Fanfic / Fanfiction Penumbra grega - Amigos?

Gabrielle estava deitada em sua cama quase em posição fetal. O choro que a tanto tempo não saia, enfim apareceu. Se houvesse mais pessoas no corredor provavelmente seriam capazes de ouvir a angústia da menina. 

Quando saiu do quarto da imperatriz não conseguiu terminar sua tarefa que era levar as roupas sujas para as lavadeiras. Simplesmente atirou os panos no canto de seu aposento e se colocou a chorar. Mas por que chorava? A vida já foi pior. Pelo menos não tinha que dar seu corpo desta vez. Esse era o pensamento da menina enquanto segurava uma das pernas em meio ao pranto.

Depois de alguns minutos o choro parou, Gabrielle sentou-se na cama, secou o rosto e olhou o que estava a sua volta. Um quarto pequeno, com uma cama de palha consideravelmente macia, melhor que a madeira do navio persa que acabará de sair. Possuía uma penteadeira com um espelho, pentes e uma essência para se perfumar. Também tinha uma tina não muito grande para banho, um baú com duas trocas de roupas que Delia havia dado e um tapete indiano no chão. Durante sua vida de escrava esse era o primeiro “luxo” que havia recebido. Mas até que ponto se sentia afortunada?

A loira abriu a porta de vidro que levava a uma pequena sacada e caminhou até o parapeito. O vento estava gelado, mas sua alma estava tão sufocada que não se importou. Enterrou seu rosto nas mãos e ficou daquela forma por instantes. Quando se acalmou, olhou para frente e pode ver que estava em uma das torres mais altas do Palácio. De lá podia ser visto as pequenas luzes que a cidade produzia, também podia ver uma parte do celeiro e as docas dos soldados. A noite estava estrelada e Gabrielle começou a se imaginar livre, caminhando pelas ruas de Corinto. Como era doce esse pensamento e ao mesmo tempo doloroso. Mais uma onda de choro veio e carregou suas fantasias por cima dos muros do Palácio.

Ainda com lágrimas escorrendo voltou para dentro do quarto, fechou a porta e sentou-se na cama. Por que, Afrodite? Por que eu? Será que os deuses tem algum plano? Ou sou só mais um peão que mantém esse mundo de senhores e servos equilibrado? Pensava ela. 

A Conquistadora era assustadora, mas não era a pessoa que conhecia por meio das histórias que leu. Tinha algo de diferente, algo de… intrigante. Ela era a imperatriz e podia ter tomado seu corpo a qualquer momento, a mesma deixou claro ter sentido atração. Mas o que era? “eu cumpro com as minhas leis” as palavras da impetuosa ecoaram em sua memória. Ela não parecia verdadeiramente convicta do que dizia. Bom, isto é melhor que ser escrava corporal de um marinheiro sujo e vulgar. Gabrielle pensou.

Enfim a menina se deitou e deixou Morfeu carregar sua mente para longe de sua vida conturbada. O dia seguinte iria exigir esforço.

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Xena estava nua, deitada de bruços em meio as peles. Um barulho sutil a despertou. Quando olhou para a janela o sol estava nascendo. Os olhos azuis pesaram novamente e fechou, mas o leve som a fez abri-los de novo. Xena ergueu a cabeça e procurou pelo distúrbio. Foi quando viu sua jovem e bela escrava colocando seu café da manhã na mesa redonda do aposento. A menina parecia rígida e tentava evitar o máximo de barulho possível.

A imperatriz apoiou sua cabeça em um dos braços e fitou a menina. Estava pronta para apavorar a jovem quando notou os olhos vermelhos e inchados. A alguns verões atrás não teria se importado com isso. Mas nesta manhã, sentiu seu coração amolecer.

-Majestade.— Gabrielle quase se jogou no chão quando viu a morena a olhando. – Eu não quis acordá-la, me perdoe.

O que há de errado comigo? Xena pensou quando sentiu dó da garota.

