Estávamos as duas sentadas em minha cama, Gabrielle atrás de mim, desembaraçando meu cabelo. Era estranho que gostasse de fazer isso, mas parecia que sim. O fazia devagar e eu aguentava seus ternos cuidados, tentando impedir que minha impaciência inata não aflorasse.

– Gabrielle?
– Sim, minha senhora?
– Essas histórias que quer escrever nos pergaminhos, você também as conta em voz alta? Quero dizer… Você é barda, Gabrielle? – perguntei. Suas mãos se detiveram e senti que ou a havia ofendido ou a havia obrigado a parar para pensar.
– Nunca recebi formação de bardo, minha senhora. – contestou, recomeçando sua atividade anterior.
– Mas… Você conta histórias? – insisti.
– Sim, minha senhora.
Sorri.
– Bom – contestei dobrando as pernas e colocando os cotovelos sobre os joelhos. – Conte-me uma história, Gabrielle. – houve um momento de silêncio. – Por favor? – acrescentei suavemente.

Não via, mas se Gabrielle fosse fiel a si mesma, agora estaria me olhando com um sorriso confuso. Quando começou a falar, foi como se sua voz pertencesse a outra pessoa. Havia poder e carisma nessa voz e eu que passei a maior parte de minha vida animando os soldados no campo de batalha com poderosos discursos, reconhecia uma boa capacidade de oratória quando a ouvia. Fechei os olhos e podia estar em uma taberna, escutando um bardo andarilho, ou inclusive em um banquete, ouvindo Safo ou Eurípides.

– Era uma vez um leão grande e forte que reinava em uma floresta, protegendo-a de todos os que queriam lhe fazer mal. Um dia, o poderoso animal estava caçando para cear e um coelhinho marrom saltou e passou correndo diante do leão. Assim que o animalzinho viu a imensa fera, não conseguiu ir mais longe. Seu medo o deixou congelado no lugar. Até o pequeno coelhinho ouvira falar do grande leão. Era conhecido como o rei dos animais e reinava sobre todas as coisas dessa floresta.

“O leão se perguntou por que a pequena criatura não continuava correndo. Era a primeira vez que ele se dava conta de que podia ser assustador para outros. O caso é que o leão irradiava um semblante feroz a maior parte do tempo, devido à dor constante que sofria. A dor vinha de um grande espinho que tinha cravado profundamente na pata traseira. Estava ali há muitas estações, mas por mais que tentasse o animal não conseguia retirar o espinho. Por isso, havia se resignado a levar uma vida coberta pela lembrança constante de um ato insensato que cometeu quando era um leão muito mais jovem.

De modo que o animal se aproximou do coelho, que continuava tremendo assustado, sem poder correr. O leão agitou a grande cabeleira de um lado a outro, removeu o chão com as garras e até soltou um rugido que se ouviu por toda a floresta. Destemido, o coelho continuou em seu lugar.

– Será minha ceia se não correr. – disse o leão, aproximando-se mancando para sentar diante do coelho.
– Mas me pegaria de todo jeito, majestade, então de que me adiantaria correr? – respondeu o coelho.
– Então prefere ser comido, sem sequer se defender?
– Poderia lhe oferecer um acordo, majestade. – contestou o coelho rapidamente.

O coelho não era um animal estúpido, mas era, efetivamente, uma das menores criaturas da floresta. Seu tamanho e sua posição, no mundo animal, lhe davam uma desvantagem permanente. No entanto, havia aprendido a usar sua inteligência para sobreviver.

– O que poderia me oferecer coelho, que eu não possa tirar à força simplesmente? – perguntou o leão.
– Amizade. – contestou o animalzinho no mesmo instante. – Se prometer não me comer jamais, lhe ofereceria minha amizade em troca.
– E de que me serviria esta sua amizade? – perguntou o leão, soltando um bocado de ar quente para cima da pequena criatura.
– Se fosse seu amigo, poderia acabar com sua dor removendo o espinho que tem na pata. Verá que meus dentes estão aptos para tarefas como essa, enquanto que os seus não.

O leão pensou um momento. Tinha um pouco de fome, mas esta coisinha não o alimentaria. No entanto, estava a tanto tempo vivendo com esse molesto espinho que quase se esquecera de como seria caminhar sem a dor constante. Então, o grande rei acenou com sua grande cabeça e deitou de lado, deixando que o animalzinho se aproximasse dele. O grande leão observou enquanto o coelhinho cumpria o prometido e removia o espinho incrustrado, agarrando-o com seus fortes dentes e puxando com todas as suas forças. Depois, o grande animal ficou sentado em silêncio, assombrado pela confiança demonstrada pelo animal menor.”

Eu estava quieta, com os olhos fechados, imersa na história que minha escrava contava. Sabia que Gabrielle não tinha idade suficiente para conhecer o período de minha vida em que me chamavam a Leoa de Amphipolis, mas parecia que a história era uma analogia da vida que ela e eu levávamos. Talvez estivesse dando muito crédito à minha pequena escrava. Gabrielle sabia ler e havia sempre a possibilidade que tivesse encontrado a referência em um pergaminho em algum momento. De repente, percebi que Gabrielle não estava mais penteando meu cabelo, mas também percebi que a história ainda não havia terminado. Talvez pensasse que eu tivesse adormecido.

– E o que se passou então? O leão o comeu, não? – perguntei cínica como sempre.
– Oh, não minha senhora. – se apressou a responder Gabrielle. – O leão se ateve ao acordo e deixou o coelhinho livre, sem nunca realmente compreender como o animalzinho conseguira atravessar sua dura fachada exterior. Muitas estações depois, quando o leão estava velho e frágil e estava a ponto de morrer de fome porque já não tinha forças para caçar, voltou a se encontrar com o coelho.

“O coelho estava mais velho e mais gordo, mas continuava sendo muito menor que o grande leão. O grande animal alcançou o lento e pequeno animal e percebeu que esta refeição o manteria com vida até que pudesse encontrar algo mais adequado. Justo quando o leão estava a ponto de devorar o animal menor, o coelho levantou o olhar e suplicou.

– Mas prometeste que nunca me comeria. – rogou o coelho.

