada no seu quarto._ disse a Conquistadora parada na porta.

     Gabrielle que estava ajoelhada, mexendo nas linhas e agulhas, engoliu em seco por ela ter escutado a conversa.

     A um aceno da Conquistadora, as amas se retiraram.

     Gabrielle se levantou com a caixa nas mãos, não sabia o que dizer, nem sequer como se portar.

     A Conquistadora passou por ela, olhando-a de lado, com um riso um pouco menos sarcástico do que o de costume.

          –     Ah, então, você acha que eu não gosto de você._ disse a Conquistadora atrás dela.

     Gabrielle se vira. Estão tão próximas que, Gabrielle, sentiu o cheiro doce do vinho que exalava dos lábios dela.

          –     Vamos, fale!_ incitou a Conquistadora.

          –     Posso ser sincera… senhora?

          –     Vamos lá, diga o que pensa.

          –     Eu acho que não gosta não.

          –     Então porque você está aqui?

          –     Porque a senhora está me usando.

     A Conquistadora, ante essa resposta, levanta uma sobrancelha e responde secamente:

          –     E o que se pode querer de uma escrava? Escravos existem para servir.

     Gabrielle sentiu como se, novamente, tivesse levado outra bofetada.

          –     Pode ir pro seu quarto. Quando eu precisar, chamo.

     Gabrielle se retirou novamente confusa. Aquela mulher, realmente, tinha o poder de mexer com os nervos dela.

     Nessa noite Gabrielle não serviu o jantar dela, pois ela havia saído. E até o momento que Gabrielle fora dormir, ela ainda não havia chegado.

     Na manhã seguinte, percebeu que a Conquistadora não dormira na cama, pois esta estava intacta.

     As amas chegaram com o seu desjejum.

          –     Ela viajou?_ perguntou Gabrielle.

          –     Não._ respondeu Philana.

          –     É que ela não dormiu aqui e nem…_ preferiu não dizer.

          –     Ela fez a refeição junto com a gente.

          –     E ela dormiu onde?_ perguntou comendo uma bolacha.

          –     Ah, isso não podemos dizer, menina. Você quer dar um passeio?

          –     Agora? Ela deixou?

          –     Deixou. Já terminou?

          –     Posso ir comendo uma bolacha?_ disse Gabrielle com a boca cheia.

     Sentadas no jardim, Philana pergunta a Gabrielle:

          –     O que é que você começou a bordar?

          –     Uma manta. Ontem à noite ela saiu do Palácio?

          –     Não.

          –     Então, onde ela dormiu?

          –     Menina, não temos ordem de falar.

          –     Mas por quê? Ela proibiu? Ela estava com alguém?

          –     Menina, por que tantas perguntas?

          –     Queria saber.

          –     Ah, já sei. Está com medo que ela arranje outro alguém…

     Gabrielle ficou pensativa.

          –     Que foi?_ perguntou Philana.

          –     Estou pensando no que vai ser de mim se isso acontecer.

     Gabrielle estava sentada em sua cama, bordando, quando ela abre a porta.

          –     Venha.

     O coração de Gabrielle veio-lhe a boca. Pensou que ela iria mandá-la embora dali, que iria voltar pra cela ou coisa pior. Seguiu-a quase se arrastando.

     A Conquistadora senta-se à mesa e manda que ela a sirva. Dessa vez, Gabrielle a serviu com o maior prazer e alívio. Afinal, ela não iria sair dali.

     Depois a Conquistadora tornou a sair e não voltou, como na noite anterior, na noite seguinte e assim por mais alguns dias. Gabrielle não estava agüentando de tanta curiosidade, mas não ousava perguntar quando ela aparecia só pra almoçar. Nem tomar banho, tomava mais lá.

     Numa manhã, quando Gabrielle havia terminado o desjejum, ela aparecera e dispensou as amas, dizendo que ela própria levaria Gabrielle para o passeio matinal. Gabrielle ficou surpresa.

     Do caminho do quarto até o jardim, nenhuma palavra. Ao chegar lá, a Conquistadora disse que ela podia fazer o que quisesse Gabrielle estava inibida.

         –      Vai ficar aí parada… Não vai correr, beijar as flores…

         –      Ah, elas contaram para a senhora.

         –      Não, eu vi.

         –      Posso?

         –      Já dei permissão.

     Gabrielle correu para o canteiro e foi verificando os diversos tipos de flores.

         –     O que você está fazendo?_ perguntou a Conquistadora curiosa.

         –    Estou vendo os botões que começaram a se abrir… senhora. Há tempo eu não via uma coisa tão linda assim.

         –     Eu também._ disse baixinho, olhando-a fascinada.

    Instantes depois, a Conquistadora a chama:

         –     Senta aqui, tenho umas perguntas pra te fazer.

    Gabrielle sentou no canteiro ao lado dela.

         –     Qual foi a sua intenção quando pediu pras amas que a trouxesse para cá?

         –     Me comportei bem, elas não disseram… senhora?

         –     Você não respondeu a pergunta. Você não está pensando em fugir, está?

         –     Como poderia… senhora?

         –     Se você se atrever…

         –     Vai me bater de novo… senhora, ou vai me oferecer aos gladiadores?

    A Conquistadora apertou os olhos, ela estava sendo insolente.

         –     Está querendo levar outra surra, escrava?

         –     Não… senhora. Só respondi à pergunta.

         –     Você está sendo insubordinada e atrevida. Quem você pensa que é?…

    Gabrielle abaixou o olhar, ficou triste. Depois respondeu:

         –     Alguém que perdeu tudo na vida… senhora. Menos o direito de sonhar.

    A Conquistadora ficou sem reação ante a resposta dela. Disse, se levantando:

         –     Vamos.

    Chegando no quarto, a Conquistadora sentou-se à mesa e mandou que ela lhe servisse vinho. Tomou duas taças, enquanto Gabrielle ficou em pé, do outro lado da mesa.

         –     Venha cá._ ordenou ela, fazendo sinal para Gabrielle dar a volta pela mesa.

         –     Mais vinho… senhora?_ disse ao se aproximar.

    A Conquistadora puxou as pernas, que estavam debaixo da mesa, arrastando a cadeira pra trás. Batendo com a mão esquerda na coxa, disse:

         –     Senta aqui.

    Gabrielle não se mexeu.

         –     Eu estou mandando._ avisou, alterando a voz.

    Gabrielle se aproximou e sentou de lado, quase no joelho dela.

    A Conquistadora a puxou para mais perto de si. Gabrielle demonstrou rejeição ao se encolher pra trás. A Conquistadora, diante dessa repulsa, levantou-se bruscamente derrubando-a no chão. Gabrielle se encolheu toda pensando que ela fosse bater ou chutar, pois caíra aos seus pés. A Conquistadora estava furiosa porque ela nunca tinha sido recusada antes, como fora agora, mais uma vez, e ainda por cima por uma escrava, por uma “coisinha daquela”que a estava tirando do sério. Lembrou-se de que, só ela sabia do controle que teve de manter, depois de ter-lhe dado aquela surra, da vontade que sentiu de abraçá-la, cobri-la de beijos e pedir… desculpas. Ao pensar isso, deu um soco na mesa pensando “Isso nunca!” Gabrielle ante esse gesto se encolheu ainda mais.

     A Conquistadora inclinou-se para ela, dizendo:

         –     Então, você não quer?… Tem quem queira. O que tenho que fazer é só escolher. É isso que vou fazer.

     Saiu trancando a porta.

     Gabrielle se levantou, estava apreensiva e assustada, mas mesmo assim correu pra janela, queria ver aonde ela iria. Percebeu que estava anoitecendo. Viu-a resmungando, atravessando o pátio e viu uma sombra, com uma faca, indo acertá-la pelas costas.

         –      Atrás de você, Xena!_ gritou aflita.

     Xena deu um salto mortal pra trás e acertou um golpe no pescoço do agressor, que caiu desacordado. Olhou pra janela. Gabrielle ainda estava olhando. Depois chamou os guardas que levaram o agressor.

     Como foi chegando mais gente, Gabrielle saiu da janela. Ficou andando de um lado pro outro no quarto, ela estava apreensiva. Um bom tempo se passou, mas não se atreveu a dar outra espiada pela janela. Parou em frente à porta ao ouvir o trinco se abrir. Finalmente, ela entrou:

         –     A senhora está bem?

         –     Graças a você.

         –     Não vai brigar comigo?

         –     Deveria?

         –     Não a obedeci.

         –     Você nunca me obedece… ainda bem.

         –     Por que aquele homem queria matá-la… senhora?

         –     Só amanhã saberei. Bati nele com jeito, está desacordado.

         –     Como fez aquilo_ fez um gesto com os dedos dando cambalhota.

         –     O salto?

         –     É, foi incrível!… É por instinto, não é… senhora?

         –     Pode-se dizer que sim.

         –     Nunca vi nada igual… Foi incrível!

    A Conquistadora sorriu, o que deixou Gabrielle surpresa._ pois ela nunca a vira sorrir assim, para ela, sem ser sarcástica.

         –      Preciso dar uma ordem. Volto pro jantar.

    Assim que ela saiu, Gabrielle lembrou-se de que ela, antes, nunca havia lhe dado satisfação dos seus atos. Estava novamente surpresa.

    Xena fora até a cozinha conversar com as amas. Contou todo o ocorrido.

         –     Ela salvou a sua vida._ disse Philana.

         –    É, eu estava completamente distraída, fora de mim… se não fosse ela, acho que não estava aqui agora.

         –     Ela foi leal._ disse Alana.

         –     E não lhe guarda rancor. Você havia acabado de brigar com ela, e no entanto…_ disse Jana.

         –    Não consigo entender aquela garota… Vive me desafiando, é atrevida, insolente, teimosa… me rejeita… parece que me odeia, e no entanto…

         –     Ela mexe com você, não é mesmo?_ perguntou Philana.

         –     Mexe. Mas mexe com os meus nervos também. Não consigo domá-la.

         –     Assim você nunca conseguirá nada dela.

         –     E o que você me aconselha então?

         –     Você não é A Conquistadora? Então, tente conquistá-la.

         –     Mas era só o que me faltava, tentar conquistar uma escrava!

         –    Ela não é apenas uma escrava qualquer, vejo isso nos seus olhos quando está olhando pra ela._ concluiu Philana frente a ela.

    Entrou no quarto, Gabrielle estava sentada numa almofada, bordando. A Conquistadora sentou-se na arca, ao seu lado, dizendo:

         –    Em retribuição por ter me avisado sobre o assassino, amanhã vou levá-la para um passeio num lugar perto daqui.

         –     Um passeio?!

         –     É, um passeio com direito a lanche num lugar maravilhoso.

         –     Lá tem árvores… senhora?

         –     Claro que sim, por que a pergunta?

         –     Desde que fui raptada nunca mais vi uma de perto, para puder abraçar, traz energia.

         –     Pois amanhã verá, vamos sair bem cedo.

    Gabrielle praticamente não dormiu. Levantou-se bem cedo e se arrumou, vestiu uma saia marrom com uma blusa azul clara. Sentou-se na cama esperando a Conquistadora chamar.

    Pouco tempo depois, a porta se abre.

         –     Ah, vejo que está pronta.

         –     Há algum tempo… senhora.

    Ao sair quase que correndo da cama Gabrielle chuta um dos chinelos. Só então a Conquistadora percebe o que ela calçava.

    Chamou uma das amas que estava no quarto e mandou providenciar um par de botas que servisse nela. Momento depois, lá estava Gabrielle calçada num par de botas marrom e ansiosa pra sair.

        –      Venha, vamos pelos fundos. Não quero que ninguém nos veja sair.

        –      Por que… senhora?

        –      Depois do atentado de ontem, não seria inteligente fazer o que estou fazendo.

        –      Então, deixa pra outro dia… senhora.

        –      De maneira nenhuma.

    De repente, a Conquistadora gira a cabeça com a mão na nuca, fechando os olhos, numa expressão de contrariedade. Notando, Gabrielle pergunta:

        –      O que foi? Está sentindo alguma coisa… senhora?

        –      Estou. Um cheiro de cachorro sarnento.

         –    Mas… não tem nenhum cachorro pro aqui… senhora._ diz Gabrielle vasculhando com o olhar todos os cantos.

        –      Não é desse tipo de cachorro que estou falando. É de um certo deus da guerra.

        –      Ares?!

        –    Ele mesmo. Nós estamos brigados, mas ele não desiste, sempre se fazendo presente de alguma forma. Mas agora já passou, já se foi.

    Saíram do Palácio montadas na égua Argo, Gabrielle na frente, levando consigo uma pequena cesta com o lanche. Estava feliz, olhando a paisagem colorida e perfumada ao redor. E a Conquistadora a observava.

     Algumas cavalgadas depois, chegaram a um lugarzinho escondido entre arbustos à beira do rio. A Conquistadora desmontou e ajudou Gabrielle a desmontar.

         –      Nunca tinha andado a cavalo antes. Esse cavalo é muito alto.

         –      É uma égua, o nome dela é Argo.

     Gabrielle alisou a cara da égua dizendo:

         –      Desculpe, Argo, não quis te ofender. É que eu não havia reparado.

    A Conquistadora riu e pôde constatar os que as amas disseram, que ela era realmente muito carinhosa e pura. Começou a desarrear Argo, enquanto Gabrielle arrumava um lugar na beira do rio para colocar o pano para forrar o chão e a cesta de lanche em cima deste. Depois se levantou e começou a admirar o lugar, dizendo:

         –      Pelos deuses… isso aqui é o Paraíso!

         –      Gostou?_ disse a Conquistadora se aproximando.

          –      É lindo demais.

         –      Ninguém sabe deste lugar.

         –      É, quem poderia dizer que, por detrás destes arbustos todos, tem esse pequeno paraíso?

         –      É aqui onde eu costumo meditar.

         –      Realmente, acho que não tem lugar melhor. Posso tirar as botas e molhar os pés?

     A Conquistadora riu, consentindo.

     Gabrielle sentou-se numa pedra, à beira do rio, molhou os pés até o tornozelo.

         –      Havia-me esquecido de como isso é bom!_ disse balançando as pernas e fechando os olhos.

     A Conquistadora achou encantadora a cena, ficou contemplando-a por uns instantes até que Gabrielle, abrindo os olhos e vendo-a sorrindo, a convida:

         –      Venha, tire as botas e senta aqui ao meu lado. Vem sentir como a água está gostosa.

     A Conquistadora tirou as botas, arregaçou as pernas da calça e sentou ao lado dela.

         –      Que tal?_ perguntou Gabrielle balançando as pernas.

         –      Delicioso._ respondeu com os pés mergulhados na água.

         –     Lá em Poteidaia, eu tinha uma amiga chamada Serafim, e nós duas adorávamos tomar banho no rio. Às vezes ficávamos só molhando as pernas, pra não chegarmos molhadas em casa e sermos repreendidas pelos nossos pais.

         –      Gostaria de saber como você foi raptada.

         –     Draco e seus soldados invadiram Poteidaia e outras aldeias vizinhas, aprisionando quase toda a população. Muitos conseguiram fugir, como eu. Mas, voltei pra salvar minha irmã Lila e vi que os meus pais também tinham sido capturados. Fomos presas também e levadas junto com os outros para o mercado no porto. Consegui ficar com a minha família, pelo menos estávamos o quatro junto. Antes de começar o leilão dos escravos, Mezentius ofereceu um saco de dinares para escolher três escravas. Escolheu uma garota de cada aldeia, e me escolheu. Fui arrancada do meio da minha família e levada junto com as outras duas, dentro de uma carroça que usavam para transportar os presos. E eu acho que servia de transporte para mercadorias também, pois fiquei encostada em sacos vazios de carvão. Chegando em Amphipolis, quando nos tiraram da carroça, eu estava completamente suja. Fomos levadas ao Palácio e colocadas em celas separadas e minúsculas, onde só cabia um colchão sujo e despedaçado. Por eu estar suja fui colocada na última cela; graças a isso eu pude me preparar pra violência que sofri depois. Nessa noite, ele mandou buscar a primeira garota, que voltou mais tarde, aos prantos. Na noite seguinte a outra, que também voltou aos prantos e, por fim, chagara a minha vez. Eu nunca vou esquecer o pavor e o nojo que aquele homem me causou.

         –       Você reagiu?_ perguntou a Conquistadora seriamente.

         –      Não. Quando vieram me buscar, veio também uma velha escrava que me fez tomar uma xícara de chá, me deu banho e me levou até o quarto de Mezentius. Quando o vi com o chicote na mão, foi que percebi por que as garotas estavam tão machucadas. Ele avisou que, se eu reagisse, iria fazer o mesmo que fez com as outras. Eu não reagi. Não gosto de lembrar… como foi.

         –       Se isso a machuca, não precisa contar. Mas continue.

         –    Obrigada. Bem, antes de voltar pra cela, tomei outro banho e também outro chá, que a tal mulher disse que era para evitar que eu ficasse grávida. Depois, aconselhou pra que eu tentasse chorar, que eu iria me sentir melhor. Então, eu chorei, chorei baixinho a noite toda. Não queria que ninguém participasse da minha vergonha, do meu desespero, da minha desgraça… queria morrer. Mas à vontade de rever a minha família me dava forças pra viver e agüentar aquela humilhação. E várias noites se sucederam da mesma maneira. Quando estava no Palácio, o maldito quase não procurava mais as outras garotas. Para o meu desespero, procurava a mim.

         –      Ele se apaixonou por você?

         –      Não era amor o que ele sentia por mim._ disse Gabrielle meio sem jeito.

     A Conquistadora apertou as mandíbulas.

          –   Me chamava de “queridinha”, aquele porco. Me colocou sob a guarda da tal mulher. Eu trabalhava na cozinha com ela. A única coisa boa que me aconteceu, pois eu podia comer melhor e levar frutas e pão para as outras garotas.

         –      E quando foi que você tentou fugir?

         –    Comecei a elaborar um plano de fuga, mas parecia completamente impossível, por causa do número de guardas que circulavam pelo Palácio. Quando você e seu exército invadiram o Palácio, aproveitei o tumulto e consegui fugir… Bem, o resto você já sabe.

         –       Engana-se. Não sei não. Conta.

         –     Depois que consegui fugir do Palácio, percebi que a cidade estava toda cercada. Então, me escondi num celeiro de uma taberna.

         –       Na taberna de minha mãe.

         –      Ah, então foi por isso que os seus soldados não entraram naquele celeiro. Eu não sabia que era a sua cidade, pensei que você a estivesse atacado. Quando vi que, no depósito onde os escravos estavam trancados não tinha ninguém tomando conta, corri para lá e libertei os escravos. Quando íamos saindo da cidade, surgiu soldado por todos os lados. Fomos presos novamente.