-Que bom que acordou.— Respondeu a imperatriz com um suspiro seguido de um bocejo. –Essas semanas me acostumaram mal. Eu teria dormido até tarde e perdido minha reunião. – Ainda nua a Conquistadora levantou e caminhou até a jovem que ficou com o rosto vermelho. O gesto fez Xena sorrir. Pegou seu roupão de seda em cima do sofá e se cobriu. – Já comeu, Gabrielle? – perguntou sentando-se na mesa.

-Ainda não, majestade. – agarrada a bandeja e fitando o chão, ela respondeu.

-Então sente-se e coma. – Xena pegou o pote com a erva do chá e colocou em seu copo com água fervida. Enquanto isso, Gabrielle ficou parada estranhando o convite da imperatriz. – Vai ficar aí parada? 

Sem entender a atitude da imperatriz, Gabrielle sentou timidamente, pegou uma fatia de pão e o mordeu. Xena queria rir com a timidez da garota, mas preferiu não encarar a menina para deixá-la mais à vontade. Porque mesmo eu quero deixar uma escrava mais a vontade? Se perguntou.

Enquanto tomava seu chá, Xena percebeu a forma lenta que Gabrielle comia. Talvez a menina estivesse tentando economizar o pão com medo de ficar sem outra refeição. Sem questionar, Xena colcou o chá para Gabrielle e empurrou a xícara de porcelana para mais perto da menina.

Gabrielle estava achando tudo aquilo estranho, nenhum senhor seu a deixava participar da mesa e muito menos a servirá. O ar de estranheza quase fazia o coração da impetuosa partir.

Gabrielle ainda estava na metade do pão quando Xena terminou seu desjejum, se levantou e parou ao lado da menina, tocando a ponta dos dedos na pequena mão sobre a mesa:

-Enquanto estiver no meu Palácio, não vai sentir fome, Gabrielle. Sempre que quiser uma refeição fora dos horários, pode ir até a cozinha e dizer ao chefe que eu solicitei. Então leve para seu quarto e coma. – Sem dizer mais nada a imperatriz se afastou e foi até a outra câmara do aposento se trocar.

Quando voltou para o aposento principal, viu que Gabrielle havia terminado o pão e o chá. Notou também que uma fatia de queijo havia sumido e deu risada ao pensar na jovem o enfiando de forma ligeira na boca. Ainda com um sorriso no rosto, a Conquistadora deixou seu aposento e foi em direção a seu gabinete particular.

-Bom dia, senhores.- A imperatriz entrou em seu gabinete e todos os convocados para a reunião desta manhã se levantaram e curvaram-se.

Entre os convocados estava sua General Mioll, o duque de Loyola, Duque de Tessália, duque de Acaia, duque de Delfos e seu jovem escrivão Matia, sobrinho do duque de Tebas. Esses que foram convocados eram os da mais alta confiança de Xena, tirando o duque de Tebas que não pode comparecer por estar em campanha. 

Haviam se encontrado na tarde do dia anterior para discutir sobre a chegada do capitão da primeira frota Octavius, porém alguns pontos ainda não haviam sido discutidos.

-Bom, senhores e senhora. – Xena olhou para Mioll com ar brincalhão. – Quero começar essa reunião falando sobre os piratas persas. Eu irei pessoalmente interrogar o capitão daquele navio hoje de tarde e minha intenção inicial é realizar uma audiência para sentenciá-lo daqui 5 dias no máximo. 

-Algum motivo específico para isso, imperatriz? – Perguntou o Duque de Loyola.

Quero tentar resolver o mais rápido possível esse problema para mostrar ao povo que nossas investigações e justiça tem funcionado de forma rápida. – A imperatriz olhava para cada um de seus duques com atenção.

-Não acha que pode cometer erros se tratarmos esse assunto tão rápido, majestade? – O duque de Acaia se manifestou desta vez.

-Acho, foi por isso que eu disse que pretendo sentenciar daqui 5 dias. Não quer dizer que eu vá. Mas tenho um plano. – A imperatriz chamou a atenção dos membros da reunião.

-E o que seria, majestade. – Mioll perguntou.