O leão remexeu em sua memória, que sempre foi muito boa, e recordou o animalzinho que havia lhe oferecido sua amizade naquele dia de verão tanto tempo atrás. O leão cumpriu sua palavra e deixou de novo o coelho no chão, não por obrigação, mas por amizade.

– Tem razão, velho amigo. Mas agora devo despedir-me, pois se não como, sem dúvida morrerei esta noite.

O coelho olhou para o leão deitado ao seu lado. Era possível ver as costelas por debaixo da pele do grande animal e o coelho sentiu uma profunda pontada de compaixão por seu velho amigo.

– Mudei de idéia. Acho que deveria me comer. – afirmou o coelho enfaticamente.
– Por que mudou de idéia? – perguntou o leão debilmente.
– Porque sem comida, morrerá, e eu tive uma vida longa e feliz graças ao dia em que me deixou livre. – contestou o coelho.
– Ahhh, mas eu também. Depois que retirou o espinho de minha pata, me senti dez estações mais jovem. Sinto como se tivesse vivido duas vidas. – respondeu o leão.

O coelho percebeu que assim não chegariam a nenhum lugar e saltou o mais rápido que lhe permitiram seus velhos ossos. O outrora feroz leão deitou a cabeça e suspirou. Sentia-se assombrado consigo mesmo, pois não lhe custara nada soltar o coelho ao invés de comê-lo. Realmente começara a ver o generoso coelhinho como a um amigo.

Momentos depois, o animalzinho regressou, pulando de excitação.

– Encontrei a sua refeição, meu amigo. Assim que passar essa alameda, há um pequeno antílope. O pobrezinho é deformado, por isso não pode caminhar e sem dúvida sofrerá muito antes de morrer. Disse que se acabar rapidamente com sua agonia ficará feliz em morrer para nutri-lo.

O leão recuperou forças suficientes para chegar ao animal penosamente entrevado e o antílope deu sua vida com coragem pelo rei. Mais tarde quando o coelho e o leão saciado estavam sentados lado a lado, o leão perguntou ao seu pequeno amigo porque esteve disposto a desistir de sua vida, quando fazia tantas estações que não se viam. O coelho olhou para seu grande companheiro e respondeu com simplicidade.

– Porque você é meu amigo. – disse o coelho.”

Ouvi a última frase, mas não tive forças, eu, Xena a Conquistadora, para responder verbalmente. Encontrava-me em um estado patético, com os olhos cheios de lágrimas. Não me lembrava da última vez que havia chorado; a última vez que algo me comovera a este ponto. A princípio, não estava segura de que Gabrielle estivesse relatando uma analogia para traçar uma correspondência com minha vida. Agora, sinto no que resta de meu escuro coração que me contou essa história precisamente por essa razão.

Abaixei a cabeça e senti que as lágrimas que tinha nos olhos se derramavam e resvalavam por meu rosto. Faz tanto tempo! Por que não chorei assim até agora? O que tem esta pequena escrava que se mete em meu interior e zomba de todas as barreiras que com tanto cuidado construí em volta do meu coração?

Não suportava mostrar para Gabrielle esta debilidade suprema. Em vez de voltar a olhar para ela, alcancei a mão que estava repousando na cama. Levantei-a e depositei um beijo terno em sua palma e então continuei segurando-a em meu colo. Um longo silêncio, mas não muito incômodo, encheu o ar e, de repente, senti sua mão em minhas costas, esfregando-a suavemente, como para me tranquilizar. Quantas coisas indizíveis havia entre nós! Em meu caso, porque era incapaz, no caso de Gabrielle, porque não era permitido. Perguntei-me se seria sempre assim e soube que se queria que fosse diferente, teria de ser eu a que mais se esforçasse. Era somente eu quem tinha a liberdade de entregar meu coração a esta menina ou simplesmente mantê-la como escrava. Ambas as possibilidades me davam medo e sentia que não estava à altura desse desafio. Sequei as lágrimas do rosto e me virei para minha jovem escrava.

– Estou com fome Gabrielle? Você está com fome?

O rosto de Gabrielle se inundou de alívio e então me dei conta de que podia ter pensado que meu silêncio indicava minha raiva. Assentiu rapidamente com a cabeça.

– Sim, minha senhora. Devo visitar a cozinheira e trazer algo? – Gabrielle começou a se levantar.
– Não. – disse rindo, ao vê-la vestida apenas com uma de minhas camisas brancas de seda. Levantei-me, tirei a túnica e pus uma calça limpa e uma camisa. – Desço eu, você volta ao seu aposento e põe um vestido. Se tiver de vê-la vestida só com isso do outro lado da mesa jamais terminarei de cear. Não se entretenha pelos corredores, não quero que meus soldados a vejam somente com isso. – acenei mostrando a roupa que vestia.

Enquanto calçava as botas, ela olhou para a camisa que vestia e percebi a cor rosada que tinha na face e que lhe dava um ar absolutamente encantador.

– Sim, minha senhora. – a ouvi responder com um ligeiro sorriso enquanto saía do aposento.

********

– Boa noite Senhora Conquistadora.
– Delia que Hades faz na cozinha a essa hora? – perguntei à mulher mais velha. Estava mexendo uma panela de onde saía um odor divino.
– O que mais tenho para fazer com meu tempo? – respondeu com naturalidade.

Debrucei-me por cima de seu ombro e meti um dedo na mistura em que estava mexendo. Parecia um guisado de veado com um espesso molho ao vinho. Quando quis mais, ela estendeu a mão e, antes que que percebesse, deu-me um golpe nos nós dos dedos com uma colher grande.

– Ai! – gritei, esfregando a mão.

Me fez calar e me empurrou para que me afastasse, até que me colocou sentada em uma banqueta alta. Continuou me fulminando com o olhar e agora sua cabeça estava mais alta que a minha; senti-me como uma criança de castigo num canto.

– Apenas para que saiba tudo isto é meu. – acrescentei debilmente, notando que começava a murchar.

Ela cruzou os braços e me olhou erguendo uma sobrancelha – manobra que era minha – devo acrescentar.

