Capítulo 1
por Officer KirammanCapítulo 1
“Para onde agora?” – Essa frase havia sido proferida tantas vezes e na maioria delas a resposta se dava em forma de olhos brilhantes cheios de excitação e sede de aventura. Não havia sido diferente dessa vez. Yasmin Khan iria até os confins do universo com a Doutora e se no início de suas viagens juntas, sua motivação havia sido principalmente a expectativa das aventuras mais inesperadas que eram exatamente o que ela precisava, após anos de trabalho enfadonho na Polícia de Hallamshire, há algum tempo a sua motivação havia mudado. Não importava para onde fossem, tudo que importava era ter um pouco mais de tempo ao lado dela. Yaz sabia que esse tempo estava em contagem regressiva, havia aprendido que era o que acontecia com todos os companheiros de viagem da Doutora, mas render-se ao pesar não lhe traria nada de bom.
“Hmm. Eu sempre quis ir a uma festa de Halloween.”
“Halloween?”
“Sim, sabe… Fantasmas, demônios, bruxas… Dolorosamente norte-americano, mas… A mídia fez um bom trabalho em tornar muito atrativo.”
“Claro. O que pode dar de errado em uma festa? Em uma festa nos Estados Unidos. Em uma festa com fantasmas, demônios, monstros… Nos Estados Unidos.”
“São apenas fantasias” Yaz riu por um momento, pensando que ironicamente era o tipo de coisa que para elas vinha sendo bem real. “E as pessoas distribuem doces…”
“Doces? Doces parece bom…” respondeu a Senhora do Tempo apertando meia dúzia de botões e puxando algumas alavancas da Tardis.
Algumas ululações e chiados depois haviam aterrissado.
“Precisamos de fantasias. Acha que é possível encontrar algo nos baús lá atrás?” Yaz perguntou com um brilho jovial no olhar de quem verdadeiramente queria aproveitar a noite. Pensava que talvez poderia ter um momento de calma e diversão ao lado da Doutora, talvez algo muito próximo a um encontro, ainda que não ousasse em momento algum vocalizar tal anseio com essa palavra.
“Algo está errado” disse a Doutora. “Não estamos em Nova Iorque. Nem em Nova Nova Nova Iorque”.
“Não vou me dar ao trabalho de perguntar como você sabe disso sem nem pisar lá fora.”
“O ar, não tem gosto de gordura e poluição. Eu sinto….” disse esticando a língua para fora como se fosse coletar um floco de neve invisível. “Olivas”.
“Olivas? Azeitonas, você quer dizer?”
“Não, não do tipo que você coloca numa pizza. Do tipo que ainda estão em árvores. E… Cabras”.
“Por favor, agradeço se você não descrever o gosto de uma cabra”.
“Grécia!” exclamou a Doutora abrindo as portas da Tardis com curiosidade e animação e saltando para fora a passos largos.
Yaz deixou cair os ombros e olhou para o painel da Tardis com resignação.
“Eu só pedi por uma festa de Halloween” disse arrastando-se para fora da nave e correndo para alcançar a Doutora.
A Tardis havia aterrissado no meio de um vilarejo movimentado em um pequeno beco que dava para um mercado lotado de pessoas. Uma enorme feira de frutas, hortaliças, carnes, tecidos, armas e ferramentas era movimentada por vários cidadãos ocupados em ou anunciar seus produtos ou pechinchar por algo.
“Me pergunto em que ano estamos” sussurrou Yasmin um pouco reticente, já tentando antever qual bagunça histórica estaria acontecendo para a Tardis ter um de seus surtos e simplesmente resolver jogá-las em algum local aleatório no Espaço-Tempo.
“Ooooh, tomara que um pouco antes de 500 a.C. Eu adoraria rever Sappho… Adoooooro a poesia dela. Uma garota admirável”.
“Rever?” balançou a cabeça. “Eu não vou nem perguntar…”
Um comerciante gorducho com barba e bigodes branquinhos, vestes coloridas e adornado de joias as interrompeu com sua voz esfuziante.
“Vocês disseram Sappho? Eu sinto muito, ela esteve se apresentando aqui há dois dias. Foi um espetáculo incrível, um recital maravilhooooso que levou a plateia à loucura! Mas por alguns dinares vocês podem levar esses incríveis pergaminhos escritos a mão pela própria poetisa. Ou então essas tábuas com a assinatura dela entalhada. Também tenho a réplica exata da luxuosa pena que ela usou para escrever seus mais ardentes trabalhos!” Yaz notou que os olhos dele brilhavam e ele gesticulava bastante absorto em anunciar seus produtos. Quando ele parou de falar, seus olhos se fixaram nas vestes peculiares delas e por um momento ele os estreitou e voltou a olhar para a dupla.
“Imagino que não sejam daqui. Seria uma pena duas senhoritas desacompanhadas se perderem na Acrópole. Mas nada temam, por apenas 5 dinares eu tenho um mapa da cidade para guiar seus caminhos pelas belezas encantadoras do lugar”.
“Prazer…?”
“Salmomeus”.
“Prazer Salmoneus, eu sou a Doutora e essa é minha companheira Yaz”.
“Doutora? Você veio a pedido de Hipócrates para visitar o templo de Asclépios?”
“Hipó…Não, não, na verdade, eu e ele discordamos em alguns aspectos, então por favor não mencione que me viu por aqui. Eu estou aqui para tratar de outros assuntos… Veja só que loucura, estávamos a caminho de uma festa e de repente, uuuf, os desvios pela estrada e aqui viemos parar. Você notou alguma… anomalia ultimamente? Encrencas? Problemas? Invasões? Algo místico ou misterioso que talvez, apenas talvez não conseguisse explicar?”
“Anomalia? Não, eu…Os deuses andam estranhamente quietos ultimamente. Acredito que Ares e Afrodite ainda estão lidando com a partida de Xena”.
“Ares e Afrodite?” Yaz franziu a testa em ceticismo “Eles são reais?”.
“Tão reais quanto os problemas que causaram. Acredite em mim”.
Yasmin olhou para a Doutora tentando verificar sua reação ou algum sinal que indicasse que ela havia achado aquele homem tão louco quanto ela achava no momento, mas tudo que encontrou foi um olhar divertido.
“O que foi?” indagou a Doutora “Alienígenas tudo bem, mas deidades são assustadoras demais?” perguntou ela com as mãos na cintura.
Yaz apenas balançou a cabeça a revirou os olhos.
“Olha, eu sinto muito. Não sou a pessoa mais indicada para falar sobre coisas estranhas. Minha vida está bastante calma e tediosa e segura há algumas décadas. Eu tinha duas amigas que costumavam lidar com esse tipo de encrenca, mas eu não as vejo há mais de 25 anos e tudo que sei é que uma delas não está mais entre nós. Se vocês encontrarem Gabrielle de Potédia talvez consigam alguma informação útil. Ou talvez Hercules. Mas desde que ele foi visto cavalgando ao pôr do sol para longe junto de Iolaus, eu nunca mais soube dele também, então temo que não possa ajudar. Vocês têm certeza de que não querem um mapa?”.
“Não, obrigada” disse Yaz com um falso sorriso procurando a Doutora com os olhos e percebendo que ela havia saído andando e se distraiu parando numa outra tenda que vendia tâmaras. “A Doutora é excelente em se localizar. Quase nunca nos perdemos, e quando acontece são só por alguns milhares de léguas e alguns milênios. Nós vamos indo”.