-Minha nova escrava estava naquele navio, com certeza ela viu e ouviu coisas. Eu irei tentar arrancar informações dela de forma sutil. Eu quero que os outros escravos que saíram daquela banheira de ratos também sejam interrogados. E isso eu quero que você faça, general.– A imperatriz apontou para Mioll que confirmou a ordem com a cabeça. – A segunda parte deste plano é simples. Quando o Capitão Octavius chegar, eu quero que esse assunto seja o principal da festa, vocês serão responsáveis por chamar a atenção dos demais duques para esse assunto e avaliar suas atitudes e reações. Com certeza a pessoa que estava ajudando esses malditos não estava esperando ser descoberto. – Xena terminou de falar seu plano e notou que seu escrivão tomava nota de tudo como esperado.

-Posso perguntar algo, Majestade? – se manifestou o duque de Tessalia.

-Sim, duque. – Xena respondeu.

-O Capitão Pietro disse que notou esse navio estranho nas últimas duas luas e somente agora o capturou. Se essa atividade ilegal era corriqueira, por que só agora seu capitão teria notado?- Os demais do gabinete ficaram curiosos com a pergunta do duque de Tessalia.

-Simples, Duque. O navio entrava pelo rio ao sul de Corinto que se deságua no mar do mediterrâneo. Acontece que a 2 luas o rio foi fechado justamente para aumentar a segurança da capital. Somente navios autorizados podem passar pela barreira agora. Acredito que nossos amigos persas não esperavam isso e se deram conta de que levariam muito tempo para dar a volta e chegar até o local onde a carga era entregue e preferiram aguardar num local seguro o seu “aliado”. Talvez esperavam ganhar um passe de salvo conduto. Eles não estavam fazendo nada de errado a princípio e podiam atracar onde estavam. Pietro não podia simplesmente interrogá-los. O que mudou o fato, foi minha estadia no casarão. Eles não esperavam por mim e a segurança dobrada não pode ignorar o navio próximo demais. Pietro foi obrigado a investigar, mas não podia arriscar algo brusco, ao ponto de espantá-los.

-Ou seja, eles provavelmente saqueavam as ilhas e a costa leste da Grécia e vendiam escravos e saque de maneira clandestina nos portos de Corinto. Mas como o Rio que dava passagem rápida para a Capital foi fechado, eles se viram presos. – Concluiu o duque de Acaia.

-Exato. – com tom pensativo o duque de Loyola afirmou. – Mas porque se dar todo esse trabalho? – Continuou.

-Eu não faço a menor ideia, Senhores. É por isso que precisamos interrogar. Entendido? – A imperatriz falou e todos concordaram. – Ótimo. Quero saber das novidades das duas últimas semanas agora. – A reunião se estendeu até metade da manhã, até que todos se retiraram para suas tarefas, exceto a General.

-Acha que o traidor vai agir conforme o plano, Xena?

-Tenho certeza absoluta. São nos planos bobos que os espertões caem. Aposto 100 dinares e um barril de cidra que vai funcionar. – Xena estava com os pés sob a mesa de madeira maciça.

-Para que quer 100 dinares se você já tem todos da Grécia– Mioll tirou sarro de Xena. – O que vai fazer quando a identidade do traidor se revelar? 

-Não sei, provavelmente vou bater tão forte no desgraçado ao ponto dele sangrar e pintar as paredes. – Os olhos da imperatriz formaram a chama do ódio e Mioll acreditava que isso fosse capaz.

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Xena teve um almoço agradável com duas de suas damas de companhia, a duquesa de Corinto e a duquesa de Loyola. Xena já não precisava da companhia dessas mulheres, mas os verões a acomodou dessa forma e acabou por manter o costume. A duquesa de Loyola era tão jovem quanto seu marido, não tinham mais de 30 verões. O casal herdou o título do duque anterior, que também era pai do jovem duque que se chamava Theo. O pai de Theo era um dos conservadores que destronou o rei anterior e deu suporte a Xena. Seu filho mais velho foi ensinado nas doutrinas conservadoras e apresentado para a imperatriz desde cedo, por isso que Xena considerava Theo seu duque mais leal, pois o garoto cresceu sob seus olhos e ensinamentos.