         –     Agora me lembro, então foi você… Eu estava discutindo com a minha mãe por causa do meu modo de vida, quando Estragon, o chefe dos guardas, entrou e me avisou sobre a tal fuga. Mandei trancar a todos, menos o povo de Amphipolis, sem água e sem comida até partirmos. Por causa disso, minha mãe me expulsou de casa, mesmo eu tendo livrado Amphipolis das garras de Mezentius. Você é mais esperta do que pensei. Continue.

         –      No dia seguinte, fomos colocados no seu barco. Ficamos dias naquele porão escuro e quente, a pão e água. Não sabíamos para onde estávamos indo. Depois, descemos num porto, onde pensávamos que seríamos vendidos. Mas nos trancaram em carroças de presos, de onde só saímos de dentro à noite, para dormirmos encurralados num canto da floresta. Foram dias assim.

         –       Durante a viagem alguém tentou abusar de você?

         –      Não. Mas teve uma noite que um dos guardas tentou abusar de uma das escravas que estavam no fundo. Mas ele foi castigado pelo seu Comandante, que avisou pros outros que a Conquistadora não queria saber de nenhum aborrecimento.

         –       Mas houve uma outra tentativa de rebelião. Não vai me dizer que foi você…

         –      Fui eu, sim. Teve um momento que percebi que, se todos saíssem correndo, daria para a maioria fugir. Mas alguém me dedurou e o seu Comandante me retirou do meio dos outros escravos, me amarrou e me amordaçou antes de me colocar na carroça.

         –      Você estava mesmo incitando os escravos?

         –     Para fugir. E quando chegamos em Corinto, tentei novamente. Ao descer, percebi que só havia dois guardas, chutei a cara de um e um outro escravo pulou em cima do outro. Gritei para que todos fugissem, que se ficássemos ali iríamos morrer, pois conhecia sua fama de Destruidora de Nações. Muitos ficaram parados, enquanto outros conseguiram dominar os poucos guardas que tomavam conta das carroças. Tentei incentivar aquelas pessoas que pareciam que não queriam mais lutar pra viver. Falei das pessoas como nós, que nasceram livres, que foram escravizados, torturados e que muitos sumiram na noite e nunca mais foram vistos. Perguntei se eles queriam ter o mesmo destino. Quando, enfim, eles entenderam o que eu estava dizendo, já era tarde, fomos cercados por todos os lados e eu fui novamente amarrada e amordaçada. Fomos levados para o calabouço. Onde ficamos por dois ou três dias, não me lembro bem, a gente perde a noção do tempo. Até aquela tarde, do dia do meu julgamento. E foi quando a vi pela primeira vez.

        –       Você nunca tinha me visto antes?

        –       Não.

        –       Nem durante a viagem?

        –       Não. Eu passei grande parte da viagem amarrada.

        –       Por que você me desafiou daquela maneira lá na praça?

        –       Eu estava revoltada, faminta…

        –       Quase quebrei suas pernas, quase que a matei…

        –       Mas não o fez.

        –       Não estaríamos agora aqui.

        –     Você viu só, o que você foi arranjar…_ Gabrielle cala. Depois a olhando com um pouco de receio, diz: Desculpe, não quis faltar com respeito.

        –       O que foi?

        –       Tenho-a tratado por você, desde que chegamos aqui. Eu…

     A Conquistadora a interrompe:

        –     Vamos fazer o seguinte, continue me tratando por você, enquanto estivermos aqui ou quando estivermos a sós. Esqueça que eu sou a Conquistadora. Me chame de Xena, como você fez ontem.

        –       Posso mesmo?

        –       Estou dizendo.

     Gabrielle olhou uma árvore perto de Xena, disse:

        –       Olhe! Que árvore linda!

     Levantou-se, foi até a árvore e a abraçou dizendo:

        –       Você é muito linda. Quero sentir sua energia.

     Xena se aproximou e Gabrielle sugeriu que ela abraçasse a árvore também. Ela o fez.

        –       Está sentindo?_ perguntou Gabrielle.

        –       O quê?

        –       A energia.

        –      Não. Só o cheiro da árvore. E também percebi que é esta árvore que esconde esse lugar de ser visto do Palácio.

        –       Você vem muito aqui?

        –   Venho. Eu e Argo ficamos aqui quando preciso meditar, esfriar a cabeça._ Xena olha intencionalmente pra Gabrielle.

     Desviando os olhos, Gabrielle olha pro céu e diz:

        –       Olha, quantas nuvens! Vamos observá-las?…

     Sem esperar resposta, puxou o pano que havia estendido num canto e deitou nele olhando pro céu.

        –       Vem, deita aqui.

     Xena deitou ao seu lado.

        –       E aí?

        –       Não está vendo?

        –       O quê?

        –    Os desenhos feitos pelas nuvens. Olhe aquele ali, parece um carneirinho._ disse Gabrielle apontando.

        –       É… parece mesmo um carneiro bem gordo.

        –       Olhe aquele lá… parece um homem narigudo.

        –       Que nariz horroroso!…

     Ficaram por algum tempo brincando de ver desenhos no céu. Até o estômago de Xena se manifestar.

        –       Como você ouviu, estou com fome.

        –       Então vamos comer.

     Gabrielle arrumou tudo em cima do pano. Ao colocar a garrafa de vinho, disse:

        –      As amas esqueceram de colocar a garrafa de água.

        –      Não esqueceram não.

        –      Não está aqui.

        –      Eu sei, não quis trazer.

    Gabrielle ficou desconcertada, pois ela estava preocupada em com o quê iria beber.

    Xena percebeu. pegou as duas taças, encheu-as de vinho, dizendo:

        –      Vamos beber vinho. Você gosta?

        –      Muito.

    O sorriso que Gabrielle deu, tocou de alguma forma em Xena.

    Acabaram de comer, Gabrielle olha pra Argo e pergunta pra Xena:

        –      Posso dar uma maçã pra ela?

        –      Claro. Argo adora maçã.

    Gabrielle cortou a maçã em quatro partes e foi dando uma a uma pra Argo, enquanto alisava seu pêlo e sua crina.

        –      Você é a égua mais bonita que conheço.

    Xena ficou sentada olhando ela com Argo. E viu como a égua estava dócil com ela. Sem dúvida, que Gabrielle a conquistara. Foi até lá.

         –     Argo não costuma deixar ninguém se aproximar dela. É, sem dúvida, você a conquistou.

    Gabrielle riu, fez um afago no focinho de Argo e começou a andar. Seu semblante mudou. Xena notou.

         –     O que foi?

         –   Estava pensando na minha família. Como eles devem estar… se estão juntos… se são bem tratados… que destino tiveram… Vi o desespero dos três quando fui arrancada do meio deles.

         –      Não pense nisso.

         –      Penso sempre.

         –     Quando voltarmos ao Palácio, você vai me dizer os nomes dos seus familiares e eu vou mandar alguém à procura deles.

         –      Verdade? Vai mesmo?

         –      Vou.

     Gabrielle rodopia de alegria. Xena acha engraçado o modo dela expandir sua alegria. Gabrielle se aproxima dela dizendo:

         –      Você notou, a gente está conversando.

         –      E a gente não conversava antes?

         –      Não dessa maneira.

         –      Que maneira?

         –      Assim tão amigável.

         –      E como a gente conversava antes?

         –      Você perguntava e eu respondia.

         –      Você deve me achar uma tirana, não é?

     Gabrielle não respondeu, abaixou a cabeça.

         –      Tá, obrigada por não mentir.

         –      Desculpe…

         –   Não se preocupe. Acho que você é a única pessoa que me enfrenta, mesmo sabendo das conseqüências disto.

     Gabrielle começou a andar, ficou sem saber o que dizer. Xena se aproxima, mansamente, pelas costas, e bem intimista pergunta:

         –      Tem medo de mim?

         –      Às vezes.

         –      Quando eu te castigo?

         –      Também.

         –      E qual é a outra vez?_ perguntou, já de frente pra ela.

     Gabrielle corou. Xena percebeu.

         –      Não devia ter, é aí que sou mais vulnerável.

         –      Em momento algum você é vulnerável… Desculpe, não era bem isso que eu queria dizer.

         –     Não se desculpe. É o que você realmente pensa. Mas o que você não sabe, é que eu tenho que ser assim.

         –       Mas, por quê?

         –     Pra governar tudo isso, pra ter o respeito dos meus homens e do povo… Tenho que ser o que sou.

         –       Não, essa não é você. Hoje eu pude ver o seu verdadeiro ser, e dessa eu não tenho medo.

         –       Não se engane, eu sou o que sou e gosto de ser.

         –       Não, não é.

         –    Quer um exemplo? Estou aqui conversando com você, te dando a liberdade de falar o que quiser, mas… o que eu queria, na verdade, é te ter novamente, beijar tua boca…

     Gabrielle corou novamente, mas teve voz pra dizer o que pensava:

         –     No entanto, está conversando, me respeitando… Poderia me pegar à força, o que a impede?… E eu não conseguiria reagir. Mas você não é a selvagem que quer parecer.

     Xena faz uma carícia no rosto dela, tocando levemente os dedos na têmpora dela, dizendo:

         –   Ah, Gabrielle… se a gente tivesse a oportunidade de ter se conhecido em outras circunstâncias…

         –      Seríamos amigas.

         –      Pra começar.

    Gabrielle não conseguia encarar assim tão de perto, aqueles olhos azuis. Disse disfarçando o embaraço:

         –     Você percebeu?

         –     O quê?

         –     Você disse o meu nome pela primeira vez.

         –     E eu não a tenho chamado assim?

         –     Não. Você me chama de escrava.

         –     Eu a tenho maltratado, não é mesmo?

    Gabrielle ficou calada por uns instantes, depois disse:

         –     Sou uma escrava, o que mais posso esperar… Só a morte me libertará.

    Xena não soube explicar, pra ela mesma, como essas palavras doeram fundo nela. Ela estava sentindo coisas que há muito não sentia. Também não conseguiu olhar àqueles olhos verdes que, naquele momento, estavam inundados de lágrimas.

    Deu dois passos à frente, enquanto Gabrielle enxugou as lágrimas.

    Era a primeira vez que Xena sentiu que não era só desejo o que ela sentia por alguém, por ela… Sentia vontade de protege-la, como sentiu nesse momento, quando viu, nos olhos dela, que ela sofria.

    Caminhou até aquela pedra na beira do rio e a chamou:

         –     Sente aqui, Gabrielle, precisamos conversar.

    Gabrielle sentou-se ao seu lado. Xena virou-se de frente pra ela e muito séria disse:

         –   Prometo pra você que, de agora em diante, só tocarei em você, se você quiser. Não mais a forçarei, mesmo você sendo minha escrava. Não abrirei mão de tê-la sempre perto de mim. Quando estivermos a sós não será minha escrava, será minha amiga. Assim terei todo o tempo para conquistá-la.

         –    Serei sua amiga secreta. Pode deixar que, na frente dos outros, saberei me comportar como sua escrava. Obrigada por fazer-me sua amiga._ disse emocionada.

         –   Não agradeça. Não faço isso só por você, faço também por mim. Me diga uma coisa, você teve filhos?

         –    Não, como disse, tomava aquele chá antes e depois de estar com aquele velho nojento.

         –    Nenhum outro homem?

         –    Não.

          –    Nem nessa longa viagem de Amphipolis até aqui?

         –   Não. Graças a sua presença nenhuma escrava foi atacada. Houve só aquele incidente o qual lhe falei.

         –    Gostaria de ter filhos?

         –    Antes sim, agora não.

         –    Por quê?

         –    Seriam escravos que nem eu. Não poderia desejar isso para esse ser que seria tão amado.

         –    Queria te fazer um pedido, não sei se devo… se você vai entender…

         –    Faça.

         –   Você deixaria eu te beijar agora? É só um beijo, não vou te forçar a nada. Gostaria muito de te beijar. Deixa?

   Gabrielle balançou a cabeça consentindo.

   Xena foi se aproximando lentamente, olhando-a nos olhos. Com as duas mãos segurou o rosto e com os polegares acariciou as suas têmporas. Depois, olhando para os lábios dela, beijou-os suavemente, carinhosamente. Quando sentiu que Gabrielle entreabriu a boca, beijou-a calorosamente, sendo plenamente correspondida. Foi um beijo longo, cheio de paixão, quase de entrega… Xena teve que se controlar pra não deixar que seu instinto estragasse tudo. Se separou dela lentamente, sentia a sua face arder de desejo, como sentiu os lábios de Gabrielle tremerem no final do beijo. Teve a certeza de que Gabrielle também a queria, pois fora um beijo retribuído, a língua dela passeando em sua boca, buscando a sua. Xena olhou-a nos olhos, mas Gabrielle não conseguiu sustentar o olhar.

   Xena se levantou dizendo:

        –     Agora temos que ir. Ainda vou ter que interrogar aquele preso.

   Percebendo que Gabrielle estava muito calada, que ficara triste por ter que ir, disse:

        –     Mas não se preocupe, de vez em quando, vamos vir aqui… minha amiga secreta.

   Gabrielle riu pra ela.

   Antes de saírem do local secreto, Xena deu uma espiada e viu do outro lado da mata um brilho de metal. Falou baixinho pra Gabrielle:

        –     Fique aqui com Argo. Só saia quando eu mandar. Dessa vez me obedeça.

        –     O que foi?

        –     Emboscada. Não faça barulho e não mexa nos arbustos.

        –     Onde você vai?

        –     Vou dar a volta. Vou tentar surpreendê-los.

        –     Tome cuidado.

        –     Tomarei._ respondeu surpresa, pois nunca ninguém havia-lhe dito isso com tanta preocupação.

   Passando pela beira do rio, Xena saiu de perto do local onde estava e percebeu que havia dois homens de costas para ela, de olho na estrada.

        –     Será que ela vai demorar muito?_ disse o mais impaciente.

   Antes que o outro pudesse responder, Xena pulou no meio dos dois, aplicando o ponto de compressão no pescoço deles, dizendo:

        –    Esperaram muito? Desculpe a demora. Acho melhor vocês falarem logo, pois cortei o fluxo de sangue para o cérebro e o tempo está se esgotando. Quero saber quem foi que mandou vocês me emboscarem?

         –   Nós não… sabemos… Fomos… contratados… por dois… de seus soldados._ disse o que estava impaciente antes.

         –     Quantos são?

         –     Somos seis…

         –     Com os dois soldados?

          –     É… por favor…

    Xena desfez o ponto e antes de dar um soco em cada um, avisou:

         –     Não quero vê-los por aqui em Corinto.

    Depois, arrastando o outro que estava semidesacordado, vai até o meio da estrada e grita:

         –     Como é que é, vão ficar aí escondidos?… Estão com medo da Conquistadora?…

    Os homens saíram dos seus esconderijos. Mas quando Xena reparou que estava faltando um, ficou apreensiva. Aguçou mais os seus sentidos.

    Foi, praticamente, cercada por eles. E o que se seguiu foi uma luta espetacular, que Gabrielle quase não acreditava no que os seus olhos estavam vendo. Xena era uma magnífica guerreira, ao mesmo tempo que usava sua espada, dava socos, pontapés e saltos maravilhosos. Gabrielle estava encantada, vendo-a derrotar um por um. Só restavam três, quando uma flecha vinda de algum lugar foi segura por ela, que imediatamente lançou seu chakram na direção em que a flecha veio. Logo a seguir, um homem despenca da árvore. Xena, sem alternativa, mata os outros três. Corre até onde está o que caiu da árvore, mas constata que está morto. Tira o chakram do peito dele, limpa na roupa dele e guarda. Vai onde está Gabrielle e a tira de lá com Argo.

         –      Foi, simplesmente, maravilhoso!_ exclamou Gabrielle encantada.

         –      Os dois guardas morreram. Não pude obter a informação que desejava.

         –      Eram seus guardas?

         –      Eram. Mas eles estavam a mando de alguém.

         –      Dois atentados… Estão querendo te matar.

         –      Venha, temos que ir logo para o Palácio. Antes que aconteça alguma coisa ao prisioneiro.

     Entraram no Palácio pelo portão da frente, causando espanto no Comandante e em Krykus.

         –    Xena, você não avisou que ia sair, fui até à cidade atrás de você._ disse o Comandante se aproximando dela.

     Xena ajudou Gabrielle a descer de Argo. Disse:

         –      Sofri uma emboscada.

         –      O quê?!_ ainda o Comandante.

         –      Depois conto tudo. Quero ver o prisioneiro, leve-o ao meu gabinete.

         –      Ele morreu._ disse Krykus se aproximando.

         –      Como ele pôde ser assassinado dentro da cela?_ disse Xena quase gritando.

         –      Não foi assassinado._ respondeu Krykus, olhando com interesse pra Gabrielle.

     Só então Xena se deu conta de que tanto Gabrielle quanto Argo, estavam esperando por ordens dela. Se aproximou de Gabrielle, disfarçadamente deu a chave a ela e disse baixinho “Vá pro quarto, se tranque”.

     Depois chamou um soldado e mandou que conduzisse Argo para a cocheira.

     Quando Gabrielle passou por eles com a cesta na mão, Krykus a seguiu com o olhar. Xena notou, chamou os dois:

         –      Vamos. Quero saber como ele morreu.

     Depois de verificar junto ao prisioneiro morto, Xena diz:

         –    Como foi que ele adquiriu esse pó venenoso, se ele foi revistado na minha frente e não havia nada no bolso dele?

         –      Você está achando o quê, Xena?

         –     Que ele foi assassinado. Esse pó na boca é só pra disfarçar. Alguém o obrigou a engolir. Pela posição da boca, dá pra perceber que as mandíbulas foram forçadas.

         –      Como alguém poderia entrar aqui? Eu e Krykus fizemos os turnos e…

         –      É alguém daqui._ interrompeu Xena.

         –      Quem poderia ser?_ perguntou Krykus.

         –      Quando eu souber…

     Quando Xena ia saindo, Krykus diz a ela:

         –      Xena, você não acha perigoso sair para fazer um passeio com uma escrava?

         –      Não é da sua conta. Se tivesse feito o seu trabalho direito o prisioneiro ainda estava vivo..

     Chegando no quarto, percebeu que a porta não estava trancada. E a vê caminhando de um lado para o outro.

         –      Eu não disse pra você trancar a porta? Tem alguém aqui no Palácio querendo me matar.

         –      Desculpe, estava preocupada esperando por você. Você desconfia de alguém?

         –      Sim, mas está muito na cara que seja ele… Por enquanto é só uma suspeita.

         –      Quem?

         –      Krykus. É o primeiro que iria lucrar com a minha morte.

         –      Não gosto dele.

         –      Mas ele está interessado em você.