– Quando eu tentar meter os dedos em sua panela… Então poderá me bater.

Sorriu e não pude deixar de sorrir também.

– Você é pior que eu. – fiquei sentada, balançando a cabeça ao pensar no duplo sentido de suas palavras.
– Bem, a ceia é para você e para sua Gabrielle? – perguntou, sabendo por que eu estava ali.
– Sim, se puder ser tão amável. – brinquei.

Sua expressão, minha Gabrielle soava muito bem aos meus ouvidos. Perguntei-me quantos mais já sabiam o que eu sentia por minha jovem escrava.

Enquanto Delia colocava nossa ceia em uma bandeja, fiquei a bisbilhotar pela cozinha. Este pequeno cômodo era o domínio de Delia. Os demais cozinheiros sabiam que não deviam se meter nesta área em particular. Percebi que tinha uma mesinha com coisas para escrever em um canto do cômodo. De repente, me ocorreu um plano.

– Delia… Preciso de sua ajuda.
– Sim, Senhora Conquistadora? – virou-se para mim, franzindo as sobrancelhas com espressão interrogativa.
– Preciso que prepare uma coisa, se puder, esta noite. Quero uma mesa como esta nos aposentos de Gabrielle; e também pergaminhos e material de escrita. Você sabe – disse respondendo a sua expressão desconcertada – Tinta e penas e essas coisas.

Ficou me olhando longos instantes e então se virou de novo para a bandeja que estava enchendo. No entanto, vi seus olhos antes que me desse as costas e percebi que por fim havia feito algo que sequer Delia esperava. De repente, tive uma necessidade de dar-lhe explicações.

– Sabe ler e escrever e conta boas histórias. Acho que gostaria de escrevê-las.
– Você cuida muito bem desta jovem, Xena. – declarou Delia.

Que raro ouvir meu nome. Ninguém o usava nunca, mas de vez em quando, o tom de Delia se fazia mais suave, me olhava como uma mãe poderia olhar e usava meu nome com carinho.

– Merece que alguém cuide dela. – respondi, agradecendo e fazendo-a prometer que se ocuparia de que uns homens instalassem os móveis necessários esta noite. Quando saí pela porta principal da cozinha, poderia jurar que ouvi a mulher rindo baixinho.

********

Às vezes é preciso um só instante para perder tudo de bom. Subi em silêncio o último degrau da escada de pedra que levavam a meus aposentos e quando dobrei a esquina, os vi no patamar de cima. Gabrielle havia posto um vestido, mas um jovem tenente de meu exército a sujeitava com firmeza. Estava a manuseando e apertava seu traseiro com uma mão. Isto bastou para que meu sangue começasse a ferver. O que fez que entrasse completamente em ebulição foi que Gabrielle estava ali deixando que fizesse. Agitava-se um pouco devido à força com que a apertava, mas sequer se debatia.

Estavam de costas para a escadaria quando cheguei ao patamar e deixei a bandeja sem fazer ruído no último degrau. O terror dos olhos do homem quando o agarrei pela garganta não bastou em absoluto para saciar-me. Joguei o punho para trás e quebrei seu nariz com o primeiro golpe. A mesa em que tropeçou se inclinou e o jarro que havia nela caiu pela escada com estrondo. O ruído não apenas trouxe os guardas correndo, mas também a Atrius. Mais tarde me perguntaria o que estava fazendo neste pavimento, mas só descobriria a verdade muito tempo depois.

Quando vi Atrius ao pé da escada, me dispunha a acertar o golpe final. Quando lancei o punho e alcancei a mandíbula do jovem, soltei o colarinho de sua túnica. Senti que quebrava sua mandíbula com o impacto e ouvi seu grito alguns segundos depois. O atirei pela escada e Atrius e dois dos guardas do palácio o pegaram. Tinha o rosto ensaguentado e eu também tinha a mão cortada e cheia de sangue.

– Tire-o de minha vista antes que lhe quebre as pernas! – bufei do alto das escadas.

Respirava rapidamente, pois a descarga de adrenalina continuava correndo por meu corpo. Virei-me e fiquei diante de Gabrielle, concentrando agora toda a minha raiva sobre ela. Meus músculos tremiam pelo esforço de me controlar, pois tentava segurar-me e não surrá-la, mas não pude deter as palavras que soltei como se fossem golpes.

– Por acaso não sabe se defender? – gritei furiosa. Dei a volta, sem esperar resposta, entrei em meus aposentos, fechando a porta com uma pancada ao passar. Exatamente antes que a porta se fechasse, meu ouvido sobrenatural captou a tênue resposta de Gabrielle.
– Não. – disse suavemente.

*******

As lágrimas derramaram dos olhos da jovem escrava apoiada na parede enquanto se deixava deslizar por ela até acabar sentada no escalão superior. Abraçou as pernas contra o peito, parecendo uma criança pequena e assustada.

Atrius conhecia a Conquistadora, conhecia seu gênio e suas rabugices, sabia quando permanecer afastado e quando interceder. Deixou o estúpido tenente com os guardas para que o levassem a enfermaria e então subiu devagar as escadas para agachar-se e falar com a jovem. Ela despertava sua curiosidade. Perguntava-se principalmente o que tinha que tanto fascinava a Conquistadora. Durante mais de vintes estações, foi testemunha da pior conduta a que poderia se rebaixar um ser humano. Agora, ultimamente, pensava que estava sendo testemunha da melhor. A Conquistadora começara a mudar, mas apenas recentemente, desde que a menina estava com ela, parecia quase benevolente.

– Perde o controle, mas quase sempre se arrepende. – disse Atrius à pequena escrava.

A jovem secou as lágrimas do rosto, mas não olhou para o capitão.

– Tem que desenvolver mais dureza para estar com ela, menina. E depois, com certeza está lá dentro, tentando descobrir um jeito de fazer que você volte sem parecer uma idiota. Aposto o que quiser que já se sente muito mal por ter gritado com você.

Gabrielle sorriu ao ouvir isso. Pelo que havia averiguado até agora de sua nova ama, sabia que machucá-la nunca parecia ser sua intenção.