Depois do almoço, a Imperatriz foi cumprir com seu dever na masmorra. Para que almocei se aquele lugar vai me dar vontade de vomitar? Xena pensou enquanto ia até o local. 

A Conquistadora gostava de fazer esse tipo de serviço. Geralmente os presos a subestimavam e tentavam ofender sua majestade a todo custo, mas ela nunca caia nesse jogo. Alguns diziam que Xena era mais astuta que o próprio Hades e tentar enganá-la era uma luta em vão.

-Majestade.- O guarda que cuidava da porta da masmorra reverenciou Xena.

-Em que lugar o persa nojento está? – a imperatriz perguntou.

-A última cela do corredor. Ele não parou de gritar desde a hora que chegou. – O guarda respondeu.

-Huuuum. Temos um temperamental então. – Com um sorriso Xena seguiu pelo corredor escuro e pouco iluminado.

A masmorra era nojenta e fedida. Ratos comiam os corpos mortos a poucas horas e o cheiro de urina era forte. Sempre tinha alguém preso eternamente para manter a masmorra com esse padrão putrefato. Os novatos que se alistavam no exército da Conquistadora sempre eram enviados para a masmorra no intuito de amadurecerem. Quando subiam uma patente davam graças aos deuses e diziam que a masmorra só não era pior que a própria imperatriz.

-Espero que esteja tendo uma boa tarde, senhor…? – Xena cumprimentou o capitão persa e insinuou querer saber seu nome. 

-Senhor fodedor do seu rabo imundo.- O homem de pele bronzeada, careca, de estatura alta e aparentemente forte respondeu.

-Há. Bem que os guardas me disseram que você era lapidado no mais fino cortejo. – Xena com seu tom irônico e fidalgo respondeu. -Muito bem, senhor fodedor do meu rabo, me diga o que eu preciso saber e eu te tiro daqui ainda hoje. 

-A única coisa que precisa saber é que quando chegar no Tártaro eu vou estuprá-la, sua bacante.- o homem estava acorrentado na parede e fazia força para se soltar.

-Mal posso esperar por isso. Mas enquanto não acontece, eu quero que me conte quem estava te ajudando. Acho que você vai querer falar, afinal, foi por culpa desse imbecil que está aí dentro.

-Por que não entra aqui dentro e eu te conto. Hehehe.- Não só o capitão, mas outros piratas que estavam presos por perto riram.

-Está bem.- Xena abriu a cela do brutamontes e se trancou lá dentro. Essa atitude tirou o sorriso do capitão e dos demais. – Me conte agora.

-Eu não vou falar nada enquanto não me soltar dessa corrente. – o Capitão realmente acha que o ponto fraco de Xena era o Ego.

-Ou você pode simplesmente me contar quem é o imbecil que ameaçou sua família. – Um golpe baixo. O capitão não imaginava que a Conquistadora poderia acertar na mosca. – vamos lá, que tipo de carrasco seria seu informante se não ameaçasse sua família? Esse truque eu mesma usava quando velejava pelo mar do Egeu.- Xena estava muito perto do capitão.

-Eu não vou falar. – O humor do capitão desapareceu repentinamente.

-Você realmente acha que depois que seu “chefe” cumprisse com o plano dele, iria deixar você e sua família livre? Você pode ser tudo, Capitão. Menos um monstro ambicioso. Sabe o que esse tipo de gente faz? – Agora xena colocou um braço no ombro do brutamontes que ouvia com atenção – Essa gente aniquila tudo no final de seus planos. A única garantia de que não tenha testemunhas e promessas de vinganças é a morte. Eu sei disso porque já estive do outro lado da moeda. 

-Não tem porque eu abrir minha boca então, eu e minha família somos cadáveres.

-Você tem duas opções, Capitão. Ou fica calado e termina de matar sua família, ou me dá uma história convincente ao ponto de eu querer te dar uma segunda chance e trazer sua família até você.- Xena agora olhava dentro dos olhos do capitão.