     Gabrielle faz cara de repugnância. Xena ri e diz:

         –      Vou tomar um banho. Quer vir?

         –      Te ajudar no banho?

         –      Não, tomar banho junto comigo.

     Como Gabrielle ficou hesitante, Xena disse, puxando-a pela mão:

         –      Vem, prometo que não vou te agarrar.

     Enquanto Gabrielle preparava o banho, Xena despia-se. Entrou logo na tina e ficou observando Gabrielle se despir, enquanto se banhava. Era maravilhoso vê-la nua, ela era toda dourada. Gabrielle entrou rapidamente, pois percebera o olhar de Xena.

         –      Você lava as minhas costas, que eu lavo as suas._ disse Xena virando-se de costas para ela.

         –      Xena, você não vai fazer nada pra impedir um novo atentado?

         –     Ainda estou pensando. Hum… isso é muito bom._ referiu-se à leve massagem com a esponja que Gabrielle fazia em suas costas.

     Depois, voltando-se de frente pra Gabrielle, disse, tomando-lhe a esponja:

         –      Vire-se.

     Massageou-a da mesma maneira e aproveitou para lhe falar quase ao ouvido:

         –      Sabe eu acho que você gostou.

         –      De quê?

         –     Acho não, sei que você gostou… do beijo. E pela segunda vez você retribuiu ao meu beijo. Estou mentindo?

     Gabrielle limitou-se a balançar a cabeça negativamente, sem se virar. Xena achou que era o momento propício.

         –      Você gosta quando eu toco em você?

         –      Não sei…

         –      Como não sei? Gosta ou não gosta?

     Gabrielle vira-se de frente, diz sem encará-la:

         –      É diferente, não sei o que sinto.

         –     Mas das duas vezes você gostou. E da última vez quis mais.

    Gabrielle estava ruborizada, desconcertada. Xena percebeu, não queria assustá-la, mudou de assunto.

         –     Vou lavar o seu cabelo, depois lave o meu.

    Dizendo isso, virou a cabeça de Gabrielle pra trás, mandando-a fechar os olhos e inclinando-a mais para si. Era a primeira vez que, depois de ter se tornado A Conquistadora, fazia isso. E ela percebeu que dali em diante, por causa daquela loura, iria fazer muito mais. Aquela garota não tinha nem idéia do poder que exercia sobre ela.

    Olhou por uns instantes o colo dela brilhando e os seios cobertos por um quase transparente véu de espuma. Desviou o olhar, pegou a vasilha e lavou os cabelos de Gabrielle.

         –      Pronto. Agora é a minha vez._ disse levantando-a.

     Gabrielle passou as mãos no rosto e foi lavar os cabelos de Xena. Por ser mais alta, mesmo sentada, Xena inclinou-se toda pra trás encostando a cabeça nos seios de Gabrielle e, praticamente, desnundando-se, deixando à mostra seus seios perfeitos. Gabrielle achou-os lindos naquela posição. Como admirou também os braços, que estavam apoiados em cada lado da tina, eram bem torneados, de músculos rígidos e perfeitos. Era, realmente, uma mulher diferente, uma guerreira, uma mulher e tanto. Percebeu que gostava de olha-la, mas sentia medo de toca-la. Terminou de lavar aqueles longos cabelos negros, mais longos e mais cheios que os seus.

     Bateram a porta. Gabrielle fez menção de sair, Xena a impede dizendo:

         –      Acabe de tomar o seu banho. Eu já acabei. Vou lá ver antes que arrombem a porta.

     Xena levantou-se e rapidamente saiu da tina, sob o olhar indecifrável de Gabrielle; pois, misturava-se de tudo no seu semblante, vergonha por ver aquela guerreira nua, admiração pela forma física dela e fascínio ou desejo por já ter sentido o que aquele corpo pode fazer…

     Vestida no roupão atendeu a porta.

         –      O que é desta vez, Krykus?

         –     Desculpe atrapalhar seu… banho._ disse, tentando espiar dentro do quarto, e completa: Mas o nosso enviado chegou de Arcádia.

         –      Tudo bem, mande-o para o meu gabinete. Vou terminar de me vestir.

     Enquanto Xena foi exercer sua autoridade, Gabrielle terminou a manta que estava fazendo. Dobrou-a e colocou em cima da sua cama. Xena a chamou. Estava sentada à mesa, escrevendo num pergaminho.

          –     Como é o nome dos seus pais e da sua irmã?

          –     Você vai mesmo mandar procurá-los?

          –     Eu não prometi? Então…

          –     Herodutus, Hecuba e a minha irmã caçula Lila.

          –    Eu vou pra Arcádia amanhã, mas mandarei um homem de minha inteira confiança a Amphipolis pra procurá-los.

          –     Você vai viajar?

          –     Vou, preciso ir.

          –     Quando volta?

          –     Assim que conquistar Arcádia.

          –     Por quê quer conquistar Arcádia?

          –     Para fazer mais um quartel-general. Mais um ponto estratégico contra os romanos.

     Elas jantaram juntas e Xena contou uma das suas muitas façanhas como A Conquistadora. Gabrielle a ouvia em silêncio, com muita admiração.

    Antes de se retirar pra dormir, Gabrielle foi até o seu quarto e trouxe a manta com ela. Aproxima-se de Xena que estava arrumando sua mochila de viagem.

          –    Xena, isto é para você se cobrir à noite.

    Xena pegou a manta e a abriu, fora feita nas suas cores favoritas, violeta e lilás. Abaixo, no canto direito, o seu nome bordado num azul quase igual aos dos seus olhos.

    Xena sorriu e pela primeira vez não teve palavras, só balbuciou:

          –    Oh, Gabrielle… obrigada. São as minhas cores favoritas.

    Gabrielle sorriu e foi fazer a cama dela. Xena colocou a manta dobrada em cima da mochila.

          –    Espero que você volte logo. Ainda precisa de mim?

          –    Sim, preciso.

          –    O quê é que você quer que eu faça?

          –    Quero que você durma aqui comigo.

    Notando que Gabrielle ficou receosa, ela esclarece:

          –    Apenas deitar do meu lado e dormir. Como eu prometi, não vou te forçar mais. Se acontecer, é porque você assim quis. Queria muito ter a tua presença ao meu lado esta noite.

          –     Vou me trocar.

     Quando voltou ao quarto de Xena, ela estava na sala de banho, mandou que Gabrielle deitasse do outro lado da cama. Quando ela voltou, Gabrielle notou que ela estava usando apenas aquela calça cavada nas nádegas.

          –     Não se preocupe, eu só durmo assim.

     Levantou a coberta e sentou se ajeitando, depois olhando pra Gabrielle disse:

          –     Vou providenciar roupas de dormir e calças pra você. Isso o que você está usando é um horror.

     Gabrielle ficou calada. Na verdade estava acanhada.

     Já deitada, Xena virou-se pra ela; a proximidade e o encanto de vê-la deitada com os cabelos espalhados pelo travesseiro quase a fez perder a cabeça. Controlando-se, disse como num desabafo:

         –     Todo momento livre que tiver, estarei pensando em você e dormirei abraçada à manta que você me deu. Não esperava receber um presente seu.

         –     Na verdade eu estava fazendo a manta para mim, pensando no inverno. Fiz nas cores violeta e lilás, apesar de saber que são as suas cores prediletas, porque eram as linhas que tinham em predominância, mas o seu nome eu bordei ontem e usei linha azul, quase da cor dos seus olhos. Eu queria agradá-la por estar me tratando assim.

     Xena, vendo-a falar, contatou que, realmente, valia a pena o conselho das três amas, ela iria conquistá-la, estava determinada.

    Ainda não havia amanhecido e Xena já estava de pé, acabando de se arrumar. Gabrielle acordou e a viu colocando a última proteção no pulso. Xena estava vestida toda de preto, calça e colete, que era uma espécie de armadura ornamentada de metais. Definitivamente, o preto lhe caia bem, ficava mais linda, observou Gabrielle.

         –     Ah, acordou… Que bom, não queria sair sem falar com você.

         –     Por quê não me acordou?

         –     Não tive coragem, você estava muito linda dormindo.

    Gabrielle se levantou da cama, foi até a sala de banho e retornou logo. Assim que a viu, Xena disse:

         –    Dei ordens para que durante esses dias em que ficarei fora você não saia do quarto. Não sei se têm mais soldados contra mim. Aqui dentro, pelo menos, você estará protegida. Todos os que estão aqui dentro do Palácio são de minha estreita confiança.

         –    Cuidado com Krykus._ disse Gabrielle ajeitando aquela estranha, mas muito bonita touca cheia de pedras que ela usava toda vez que viajava. Avisou: Nunca dê as costas para ele. Se cuida, tá?

   Xena riu dizendo:

         –    Você está parecendo a esposa se despedindo do marido antes dele partir pra guerra.

   Gabrielle caiu em si. Xena estava certa, ela, realmente, estava preocupada pelo que possa acontecer a ela.

         –    Estou esperando.

         –    Ahn, o quê?_ Gabrielle não entendeu.

         –    Quero um beijo de boa sorte.

   Gabrielle se aproxima e a beija delicadamente na boca.

         –   Assim não… Assim!_ disse Xena prendendo-a nos braços e beijando-a ardentemente, fazendo-a retribuir o beijo.

   Depois saiu sem olhar para trás, trancando-a.  Gabrielle, que até então ainda estava sonolenta, desperta por completo. Vai até a janela da sala de banho espiar. Escuta a voz dela dando a ordem para saírem, e a vê montada em Argo. Xena vira-se de lado e a vê na janela. Acena-lhe com um meio sorriso e se afasta. Gabrielle não conseguiu entender por que seu coração ficou apertado.

   Dias se passaram, e Gabrielle estava fazendo uma outra manta, desta vez para ela mesma, quando escutou barulho lá fora. Correu pra janela e constatou que ela havia chegado. Viu-a festejando com os soldados que gritavam o nome dela com louvor e devoção. Ela percebe que Xena a vê, mas continua a festejar com os soldados. Gabrielle sai da janela. Dá uma olhada no quarto vendo se estava tudo em ordem e fica parada em frente à porta esperando por ela.

  Um bom tempo se passou e nada dela chegar. Gabrielle espiou, novamente, pela janela, mas não havia mais nenhum sinal de comemoração. Ela havia, então, entrado no Palácio. Mas, por que demorava… Gabrielle percebeu que estava ansiosa. Constatou:

         –    É, estou mesmo parecendo a esposa a espera do marido.

   Sentou-se no seu cantinho costumeiro e começou a bordar a manta.

   Algum tempo depois, a porta se abriu, eram as amas com o jantar. Ela não poderia explicar a si própria a decepção que sentiu.

         –   Philana, onde ela está?_ perguntou, sentando-se à mesa e ao ver a mochila e a manta, que ela fizera, sendo colocadas em cima da arca por Jana.

         –    Trancada no gabinete numa reunião. Mandou que trouxéssemos o jantar pra você.

         –    Não disse mais alguma coisa, não deu mais nenhuma outra ordem?

         –    Não, apenas mandou que lhe trouxesse o jantar.

   Após o jantar Gabrielle ficou andando de um lado para o outro. Estava ansiosa, confusa… não se entendia mais. Não sabia por que ficara preocupada durante esse tempo todo, temendo que alguma coisa acontecesse a Xena. E, agora, por que ela não vinha logo vê-la… Foi pro seu quarto dormir. Se é que conseguiria…

   De madrugada, quando já estava quase dormindo, viu-a entrar e colocar, em cima da cama, a bainha com a espada, o chakram e a touca. Depois foi para a sala de banho_ que Gabrielle havia preparado antes de se deitar. Pouco depois a viu vindo em direção à porta do seu quarto. Mesmo na penumbra, quando ela parou na porta, Gabrielle percebeu que ela estava só com aquela calça cavada. Quando percebeu que ela ia se afastar, Gabrielle pergunta:

         –     Como foi a luta?

         –     Pensei que estivesse dormindo._ disse Xena tentando vê-la na escuridão do quarto.

         –     Você demorou._ disse Gabrielle sentando-se na cama.

    Xena estica a mão e pega do lado de dentro do seu quarto um candeeiro, que ilumina o quarto o suficiente.

         –    Eu avisei que só viria quando conquistasse Arcádia. Não sobrou nenhum romano vivo desta vez._ disse sentando-se ao pé da cama, após colocar o candeeiro em cima da mesa.

         –    Onde você estava._ perguntou, não conseguindo disfarçar a curiosidade.

         –    No meu gabinete. Fizemos uma reunião de urgência, pois vamos ter que partir logo.

         –    Você vai viajar de novo!…_ disse, aborrecida.

         –    Depois de amanhã._ respondeu Xena olhando bem para a expressão contrariada dela.

   Gabrielle achou melhor ficar calada, não sabia por quê se sentia assim tão chateada com isso.

   Xena percebe e pergunta:

         –    Sentiu a minha falta?

         –   E você, sentiu a minha?_ disse irritada e tentou consertar: Desculpe, não era isso o que eu queria dizer.

   Xena exultou com a reação dela, e continuou com o joguinho.

         –   Toda vez que sentia, me enrolava na manta. Era como se você me abraçasse. Lá estava muito frio. Mas você não disse se sentiu a minha falta.

         –    Preciso dizer?_ perguntou, ainda irritada e totalmente confusa.

         –    Gostaria de saber, é que desta vez vou para bem longe, vou demorar mais.

         –    Vai mesmo viajar de novo?… Você precisa mesmo ir… não pode mandar outra pessoa?

   Xena se entusiasmou, estava completamente excitada com aquela reação de Gabrielle. Sabia que se quisesse ganhá-la não poderia se precipitar. Resolveu continuar com o jogo.

         –   Preciso. Mandar quem?… O Comandante tem mulher e filhos, não seria justo afastá-lo tanto tempo da família; em Krykus eu não confio; Estragon, o chefe dos guardas, nem pensar. Então tenho que ir. Desta vez vou preocupada, pois não tenho previsão de quando volto.

         –    Me leva com você.

         –    Nem pensar.

         –    Eu prometo fazer tudo que você mandar.

         –    Não.

         –    Por quê?

         –  Com você lá, não vou conseguir me concentrar. Além disso, vou ficar preocupada com a sua segurança. E com certeza perderei a batalha. E é melhor, pra você, eu ficar mais tempo longe daqui, não terá que ficar perturbada com a minha presença.

         –    Não quero que vá.

   Xena se projetou um pouco mais pra frente, ficando bem perto dela.

         –    Por que, se você nem respondeu se sentiu ou não a minha falta?

         –    Tem certas coisas que… a gente não precisa dizer._ disse Gabrielle sem conseguir encará-la.

         –    Mas eu preciso ouvir. Sentiu a minha falta?_ disse num tom intimista e suave.

         –    Senti._ respondeu quase num sopro.

         –    Como?

         –    Não sei explicar.

   Xena estava sentindo que aquele poderia ser o momento. Disse num tom sedutor:

         –    Gostaria de dormir aqui com você. Só dormir.

         –    Vai ficar apertado, não é confortável como a sua cama.

         –    Eu gostaria muito, posso?

         –    Se você quiser… Só tem que pegar mais um travesseiro.

         –    Não, não vamos precisar não.

   Dizendo isso subiu na cama, deitou-se no lado que ficava encostado na parede e, oferecendo o braço esquerdo, diz:

          –    Vem, deita aqui. Você dormirá em meu braço.

   Percebendo que Gabrielle ficara desconfiada, a tranqüiliza:

         –    Vem Gabrielle, eu não vou fazer nada. Estou cansada. Quero dormir.

   Gabrielle se aconchega, timidamente, no braço dela. Mas, antes ajeitou o cobertor com cuidado, cobrindo o peito nu da guerreira. Xena olhou de rabo de olho, com um leve sorriso nos lábios.

         –   Se você se cansar, pode tirar o braço. Eu dormia sem travesseiro lá na cela em Amphipolis._ disse Gabrielle ainda sem saber onde por as mãos.

         –    Não me canso não. Além disso, você é muito leve._ e puxou-a pra si.

   Xena percebeu que já não queria uma coisa forçada, ela queria algo dado, retribuído. Ela precisava disto. Estava seguindo o conselho das amas. E ela sabia que aquelas três mulheres eram sábias. Afinal, não custava nada tentar, era estimulante e estava sendo gratificante. E, acima de tudo, era um desafio. E Xena adorava desafios, pelo prazer da conquista_ não era o que ela fazia? Esse prêmio era muito, mas muito especial. Disse pra si mesma que valia a pena.

   De manhã, quando acordou, percebeu que Gabrielle estava abraçada a ela e com o rosto no seu colo. Quem as visse, naquele momento, pensaria que tiveram uma noite de amor.

  Xena encostou o nariz na cabeça dela aspirando aquele suave e doce perfume. Deu um beijo naquela cabeça dourada.

 Gabrielle despertou e percebeu que estava abraçada a Xena. Olha pra ela e vê aqueles olhos azuis observando-a.

       –    Bom dia. Conseguiu dormir direito?_ Gabrielle nem soube por que perguntara isso. Talvez porque estivesse totalmente desnorteada.

       –   Bom dia. Com você do meu lado só podia ter bons sonhos. Mas, aqui é muito apertado._ disse Xena, e completou: A partir de hoje, você vai dormir lá na minha cama.

 Gabrielle, ainda desconcertada, senta na cama, dizendo:

       –    Não precisa. Essa cama é muito boa.

       –    É nada. Essa parte do colchão está alta…_ meteu a mão e percebeu algo. Sentou na cama e puxou.

 Gabrielle ficou apreensiva quando viu o pergaminho na mão de Xena, que perguntou:

       –    O quê isto está fazendo aqui?

       –    Eu peguei esse pergaminho porque… estava escrevendo a minha história.

       –    E por quê o escondeu?

       –    Fiquei com medo que você me punice por isso.

 Xena levantou-se e entregou o pergaminho pra ela dizendo:

       –    Você não me disse que sabia ler e escrever.

       –    Eu lhe disse que não era escrava.

       –    Gostaria de ler.

 Gabrielle o estende de volta a ela, dizendo:

       –    Pode ler. Além da minha história, há também umas bobagens escritas.

       –   Eu também tenho um pergaminho, onde tentei escrever as fases mais importantes da minha vida. Mas, não tenho jeito pra isso.

       –    Eu li.

       –    Deve ter percebido que eu não tenho dom para isso.

       –    Se quiser, eu posso escrever pra você. Basta me contar que eu escrevo.

       –    Combinado.

       –    Posso pegar o seu roupão?

 Só então que Xena percebeu que estava apenas de calça. Sorriu balançando a cabeça, consentindo. Percebeu que era isso que estava perturbando Gabrielle.