– Vamos… Entra com a bandeja de comida e eu lhe asseguro que ela será a primeira a falar.
Atrius pegou a bandeja enquanto a jovem se levantava e a colocou em seus braços. Adiantou-se e abriu a porta que a Conquistadora fechara com uma batida, um pouco antes. Quando Gabrielle entrou no aposento, o alto capitão fechou a porta suavemente detrás dela. Balançou a cabeça, maravilhado e regressou a seus próprios aposentos.

*****

Ouvi como se abria a porta do cômodo externo e pelo rabo do olho vi que Gabrielle depositava a bandeja na mesa. Sentei-me em minha cadeira, uma poltrona de madeira de encosto alto feita à minha medida e que era o único móvel que apreciava. Estava colocada de frente para a janela aberta que, agora sendo noite, estava coberta por uma grossa tapeçaria. A cadeira estava posicionada de maneira que me permitia contemplar o amanhecer, ao qual ultimamente havia desenvolvido gosto. Gabrielle continuava ali em pé e em silêncio.

Não sabia como expressar porque me chateara tanto com a jovem. Por acaso deveria dizer-lhe que tinha permissão para se defender de quem a atacasse, fosse quem fosse? Deveria me desculpar… Era sequer capaz de me desculpar? Como se fazia algo assim?

Dobrei a mão dolorida e pela primeira vez vi os nós machucados e ensanguentados. Pelos deuses, que surra estava levando meu corpo hoje. Ouvi Gabrielle se mexer e de repente, apareceu diante de mim, com uma bacia de água e um pano nas mãos. Ajoelhou-se no chão e, sem nada dizer, umedeceu o pano e pegou minha mão ferida. Lavou os cortes profundos, sem que nenhuma das duas dissesse nada. Fixei meu olhar pela primeira vez depois de muito tempo, nas pequenas linhas brancas que cruzavam os nós de meus dedos em cada mão. Eram pequenas e finas cicatrizes, dos anos passados sujeitando uma espada na mão… Disso e de socar homens como fiz essa noite.

– Não tem por que fazer isso, Gabrielle. – disse por fim.
– Quero pedir desculpas, minha senhora. Sinto tê-la chateado. – disse, sem levantar os olhos para mim.
– Não estou chateada com você, Gabrielle. – estendi a mão livre, acariciei sua face e passei os dedos por seu cabelo dourado. Levantei. – Levanta Gabrielle.

Cruzei o aposento até a janela e afastei a tapeçaria.

– Gabrielle, olhe aí fora. Vê isso? – ordenei e perguntei ao mesmo tempo. Já era noite, entretanto restava um vestígio do ocaso e mais além dos muros do palácio se viam as aldeias, situadas nas longínquas colinas onduladas. – Gabrielle, tudo isso, até onde seus olhos podem ver por léguas e mais léguas, e mais além, inclusive, pertence a mim. – apontei com a mão. Então soltei a tapeçaria e fui ao centro do aposento. – Tudo ao seu redor, o palácio e seus habitantes… Tudo isso me pertence. E porque me pertence, significa algo para mim. Ocupa um lugar dentro de mim e não deixarei que ninguém me tire o que é meu. E você, Gabrielle? Sabe que lugar ocupa em meio a isto tudo? – gesticulei com ambas as mãos.

Gabrielle me olhava e com essa última pergunta, vi que a luz da compreensão se acendia esperançosa em seus olhos.

– Lhe pertenço? – perguntou em vez de responder.
– Assim é, Gabrielle. – sorri por fim. Puxei-a para mim e beijei o topo de sua cabeça loira. – Me pertence.

Vi a mudança em seus olhos imediatamente e percebi que compreendia por que usara essas palavras. Não disse que era sua dona, o qual já havia afastado imediatamente de nossa relação de ama e escrava. Disse-lhe que me pertencia. Com isso não queria dizer simplesmente que era uma apreciada posse e acho que compreendeu. Estava dizendo que seu coração era meu, assim como sentia que o meu era seu.

– Mas não continuo sendo escrava, minha senhora?

Bem, aí ela me pegara. Como diria a Gabrielle que não havia nada que desejasse mais que libertá-la? Como poderia lhe explicar o terror que sentia ao saber que a primeira coisa que faria seria me deixar? Por isso, guardava silêncio a respeito, tentando construir uma relação quando até eu sabia que tinha uma vantagem injusta. Não podia renunciar a esse último vestígio de controle.

– Gabrielle, você tem uma posição e uma categoria neste palácio, tanto se está ciente disso como se não. É escrava, sim, mas ao ser minha escrava pessoal, está acima de todos os demais neste palácio. Porque em matéria de confiança, deposito mais em você que em todos os meus conselheiros juntos.

Seus olhos mostraram sua surpresa e continuei.

– Por isso, Gabrielle, tem o direito de se proteger de quem quer que tente tocar o que é meu. Tem que saber que ninguém jamais a castigará por me obedecer, pequena. A próxima vez que alguém… Quem quer que seja, se exceder com você… Tocá-la de que maneira for, quero que grite, chute, lute, o que for preciso para chamar minha atenção. Então eu me ocuparei da situação. Compreende Gabrielle?

Tinha a cabeça baixa e levantei seu queixo para olhar seu rosto. Seus olhos verdes fizeram essa manobra habitual de olhar para todo lado menos meus olhos.

– Compreende pequena? – perguntei novamente, com mais delicadeza.
– Acho… Acho que sim, minha senhora, mas eu… – balbuciou Gabrielle.
– Mas o que, Gabrielle?
– Não… Não sei como, minha senhora. – respondeu em voz tão baixa que era apenas um sussurro.

Vi que seus olhos se enchiam de lágrimas e, como sempre, aquilo rasgou meu coração. Sentia cada lágrima que caía de seus olhos como um punhal que atravessava meu peito. Puxei-a para um abraço e sequei suas lágrimas, segurando-a em meus braços durante uns instantes antes de voltar a falar.