-Eu não sei quem era o chefe. Eu mantive contato com um guarda. Ele vestia armadura de couro e sempre mencionava um tal de duque. Nós subíamos sempre o rio ao sul, mas você mandou barrar e não fomos informados disso. Então tivemos de aguardar o salvo conduto. Achei que iria ser rápido, mas o problema é que o tal duque não estava em Corinto e não podia arriscar tentando conseguir o passe com outra pessoa. – O Capitão falava e Xena tomava nota mental de tudo. – Eu não podia voltar para casa sem carregamento, então tive que correr o risco em ficar perto de Corinto.

-E por que você não podia ir para casa sem carregamento?- Xena perguntou e o capitão ficou em silêncio. – Vou deixá-lo descansar agora, Capitão. Amanhã eu volto. Para não dizer que sou a Medusa vou pedir para que um dos guardas soltem sua corrente. 

Xena saiu da cela e caminhou para fora da masmorra. Estava com uma intuição e acreditava que essa história tinha uma proporção muito maior que imaginava.

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Gabrielle estava perto da parede da sala de estar da imperatriz olhando com atenção os movimentos de Delia. A senhora estava inspecionando o trabalho da menina. Gabrielle havia passado quase o dia todo na grande sala de estar que ficava no quarto andar. O cômodo era composto por vários tapetes de peles distribuídos pelo chão, um lustre enorme no teto com espaço para inúmeras velas. Uma lareira e sofás logo à frente. Havia uma mesa de madeira comprida com lugar para oito pessoas e do outro lado uma espécie de adega com vários vinhos e hidroméis. A sala possuía quatro vitrais e cortinas vermelhas que quando fechadas não deixavam a luz entrar. Era um cômodo relativamente vazio, o problema era o piso ser de mármore e por isso precisava ser encerado para manter o brilho. A menina estava cansada e sua roupa suja, havia se esforçado e só queria descansar.

-Parabéns, Gabrielle. Acho que a Conquistadora ficará satisfeita. – disse a duquesa ao se aproximar de Gabrielle com um sorriso.

A jovem sorriu de volta e suspirou de alívio.

-Vá tomar um banho e buscar o jantar da imperatriz. Depois pode comer na cozinha e descansar.- Delia deu um tapinha carinhoso no rosto da menina e dessa vez Gabrielle não se incomodou. Nunca um de seus superiores havia a tratado como um ser humano e aquilo a fez se afeiçoar pela duquesa. – Xena elogiou você essa tarde. Disse que ficará com você.- Continuou a senhora enquanto saia da sala – continue assim. – enfim se retirou e deixou a menina sozinha. 

Me elogiou? Gabrielle não entendeu. O por quê a imperatriz a elogiaria sendo que até agora seus encontros haviam sidos desastrosos? No mínimo a duquesa estava tirando sarro.

Gabrielle saiu da sala de estar com os baldes e panos, os colocou no local apropriado e entrou em seu aposento. Havia água morna em sua tina, a questão era que não havia pedido a ninguém para que trouxesse água. Pensou que talvez fosse protocolo do Palácio ter água morna entregue nos aposentos em determinada marca de vela. Sem pensar muito se banhou e depois de um longo dia de trabalho relaxou. Estava quase convencida de que limpar era uma mordomia em comparação aos serviços que já prestara. Era sem dúvida menos humilhante e de certa forma gratificante.

Depois do banho, Gabrielle desceu até a cozinha. Estava vestida com uma túnica limpa de algodão na cor vermelha e um par de sandalias. Eram raros os empregados calçados e Gabrielle podia dizer que esse privilégio ganhou em trabalhar para a Conquistadora.

Quando entrou na cozinha percebeu alguns olhares amargos em sua direção, porém não ligou. Já estava acostumada em ser tratada dessa forma. Antes era nojo da parte dos outros empregados. Agora era por inveja.

-Vim pegar o jantar da imperatriz. – Gabrielle falou com o chefe e o mesmo apontou para a bandeja na mesa do canto já preparada. – Obrigada.- Gabi pegou uma das bandejas, mas notou que havia outra.