 Quando Gabrielle volta da sala de banho e a ajuda a se vestir, Xena diz:

       –    Falei sério. Quero-a ao meu lado na cama. Você viu? Não tentei nada. A sua presença ao meu lado me basta.

 Xena, antes de sair, deu um beijo de leve nos lábios dela.

 Gabrielle ficou pensativa, já não tinha mais medo da Conquistadora. Ela estava com medo dela própria.

 As amas a levaram para o passeio no jardim, enquanto Xena estava, novamente, em reunião no seu gabinete. Não foi almoçar com ela. Só foi vê-la na hora do jantar.

      –     Vou partir amanhã bem cedo.

      –     Vai mesmo amanhã?

      –   Vou. Como o Comandante vai ficar, deixei ordem com as amas para que a levem ao seu passeio matinal.

      –     Quanto tempo vai ficar fora?

      –     Não sei. Vai depender da eficácia do meu plano.

 Gabrielle ficou pensativa.

 Xena levantou-se dizendo:

      –    Não me espere. Faça a cama e durma. Só quero que você deixe o meu banho pronto. Amanhã, antes de partir, eu te acordo. Ah, já ia me esquecendo…_ pegou um embrulho que estava em cima da arca dizendo: Isto é pra você.

 Ao abrir o embrulho, Gabrielle olha admirada, enquanto Xena diz:

      –     Jogue essas suas calças fora e use essas.

      –     Eu nunca tinha visto esse tipo de calça antes de ver você vestida.

      –   São calças usadas por guerreiras. Acho que foram criadas pelas amazonas. São práticas e bonitas. Quero que use.

Quando Xena chegou não a viu na cama, que estava pronta. Foi até o quarto dela e também não estava lá. Foi até a sala de banho e lá estava ela dentro da tina. Xena percebeu que ela havia prendido os cabelos. Então, prendeu os seus também. Olhavam-se sem nada dizer. E quando Xena começou a se despir, percebeu o olhar atento de Gabrielle. Xena sentiu que estava preste a vencer aquela batalha, a conquistar tão valioso prêmio. O olhar de Gabrielle lhe dava essa certeza. No entanto, estrategicamente, sentou ao lado dela e começou a se banhar.

      –     Quer que eu lave as suas costas?_ perguntou Gabrielle num tom suave, quase num sussurro.

      –     Faz aquela massagem que você fez naquele dia.

 Gabrielle, ao invés de usar a esponja, massageou-a com as mãos, bem lentamente, comprimindo seus dedos na carne macia e rija das costas e do pescoço da guerreira, o que deixou Xena completamente excitada.

      –     Gabrielle… você está me excitando…

 Gabrielle continuou, agora na nuca, abaixo do cabelo, bem devagar, com uma lentidão proposital. Xena virou-se de frente pra ela e viu naqueles olhos verdes a rendição, a entrega. Puxou-a para si e olhando-a assim tão perto, vendo-a entreabrir os lábios e tremer nos seus braços, sentiu desejo de aperta-la mais. Gabrielle gemeu. Então, Xena aproximou sua boca dos lábios dela. Primeiro, beijou com extrema carícia o lábio superior e sentiu-a suspirar. Depois, beijou o lábio inferior, encostando a língua e os dentes, causando em Gabrielle um estremecimento e uma rendição total quando ela sussurrou entre seus lábios “Xena”… Aí, então, a guerreira mergulhou com paixão num beijo ardente. Desta vez Gabrielle retribuiu beijando-a com paixão e carícias.

   Lá estava ela novamente nos braços da Conquistadora, sendo amada por ela na sua cama. Mas, desta vez, era diferente, Gabrielle estava ali porque queria. E ela não queria apenas ser, ela queria ter também e Xena deixou que ela fizesse.

        –     Xena, alguém já te disse que você é linda? Que bobagem a minha! Alguém não, várias pessoas já devem ter dito que você é linda._ disse Gabrielle após se sentar no púbis de Xena que estava deitada na cama e ainda contemplando-a, conclui: Você é tão linda!

        –      Ah, Gabrielle, não exagera…

        –      Não estou exagerando, você é a mulher mais bonita que já vi.

        –      Então você conhece pouca gente.

        –    Aí que você se engana. Como uma simples camponesa, eu realmente não conhecia ninguém. Mas, como escrava pude ver uma imensidão de rostos… e ninguém tão bela como você.

   Xena tentou se erguer, mas Gabrielle a impediu com uma carícia nos ombros dela.

        –     Você me acha mesmo atraente?

        –   Se eu não achasse, não estaria aqui com você. Pra ser sincera, eu me senti atraída por você desde a primeira vez que te vi.

        –    Então a recíproca é a mesma. Mas, agora… sai de cima de mim, não que eu não esteja gostando disso, e deita aqui._ disse Xena olhando-a cheia de desejo.

   Gabrielle desliza suas mãos em volta dos peitos de Xena e os acaricia com extrema ternura.

        –   Nunca ninguém me tocou assim._ disse Xena demonstrando todo prazer que as carícias de Gabrielle estavam lhe proporcionando.

        –    Você ainda não viu nada._ disse Gabrielle debruçando-se sobre ela e agora acariciando com a boca um dos seios.

   O que Gabrielle fazia com a boca já estava deixando Xena completamente pronta para se entregar. Já estava sentindo a necessidade de que Gabrielle a possuísse. Mas, Gabrielle, parecia não ter pressa e continuou com aquelas carícias e beijos por todo o seu corpo. Até que chegou na entrada da fonte do seu desejo. Xena arqueou as pernas para que ela pudesse se ajeitar melhor. E, novamente, com extrema carícia, Gabrielle começou aquele beijo íntimo. Ao perceber que Xena arfava, tornou-se mais ardente, mais penetrante. Xena que segurava as laterais do pano de seda que cobria a cama, agora acariciava os cabelos louros da sua jovem escrava e sussurrava: Gabrielle… Oh, Gabrielle… como você pode… humm…

  Momento depois, ainda com Gabrielle deitada em cima do seu corpo, Xena com voz cansada pergunta:

      –     Onde você aprendeu isso?

 Gabrielle levanta o rosto, beija-a na boca e diz, antes de encostar a cabeça no seu peito novamente:

      –     Com você.

 Enquanto Gabrielle dormia em seus braços, Xena relembrava de tudo que havia acontecido, desde o momento que a vira, que a salvara, que a escolhera e a usara para satisfazer a sua luxúria. E, no entanto, agora, era Gabrielle que lhe retribuía todos os carinhos, que se insinuava, que tomara a iniciativa, que lhe queria… desejando-lhe tanto quanto era desejada.

 Xena sentiu que agora não era só sexo, era algo mais intenso, uma necessidade nunca antes sentida. Era maravilhoso possuir e ser possuída, desejar e ser desejada e, depois, dormirem assim abraçadas. E desta noite em diante, os carinhos seriam retribuídos, seriam trocados. Eram amantes.

  Quando amanheceu, Xena acordou com Gabrielle completamente envolvida nos seus braços. Lembrou-se da noite anterior e constatou como era bom dormir com ela aconchegada assim em seus braços, feito uma menina, que na realidade ela ainda era.

  Tentou tira-la de cima dela sem acordá-la, mas Gabrielle, com os olhos fechados, a abraçou bem forte dizendo:

       –     Tá cedo.

       –     Já amanheceu, tenho que ir._ disse desprendendo-se dos braços dela e beijando-lhes as mãos.

  Gabrielle levantou e a ajudou a se vestir.

       –    Vou com esta calça de pele, porque lá deve está muito frio. Vou levar também o casaco de pele e o seu pergaminho. E, é claro, a minha manta favorita.

       –     Quando volta?_ perguntou, abraçando-a por trás.

       –     Não sei. Mas será o mais rápido possível._ disse trazendo-a para frente e beijando-a.

  Havia se passado um mês. Gabrielle já tinha terminado a sua manta. O inverno havia chegado. E ela ia ao jardim apenas, para cuidar de algumas flores que resistiam ao frio. Andava sem disposição, até pra comer. Sentia falta dela e isso a preocupava. Já havia desistido do seu plano de fugir.

  Uma noite se surpreendeu ao sussurrar o nome dela, no momento em que alisava o travesseiro e o lugar no lado em que Xena dormia. Seu coração disparou àquele pensamento que lhe surgiu de repente. Que sentimento era aquele que a deixava assim tão ansiosa? Que desejo era aquele de sentir seu corpo no corpo dela? Levantou-se e foi tomar um banho.

   Numa manhã, após o passeio matinal, as amas a deixam no quarto. Quando iam fechar a porta, alguém as manda sair em silêncio. Depois de fechar a porta, encosta-se nela e pergunta:

        –     Sentiu a minha falta?

   Gabrielle, que estava de costas, vira-se sorrindo ao reconhecer a voz.

        –     Xena…_ sussurrou ela antes de abraçá-la.

   Se beijaram com sofreguidão. Xena a afasta um pouco para falar:

        –     Estou cheirando mal… Todo esse tempo sem um banho… Um frio de rachar…

        –     Venha vou preparar o seu banho._ disse Gabrielle puxando-a pela mão.

   Mas antes de entrar na sala de banho, Xena abriu a sacola e tirou um embrulho, entregando a Gabrielle, disse:

        –     Trouxe umas roupas de dormir pra você, minha barda.

        –     Ah, então você leu o meu pergaminho…

        –     Li e reli muitas vezes, quando sentia a tua falta. Para mim foi uma surpresa, não sabia que você é uma barda. Adorei seus poemas.

       –     E eu escrevi aquela batalha que você me contou, depois eu te mostro…_ Gabrielle parou de falar e arregalou os olhos ao ver as três peças de roupa que ganhara.

   Xena percebendo pergunta:

       –      O que foi, não gostou?

       –      São lindas, mas… usa-las seria o mesmo que… que estar sem nada. São muito transparentes.

       –      Vão ficar lindas em você. E além do mais, você só irá usa-las para mim.

   Gabrielle corou, ainda não havia se acostumado com aquele olhar penetrante e a forma direta e franca de Xena se expressar. Disse, disfarçando:

       –       Vou preparar o seu banho.

    Na verdade, tomaram banho juntas. E ainda estavam lá em brincadeiras amorosas, quando batem insistentemente à porta.

       –       Desta vez eu mato Krykus!_ disse Xena pulando da tina e vestindo o roupão.

    Abriu a porta com raiva, mas acalmou seu impulso quando viu que era o seu Comandante.

       –       Desculpe, Xena em te incomodar. Mas Theodorus chegou daquela missão que você o incumbiu.

       –       Tá certo. Mande-o ao meu gabinete. Vou me vestir.

    Instantes depois, ela estava na presença do seu mensageiro.

       –       Trouxe notícias da família de Gabrielle?

       –    Como a senhora mandou, investiguei toda a trajetória de Poteidaia até o porto onde foram vendidos como escravos para um comerciante egípcio e embarcados num barco egípcio. O qual não chegou a seu destino, pois naufragou ainda em águas gregas, devido a uma tempestade ou furacão. Não houve sobreviventes.

       –       Tem certeza que o pai, a mãe e a irmã de Gabrielle estavam nesse barco?

       –    Tenho. Conferi isso com um velho pescador, que fica o dia todo no porto e que conhecia Herodutus e sua família. Inclusive ele disse que a filha mais velha, a lourinha, foi a única que não havia embarcado, pois havia sido vendida para o Senhor da Guerra Mezentius.

     Xena o recompensa pela informação e manda-o tirar uns dias de descanso.

        –      Como vou dizer isso pra Gabrielle?… Não, não vou dizer agora. É melhor esperar um momento propício._ de repente se lembrou do que lera no pergaminho de Gabrielle, que ela levara durante a viagem, no qual estava escrito que ela se sentia como alguém que perdera tudo na vida. Isso só iria confirmar aquelas palavras, que ela também havia dito um dia.

     Os dias foram passando e Xena nunca achava que era o momento adequado de contar pra Gabrielle a verdade sobre sua família.

      Gabrielle não dormia mais em seu pequeno quarto, dormia com ela. Xena a queria todas as noites. Era carinhosíssima. Pra Gabrielle não era mais nenhum sacrifício, ela realmente gostava daquelas carícias. Faziam as refeições juntas. Gabrielle a servia com prazer. Como também preparava o seu banho e escolhia suas roupas. Quase sempre tomavam banho juntas. Xena nunca havia se sentido assim tão feliz.

      Certa vez, Xena chegou sem fazer alarde e foi direto para os seus aposentos. Chegando lá, encontrou-a sentada a tecer um tapete. Antes que Gabrielle tivesse tempo de se levantar, correu até ela e a pegou no colo. Beijando-a, levou-a para a sala de banho.

      Gabrielle nunca a viu voltar para a casa abatida, derrotada. Ela era uma vencedora, a Conquistadora de Nações. E quando chegava, era para os seus braços que ela corria.

     Um dia Xena havia saído e levado Gabrielle consigo para fazer umas compras, ali mesmo nas ruas das cidades de Corinto. Fora uma tarde magnífica para Gabrielle e divertida para Xena, pois deliciara-se com o deslumbramento dela fazendo compras, escolhendo e pechinchando as mercadorias, mesmo Xena lhe dando carta branca. Mas, Gabrielle gostava de barganhar.

     Quando voltaram ao Palácio, o seu Comandante estava apreensivo.

        –    Xena, pelos deuses… Só levar dois guardas?… Esqueceu que há pouco tempo sofreu dois atentados?

        –       Calma, meu amigo, sei o que eu estou fazendo. Depois a gente conversa.

     Deixa Gabrielle no quarto com as compras e ao sair encontra com Philana, que a avisa que Krykus, depois que ela havia saído, vasculhou o Palácio todo e perguntou pra elas se sabiam onde a sua escrava loura ficava. Xena bufou de raiva, mas escutou um conselho daquela ama tão sábia. Resolveu seguir o conselho.

     Ao entrar no gabinete avista Krykus, diz:

        –       Perdeu alguma coisa Krykus?

        –       Por quê, Xena?

        –       Soube que andou procurando alguma coisa por aí.

        –       Nada de importante… E por falar nisso, Xena, afinal onde você esconde aquela escrava?

        –       Qual escrava?_ disse Xena lembrando do conselho de Philana.

        –       Aquela lourinha.

        –      Escuta aqui, Krykus, é o último aviso: não se meta com a minha escrava. Vá até as celas, lá tem um monte de louras pra você escolher.

        –       Está bem Xena, não sabia que ela era tão especial pra você.

     Xena finge não ligar para a insinuação dele.

        –    Ah… Krykus gostei daquela sua idéia. Até já conversei com o Comandante. Já está tudo resolvido. Só falta você preparar as tropas, uma será comandada por mim e a outra pelo Comandante. E, você vai na frente, como sugeriu, pra ver se o caminho estará livre. Vamos sair amanhã bem cedo.

      Krykus sai radiante.

      Instantes depois chega um mensageiro de sua cidade Amphipolis.

      Xena corre para compartilhar da boa notícia com Gabrielle. Conta a ela que seu irmão mais velho, Toris, voltou para casa.

        –      Que bom, Xena. Fico feliz por você. Esse é o mesmo mensageiro que você mandou procurar notícias sobre a minha família?

       Xena que estava feliz com a notícia recebida ficou séria repentinamente. Gabrielle nota, segura-lhe o braço, perguntando:

        –      Você recebeu alguma notícia?… O que foi que aconteceu?… Eles estão bem?… Xena, diz alguma coisa!

     Xena se desvencilha dela com cuidado, não querendo olha-la nos olhos, diz:

        –       Você faz tantas perguntas que não dá pra responder…

        –       Desculpe, é que já se passou um bom tempo…

        –       Não, ainda não recebi notícias daquele mensageiro. Assim que receber…

        –       Você me avisa?

        –       Claro, claro…

     Esse era um problema que estava se complicando, mas que Xena ainda não sabia como resolver sem magoar Gabrielle. Mudou de assunto:

        –       Gabrielle, amanhã cedo vou partir pra Sícion.

        –       Mas já?! A gente não havia combinado de fugirmos amanhã pro nosso lugar secreto?

        –     Sinto muito, Gabrielle. Sinto muito mesmo. Mas é que tenho que resolver um problema que já teria que ser resolvido há algum tempo.

        –       O que é?

        –       É melhor você não saber.

        –       Quando você fala assim, deve ser uma coisa muito perigosa. É isso?

     Xena balança a cabeça afirmativamente.

        –      Xena, você não sabe como me sinto quando você vai pras suas batalhas, suas viagens… Gostaria tanto de ir com você.

        –      Da próxima vez que eu fizer uma viagem, prometo que a levarei. Mas essa é uma batalha, mais do que isso, um acerto de contas.

     De manhã bem cedo Xena se despede de Gabrielle, como sempre, com um beijo ardente. Antes de fechar a porta, escuta Gabrielle dizer:

        –       Volta pra mim.

        –       Voltarei sempre.

     Estranhamente que todo esse tempo nenhuma das duas falou de amor. Era uma entrega total de sentimentos, de carícias, de desejos… Mas nenhuma havia dito pra outra_ eu te amo.

     Assim que Xena partiu com as tropas, as amas avisam Gabrielle para que fique naquele quarto que fora dela, quieta sem fazer barulho e com a porta fechada. E que ela só saísse de lá quando as amas abrissem a porta.

        –       Mas, por que isso?_ perguntou Gabrielle um pouco assustada.

        –     Ela disse que é questão de vida ou morte. E que era pra você não discutir e obedecer._ disse Philana muito séria.

    Gabrielle obedeceu. Permaneceu durante o dia todo no quarto, as amas deixaram comida e água suficientes. Aproveitou para terminar o tapete para a sala de banho.

    Escutou um barulho no quarto. Levantou. Novamente mais barulho. Sentiu medo sem saber o porquê. Escutou:

       –       Escrava… onde você está?… Sei que está aqui… Saia. Não vou te machucar…

    Ela reconhecera a voz, era Krykus. Sua cabeça deu um nó. Se ele chegara ali, foi porque conseguiu passar por Xena. Seu coração apertou. Olhou pro quarto, não havia como se esconder ali. Olhou para o pequeno compartimento atrás da cortina e resolveu se esconder lá. Ao entrar, esbarrou na caneca de banho que estava encostada na tina. Olhou apavorada pra porta e torceu para que ele não estivesse ouvido. Instantes depois, seu esconderijo fora descoberto.

        –      Ah, então é aqui que ela a esconde… muito conveniente.

    Gabrielle estava muito assustada, gritou:

        –      Vai embora! Saia daqui! A minha senhora não vai gostar…

        –    Sabe quem é o seu senhor agora?… Eu, o novo Conquistador. Isso tudo me pertence agora… o Palácio… e você.