– Gabrielle, eu sei que há coisas que são difíceis para você devido à vida que foi obrigada a levar, mas deve aprender algumas coisas se quiser ser minha… Se quiser ficar comigo.
Mudei rapidamente de assunto depois de dizer isto. Não queria dizer ‘escrava’, mas tampouco queria dizer ‘consorte’, não é? Abracei-a mais um pouco e a soltei.
– Gostaria que lhe ensinasse o que espero de você, se um episódio como o de hoje voltar a acontecer?

Assentiu rapidamente com a cabeça.

– Sim, minha senhora.
– Pois vamos começar. – disse com um sorriso, esquecendo nossa ceia.

*******

– Bem, está preparada para colocar à prova tudo isto de forma real? – perguntei para Gabrielle.

Rapidamente três marcas se passaram enquanto eu ensinava minha jovem escrava o que era agressão. Descobri que não era simplesmente o fato de que Gabrielle levasse tanto tempo vivendo como escrava submissa que a fazia tão pouco disposta a contra-atacar quando pressionada. Descobri que a passividade parecia fazer parte de sua natureza. Queria sempre ver o lado bom das pessoas que estavam dispostas a machucá-la. Por fim tive que lhe dizer que deixasse que Hades se encarregasse de seu trabalho e avaliasse a vida das pessoas no fim de sua viagem mortal, pois seu trabalho consistia em pensar em si mesma.

Saímos e passei de propósito perto do campo de treinamento onde haviam levantado as fileiras de tendas para alojar os soldados, enquanto seu quartel era ocupado pelos aldeões. Expliquei-lhe que ficaria entre as sombras e que se parecesse que a coisa iria mal, interviria. Sorriu valentemente, mas vi que seu lábio inferior tremia um pouco.

– Você pode fazer isso, Gabrielle.

Sorriu-me debilmente e continuou caminhando pela vereda. Logo passou um soldado e lhe assobiou ao passar. Quando ela não demonstrou o menor interesse e abaixou a cabeça, ele pensou que a tinha fácil. Por que os homens são tão cheios de si? Perguntei-me. Deu a volta e regressou para perto dela e, antes que pudesse me dar conta, tinha agarrado Gabrielle, mas era como se esta tivesse se esquecido de tudo o que havia lhe ensinado. Demorei dois segundos para chegar ao seu lado e dar um soco na têmpora do soldado. Ficou jogado ao chão sem se mover e verifiquei se continuava respirando… Não queria golpeá-lo tão forte, mas ao ver como colocava a mão em cima de Gabrielle, pelos deuses, perdi o controle completamente.

– Gabrielle. – foi tudo o que pude dizer, mas quando olhei para a jovem, parecia aterrorizada. Começava a achar que deveria esquecer todo esse assunto e deixar que a menina agisse como achasse melhor. Não me sentia melhor que esse soldado jogado na grama por obrigá-la a fazer isto. Então ela falou.
– Eu… Eu estou com muito medo, minha senhora.
– Gabrielle. – repeti, colocando-a entre meus braços. Estava tremendo e a apertei com força contra mim, acariciando seu cabelo até que se acalmou um pouco. – Pequena, então não sabe que todos temos medo? – perguntei.
– A senhora não. – respondeu e não pude evitar sorrir ligeiramente.
– Todos, Gabrielle, até eu. Apenas os tolos e as crianças não sentem medo. A eles os deuses protegem, mas nós, os simples mortais necessitamos do medo para nos proteger de nós mesmos. É ele quem nos diz quando não devemos nos meter em uma situação impossível. Há vezes, no entanto, em que temos de superar esse medo; em que temos de colocar à prova seus limites para ver o que é possível de verdade. – expliquei.
– E a senhora? – perguntou Gabrielle.
– Acredita que quando vou para a batalha não sinto medo? Como lhe disse antes, todos sentem especialmente eu. Talvez seja isso o que faz que seja melhor guerreira que a maioria, porque sinto o medo de dez homens. É esse medo que faz esforçar-me mais, ser mais forte e mais inteligente. É meu medo de perder o que tenho que me empurra para fazer as coisas que faço.
– Mas nunca parece assustada. – comentou Gabrielle, refletindo sobre o que eu estava dizendo.
– Essa é a chave, o grande segredo de minha vida, Gabrielle, e o compartilho apenas com você – respondi e vi que em seus lábios aparecia um pequeno sorriso. Compreendia o que significava aprender sobre a vulnerabilidade do adversário; também sabia o grau de confiança que deveria ter para revelar voluntariamente tais vulnerabilidades. – O medo é bom, lembre-se sempre, pequena, mas o segredo que há por trás consiste em admitir esse medo e não deixar que seu adversário veja o que existe em seu interior. Se puder fazer isso, você já ganhou. Posso garantir que se der um olhar frio como o gelo a um homem e então usar esse pequeno movimento que lhe ensinei, ao invés de esganiçar-se gritando… O mais certo é que ele pare de imediato. Ou ao menos ficará petrificado até que eu possa chegar a você. – sorri. – Bem, quer tentar novamente? – perguntei.
– Sim, minha senhora. – Gabrielle assentiu com a cabeça e vi como apertava os dentes, disposta a lutar contra o medo. Deuses, esta menina seria algo grande algum dia.

Uma vez mais, andamos pela vereda que levava aos estábulos, eu nas sombras e Gabrielle, à luz da lua minguante, e esperamos durante o que me pareceu uma eternidade até que, de novo, um jovem soldado se encontrou com a bela e jovem escrava. O único problema era que este era cortês. Pelos deuses, mas o que passa a esse homem?­ Perguntei-me quando educadamente afastou-se de Gabrielle advertindo-a que não andasse sem escolta.

Saí da escuridão e surpreendi tanto o jovem quanto Gabrielle. Agarrei-o pelo colarinho e o arrastei até colocá-lo novamente diante de Gabrielle.

– Beije-a. – ordenei.

O soldado olhou-me como se tivesse enlouquecido e então parou para pensar que era eu. Estava certa de que se lembrava das histórias de alguns soldados sobre meus curiosos espetáculos sexuais em público, então decidiu ser valente e gentilmente se inclinou para beijar minha jovem escrava.

O afastei com um empurrão e voltei a agarrá-lo pelo colarinho.

– Assim não, homem, quem pensa que ela é? Minha irmã? É uma rameira, então vá e pegue o que quer, por Deus. – gritei.