-Eu ajudo você. – Um rapaz jovem pegou a outra bandeja e começou a acompanhar Gabrielle. – Parece que a Imperatriz está com fome hoje. – O rapaz falou tentando puxar assunto com Gabi.

-Ela não costuma pedir tudo isso? – perguntou Gabi enquanto subia o primeiro lance de escadas.

-Não… Bem, ela come bastante, mas aqui tem comida para mais de um. Talvez ela tenha companhia hoje a noite. – O jovem respondeu com tom humorado. -Deve ser difícil trabalhar para a Conquistadora, não? – O jovem tagarela continuou.

-Eu… Eu não sei dizer, acabei de chegar no Palácio.- Gabrielle não queria se comprometer, mas não queria ser rude com o rapaz, afinal, não era todo mundo que conversava com ela.

Os dois conversaram mais um pouco sobre o Palácio até que chegaram no aposento real. Uma guarda ajudou a abrir a porta do aposento e tomou a bandeja do garoto.

-Eu ajudo a senhorita a partir daqui, rapaz. – A mulher fardada falou em tom intimidador.

-Até mais. – O jovem saiu correndo antes mesmo da menina responder.

A guarda colocou a bandeja na mesa e se retirou, Gabi por sua vez ficou arrumando a mesa.

-Veja só quem finalmente apareceu. – A imperatriz parecia mais feliz que o normal. Se aproximando lentamente da mesa do jantar, Xena prosseguiu. -Delia me disse que fez um bom trabalho na sala de estar essa tarde. Eu tive que conferir por mim mesma e tenho que dizer que estava ótimo. – Xena sentou-se à mesa e começou a se servir.

-Obrigada, minha senhora. Fico lisonjeada. – Gabi olhava para o chão.

-Venha jantar. Você merece. – A imperatriz começou a servir outro prato e Gabrielle de forma desconfortável sentou-se à mesa.

-Eu não me importo de comer na cozinha, Majestade – Gabi falou.

-Mas os outros servos se aborrecem com sua presença. – A franqueza da imperatriz foi tão grande que Gabrielle não pode evitar em olhá-la. – Você está em uma posição invejável. As pessoas não gostariam de estar em seu lugar e me encarar todos os dias, mas ainda sim, gostariam de estar em seu lugar e receber as poucas regalias. Já deve ter percebido isso, não? – Xena olhava para a jovem que agora concordou com a cabeça.

-Você tem medo de mim, Gabrielle? – A imperatriz perguntou.

A loira deu uma longa olhada para a Conquistadora e enfim respondeu que sim com a cabeça.

-Obrigada por ser sincera. – pelos deuses, essa mulher tem uma forma única de abordar. Pensou Gabi depois da resposta da imperatriz. – Você tem razão em ter medo de mim. Um pequeno deslize pode significar sua cabeça na ponta da minha espada. Ainda sim, você não correu do serviço designado. – Xena continuou e Gabrielle não entendeu o porquê dessa frase. Não é como se o servo tivesse escolha. –Deve estar pensando que não faz sentido isso que eu disse sendo que servos não tem escolhas, não é? – Xena falou com um sorriso e os pelos da nuca da menina se arrepiaram. A imperatriz era mais que intuitiva e isso era assustador.

-Sabe como minha última serva morreu? – Xena perguntou e Gabi respondeu negativamente com a cabeça. – Ela se jogou da sacada do que é seu quarto hoje. Ela fez isso depois de um mês me servindo. – Gabrielle arregalou os olhos e encarou a imperatriz que não parecia muito feliz com a história. – você não pretende pular da sacada, não é? – a imperatriz perguntou.

-Com todo respeito, senhora, mas depois de tudo que me submeti para preservar minha vida eu não me mataria por causa de seu temperamento. – Gabrielle não pretendia ser tão direta, mas quando percebeu, já havia cuspido a verdade.

-Você acaba de subir 5 pontos no meu conceito pela sinceridade. – Xena deu um gole em seu vinho e empurrou o prato de Gabrielle para que a menina comesse. – você parece ser uma menina inteligente, Gabrielle. Isso pode ser perigoso. – 

-provavelmente é, Majestade- Gabi respondeu e recebeu um piscar de olho da imperatriz. 