    Gabrielle estava apavorada, mas mesmo assim balbuciou:

        –      Xena… e Xena?

        –    A esta altura deve estar no inferno. Caiu na minha armadilha. E desta vez ela não teve você para salvá-la.

        –     Não é verdade… não pode ser…

        –    Chega de conversa. Você agora é minha escrava._ disse ele puxando-a pelo punho e arrastando-a para o quarto de Xena. Gabrielle se debate, ele ri e a joga na cama.

        –     Vamos ver por que você era tão especial para ela.

   Quando começou a desabotoar a calça, ouviu-se um sibilo no quarto e o chakram raspando e ferindo seu braço. Nesse instante, o nome de Xena foi gritado de duas maneiras, com espanto e pavor por Krykus e de alívio e paixão por Gabrielle, que pulou da cama e correu pros seus braços.

        –    Adivinha quem vai para o inferno?_ disse Xena já com o chakram na mão e em seguida abraçando Gabrielle.

        –    Xena, não vai dizer que você acreditou no que falei aqui… foi só pra meter medo nela… Você sabe que desde que a vi que fiquei de olho nela… Afinal, é uma escrava… achei que podia me servir também…

        –      Não menospreze a minha inteligência, seu crápula!

    Krykus atira uma faca na direção das duas. Xena puxa Gabrielle, saltando com ela para o lado e desviando da faca. Krykus consegue fugir.

        –      Fica aqui._ diz Xena pra Gabrielle e sai correndo com a espada na mão.

    Pouco depois, Gabrielle escuta batida de espadas e gritos dos soldados incentivando Xena. Correu para a janela da sala de banho e assiste à luta.

        –      Como você conseguiu escapar da armadilha?_ perguntou Krykus brandindo a espada.

        –    Deixei você pensar que estávamos seguindo o caminho combinado._ respondeu Xena com um golpe de espada que quase o derrubou.

        –     Como você chegou antes de mim?_ disse ele, cara a cara, medindo forças com ela.

        –     Não cheguei._ disse Xena entre os dentes numa expressão totalmente selvagem.

        –     Então como…

        –    Você é muito previsível, Krykus. Eu sabia que você viria logo pro meu quarto. Por isso deixei a porta encostada. E como cheguei, você nunca saberá.

   Xena se desvencilha dele com um golpe, arrancando-lhe a espada. Depois vira-se de costas para ele, dando uma ordem para que o prendessem. Nisso, Krykus titã um punhal das costas e quando vai pra cima das costas de Xena, ela enfia a espada nele sem se virar, enquanto Gabrielle havia gritado também. Xena olha pra janela e sorri pra Gabrielle.

        –     Pelos deuses, Xena… Você devia ter me avisado._ disse Gabrielle abraçando-a quando entrou no quarto.

        –      Achei melhor você não saber, para que o plano desse certo.

        –     Levei um susto tão grande… pensei que alguma coisa tivesse realmente acontecido a você. Aquele homem aqui no nosso quarto, me jogando na cama…

        –      É isso que me preocupa… Gabrielle, você não reage… qualquer um pode dominá-la.

        –     Não tenho força, não sei lutar. Até a minha irmã Lila me batia… se bem que ela é bem forte pra uma garota da idade dela. E eu nunca soube me defender.

        –      Agora vai aprender. Vou te ensinar a se defender e a lutar.

        –      Com espada?

        –      Também. Mas antes vai aprender uns golpes de defesa com as mãos e com o cajado.

        –      E o chakram, vai me ensinar a usar também?_ perguntou sorrindo.

        –    O chakram, só eu uso. É muito perigoso. Não quero que você se machuque. A partir de agora você vai aprender a se defender.

        –      Até de você?_ perguntou Gabrielle num tom malicioso.

        –    Um mestre nunca ensina todos os golpes ao aluno. E você está querendo mesmo se defender de mim?_ Xena resolveu dar um pouco mais de corda à brincadeira.

        –      Se você for me pegar à força de novo…

        –      Então é melhor começar as aulas logo, a partir de agora.

        –      De agora?…_ perguntou Gabrielle insinuante.

        –      Bem, agora… não. A partir de amanhã._ disse Xena puxando-a para si.

    Como havia dito, Xena ensinou Gabrielle a se defender. E ela aprendeu vários golpes, manejava com algum jeito, mas era com o cajado, que ficou sendo realmente o seu estilo.

    Gabrielle já não ficava mais confinada dentro do quarto, podia circular livremente pelo Palácio. Xena lhe dissera que não havia deixado antes por causa de Krykus.

    Xena às vezes a levava a passear nas ruas de Corinto, ao mercado para fazer compras ou assistir algum espetáculo de grupos teatrais ou circenses. Gabrielle adorava. Quando, Xena avisava que iam assistir a um espetáculo, os olhos de Gabrielle brilhavam e seu rosto reluzia alegria e isso encantava Xena. Fazer Gabrielle feliz era o seu principal objetivo. Todo lugar que ia, apresentava Gabrielle como a sua Dama de Companhia.

    Uma noite, durante o jantar, Xena diz:

        –      Tenho uma novidade.

        –      Não me diga que vai viajar? Não, Xena…

        –      Vamos.

        –      Como?!… Você disse… vamos?_ perguntou surpresa.

        –      Vou satisfazer um antigo sonho seu, barda.

        –      Meu sonho… Aquele que falei pra você… Você está falando sério?

        –      Atenas.

        –      Atenas!_ Gabrielle vibrou.

        –   Já aluguei uma casa e quando chegarmos lá, vou deixar ao seu critério os espetáculos que assistiremos.

   Gabrielle, quase num salto, pula, da cadeira ao lado, para o colo de Xena.

        –    Quando, Xena, quando?… Nós vamos mesmo? Você não está brincando comigo?…Fala!Diga alguma coisa!

        –     Você não deixa!_ disse Xena sorrindo.

        –     Eu fico calada, mas fala!

        –     Bem, depois de amanhã, que tal?

   Em resposta, gabrielle abraçou-a no pescoço. Essa noite foi memorável. Xena adorou fazer amor com ela, que estava totalmente excitada pela viagem. Achou que, de vez em quando, deveria arranjar uma viagem, pois Gabrielle ficava deliciosamente meio selvagem, sexualmente, tanto quanto excitada como estava.

    No dia seguinte, no lugar secreto delas, após o lanche, as duas estavam deitadas. Xena de olhos fechados e Gabrielle olhando pro céu. Gabrielle apóia-se no cotovelo, virada pra Xena, diz:

        –      Xena foi por aqui que você chegou mais cedo ao Palácio, a tempo de me defender, não foi?

        –      Hum… hum…

        –      Xena posso fazer um pedido?

        –      Hum… hum…

        –      Podemos levar as três amas?

    Xena abriu os olhos preguiçosamente.

        –      Por quê?

        –      Você não acha que elas merecem?… E além do mais, assim como eu, elas não conhecem Atenas.

    O que Xena não fazia pra agradar aquela barda! Gabrielle não sabia o quanto ela era importante pra Xena. E Xena sabia que já não era só sexo, era uma coisa mais forte, algo totalmente necessário à sua vida. Fazer Gabrielle feliz era fazer a si própria feliz.

        –      Tá bem._ disse fechando os olhos.

    Gabrielle debruçou sobre ela beijando-lhe a face, dizendo:

        –    Obrigada, sabia que você ia deixar, por isso me antecipei e disse que elas fizessem as malas também.

    Xena balançou a cabeça como se dissesse que ela não tinha jeito mesmo.

        –      Que roupa devo levar? Além da túnica azul, é claro.

    Xena abriu os olhos dizendo:

        –     A túnica azul, não. Só quero que você a vista só para mim, quando estivermos a sós. Já mandei as amas prepararem uma roupa de viagem pra você e quando chegarmos em Atenas vamos comprar roupas novas.

    Gabrielle sorriu de uma maneira estranha. Xena percebeu.

        –      Que foi?

        –      A túnica azul também é especial pra você?

        –    Muito. É como se ela tivesse sido feita pra você. Feita pra você usar só para mim, quando estivermos a sós. E ela tem uma história, quer ouvir?

        –       Quero. Adoro histórias.

        –     Antes de voltar da China, vi essa túnica no mesmo mercador em que comprei aquela roupa que você chama de Conquistadora. Sabia que a túnica não daria em mim, mas não sei por que não consegui despregar os olhos de cima dela. Comprei e guardei. Até que reparei bem em você naquela tarde no meu gabinete, embora estivesse suja e com os cabelos desgrenhados. Assim mesmo, mentalmente, a vi vestida nela.

        –       Eu adoro aquela roupa. É azul da cor dos seus olhos.

        –       Foi feita pra você. Só pra você.

     Gabrielle debruçou sobre ela e esfregou carinhosamente a ponta do nariz no nariz dela, num gesto totalmente inédito para Xena. Talvez fosse por isso que Gabrielle era tão especial para ela, nesses gestos de pura expressão de carinho.

     No dia seguinte.

     Desta vez foi Xena que ajudou Gabrielle a se vestir. Era a primeira vez que ela usava uma calça comprida, marrom, igualzinha a que Xena estava usando, que usava nas viagens. Ajudou-a, também, a colocar o colete negro e a touca ornamentada, ambos iguais aos dela.

        –      Xena estou igual a você. A única diferença é que, além do nosso porte físico, eu levo o cajado ao invés da espada._ disse Gabrielle montada numa égua menor, mais proporcional ao tamanho dela.

        –    Está linda._ disse Xena montada em Argo, ao seu lado, contendo a vontade de dar uma gargalhada.

      Durante toda a viagem, Gabrielle fez questão de participar de tudo, da preparação da comida, da armação das tendas para dormir, além de contar histórias ao redor da fogueira. Xena percebeu que a sua barda era, também uma contadora de histórias. E com a presença dela, a viagem se tornara mais rápida e agradável.

      Chegaram em Atenas e foram diretamente para a casa. Mas, antes de entrar na cidade, Xena havia dispensado os soldados, mandando-os voltar no dia combinado. Ficando apenas ela, Gabrielle, as três amas e os serviçais da casa. Por ser Atenas uma cidade muito grande e com uma enorme população, Xena sabia que não seria perigoso ficar sem as tropas, principalmente se não atraíssem a atenção. Por isso mudou um pouco o visual, prendendo os cabelos numa única trança e prendendo a franja num arco, deixando a testa descoberta. Ela estava tentando passar despercebida. Nem todos a conheciam pessoalmente.

      A casa ficava num lugar bem discreto da cidade. Como haviam chegado bem cedo, as duas saíram para fazer compras, enquanto as amas administravam a casa.

      Xena alugou um coche e foram para o mercado. Xena se deliciou vendo Gabrielle experimentar as roupas antes de comprar, vendo-a completamente confusa nas escolhas. Xena comprou todas.

      Foram dias completamente diferentes para Gabrielle, nunca antes vividos. Às vezes saíam pra jantar fora, antes ou depois de assistirem algum espetáculo ou uma peça teatral dos grandes dramaturgos. E sempre antes de saírem Xena enfeitava Gabrielle com jóias, conforme a ocasião e a roupa que ela estava usando.

      Num certo dia, quando estavam passeando pelas ruas, Xena pára em frente a duas pessoas que lhe eram por demais conhecidas.

        –        Xena!_ diz o homem de cabelos negros e olhos azuis quase iguais aos dela.

        –        Toris!

      Os dois se abraçam, Gabrielle percebe que é o irmão de Xena.

        –        Uau, como você está diferente… está mais bonita.

        –        E você, um homem.

        –      Mãe…_ ele virou para o lado procurando a senhora que antes estava ao seu lado, e a vê do outro lado da rua, chama-a: Venha aqui, mãe…

        –       Deixe-a, Toris. Ela ainda não me perdoou pelo que me tornei. Ah, quero lhe apresentar… Essa é Gabrielle, minha… amiga.

      Toris cumprimenta Gabrielle.

        –        O que vocês estão fazendo aqui em Atenas?_ perguntou Xena.

        –      Trouxe mamãe para conhecer a família da minha noiva. Vou me casar no final do ano. Espero que você vá. Mandarei o convite. Ainda mora em Corinto?

        –        Sim. Vá também me visitar com sua esposa.

      Toris diz onde está hospedado e se despedem.

        –      Por que você não tenta fazer as pazes com a sua mãe?_ perguntou Gabrielle enlaçando o braço dela.

        –     Porque ela não quer. Não me perdoa pela morte de Lyceus, apesar de eu ter me vingado e matado Cortese, e de ter salvo duas vezes Amphipolis das mãos de Cortese e Mezentius, nem assim ela me perdoa.

        –        Por acaso, você já lhe pediu perdão?

        –        Perdão?!… Perdão de quê, Gabrielle?

        –        Perdão pela vida que leva.

      Xena olhou para ela e percebeu que Gabrielle havia se tornado sua confidente.

      Na manhã seguinte, Gabrielle saiu, com uma das amas, dizendo que ia comprar umas frutas, numa venda na esquina perto da casa. Com muito custo Xena deixou.

      Gabrielle fora até o hotel onde estava hospedada a mãe de Xena. Conversaram algum tempo. O tempo suficiente para deixar Xena preocupada pela demora. Já estava na porta da casa, olhando para os dois lados, quando avista Gabrielle e Philana conversando com a sua mãe Cyrene. Surpresa, Xena apenas fica olhando-as se aproximar.

        –        Xena acho que agora a sua mãe vai aceitar o seu pedido de desculpas.

      Xena arregalou os olhos pra Gabrielle, que lhe sorriu e num gesto de jogar a cabeça para o lado, indicou que ela deveria falar agora com a mãe.

        –       Mãe, eu… eu… sinto muito…

        –       Oh, filhinha…_ disse Cyrene a abraçando.

     Xena não sabia o que Gabrielle havia conversado com a sua mãe e como a convencera a perdoá-la. Ela só sabia que seria eternamente grata aquela barda especial.

     Mais tarde.

        –       Xena, por que você estava no portão me esperando?

        –       Fiquei preocupada.

        –       Pensou que eu ia fugir, não é? Não se preocupe, eu desisti, não quero mais fugir.

     Dias depois. Faltando dois dias para voltarem a Corinto, elas foram assistir a uma peça que havia estreado e, depois, foram jantar numa famosa taberna de Atenas.

        –       Você gostou mesmo daqui, hein?

        –     Ah, Xena, você sabe porque, aqui tem a melhor sobremesa de toda a Grécia._ disse Gabrielle saboreando.

        –        É, esse doce é uma delícia mesmo.

        –        Peguei a receita com o cozinheiro.

        –        Gabrielle! Só você mesma…

      Xena já havia pago a conta, estava saboreando seu licor predileto quando percebe que Gabrielle ficará pálida e olhava assustada em direção à porta. Xena olha e vê uns velhos oficiais atenienses e no meio deles um jovem oficial.

      Gabrielle tenta esconder o rosto com a mão, Xena nota e pergunta:

        –        Quem é ele?

        –       Por favor, vamos embora._ suplica Gabrielle com o cotovelo apoiado na mesa e a mão cobrindo o rosto.

        –        Não. Quem é ele?

        –        Não quero que me veja. Por favor, Xena, vamos embora.

      Xena, a contragosto, se levanta e Gabrielle a acompanha tentando se esconder atrás dela. Mas é vista pelo rapaz, que estava sentado entre os velhos oficiais do outro lado da taberna. Entra no coche que as esperava e suplica pra Xena:

        –        Por favor, pede pra partir. Por favor, por favor…

      Xena vendo a sua aflição dá ordens para partir. E virando-se pra Gabrielle diz:

        –        Quando chegarmos em casa, você vai me contar porque está se escondendo daquele rapaz.

      Gabrielle balançou a cabeça concordando. Xena ficou olhando para ela muito séria.

      Nem bem entraram no quarto, Xena pergunta:

        –        Quem é ele?

        –        Alguém do meu passado que eu quero esquecer.

        –        Quem é ele, Gabrielle?

        –        É um jovem da minha aldeia.

        –        Está me dizendo que fugiu dele, só porque ele te conhece?

        –        De Poteidaia, só quero ver a minha família.

        –        E é só por isso que você fugiu?

        –        Não quero que saibam o que sou.

        –        Você é a minha Dama de Companhia.

        –        E sua escrava.

        –       Mas, eu não a trato mais assim.

        –       Mas mesmo assim eu ainda sou. Não quero que ninguém de lá saiba no que me tornei.

     Xena a olha indagativa. Gabrielle diz, abaixando os olhos:

        –       Tenho vergonha. Seria uma humilhação.

        –       Quer voltar pra Corinto?

        –       É o que eu mais quero.

        –       Então, amanhã, depois que eu passar no cartório, partiremos.

        –       Obrigada.

     Xena, depois de ter avisado as amas sobre a viagem, volta pro quarto e vê Gabrielle arrumando a cama. Vai até a janela, estava pensativa, cismada, sentia que Gabrielle, por algum motivo, não lhe contara toda a verdade. Gabrielle se aproxima:

        –       Não vem dormir?

        –       Estou sem sono.

        –     Também estou. Não quer se deitar? Esta é a nossa última noite aqui._ diz alisando de leve o braço de Xena e encostando os lábios entreabertos no ombro dela.

     Xena vira-se de frente pra ela e a olha bem dentro dos olhos. Neste momento ela vê nos olhos de Gabrielle um convite, que ela jamais recusaria.

     Enquanto a possuía, os pensamentos de Xena a corroíam. Sentia vontade de naquele instante, exigir que ela lhe contasse toda verdade. Mas, bastava Gabrielle acariciá-la, beijá-la, ou mesmo sorrir do seu jeitinho todo próprio de franzir o nariz, que Xena amolecia. Já era muito tarde, mas Xena estava completamente insaciável naquela noite, pois estava atormentada pelo sentimento da desconfiança. E sentia no ar uma ameaça, não sabia do quê, mas a incomodava. Enquanto a sua mão acariciava Gabrielle intimamente, ela a olhava no rosto. Aquela boca que murmurava o seu nome e outras palavras carinhosas, aqueles olhos verdes, totalmente escurecidos, que a fitavam e que se fechavam, estavam escondendo um segredo.

     De repente percebeu, pelos gemidos roucos e abafados que, ela, sua escrava, sua barda, sua vida, atingira seu clímax. Era maravilhoso vê-la cansada assim nos seus braços, com os olhos fechados, respirando descompassadamente. Xena passeou com o dedo pelo nariz dela até os lábios, contornando-os, e beijando-os, carinhosamente. Ficou olhando-a. Ela era sua. Era o que lhe bastava. Não podia perdê-la. O que seria dela se isso acontecesse? Abraçou-a mais forte, deitando ao seu lado.