Isso pareceu colocá-lo em ação. Preparei-me para afastá-lo de Gabrielle com um puxão, mas para meu prazer e grande surpresa, a loirinha aplicou com todo o rigor a lição que lhe ensinei. Assim que o homem colocou a mão em seu braço, Gabrielle gritou a pleno pulmão.

– NÃO! – berrou.

O soldado não esperava e a soltou o suficiente para que ela pudesse assertar uma joelhada entre suas pernas. Gemi em solidariedade com o pobre rapaz, enquanto Gabrielle o afastava com um empurrão e ele desfalecia no chão, agarrando o que restava de sua virilidade.

Eu já estava a meio caminho quando o soldado caiu ao chão. Puxei Gabrielle e a apertei contra mim, sentindo o ritmo acelerado de seu coração e vendo como subia e descia seu peito ao tomar profundos bocados de ar. Quando me olhou, a beijei.

– Fantástico! – sorri. Foi então que o vi.

Seus olhos estavam iluminados por um fogo que nunca esteve lá antes, ao menos não em minha presença. Pareciam duas esmeraldas reluzentes e senti uma onda vigorosa de excitação sexual ao pensar que esta jovem poderia algum dia ter esse olhar em nossa cama. Beijei-a novamente e me abaixei para atender o jovem que estava começando a sentir de novo o chão debaixo dele. Ajudei-o a se levantar e dei uma palmada em suas costas.

– Bom trabalho, pode se retirar. Pode andar bem? – perguntei.
– Sim, Senhora Conquistadora. – gemeu em resposta e se afastou mancando, não antes que eu visse a expressão de seu rosto que mostrou que realmente achava que a Conquistadora finalmente havia perdido a cabeça.

*******

– É melhor comer algo. – disse, olhando para o cozido agora frio. – Pegue, ao menos coma um pouco de queijo e pão.
– Acho… Que estou mais cansada que faminta, minha senhora. – respondeu Gabrielle baixinho.
– Eu também. – sorri. – Tivemos um dia cheio de emoções. – acrescentei, abrindo os braços para deixar que a jovem se colocasse entre eles. – Mas acho que agora mesmo nada me agradaria mais que uma boa noite de sono.
– Deseja que a deixe para que durma minha senhora? – murmurou Gabrielle contra meu peito. Recobrei ânimo porque não gostei nem um pouco dessa idéia.
– Não pequena. Já falamos sobre isto, lembra? Suas habitações são para seu tempo livre e seus pertences, mas desejo que passe as noites aqui. Por quê? Acha difícil dormir em minha cama? – acrescentei rapidamente, mostrando um pouquinho de minha insegurança.
– Não, minha senhora. Durmo bem em vossa cama. É que… Temo que… Durmo tão bem quando está perto que tenho medo de não… De não conseguir despertar facilmente para quando precisar de mim.

Sorri ligeiramente pelo temor infundado de Gabrielle.

– Não tema, Gabrielle. Se precisar de você no meio da noite, acredite-me, não deixarei que continue dormindo sem que saiba. – sorri de lado para lhe demonstrar que estava brincando e que seu temor era desnecessário. – Acho que é uma questão de segurança. – disse depois de um momento, quando na realidade queria dizer que era uma questão de confiança. Eu também me sentia segura e só conseguia dormir bem quando sabia que Gabrielle estava deitada ao meu lado à noite.

Preparamo-nos para dormir e incentivei minha jovem escrava que deitasse ao meu lado para poder envolvê-la em meus braços. Outro hábito que estava adquirindo. Se é um mau hábito ou não, apenas o tempo dirá. Vi que Gabrielle estava cansada porque sua respiração se fez profunda e pausada em questão de minutos, com o rosto bem colado debaixo de meu queixo e sua macia bocheca encostada em meu peito.

– Gabrielle? – perguntei em voz baixa.
– Sim, minha senhora? – respondeu a voz cansada.
– Sente-se segura… Quando está aqui comigo? – perguntei.
– Sim, minha senhora. Muito.

Abaixei um pouco para depositar um beijo leve no topo do suave cabelo loiro.

– Espero que seja sempre assim, pequena. – respondi sem saber se Gabrielle ouvira ou se já havia sucumbido à chamada de Morfeo.

*******

Levantei-me antes do sol, como era meu costume, e deixei Gabrielle dormindo profundamente em nossa cama. Quando me soltei de seus braços, coloquei uma almofada no vão cálido que meu corpo deixara. A jovem rodeou sua maciez com os braços e me pareceu ouvir um suspiro satisfeito escapar de seus lábios.

Cruzei o corredor até os aposentos de Gabrielle, para ver se Delia conseguira completar a tarefa que lhe pedi. Deveria saber que a velha mulher não me falharia. O pequeno sofá desaparecera, mas em seu lugar, junto à janela, havia uma pequena mesa ornamentada, do tipo que se encontraria na sala de estar de uma dama. Ao lado da mesa uma grande estante cheia de pergaminhos e em cima da estante, várias caixas de madeira com tampas com dobradiças. Ao dar uma olhada descobri que estavam cheias de penas e tinta.

Saí do aposento sorrindo, imaginando como se sentiria minha escrava ao ver seu sonho se tornar realidade.

– Bom dia, Gabrielle. – disse Sylla à loirinha.

Vi pela porta entreaberta de minha sala de banho que os olhos de Gabrielle instantaneamente me procuraram. Levantou-se da cama, vestindo a túnica, e deu bom dia à minha donzela. Limpei a garganta e saí do banho para a pequena sala onde guardava minha roupa. Finalmente ao advertir minha presença, a jovem escrava ajudou Sylla a arrumar o desjejum na mesa.

Comemos em relativo silêncio e lhe contei meus planos para essa manhã.

– Essa manhã eu tenho que reunir-me com meus conselheiros, Gabrielle. – disse, levantando-me da mesa para começar a me vestir. – Estarei em meu escritório quase toda a manhã, mas se precisar de mim, deve esperar aqui, não me interrompa. Compreende?
– Sim, minha senhora.
– Talvez devesse ir se vestir também, hein? – acariciei sua face quando se levantou da cadeira. Sorriu para mim e saiu tranquilamente.