As duas comeram em silêncio e uma áurea agradável pairava no cômodo. Xena parecia satisfeita em ver como sua escrava a olhava nos olhos esporadicamente. Talvez esse fosse o momento para tentar tirar alguma informação da jovem.

A morena terminou seu jantar, levantou e se serviu de uma taça de vinho. Logo depois foi até seu sofá de frente para a lareira e sentou-se. Gabrielle também havia terminado e começou a recolher as coisas da mesa.

-Gabrielle. Venha até aqui.- pelo canto dos olhos a imperatriz notou o leve desconforto da menina. – Sente-se do meu lado. – Sem delongas a jovem sentou. – Eu receio ter que te fazer algumas perguntas que talvez te deixe um tanto desconfortável. A menina que estava sentada na ponta do sofá olhou para sua imperatriz e esperou a pergunta. – o que fazia naquele navio especificamente.

Gabrielle tomou fôlego e encarou o fogo da lareira. – Eu era escrava corporal do capitão…- a menina respondeu. – e da tripulação em algumas ocasiões. – Gabi tocou seu nariz nervosamente.

Xena tomou um gole de seu vinho e Gabi torcia para que a Imperatriz não continuasse.

– nessas ocasiões, você ficava em que local específico?

Gabrielle continuou olhando para o fogo.

-no porão do navio— a resposta foi sucinta.

-você ficava só no porão?- a imaperatriz continuou e Gabrielle achou melhor ser direta para acabar logo com as perguntas.

-quando a tripulação me usava sim, mas na maior parte do tempo eu ficava trancada na cabine do capitão, majestade– agora Gabi olhou diretamente para sua imperatriz.

 Tomando um gole de seu vinho, Xena proceguiu. -você tinha algum conhecimento sobre a rota que o navio fazia, Gabrielle. – Gabi por um momento gostou do jeito que seu nome soava da boca da imperatriz, parecia… diferente. 

-Não, majestade. – olhando para suas mãos Gabi falou. – exceto quando parávamos em algum porto e eu olhava pela janela da cabine do capitão.

Xena suspirou, colocou seu copo no chão e se aproximou de Gabi. Tocou a mão da jovem de forma delicada e afagou. Gabrielle se surpreendeu com o toque leve e encarou a mão de sua imperatriz.

-você chegava a descer do navio nessas ocasiões, Gabi? – hein? Gabi? O que essa mulher está fazendo? Gabrielle pensou ao ouvir a pergunta de Xena.

-Eu… – Gabi puxou sua mão e tomou fôlego. – algumas vezes, quando o Capitão se encontrava com algum homem importante me levava até o acampamento e… – a voz da menina falhou – e… – a voz falhou mais uma vez e um nó se formou em sua garganta– e eu era a atração principal— lágrimas simplesmente começaram a rolar pelos olhos verdes da garota.

-Eu sinto muito por estar fazendo você se lembrar disso, Gabi. – lá vem ela de novo. Pensou a menina – se conseguir se lembrar de algum desses homens eu prometo capturar o maldito e fazê-lo pagar. – Xena olhava profundamente para sua serva.

Gabrielle olhou para sua imperatriz, secou as lágrimas e continuou. – eu nunca olhava os rostos, majestade. Eu não suportava ter que sonhar com eles de noite. – Gabi respondeu terminando a frase com mais lágrimas.

Pelos deuses, o coração da imperatriz estava apertado. – mas e a roupa? Eles usavam alguma farda grega? – Xena perguntou e Gabi respondeu que sim com a cabeça. – Tem algo que queira me contar que ache importante, Gabi? 

Gabrielle olhou para sua imperatriz com os olhos marejados, então a menina começou a chorar. Seu choro foi aumentando gradativamente até ser um pranto desesperado. Xena não estava esperando por isso, muito menos Gabrielle, mas não havia nada que uma alma sufocada podia fazer a não ser gritar.