     Depois que Xena voltara do cartório, partiram ao encontro dos soldados, que já estavam a caminho. Pernoitaram numa pousada fora de Atenas, que, pelos cálculos de Xena na manhã seguinte, logo cedo encontrariam o seu exército. Foi o que aconteceu.

     No meio do caminho para Corinto, cruzam com uma caravana. O comandante da caravana aproxima-se de Xena, dizendo:

         –     Salve, Xena, A Conquistadora. Sou eu, Hector, estou em viagem de negócio. Levando mercadoria para o meu comandante Draco.

    Gabrielle, que estava bebendo um pouco d`’água do seu odre, ao escutar o nome e ao olhar melhor o homem, salta de um pulo do seu cavalo e com o cajado desfere um golpe por trás dos joelhos dele, que desaba no chão. Em seguida desfere todos os tipos de golpes com o cajado, não dando chance dele se defender.

    Xena, montada em Argo, ficou observando completamente admirada com aquela atitude de Gabrielle. Antes, com um gesto, colocou seus soldados vigiando os homens de Hector, para que não se manifestassem.

        –      Xena tira essa louca daqui! Eu não fiz nada pra ela…

        –      Você não fez nada?!… Seu canalha!_ responde Gabrielle batendo mais.

        –      Xena, eu não fiz nada…

        –      Então é nada, seu bastardo, desgraçar a vida dos outros?… Onde está a minha família?

        –      Eu sei lá quem é a sua família…

    Gabrielle desfere um golpe, colocando o cajado comprimindo o seu pescoço, imobilizando-o no chão.

    Xena, ainda admirada pela sua jovem barda expandir toda a sua raiva dando uma surra em Hector, escutou Philana dizer em cima da carroça:

        –      Quem podia imaginar que a nossa doce menina fosse capaz de se transformar desse jeito…

        –      Eu é que sei._ disse Xena, adorando.

        –      Fala canalha!_ gritou Gabrielle enficando-lhe o cajado.

        –     Hector, se eu fosse você contava tudo. Ela é uma barda. Não sei se você sabe, o que é mexer com um deles._ disse Xena se divertindo.

        –      Falar o quê?… Se nem sei… quem são… os pais…dela…_ falou com dificuldade.

        –     O que você fez com as pessoas que raptou em Poteidaia, que foram vendidas no porto?_ brandiu Gabrielle.

        –      Foram todos vendidos… Sei lá que destinos tiveram…

        –      E essas pessoas que você está levando?

        –      Vão pro leilão.

        –      Não vão, não… Solte-as!_ gritou Gabrielle completamente transtornada.

        –      Está maluca!…

    Não teve tempo de completar a frase, pois Gabrielle desferiu um golpe no seu estômago e tornou a colocar a ponta do cajado comprimindo a sua garganta.

        –     Hector, eu te avisei… nunca provoque uma barda, você não sabe do que ela é capaz. Se eu fosse você soltava logo esses escravos.

        –      Mas, Xena… o que vou dizer pra Draco?

        –      Prefere ter a garganta esmagada?

        –    Não, não… Está bem, eles podem ir._ assim que Gabrielle desencostou um pouco o cajado, ele gritou para os seus homens: Soltem todos!

    Depois que os escravos foram soltos, Xena dá um aviso a Hector:

        –   É bom você não cruzar mais o nosso caminho. Como vê, a minha guerreira tem ódio por mercadores de escravos. Ah, diga a Draco que, se ele não quiser outra cicatriz, é melhor não cruzar o meu caminho.

    Instantes depois, a caminho de Corinto, Gabrielle perguntou sobre a cicatriz.

        –     Bem, não foi à toa que eu dei uma boa lembrança a Draco, uma bela de uma cicatriz na sua face direita, quando ele quis contestar minha autoridade. Mas… adorei vê-la lutando. Estou realmente surpresa.

        –     Não sei o que me deu… Quando ouvi o nome Draco e reconheci aquele homem… quando dei por mim, estava espancando-o. Queria que ele pagasse por tudo que me aconteceu e pelo desaparecimento da minha família.

     Xena apagou o sorriso do rosto. Ficou calada. Toda vez que Gabrielle tocava nesse assunto, ela se sentia mal, pois não tinha coragem de lhe falar do que havia ocorrido.

     Gabrielle, ofegante e ainda se ajeitando toda, montada na sua égua, debruça pro lado de Xena e diz:

        –       Você disse que eu sou sua guerreira… Eu ouvi direito?

     Xena gargalhou. Gabrielle ficou indignada.

     Dias depois chegaram em Corinto. Assim que adentraram no Palácio, Gabrielle correu para o jardim, para ver as suas flores. Xena ficou olhando-a da janela. Ainda a incomodava o ocorrido naquela taberna em Atenas. Percebeu que sentiu ciúmes daquele rapaz; que sentia ciúmes do passado de Gabrielle; que nunca perguntara sobre o noivo dela; que tinha, até, ciúmes de Mezentius, lamentou por ele não está vivo, pois queria matá-lo agora, por ele ter tido Gabrielle… Sentia-se ridícula por isso. Gabrielle era inocente, ela sabia. Mas, não conseguia evitar esse sentimento. Não gostava de lembrar que Gabrielle já pertencera a outra pessoa. E ela não sabia por que isso lhe doía. O certo é que ela era dela e isso é o que bastava. Xena não conseguia lembrar de ter sentido isso por alguém e que ela nunca fora tão possessiva assim antes.

    Xena ficou olhando Gabrielle, andar de um lado para o outro, verificando as flores. Ela adorava o modo dela andar. Era graciosa até de calça comprida.

    Xena lembrou que Gabrielle também fora vítima da sua violência. Ela a forçara, tomou-a e, no entanto, agora eram amantes.

    Gabrielle a viu e acenou pra ela mostrando as flores. Xena acenou de volta e entrou.

    Xena ficou um bom tempo fechada em seu gabinete conversando com o seu Comandante.

    Gabrielle tomou banho e aproveitou para arrumar as novas roupas, dela e de Xena, num extenso armário que fora construído enquanto elas estavam viajando.

    Próximo do momento do jantar, Xena chegou para tomar banho, estava cansada. Viu Gabrielle sentada à mesa escrevendo, perguntou:

        –      O que escreve?

        –      A história que você contou sobre Draco. A sua luta com ele, a cicatriz…

        –    Continue escrevendo que depois eu quero ler, ou melhor, quero que você leia para mim. Vou tomar banho.

        –     Já deixei preparado. Quer que eu vá te ajudar?

        –     Não precisa. Acabe de escrever.

   Acomodada dentro da tina, Xena esfriava a cabeça, literalmente, como ela gostava de relaxar, para pensar melhor.

   Vestira o roupão e a calça que Gabrielle havia deixado, cuidadosamente, ao lado. Penteou os longos cabelos, olhou-se no espelho por um bom tempo e foi pro quarto.

   Gabrielle havia acabado de escrever. Xena pediu que lesse para ela. Enquanto escutava a narração, as amas trouxeram o jantar. Xena pediu que Gabrielle continuasse, enquanto ela própria as servia. Era a primeira vez que Xena fazia isso. Gabrielle quase parou de ler o final da história, ao notar isso.

   Xena mudara. Ela já não mais mandava, pedia. Gabrielle gostava dessa Xena. A outra, a Conquistadora, metia-lhe medo.

        –     O que foi? Em que está pensando?_ perguntou Xena, interrompendo os seus pensamentos.

        –     Em como você mudou.

        –     Eu?! Eu acho que foi você.

        –     Eu também mudei. Mas você mudou muito e pra melhor.

        –     Como assim?

        –     Desculpe Xena, em lhe falar isto, mas antes você era uma pessoa intragável, arrogante e má.

        –     E agora sou o quê?_ perguntou surpresa com o que ouvira.

        –     Agora você é amável, tolerante e bondosa.

        –     Tem certeza que está falando de mim… Bondosa, eu?!_ diz com certo desdenho.

        –     Você, sim, não mais me maltrata e salvou todas aquelas pessoas de serem escravas.

        –     Eu não, foi você quem as salvou e as libertou.

        –    Não conseguiria se você não estivesse por perto._ encheu o copo de Xena de vinho e perguntou: Posso te fazer um pedido?

        –     Peça.

   Gabrielle olhou para ela, depois desviou o olhar pro pergaminho e começou a enrolá-lo.

        –    Não vai fazer o pedido? Está com medo de quê? Você não disse que eu mudei, que sou bondosa… então?

   Gabrielle não soube explicar pra si mesma por que ficou temerosa com a reação dela. Resolveu pedir:

        –   Gostaria, muitíssimo, que você desse um tratamento melhor, para todos os escravos que estão espremidos nas celas.

        –     Você não está querendo que eu os liberte, está?

        –    Não me atreveria a pedir isso. O que pedi foi para que desse condição de vida para eles. Muitos acabam adoecendo, contagiando os outros e acabam morrendo. O que te peço é comida e um teto decente para os abrigar.

   Xena olhou para ela, por uns instantes, como se quisesse ver a sua alma. Gabrielle sentiu a força daquele olhar. Depois, Xena, bebeu o vinho e levantou-se, dizendo:

         –    Não demoro.

   Gabrielle ficou atônita, Xena sempre a surpreendia.

  Mas, o tempo foi passando e nada dela voltar. Gabrielle foi até a cozinha e encontrou as três amas conversando animadas.

        –     Foi idéia sua, não foi, menina?_ perguntou Philana.

        –     O quê?_ perguntou Gabrielle se aproximando.

        –     O que Xena mandou fazer.

        –     E o que foi?_ perguntou Gabrielle ainda sem entender.

        –    Mandou tirar todos os escravos da cela e os colocou no alojamento que estava vazio. Já levamos roupas limpas, comida e água para eles.

   Gabrielle arregalou os olhos enquanto elas falavam, depois começou a chorar. As três amas a cercaram com carinho, dizendo palavras de agradecimento. Mas, Gabrielle estava muito emocionada e não conseguia parar de chorar.

        –     Mas, o que se passa por aqui?_ perguntou Xena parada na porta.

   Gabrielle correu-lhe ao encontro e abraçando-a, balbuciou entre o choro:

        –     Oh, Xena… você… é… maravilhosa!…

   Xena riu, levantou o queixo de Gabrielle com as pontas dos dedos e olhando para aqueles olhos verdes, inundados de lágrimas, disse:

        –    Maravilhosa é você, minha barda. Eu disse a todos que estava satisfazendo um pedido seu. Teve um que me perguntou, se você era aquela escrava agitadora. Eu disse que sim. Então, ele e os outros pediram para te agradecer. E… isso é motivo pra chorar?… Pensei que ficaria feliz, alegre…

        –    Mas, eu estou alegre._ disse Gabrielle enxugando as lágrimas, e acrescenta: Estou chorando de felicidade.

   Xena, então, a conduziu de volta ao aposento, enquanto pensava que Gabrielle nunca lhe havia pedido nada para si, o que ela pedia era sempre para as outras pessoas. Agora ela tinha certeza que Gabrielle tinha o coração puro.

   Pouco depois, em meio aos abraços e carícias, Xena repentinamente pára, e agoniada, como se sentisse falta de ar, senta-se na cama.

       –      Que foi Xena?_ perguntou Gabrielle preocupada, sentando atrás dela.

       –     Não sei… De repente, senti… que, talvez… seja essa a nossa última noite juntas… que eu não a verei mais…

       –       Por que você está me dizendo isso?_ perguntou acariciando-lhe as costas.

       –       Desde aquela nossa última noite em Atenas que venho pressentindo isso.

       –       Eu também ando tendo um pressentimento.

       –       E o que é?

       –       Sabe, foi desde aquele dia que te vi pela primeira vez.

    Xena virou-se de frente pra ela, disse:

       –       Fale.

       –       Não sei explicar, mas parece que já te conhecia, tive a nítida impressão que, que…

       –      … que não era a primeira vez que nos vimos. Eu senti o mesmo. Quando te olhei, antes de mandar o soldado quebrar as suas pernas. Naquele instante, tive a nítida impressão que já te conhecia e senti a importância de tê-la comigo. Por isso, arremessei o chakram e evitei que esse elo fosse cortado. Esse gesto de instinto que tenho de vez em quando, fez com que eu não perdesse a coisa mais importante da minha vida.

       –       Com isso, você uniu as nossas vidas.

       –       Sem você, eu continuaria perdida.

       –      Bendito seja aquele momento e esse seu instinto de pressentir as coisas._ disse Gabrielle dando a volta na cama por trás de Xena e beija o pescoço dela entre os cabelos e com os lábios encostados na nuca diz suavemente:

       –       Então… vamos aproveitar… Quero você, Xena.

    Xena tenta se virar de frente para ela, mas Gabrielle a abraça por trás, beijando-a na cama. Xena ainda tenta colocá-la sob ela, mas Gabrielle a agarra e com uma voz quase rouca diz:

       –       Deixa…

    Se Xena quisesse revertia a situação, mas ela estava gostando de se sentir dominada por aquela pequena barda. E, mais uma vez, olhando assim de perto aqueles olhos verdes, Xena não resistiu, resolveu se entregar.

    Fora uma noite de entregas, de buscas, de paixão…

    No dia seguinte, pela manhã, Xena chamou Gabrielle e foram para o lugar secreto delas.

    Xena estava sentada, encostada na árvore com Gabrielle sentada entre as suas pernas. As duas observavam as suas éguas que estavam unidas, lado a lado.

        –      Vê só Xena, as nossas éguas também são amigas.

        –      É, de tanto observarem nós duas.

    Gabrielle ri, em resposta levanta o braço e passa a mão aberta no rosto de Xena, da franja até o queixo, num gesto brincalhão.

        –      Adoro esse lugar._ disse Gabrielle se aconchegando mais nos braços de Xena.

        –      É só nosso.

        –      Você nunca trouxe ninguém aqui?

        –      Não. Só você.

    Xena vira o rosto de Gabrielle para trás e a beija apaixonadamente, com sofreguidão. Gabrielle nota.

        –      Xena, o quê há? Você anda estranha… Está me escondendo alguma coisa?

    Xena debruça o queixo no ombro dela, aperta-a dizendo:

        –      A pior coisa que poderia me acontecer é perder você.

        –      Xena…

        –      Não diz nada não, Gabrielle. Deixa eu ficar assim, abraçada a você.

    No começo da tarde fizeram um lanche, depois voltaram para o Palácio. Chegando lá, o chefe dos guardas avisa a Xena que ela terá uma audiência com um oficial de Atenas.

    Após o banho, Gabrielle, vestida no roupão, entra no quarto e custa acreditar no que vê. Fazia muito tempo que Xena não se vestia daquela maneira. A princípio, Gabrielle se assustou ao vê-la de novo assim. Xena acabara de ajeitar o adorno dourado da cabeça, vira-se para ela e abre os braços, igual no dia em que ela a conhecera. Ali estava ela novamente, A Conquistadora.

        –      Tenho uma audiência na sala do trono, com uma personalidade muito importante de Atenas.

    Gabrielle percebeu que, vestida assim, ela se tornava majestosa, inspirava um certo medo. Gabrielle compreendeu que era preciso manter a aparência para manter o respeito, não só do inimigo, como também do aliado.

    Desta vez, quem sentiu um mal-estar foi Gabrielle. Ficou apreensiva.

    A sala do trono era uma sala pequena ao lado do gabinete. Havia nela, no fundo, ao centro, uma cadeira ornamentada por cordas e chifres. Sendo que dois chifres imensos ladeavam o encosto da cadeira, tornando-a assustadora. Pertencera a um líder bárbaro. Xena a tomou pra si, depois de ter destruído os bárbaros.

    Xena estava sentada em seu trono quando, a mando dela, adentra a sala um velho oficial ateniense que a cumprimenta e a saúda. Depois de também ser saudado por ela, diz:

       –       Xena, a minha visita é informal. Vim aqui para fazer-lhe um pedido.

       –       Faça.

       –      Um de meus homens, ou melhor, um jovem tenente, o qual me salvou a vida um dia e pelo qual eu tenho como se fosse um filho, pediu que eu intercedesse por ele junto a você.

       –       O que é?

       –       Ele quer comprar uma escrava sua.

       –       Que escrava?_ perguntou sem ainda alterar um traço do rosto.

       –       Ah… É uma de nome Gabrielle.

       –       Essa não está à venda._ disse levantando um pouco a sobrancelha.

    O jovem oficial, que do corredor a tudo ouvira, entra, se aproxima e dirigindo-se a ela, que o reconhece, diz:

       –       Por favor, a senhora me permite?

    Xena acena com a cabeça consentindo, mas com uma expressão fechada no rosto.

       –       Meu nome é Perdicas. Sou o noivo de Gabrielle.

    Xena que estava encostada na cadeira, se lança pra frente quase não contendo o choque que levara com tal revelação. Pergunta:

       –       O que quer com ela?

       –       Me casar, senhora.

    Outro choque. Mas Xena se mantém inalterada. Pergunta:

       –       Como soube que ela estava aqui?

       –    Antes de responder preciso esclarecer que eu a tenho procurado, desde que Poteidaia fora invadida pelos homens de Draco. Naquele dia, no meio daquela confusão, eu vi Gabrielle fugir. Logo após consegui fugir também. Pedi ajuda em várias cidades, onde também a procurei. Encontrei uma tropa de soldados atenienses que tentaram me ajudar. Voltei pra Poteidaia, mas não a encontrei. Então resolvi me alistar no exército. Um dia conseguimos capturar um dos homens de Draco, o tal que comandara a invasão…

        –      Hector.

        –    Esse mesmo. Ela nos revelou o destino do povo da minha aldeia, todos foram vendidos no mercado no porto. Muitos ficaram aqui mesmo na Grécia, outros foram de barcos para outros países. Inclusive, um desses barcos tinha naufragado em nossas águas e não tiveram notícias de sobreviventes. Fui até o porto e constatei que um Senhor da Guerra chamado Mezentius havia comprado uma escrava com a descrição de Gabrielle. Também soube, por um velho pescador que conhecia Herodutus, o pai de Gabrielle, me contou que ele, a mulher e a outra filha tinham embarcado como escravos no único barco egípcio_ o qual havia afundado. Então fui até Amphipolis e lá soube que a senhora havia libertado o povo das garras de Mezentius e que tinha levado consigo todos os escravos. Até que, naquela noite na taberna em Atenas, vi a senhora e Gabrielle… Por favor, ponha um preço.

        –      Já disse, ela não está à venda.

        –      Então, deixe-me, pelo menos, falar com ela.

        –      Pra quê?

        –      Preciso vê-la novamente. Por favor…

        –      Está bem._ disse olhando-o como se quisesse ver a sua alma.

    Perdicas notou, mas não se intimidou.

    Xena chamou um soldado e deu ordens para que avisasse a uma das amas para trazer Gabrielle.