Sorri ao pensar na surpresa que aguardava Gabrielle. De repente, me preocupei. E se não gostasse? Estava quase terminando de me vestir, quando ouvi umas batidinhas suaves na porta que Gabrielle usava para entrar em meu aposento. Tentei apagar o sorriso do rosto e parecer inocente.

– Entre.

Gabrielle entrou correndo e se deteve. Eu lhe dava as costas enquanto enfiava a camisa dentro da calça e quando me virei, fui recebida pelo maior sorriso que Gabrielle jamais havia exibido.

– Gabrielle, ainda nem se vestiu. – a repreendi, mais como provocação que outra coisa.
– Minha senhora, eu… Quero dizer, é… Nunca tive…
– Gabrielle, se quer ser bardo, terá de ser capaz de terminar uma frase completa, sabe disso, não?

Minha jovem escrava correu para mim e caiu de joelhos aos meus pés, pegou minha mão e levou meus dedos aos lábios. Nem sei se posso descrever o que senti diante disso.

– Gabrielle, não faça isso. – disse à jovem em voz baixa, puxando seu corpo prostrado para colocá-la em pé.

Gabrielle levantou o olhar e pela primeira vez, olhou diretamente em meus olhos. Foi um momento poderoso, tão poderoso que de fato retrocedi meio passo devido à intensidade e ao fogo que me atingiram. Quando avançou e se colocou na ponta dos dedos para encurtar a distância que nos separava, deveria ter imaginado o que sucederia. A loira se aproximou mais e então me beijou.

A princípio, meus olhos se fecharam pela sensação prazeroza, então senti que a pressão de sua boca sobre a minha mudava e abri os olhos imediatamente com a descarga de desejo que alcançou até o mais profundo de minha entreperna. Contudo, Gabrielle não soltava meus lábios e agora sua língua exigia passar ao interior de minha boca. Não houve nenhum combate para estabelecer um domínio – Gabrielle tinha todo o poder e certamente o estava usando. Ao dar-me conta do que era a pressão que sentia nos braços, fui capturada imediatamente por uma onda arrasadora de excitação. Gabrielle segurava meus braços em minhas costas. Quando colou seu corpo ao meu, me empurrou para trás, até que meu traseiro descansou contra a borda da mesa.

Cem emoções diferentes atacaram meu cérebro e meu corpo ao mesmo tempo. A paixão e o desejo eram evidentes por meus gemidos, que Gabrielle tragava com sua boca. Estava mais que excitada por sua forma de controlar-me, mas aterrorizada com essa mesma perspectiva. Ela estava me dominando!

Finalmente me soltei de seus braços, o suficiente para poder tomar um bocado de ar que necessitava sobejamente. Isso não deteve Gabrielle, pois seus lábios e sua língua encontraram meu colo e puxaram os cordões de minha camisa de seda.

– Gabrielle… Oh, deuses… Gabrielle. – consegui sua atenção, sujeitando-a com os braços estendidos.

Respirei fundo, várias vezes e quase vim abaixo quando olhei em seu rosto.

– Não tem porque fazer isto. – disse. – Não foi por isso que lhe dei…

A explicação ficou atravessada quando Gabrielle começou a chupar suavemente a pele de minha garganta e sua mão deslizou por meu corpo e capturou um mamilo bastante ereto entre seus dedos.

– Oh deuses… – gemi.

Os joelhos enfraqueceram imediatamente devido à sensação e não me restou outro remédio que descer até sentar-me em cima da mesa ou deslizar até o chão. Agora que estava sentada, abri as pernas e Gabrielle se colocou entre elas, com a cabeça na mesma altura que a minha. Afundou ambas as mãos em meu cabelo e me puxou para me dar outro beijo que me deixou sem fôlego.

– Gabrielle. – ofeguei, afastando-me para poder respirar. – Não espero que me pague pelo presente, não assim.

Gabrielle diminuiu a intensidade de seu ataque, mas continuou acariciando meus lábios com a língua, derramando beijos por meu pescoço e provocando meus mamilos através do liso tecido de minha camisa. Quando falou, nem acreditei que esta era a mulher com quem vivi todo este último ciclo lunar. Por acaso os deuses estavam fazendo-me vítima de um tipo de trapaça?

– Mas, minha senhora… Não gosta dos meus beijos? – subiu e capturou meu lábio inferior, chupando a carne com delicadeza e mordiscando um pouco a pele enquanto se afastava.
– Oh… – gemi.
– Com a sensação de meu corpo colado ao seu? – Gabrielle se colou bem ao meu sexo e senti que estava ficando molhada, graças apenas ao mero som de sua voz.
– Por… – gemi pela segunda vez.
– Com minhas carícias? – sua manobra final neste jogo de sedução foi subir os dedos e acariciar com as pontas a suave seda de minha camisa, roçando uma e outra vez meus sensíveis mamilos.
– Deuses! – soltei por fim esta última palavra juntamente com um grande bocado de ar que indicou que eu o estava segurando tempo demais. – Gabrielle… Oh, sim… Eu… Eu… Oh, sim, aí… Tem uns homens no escritório, Gabrielle, que estão me… Ahhh… Esperando. – gaguejei e balbuciei, mas Gabrielle era implacável e acho que poderia ter fingido que isto não era exatamente o que eu desejava, que o comportamente agressivo de Gabrielle não era exatamente o que havia sonhado, mas estaria mentindo e meu corpo físico estava revelando a verdade da situação.
– Realizou meu sonho, minha senhora… Eu quero lhe dar o seu. – sussurrou Gabrielle com seriedade.

Com o último vestígio de autocontrole que me restava, afastei um pouco a mulher menor, olhando-a com evidente confusão. Soltei um lamento de pura necessidade quando vi esses olhos esmeralda que me olhavam também, ardentes e inabaláveis. Uma onda de profunda excitação me inundou e senti o calor, junto com a incrível umidade, presa entre minhas pernas.