Se naquele instante fosse a imperatriz de 10 verões atrás, a impetuosa teria batido no rosto da serva com tanta força ao ponto de abafar o choro, teria pegado pelo seus cabelos e jogado no corredor. Mas essa imperatriz não, essa imperatriz sentiu-se irritada com os malditos que fizeram essa criança chorar, seu coração estava partido e o que fez a seguir a pegou de surpresa tanto quanto Gabrielle.

Xena puxou a menina para perto e a abraçou. Colocou uma mão na cabeça da garota e a balançou. O jesto fez a menina chorar mais ainda. Gabrielle tinha algo para contar para sua imperatriz, mas não com palavras. Seu choro revelou o horror de anos como escrava, sendo tratada como objeto pelos senhores e pelos outros servos. Os servos dos servos usaram aquela garota e fizeram com que se sentisse a pior pessoa do mundo.

Gabrielle abraçou sua imperatriz como se fosse um travesseiro de palha, por um instante não se importou com a majestade a sua frente, somente chorou e molhou a camisa de algodão branca que apoiava sua cabeça. E Xena a segurava com tanta força que parecia até fazer uma promessa de nunca mais soltar.

As duas permaneceram assim por alguns minutos até que o choro acalmou e deu lugar aos soluços. Xena possuía uma erva especial que tomava sempre que seu ódio abria a jaula de seu monstro e o libertava. Aquele chá seria bom para a menina. Então soltou Gabi e caminhou até a mesa, colocou um pouco de água morna que havia sido trazida para o jantar, e colocou as ervas. Gabrielle estava vidrada no fogo abraçada com suas pernas no sofá.

-Tome- A imperatriz aproximou o copo e com um movimento robótico a garota tomou o chá sem rodeios. 

Só havia um problema com aquele chá. Ele se chamava néctar de Morfeu, seu efeito era quase de imediato e em minutos a imperatriz viu sua serva cair no sono em seu sofá. Quando a garota dormiu, Xena se sentou ao lado dela e deitou a cabeça loira em seu colo. Olhava para o rosto da menina agora calmo e sentiu algo curioso, sentiu como se quisesse proteger aquela criatura pelo resto da vida.

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O sol havia acabado de aparecer, Xena estava sentada no pé da cama com cara de sono. Deitada no meio da cama estava Gabrielle. Na noite passada, a menina dormiu no sofá da imperatriz e a mulher não quis levá-la para seu pequeno quarto.

Uma batida na porta chamou a atenção de Xena e a morena foi até lá abrir.

-Majestade. Qual o problema? O guarda disse que estava me chamando- disse Delia enquanto seguia Xena para dentro do quarto. Quando entrou no aposento principal, deparou-se com a figura adormecida de Gabrielle na grande cama da imperatriz. A senhora ficou tão desconcertada que sua postura curvada se endireitou como a anos não fazia.

-Minha jovem serva foi sequestrada por Morfeu. Alguém precisa trazer meu desjejum. – disse Xena.

-O que ela está fazendo ali? – o descontentamento de Delia era tanto que até se esqueceu que estava falando com a imperatriz. – não me diga que você… – a senhora foi interrompida.

– Não. Eu estava perguntando sobre seu passado e ela começou a chorar de tal maneira que não pude fazer nada a não ser acalmá-la com chá. – Xena coçando a cabeça respondeu.

Delia já sabia que a menina tinha sido escrava corporal. A própria contou depois de ter se confundido com seu trabalho nos dias anteriores. Com um olhar de dó olhou a jovem e depois para sua imperatriz. – Vou providenciar o desjejum de vocês. – a senhora saiu do quarto e deixou a imperatriz sozinha mais uma vez.

A mulher se sentou na cama de frente para a menina. Tirou o pouco de cabelo que caia no rosto da jovem e deixou sua feição amostra. Como era bonita aquela serva. Desde o princípio a imperatriz teve a oportunidade de tomar aquela menina para si de forma má, mas parecia que algo a impedia. Aquele rosto parecia doce e aquele ser parecia sensível.

-Eu jamais vou te machucar, Gabrielle. – falou a imperatriz em tom baixo.