        –      Vai falar sobre a família dela?_ perguntou Xena.

        –      Acho que ela tem o direito de saber.

    Pouco depois chega Gabrielle acompanhada pela ama. Fica tão surpresa que não consegue se mover do lugar. Perdicas vai ao seu encontro e a abraça.

        –      Venha Gabrielle, precisamos conversar._ e a conduz, pela mão, até a frente de Xena.

    Gabrielle a olha e vê a temida Conquistadora. A expressão no rosto de Xena é fria e o seu olhar é enigmático, indecifrável… Aqueles olhos que antes a olhavam com paixão, agora a olham sentenciosos. Era isso, que Gabrielle sentira naquele momento, que estava sendo julgada, ou mesmo, que já havia sido condenada.

    Xena os manda sentar num banco ao lado. Gabrielle continua olhando para ela. Enquanto Xena se despedia do oficial, Perdicas segura as mãos de Gabrielle, dizendo:

        –      Gabrielle, você está mais bonita do que era antes.

        –      Eu não sou mais a mesma que era antes.

        –      Eu sei. Nem eu sou também. Gabrielle, você está linda!_ disse admirando-a.

    Gabrielle abaixou o olhar, perguntou:

        –      O que você veio fazer aqui?

        –      Vim a sua procura. Durante todo esse tempo, eu não desisti de procurar por você.

        –      Como me encontrou?

    Perdicas conta toda a história para ela, menos sobre a família dela. Enquanto Xena os observa apreensiva.

        –      Você sabe alguma notícia sobre a minha família?

    Perdicas olha pra Xena, que balança a cabeça consentindo e com um gesto de mão mandou-o continuar. Gabrielle notou.

        –      Quando foi que você viu sua família pela última vez?_ perguntou ele.

        –     Quando Mezentius me comprou e me arrancaram do meio deles. Eu fui embora e eles ficaram. O que aconteceu com eles, você sabe?

        –      Eles foram vendidos e colocados num barco egípcio.

        –      Barco egípcio?! Eles foram para o Egito?_ perguntou Gabrielle totalmente surpresa.

        –      Não.

        –      Mas se estavam num barco egípcio…

        –      Nem chegaram ao Egito.

        –      Como não chegaram?… Foram pra onde então?_ Gabrielle ficou tensa.

    Perdicas olha novamente pra Xena, que olha pra Gabrielle, que a olha também.

        –      Gabrielle, você precisa ser forte._ diz Perdicas a abraçando.

        –      Pelos deuses, o que foi que aconteceu?_ perguntou aflita.

        –   O barco que eles estavam não chegou a seu destino. Nem saiu das águas gregas. Foi uma tempestade, um furacão… ninguém sabe informar direito.

    Gabrielle começou a chorar. Se encolheu toda com o rosto encoberto pelas mãos, desabou num pranto quase silencioso. Perdicas a abraçou mais, confortando-a. Enquanto Xena olhava apreensiva.

        –    Foi melhor assim, Gabrielle. Soube que os egípcios são cruéis com seus escravos. Pelo menos, eles, não tiveram essa experiência._ diz Perdicas afastando os cabelos do rosto dela.

   Gabrielle estava inconsolável. Enxugando as lágrimas dela, Perdicas a beijou nos lábios suavemente. Xena franziu as sobrancelhas e apertou, com as mãos, os braços da cadeira pra não se levantar. Perdicas tornou a beijar Gabrielle.

   Xena estava se controlando pra não partir pra cima dele e tirar, à força, Gabrielle de lá. A cada soluço de Gabrielle, Perdicas a cobria de beijos, de beijos suaves. Xena sentia vontade de tirá-la dos braços dele e, se ele reagisse, matá-lo. Mas como Gabrielle não o repelia, ela se conformou. Doía-lhe ver a sua barda nos braços dele, e sendo beijada por ele._ Isso lhe martelava no cérebro, na alma. Antes que não conseguisse mais se controlar e transformar o que estava sentindo em violência, se levantou e foi para o seu gabinete. Mas antes de sair, lançou um último olhar pra Gabrielle, que ainda chorava abraçada a Perdicas. E, pela primeira vez, sentiu-se derrotada. Gabrielle não correra para os braços dela e, sim, para os dele.

   Perdicas, percebendo que Xena os havia deixado a sós, diz, abraçado a Gabrielle:

        –    Gabrielle, você não tem mais a sua família e nem os seus amigos, mas tem a mim. Você não está sozinha. Eu sei que posso te fazer feliz.

        –     Por que isso foi acontecer…_ murmurou Gabrielle ainda chorando.

        –     É o destino, Gabrielle. E foi ele quem fez, nos encontrarmos outra vez.

        –     Pra quê?_ disse, enxugando as lágrimas.

        –     Para continuarmos de onde paramos. Quero me casar com você.

        –     Não posso, sou uma escrava.

        –     Não será mais. Vou comprá-la.

        –     Ela vai me vender?_ perguntou espantada.

        –    A princípio ela não queria, mas agora percebi que ela vai ceder. Então, eu poderei comprá-la e levá-la pra longe daqui.

   Gabrielle passou as mãos no rosto, sentia-se triste, confusa, agoniada… Disse:

        –     Perdicas, o que mais quero nesse momento é ficar sozinha.

        –     Está certo. Vá descansar. Enquanto vou acertar com ela a sua venda.

   Gabrielle se levantou e saiu. Xena a viu passar e quando se dirigiu a porta, foi interceptada por Perdicas.

        –     Por favor, senhora, precisamos conversar.

   Xena nada diz, apenas balançou a cabeça concordando e o leva até o seu gabinete. Sentando-se atrás da mesa, fez um gesto com a mão para que ele sentasse à sua frente. Depois, diz:

        –     O que tem a me dizer?

        –     Quero pedir de novo que a senhora reconsidere o meu pedido.

        –     Eu já disse que ela não está à venda.

        –     A senhora vai mantê-la aqui, mesmo contra a vontade dela?

        –     Ela é minha… escrava.

        –     Mas antes disso, ela era minha noiva.

   Xena o olha com certa admiração, pois ele a estava enfrentando.

        –     Quer mesmo se casar com ela? Ou a quer como escrava?

        –    Quando comprá-la da senhora, vou-lhe devolver a liberdade e depois me casar com ela. Eu amo Gabrielle.

   Xena olhou bem dentro dos olhos castanhos escuros daquele jovem homem e pôde ver com clareza que ele estava sendo sincero.

   Levantou-se, dizendo:

        –     Não lhe darei uma resposta agora. Preciso pensar.

        –     Eu só tenho menos de um dia aqui, senhora. Devo partir amanhã à tarde de volta para Atenas.

        –     Venha amanhã, após o almoço.

   Xena procurou Gabrielle no seu quarto e no quarto que fora dela, mas não a encontrou. Mudou de roupa, vestiu uma calça marrom e uma camisa branca. Então, foi até a cozinha, mas ela também não estava lá. Uma das amas lembrou a ela que, talvez, Gabrielle estivesse no seu lugar favorito_ o jardim. Xena foi até lá e a encontrou, ainda chorando, sentada no canteiro. Se aproximou. Sentiu vontade de abraçá-la, consolá-la, no entanto, apenas sentou ao seu lado. Às vezes Xena queria ser carinhosa, mas não conseguia, só sabia ser carinhosa na cama.

   Gabrielle, enxugando as lágrimas, perguntou:

        –     Você sabia sobre os meus pais?

        –     Sabia.

        –     Há quanto tempo você sabia?

        –     Há algum tempo. Eu…

        –    Como você pôde me esconder isso, Xena?_ interrompeu ela olhando-a numa expressão tão triste que comoveu Xena.

        –     Gabrielle, eu não queria lhe proporcionar toda essa tristeza que vejo em você agora.

        –     Mas você tinha que ter me contado, Xena.

        –     Eu sei. Mas, creia-me, não tive coragem.

   Gabrielle enxuga as lágrimas e desviando os olhos do olhar de Xena, pergunta:

        –     Você vai me vender?

   Xena a olha por uns instantes, percebe que Gabrielle não consegue lhe dirigir o olhar, depois se levanta e diz:

        –     Ele virá amanhã, após o almoço, pra saber da minha decisão.

        –     E qual é a sua decisão?_ disse ainda, cabisbaixa.

   Xena saiu sem responder, demonstrando que estava confusa e contrariada.

   Momentos depois, Gabrielle vai atrás dela, mas não a encontra no quarto, na cozinha, nem na sala do trono, e nem no gabinete. Volta para a cozinha e pergunta as amas aonde ela poderia estar. Mas, também, elas não sabiam.

   Novamente Xena sumira. Gabrielle, da janela, olhou pro estábulo. Mas Argo estava lá, sinal que ela não fora para o lugar secreto delas. E essa não era a primeira vez que Xena sumia, e ela nunca lhe dissera onde estava.

   Mas, se Gabrielle estivesse ido até o celeiro, especificamente até a cocheira das éguas, ia vê-la recostada num feixe de feno, pensativa. Era ali que ela ia sempre, quando não queria sair do Palácio. Somente quem sabia era o cocheiro que, a pedido dela, nunca comentara com ninguém. Xena gostava de ficar em companhia de Argo, que muitas vezes escutava as suas lamúrias, como agora.

       –    O que é que eu faço, Argo? Eu não quero perde-la. Será que eu devo manter o que me é de direito, a posse dela? Ou devo dar aquele presente e acabar de vez com essa angústia? Das duas maneiras eu vou perdê-la.

   Gabrielle resolveu não mais procurá-la, e ficou no quarto, esperando-a. As amas lhe trouxeram o jantar, ela só tomou a sopa, por insistência de Philana. Novamente perguntou por Xena, mas até o momento não a tinham visto.

   Já havia anoitecido. Gabrielle estava sentada no seu lugar costumeiro de bordar. Estava confusa, pensando em tudo que havia ocorrido… o desaparecimento de sua família, o pedido de casamento de Perdicas e se Xena vai vendê-la para ele. Gabrielle voltou a chorar, dessa vez não era por causa de sua família. Levantou, enxugou as lágrimas e fez menção de sair, de procurar por Xena, mas novamente desistiu. Se a fosse procurar, ia achá-la na cozinha, conversando com as amas.

       –      Por que você não diz isso a ela?_ indagou Philana.

       –      Que eu não quero vendê-la?_ perguntou Xena.

       –      Que você não quer vendê-la, porque você gosta dela.

       –      Eu não disse isso._ replicou Xena.

       –      E precisa dizer?_ ainda a mesma ama.

       –      A gente vê isso nos seus olhos quando está com ela._ disse Alana.

       –      O que é que vocês estão querendo dizer com isso?

       –      Que você a ama._ respondeu Jana.

   Xena sorriu daquele modo cínico, dizendo:

       –      Eu a desejo.

       –      Porque a ama._ insistiu Jana.

       –   Já percebi que nas guerras das palavras perco feio pra vocês. Estou com fome, vou jantar agora.E encerrou o assunto.

   Gabrielle cansou de esperar. Tomou um banho, preparou o banho de Xena e arrumou a cama pra dormir. Quando ia deitar, parou, pensou melhor e resolveu ir dormir na sua antiga cama.

   Ficou deitada olhando para a porta, pois queria vê-la quando chegasse. Mas acabou pegando no sono.

   Xena estava no seu gabinete, ora andava de um lado para o outro, ora sentava, meditando. Foi até o cofre, que ficava escondido atrás da sua cadeira, da mesma maneira que a do quarto de Gabrielle_ era só empurrar no lugar certo que abria. Tirou de dentro um pequeno baú e foi para o quarto.

   Abriu a porta, que estava encostada, com cuidado, sem fazer barulho. Ao entrar percebeu que Gabrielle havia preferido dormir no outro quarto do que na cama com ela, bateu-lhe então a certeza de que já a havia perdido.

   Colocou o pequeno baú na mesa da cabeceira da cama, tirou a roupa e foi tomar banho. Demorou bastante tempo dentro da tina, pois perdera o sono. Depois, não resistiu e foi espiá-la. Parou na porta do quarto. A luz da lua iluminava tenuamente a cama dela. Quase não dava pra ver o rosto dela. Mas Xena ficou olhando, como se quisesse gravar os traços do rosto de Gabrielle na sua mente. Olhando para o resto do corpo dela que estava meio descoberto, foi então que percebeu que ela estava toda encolhida, que deveria estar sentindo frio. Se aproximou da cama e, olhando-a assim de perto, sentiu ímpetos de abraçá-la, agasalhá-la em seus braços como tantas vezes já fizera. No entanto, se aproximou silenciosamente e, com cuidado, puxou a coberta e a cobriu. Depois voltou para o seu quarto, sem perceber que Gabrielle não estava dormindo, como ela pensara. Gabrielle havia acordado, no momento em que Xena havia chegado na porta. Ficara com os olhos semi-abertos, observando-a. Só fechou os olhos quando Xena se aproximou e a cobriu. Depois, viu-a se afastar. Gabrielle teve vontade de chamá-la, mas a voz ficou presa na garganta, e ela não conseguiu sequer se mexer. Ficou olhando-a ali parada, de pé, na frente da sua própria cama. A silhueta perfeita daquela mulher guerreira a fez suspirar. Ela era muito linda, Gabrielle não se cansava de admirar. Enfim, Xena deitou, virou-se de bruços puxando a coberta, com o rosto virado na direção dela. Mesmo a essa distância, Gabrielle sentiu a força do olhar dela e lembrou de como gostava de olhar nos olhos dela, de deixar aquele azul invadi-la… Lembrou-se, também, de como era macio dormir naquela cama, naqueles panos sedosos, e como era bom dormir abraçada a ela. Fechou os olhos, realmente estava muito cansada.

   Despertaram ao mesmo tempo. Gabrielle parou na porta do quarto e viu-a vestindo o roupão. Olharam-se sem se cumprimentarem, como antes faziam. As amas entraram com o desjejum. Não disseram nada, não brincaram como de costume, apenas cumprimentaram e saíram, percebendo o clima tenso entre as duas.

   Antes de sentar à mesa, Xena chamou:

       –      Venha se sentar no seu lugar… Gabrielle.

   Gabrielle deu a volta por detrás dela e, em pé ao seu lado, começou a servi-la. Colocando o leite na caneca e as fatias de pão com geléia. Depois, sentou-se ao seu lado e se serviu.

   Xena, virando-se para ela, perguntou:

       –      Por que você dormiu no outro quarto?

       –      Por que você fugiu de mim?_ Gabrielle respondeu com outra pergunta, olhando-a seriamente.

       –      Eu não fugi. Tive que ficar um pouco sozinha para poder pensar e decidir.

       –      Já… decidiu?

   Xena bebeu um pouco do leite e depois disse:

       –    Os maus tratos que você passou comigo, não tenho como compensar. Mas posso fazer com que você tenha uma boa lembrança de mim.

   Xena se levantou, pegou o pequeno baú que estava na mesinha da cabeceira da cama. Tirou de dentro um pequeno pergaminho. Depois, colocou o baú em cima da mesa, na frente de Gabrielle, dizendo:

       –      Essas jóias e os dinares são o seu dote. Não quero que vá de mãos vazias.

   Gabrielle abriu o baú e viu as jóias que ela usara toda vez que saía com Xena, e uma sacola cheia de dinares.

   Xena se aproximou e entregou o pergaminho, dizendo:

       –     Eu ia te dar de presente no seu aniversário. Mas como você não vai estar aqui até lá… Aqui está a sua liberdade, Gabrielle.

       –     Minha liberdade?!…_ Gabrielle abriu o pergaminho e viu que era um documento que dizia que ela era uma pessoa livre. Olhou para Xena sem entender.

       –     Esse documento eu registrei quando chegamos em Atenas e o peguei antes de sairmos de lá. Esse documento lhe dá o direito de ser livre. É seu.

       –      Por que você está me libertando?

       –     Porque eu não a venderia nunca a ele ou a quem quer que fosse… Também não a daria a ninguém. Por isso te dou a liberdade para que possa escolher… Escolher, não, para que possa ir com o seu noivo… Ele a ama… se não fosse assim, você jamais sairia daqui.

       –      Xena, eu não sei… não sei o que dizer…

       –     Não diga nada. Agora eu preciso dar umas ordens._ e saiu antes que Gabrielle conseguisse dizer alguma coisa.

   Xena sumira novamente. Gabrielle procurou por todos os lugares. Desta vez fora até o celeiro. Mas Xena, ao avistá-la, se escondeu. Depois que Gabrielle se afastou, disse para Argo:

       –    Pois é, Argo, você nunca me viu fazer o que fiz agora, me escondendo de alguém. Viu só a que ponto cheguei?… Não quero conversar com ela. Não sei se conseguiria me controlar por muito tempo.

   Gabrielle foi para o jardim conversar com as suas flores.

       –     Eu pensei que já a conhecia, mas me enganei. Pensei que ela nunca fosse me vender ou se desfazer de mim… Estava até achando que ela gostava de mim, mais do que isso até… Sou mesmo uma boba, fico fantasiando as coisas… Ela não quer saber mais de mim, quer se livrar de mim. Deve ter achado outra pro meu lugar. Meu lugar…

   Philana se aproximou de Gabrielle, sentou a seu lado e disse baixinho:

       –      Ela mandou preparar o seu baú de viagem.

       –      Quer se livrar logo de mim…_ disse num tom de lamúria.

       –      Mas mandou que não colocássemos, no baú, aquela túnica azul.

   Como Gabrielle não disse nada, ela perguntou:

       –      Sabe por quê?

   Gabrielle balançou a cabeça, negativamente.

       –      Porque ela não quer que você a vista para mais ninguém. Era só pra vestir para ela.

       –      Eu não a entendo… Fica com a roupa, mas se desfaz de quem a vestiu.

       –      Minha menina, pense e pondere. Bota tudo na balança e veja para que lado ela pesa.

       –      Por que a senhora está dizendo isso?

       –     Gostaria de falar mais, mas não posso. Prometi._ Philana se levanta e antes de se retirar diz: Se eu fosse você seguia seu coração.

   Saiu deixando Gabrielle pensativa.

   Quando entrou no quarto, a viu ainda terminando de se arrumar, Xena estava toda de negro_ bota, calça comprida, camisa e colete. Como Gabrielle já havia constatado antes, o preto lhe caía bem, ficava mais linda.

       –      Vai a alguma batalha?_ perguntou sem saber por que o fizera.

       –     De certa forma, sim._ disse acabando de ajeitar o adorno do pulso direito. Depois quando ia sair avisou: Não me espere para almoçar, tenho uma reunião agora.

       –      Espere Xena, precisamos conversar._ Gabrielle segurou-a pelo braço.

       –      Agora não.

       –      Quando então?

       –      Depois do almoço._ disse Xena tirando a mão dela do seu braço.

   Gabrielle quase não almoçou. Estava tensa, aflita para falar com Xena, tinha tantas coisas pra perguntar…

   Xena entrou no quarto.

       –      Podemos conversar?_ perguntou Gabrielle se aproximando.

       –      Não temos muito tempo, seu noivo deve estar chegando…

       –      Por quê Xena?_ perguntou para de frente pra ela.

   Xena a olha surpresa, não entendera a pergunta. Fica esperando Gabrielle falar.

       –      Por que você está agindo assim?

       –      Assim como?

       –      Assim, como se não houvesse nada entre nós.

       –     O que houve entre nós foi conseqüência do poder que usei pra subjugar você, para satisfazer o meu desejo.

   Gabrielle a olha espantada, parece não acreditar no que ouviu.

       –      Você quer dizer que foi desejo… apenas isso?_ perguntou desiludida.

   Xena não responde e vaguea com o olhar ao redor.

       –    Não posso crer… não posso acreditar que eu tenha me enganado com você. Ontem, lá no nosso lugar secreto, você disse que a pior coisa que podia acontecer a você seria me perder.

       –    É claro, não queria perdê-la. Gosto da sua companhia. Gosto de dormir e acordar com você ao meu lado. Gosto de possuí-la…

   Xena percebe que Gabrielle está decepcionada com que estava ouvindo, continua:

       –      Eu a desejo como nunca desejei alguém antes.

       –      Não acredito que é só desejo, Xena.

       –      E o que você esperava que eu dissesse?

       –      Esperava que você dissesse que me ama como nunca amou alguém antes.

       –      E o que adiantaria?_ diz olhando-a nos olhos e depois sai do quarto.

   Gabrielle fica pensativa por uns instantes, ainda sob o efeito daquelas palavras tão cruas, depois vai atrás dela e a alcança antes que entrasse no gabinete. Pergunta, segurando o braço dela:

       –      Por que não adiantaria, Xena?

   Xena a olha e antes de entrar diz:

       –      Não adiantaria, pois o que sinto não é correspondido.

   Xena entra no gabinete e lá estava Perdicas, esperando. Gabrielle entra logo atrás, dizendo:

       –      Xena, se eu dissesse que eu também…

   Gabrielle pára de falar ao ver Perdicas.

   Xena olha de um para o outro e virando-se pra Perdicas, diz:

       –      Vamos conversar.

   Gabrielle faz menção de sair, mas Xena a impede:

       –      Fique Gabrielle. É do seu interesse.

   Gabrielle a olha com tristeza. Xena desvia o olhar e diz pra Perdicas:

       –      Como eu disse pra você, ela não está à venda.

   Perdicas se impacienta. Xena percebe e conclui:

       –      Gabrielle já está livre, não é mais minha escrava.

   Perdicas vira-se para Gabrielle:

       –      É verdade Gabrielle?

       –      É.

       –      Oh, Gabrielle… agora podemos nos casar, ir embora daqui.

   Gabrielle olhou para Perdicas, que estava eufórico, falando sem parar. Ela reparou que ele não era mais aquele rapaz tímido que ela conhecera. Agora ele era um homem bonito, forte, decidido e com o mesmo coração bondoso e generoso. Outra época, outro tempo, ela ficaria feliz em se casar com ele.

   Xena se retirou, deixando-os a sós. Gabrielle a acompanhou com o olhar até ela sair.

   Perdicas segurou as mãos dela, dizendo:

        –   Iremos embora daqui, Gabrielle, para bem longe. Eu vou fazer você esquecer de tudo isso. Vamos para Atenas, a gente se casa, vamos reconstruir as nossas vidas. Tudo isso fica aqui, para trás. E nunca mais você verá Xena, vai esquecer que foi escrava dela um dia.

   Gabrielle a tudo ouvia como se estivesse hipnotizada; de repente, essas últimas palavras dele a fez pensar “Esquecer Xena… Não ver Xena nunca mais…” Como ela poderia?… Como ela poderia esquecer aqueles magníficos olhos azuis…

        –     Perdicas._ interrompeu Gabrielle.

        –     Desculpe, Gabrielle, não dei chance para que você pudesse falar.

        –     Perdicas, a única coisa que eu quero é não magoar você.

        –     Eu sei o que você está querendo dizer.

        –     Sabe?_ perguntou um pouco confusa.

        –     Sei. Sei que você, além de escrava, era amante dela.

   Gabrielle corou com a inesperada revelação, mas balançou a cabeça confirmando.

   Perdicas se enfurece:

        –    Déspota!… Ela é uma tirana que se auto-intitula de A Conquistadora, A Destruidora de Nações… é isso que ela é uma destruidora. Uma devassa que abusa dos escravos. Uma mulher assim não é capaz de amar ninguém.

        –     Ela não é tão má assim. Na verdade, ela não é má. Ela me libertou mesmo me querendo.

        –     Gabrielle, você a está defendendo?!

        –     Se ela fosse realmente má, uma tirana, nós dois não estaríamos aqui, agora, conversando.

        –   Gabrielle, você deve estar sugestionada, induzida pelo fato dela não a ter tratado como uma escrava qualquer, por ter-lhe dado um certo luxo. Chamava-a de Dama de Companhia… Será que você não percebeu que esse tratamento foi só pra te enganar, te iludir, não vê que isso foi só para a satisfação e prazer dela?…

        –     Você não a conhece como eu a conheço.

        –     Gabrielle, você a está defendendo?_ perguntou indignado.

        –     Apenas estou querendo ser justa.

   Philana interrompe a conversa, chamando por Gabrielle, dizendo que Xena quer vê-la. Perdicas faz menção de ir junto, mas a ama diz que somente com Gabrielle que ela quer falar.

   Gabrielle entrou no quarto e a vê sentada atrás da mesa. E assim que Xena a vê, diz:

        –    Já mandei levar seu baú de roupas lá pra fora. Como eu já havia dito, quero que leve esse aqui com as jóias e dinares para o seu dote.

        –     Não precisa.

        –     Faço questão.

   Xena se levanta e entrega o pequeno baú nas mãos de Gabrielle. Quando ia voltar pro mesmo lugar, pára ao ouvir Gabrielle dizer:

        –     Como pôde fazer isso comigo, Xena…

        –     É para o seu bem._ disse olhando-a bem séria.

        –     E o que é que você sabe que é para o meu bem?

        –     Se casar com Perdicas e ter os filhos que você sempre quis.

        –     Eu…

        –     Não diga nada. Vá.

        –     Eu…

        –     Vá!_ gritou Xena, brava.

   Gabrielle enche os olhos de lágrimas e sai. Xena diz baixinho:

        –     Vá, Gabrielle… antes que eu me arrependa.

   Gabrielle foi até a cozinha e correu pros braços de Philana chorando.

        –     Minha menina, não chore. Ainda está em tempo de fazer aquilo que eu te falei.

        –     De que adianta… ela não me ama…

        –     Como você pode dizer isso…

        –     Ela me jogou nos braços dele._ disse, enxugando os olhos.

        –     Não, ela te deu a liberdade. Você vai com ele, se você quiser.

   Gabrielle a olhou pensativa, como estivesse lendo nos olhos dela, depois a abraçou.

   Foi até onde Perdicas estava. Se aproximou, pegou as mãos dele e o conduziu ao banco perto da janela.

        –     Perdicas, eu fui sua noiva, íamos nos casar quando aconteceu toda aquela tragédia.

        –     Gabrielle…

        –   Por favor, Perdicas, preciso falar. Desde aquele dia em diante tudo mudou para mim. Jamais poderei voltar a ser a mesma pessoa.

   Gabrielle olhou bem nos olhos dele e disse com bastante cuidado:

        –     Perdicas, não posso me casar com você.

        –     Gabrielle, eu já falei que o passado ficou pra trás.

        –     Não é isso, Perdicas. Eu gosto muito de você e não quero te enganar ou magoar.

        –     Por que você não quer se casar comigo? Ela a está pressionando?

        –     Não. Ela mandou que me casasse com você e tivéssemos filhos.

        –     Então o que é?

        –     Eu não quero te magoar. Não quero falar. Prefiro que você não saiba e que vá embora.

        –     Não, eu não vou embora. Quero saber a verdade.

        –     A verdade é que eu a amo. Sinto muito, Perdicas, não podia enganá-lo.

        –    Gabrielle, como pôde se apaixonar por ela… uma mulher cruel, assassina… A Conquistadora que arrasa cidades, que escraviza as pessoas, que julga e sentencia as pessoas colocando-as na cruz…

        –     Nunca mais ela fez isso.

        –     Não a defenda Gabrielle, pois para ela não há defesa. A Destruidora de Nações é uma assassina sanguinária. Como pôde ter mudado tanto Gabrielle?… Pensei que ela a mantivesse presa como sua escrava. Agora vejo que é você que não quer ser libertada… Ou você está querendo se punir? É isso Gabrielle, você está querendo se punir? Gabrielle, você não tem culpa de tudo isso que aconteceu, você foi vítima… Ainda podemos reconstituir nossas vidas, reassumindo nosso compromisso, nosso noivado.

    E Perdicas começou a assumir a decisão de levá-la dali e reconstruírem a vida juntos. Gabrielle parou de escutá-lo. Pois ficou irritada por perceber que, desde que se tornara escrava, ela não conseguia mais decidir nada em sua vida. Todos tomavam decisão por ela. Xena decidiu libertá-la e dá-la a Perdicas. Ele decidiu que iriam casar e ir embora. E quanto a ela?… Ninguém perguntou ou quis saber, o que ela realmente queria. Cabia a ela decidir qual será o seu próprio destino. E assim ela o fez.

   Assim que expulsou Gabrielle do quarto, Xena não conseguiu ficar parada. Andava de um lado para o outro. Olhou pro cantinho onde Gabrielle costumava ficar sentada bordando e sentiu uma dor no peito. Olhou pra cama e lembrou de todos os momentos que passaram juntas, desde a primeira vez até aquela última noite. Tudo ali lembrava Gabrielle. Foi até o antigo quarto dela. Parou na porta, viu a túnica azul estendida na cama. Pegou-a e a abraçou. Sentou-se na beirada da cama. Com os olhos fechados, cheirou, beijou e abraçou a túnica como se fosse Gabrielle, sentiu até o cheiro doce dela. Abriu os olhos e percebeu a triste realidade:

        –    Viu só sua estúpida, o que o seu orgulho fez com você? Fez você perder a sua alma, a sua luz… a única coisa que dava sentido a sua vida, que trazia alegria depois das batalhas, que sabia que a ia encontrar esperando ansiosa, que lhe dava amor… Ah, Gabrielle… Você é mesmo idiota, Xena. Estúpida! Estúpida!_ seus olhos se encheram de lágrimas, disse: Eu a perdi. Nesse momento, já deve ter partido. O que vai ser de mim, da Conquistadora que foi conquistada…

  Alguém entrou no aposento, parou na porta. Como não a viu, ia saindo, quando escutou um barulho vindo do pequeno quarto. Foi até lá e a viu sentada, de cabeça baixa, com aquela túnica azul nas mãos.

       –     Xena…

  A Conquistadora a olha surpresa, mas diz com rispidez:

       –     Que foi, esqueceu alguma coisa?

       –     Não, não esqueci nada._ disse Gabrielle totalmente surpresa com o que estava vendo.

       –     Já sei, veio me agradecer e se despedir. Não precisa.

       –     Também não é isso.

       –     O quê, então?_ perguntou, irritada.

       –     Voltei pro meu quarto.

  Xena a olha como se não estivesse escutado direito, pergunta:

       –     O quê?!

       –     Aqui é o meu lugar. Não é esse o meu quarto… senhora?

  A Conquistadora se levanta, coloca a túnica em cima da cama, diz:

       –     Gabrielle, não brinque comigo…

       –     Não estou brincando.

       –     Você não vai embora… Quer continuar aqui?

       –     Quero.

       –     Gabrielle, você não é mais a minha escrava…

  Gabrielle entrega a ela o pergaminho e o baú com as jóias, dizendo:

       –     Aqui está, estou devolvendo a minha liberdade.

  Xena pega só o pergaminho, olha-o admirada e voltando a olhar para ela, pergunta:

       –     Quer continuar aqui sendo a minha… escrava?

       –    Quero._ diz Gabrielle, colocando o pequeno baú em cima da mesa, e acrescenta: Se essa for à única maneira de ficar ao seu lado.

  Xena joga o pergaminho na cama, passa a mão pelo rosto e, ainda confusa, pergunta:

       –     E o seu noivo? O que aconteceu?

       –    Eu não podia mentir para ele. Disse que aqui é o meu lugar, que eu não mais me pertenço. E que a amava mais do que a minha liberdade.

  Pela primeira vez Gabrielle viu aqueles olhos azuis magníficos se encherem de lágrimas. E aquelas mãos e aqueles braços fortes a envolverem num extremado e quase estrangulado abraço. Enquanto murmurava “Gabrielle, Gabrielle… minha Gabrielle”.

       –     Eu te amo, Xena._ disse Gabrielle, pela primeira vez.

  E suas bocas se encontraram num beijo apaixonado.

  Xena segurou com as duas mãos o rosto dela, admirando-a, invadindo com os dedos cada traço do rosto dela, como a conferi-los.

       –     É verdade mesmo, você está aqui, vai ficar comigo?

       –     Para sempre._ disse Gabrielle sorrindo e chorando.

       –     Não, não chore, Gabrielle._ disse Xena beijando-lhe as lágrimas.

  Gabrielle a abraça encostando seu rosto nos seios dela, dizendo:

       –     Não conseguiria ser feliz longe de você, Xena. Estou disposta até a continuar a ser sua escrava.

       –     Seria mesmo capaz de renunciar a sua liberdade?

       –     Sou. Posso trazer minhas coisas, posso ocupar o meu quarto?

       –    De maneira nenhuma. O seu lugar é ao meu lado, no nosso quarto. Você só dormirá aqui neste quarto se eu estiver junto. Gabrielle, isto que você me deu, foi a maior prova de amor que já tive. Não mereço você.

   E tornaram a se beijar.

   Gabrielle se afasta um pouco e, olhando-a, comenta:

        –     Xena, você não acha estranho que, durante esse tempo todo, a gente não ter dito que se amava?

        –    Não houve necessidade, Gabrielle. Foram tantas demonstrações do que sentimos uma pela outra, que as palavras se perderam.

        –    Mesmo assim, algum dia gostaria de ouvir um “eu te amo” vindo de você. Mas eu só quero que me diga se realmente sentir isso.

   Xena tornou a abraçá-la. Parecia desconcertada, disse desviando de assunto:

        –     Estou morrendo de fome e você?

        –     Já providenciei uma comidinha pra gente, antes de vir para cá.

        –    Ah, então as amas já estão sabendo!…

  Gabrielle ri e ajeitando a gola da camisa de Xena, diz:

        –    Por falar nisso… Xena, eu gostaria de te fazer um pedido referente as amas…

        –  Nem precisa, sabia que você iria pedir isso, já dei a elas o direito de liberdade, desde que chegamos de Atenas. E pedi a elas que não te dissessem nada, porque queria te fazer uma surpresa.

        –    Oh! Xena…_ diz, abraçando-a de novo.

  As amas batem na porta aberta do aposento de Xena. As duas saem do pequeno quarto abraçadas.

        –    Vejo que fizeram as pazes._ disse Philana sorrindo.

  Gabrielle correu e deu um beijo nela, dizendo: “Graças a vocês”; e depois beijou as outras.

  Xena ficou olhando o carinho que Gabrielle tinha pelas três mulheres e como elas a tratavam como se ela fosse filha delas. E delas, Xena não sentia ciúmes.

  Gabrielle fez questão de servi-la, cortou a carne para ela e dava a comida na boca de Xena, que estava adorando o tratamento. Gabrielle era muito carinhosa e Xena adorava ser o principal motivo dessa atenção.

  Ao terminar de comer, Gabrielle põe a mão sobre a mão de Xena, que estava estendida em cima da mesa, dizendo:

        –    Xena, eu fiquei muito emocionada quando a vi com a túnica azul no colo.

        –   Gabrielle, aquela túnica não existe sem você._ disse Xena, após colocar a taça que segurava em cima da mesa e afagar a mão dela que segurava a sua.

  Gabrielle debruça-se sobre ela e a beija com ternura. Depois diz:

        –    Agora a sobremesa.

  Xena a puxa da cadeira ao lado, sentando-a no seu colo, dizendo:

        –    Você é a minha sobremesa favorita.

        –    Estou falando desta aqui._ diz Gabrielle metendo a colher no doce.

  Xena balançou a cabeça negativamente quando Gabrielle lhe ofereceu.

        –    Ah, você não quer… não sabe o que está perdendo._ disse Gabrielle colocando a colher na boca.

  Xena segura o rosto dela com as duas mãos e a beija, tomando-lhe da boca a tal sobremesa. Gabrielle adorou a sensação desse “furto”, que a fez experimentar algo ainda não sentido.

        –   É desse jeito que gosto de saborear a sobremesa._ disse Xena e foi buscar mais na boca de Gabrielle que, intencional e imediatamente, colocara mais sobremesa na boca.

   Em meio a tantos beijos, afagos e carícias, foram parar na cama. Após uns momentos de puro prazer, deitadas lado a lado, Gabrielle pergunta:

        –     Xena, você teria mesmo coragem de me entregar aos gladiadores?

        –    Gabrielle!!!_ disse Xena, e virada para ela completa: Eu não a entregaria para ninguém. Você é minha.

        –     Mas me entregou pra Perdicas.

        –    Porque pensei que você assim quisesse. Quase enlouqueci quando o vi beijando você. Tive vontade de arrancá-la dos braços dele. Tive que me controlar, pois queria matá-lo. Você não sabe o quanto estive à beira de voltar a ser o que era.

        –     E eu pensei que você estivesse cansada de mim.

        –     Eu não vou me cansar de você nunca, Gabrielle.

        –     Mas, não é só desejo?…

        –     É mais do que isso._ disse Xena, se colocando em cima dela e olhando-a nos olhos, diz: Eu te amo, Gabrielle.

   Gabrielle riu, daquela maneira toda própria de franzir o nariz, depois começou a chorar.

        –     Não, Gabrielle, não chore._ disse Xena cobrindo o rosto dela de beijos.

        –     Diz de novo, Xena.

   E Xena repetiu a frase, com os lábios nos lábios dela, num beijo que quase fez Gabrielle desmaiar. E depois, disse sussurrando ao seu ouvido:

        –     Gabrielle, você não é mais a minha escrava, é o meu amor. Agora, eu é que sou sua escrava, minha conquistadora…

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