– Sonho? – perguntei confusa.
– Naquele dia, minha senhora, me perguntou qual era meu sonho. – Gabrielle carinhosamente abriu minha camisa e beijou a clavícula. – Então me contou seu sonho. Hoje tornou realidade meu sonho, minha senhora… E em meu coração sei que posso realizar o seu.

Continuei olhando-a confusa, lembrando daquela tarde, quando mal nos conhecíamos.

– Disse que seu maior desejo era que algum dia a tocasse porque quisesse fazê-lo e não porque me ordenasse. – contestou Gabrielle e ficou ali, suas mãos acariciando inconscientemente meu quadril, as costas e os ombros, aparentemente disposta a esperar para sempre minha reação.
– E quer? – perguntei hesitante, sustendo o fôlego descontrolado, enquanto aguardava a resposta.
– Sim, minha senhora… Oh, sim. – respondeu Gabrielle rapidamente e fiquei quase muda pelo brilho apaixonado que cobriu seus olhos.

Colou a boca em meu peito e se pôs a brincar e lamber um mamilo escuro através da suave camisa. Envolveu a protuberância dura com os lábios e chupou e puxou e finalmente mosdiscou a sensível carne com os dentes.

– Pelos deuses, mulher!

Arqueei as costas, incapaz de aguentar mais, sem saber muito bem porque quis fazê-lo, para começar. Prendi os dedos no espesso cabelo dourado, puxando-a firmemente contra meu peito. Agitei o quadril no ritmo que ela marcava enquanto sugava meu peito. Quando por fim se afastou para ver os efeitos de sua obra, a camisa molhada colou em meu peito, causando-me um estremecimento, e o mamilo endureceu ainda mais pela excitação.

Fiquei olhando a mulher menor enquanto lambia os lábios sem deixar de olhar meu peito.

– Fora, por favor. – implorou Gabrielle com voz rouca, tirando minha camisa da calça.

Entendi isto como uma oportunidade e decidi que lutar contra isto era somente uma idiotice e não me considerava idiota. Perguntei-me um momento o que estariam fazendo ou pensando os homens que estavam em meu escritório, enquanto estava bem claro que na sala ao lado estava se desenrolando uma séria sessão de prazer.

Levantei os braços e Gabrielle me ajudou a tirar a camisa por cima da cabeça.

– Vem aqui. – ordenei e a puxei para lhe dar um beijo ardente, que ela igualou em intensidade. Tirei sua túnica pelos ombros, deixando-a cair ao chão, percorri suas costas lisas com as mãos, agarrando seu traseiro e colando-a a mim.

Senti suas pequenas mãos nos cordões de minha calça e quando os tinha meio desatados, deslizou a mão dentro e esses dedos incríveis se meteram entre as dobras encharcadas.

– Deuses, você está… Tão molhada! – disse Gabrielle rouca e não esperou resposta, mas se inclinou para envolver um mamilo com lábios suaves e quentes.

Não sei se foi o prazer físico, o que dizia ou o fato de que essas palavras tão excitantes vinham de Gabrielle. Sei apenas que estava tentando descer a calça pelas pernas para poder abri-las mais e ela não parava de me provocar até o ponto que me encontrasse à beira de um orgasmo e nesse momento, diminuiu o ritmo. Enquanto recuperava o fôlego, recomeçou sua tortura implacável e deliciosa.

Gabrielle deslizou por meu corpo, puxando minha calça para descê-la por minhas pernas. Senti seus seios, pressionando minha pele excitada, senti a tensão de sua própria excitação quando os mamilos aumentaram e endureceram com o contato. Pela terceira vez, Gabrielle se afastou e senti que o orgasmo crescia dentro de mim, ainda que me negasse a liberação uma e outra vez. Úmido? Não conseguia descrever o estado em que se encontrava meu sexo – encharcado… Mergulhado… Esses eram os únicos termos que poderia explicar meu estado nesse momento. Nunca em toda a minha vida implorei para ter sexo, sequer em uma situação romântica, mas pelos deuses, meus sentidos diziam que se não me liberasse logo, simplesmente morreria. Outra coisa que também me diziam era que somente Gabrielle poderia me dar essa liberação. Não me importava se a idéia fosse certa ou não, era no que eu acreditava.

– Gabrielle. – gemi ofegante.

A loira estava agora ajoelhada entre minhas pernas e com a língua plana lambia o interior das coxas, capturando a umidade que escorria de mim. Beijou com ternura a mata de cabelo escuro, deixando apenas a ponta de sua língua roçar os lábios externos de meu sexo, não importando o quão fortemente empurrava o quadril em sua direção.

– Gabrielle… Por favor, deuses, por favor. – gemi, finalmente suplicando, tal e como pensava que faria. Conhecia a sensação que essa língua produzia, conhecia a habilidade que tinha ao usá-la, e tudo o que podia fazer era ficar ali, meio em pé, meio sentada, choramingando e suplicando.
– Diga-me. Diga-me do que gosta. Seja o que for, o farei, Xena. – murmurou Gabrielle sobre minha pele.

Senti que meus olhos se arregalavam e os músculos do estômago se contraíam com força quando um orgasmo estalou dentro de mim, provocado por essas simples palavras. Foi o som da voz de Gabrielle, que me perguntava – sedutora – o que me apetecia, e por fim o catalizador que me fez despencar pelo precipício da paixão. O som de meu nome. Foi tamanho o prazer que me choquei ao ver aqueles olhos verdes, escurecidos de paixão, olhando para mim e sussurrando meu nome. Por um breve instante, vi medo nos olhos de Gabrielle, mas enquanto continuava tremendo pelos efeitos do orgasmo, sorri para ela por seu ousado comportamento. Mal havia recuperado o controle de minha respiração, senti que minha necessidade voltava com insistência.

– Deuses mulher… Não pare. – lutei para dizer.

O alívio inundou seu rosto. Não houve uma terna sedução – Gabrielle sabia do que eu necessitava e continuou a dá-lo. Oh, e como deu. Nem em meus dias mais selvagens lembro ter recebido um trabalho com a língua como o que recebi agora. Não demorou muito e mais uma vez joguei a cabeça para trás e uivei com o orgasmo.

Precisava senti-la e por isso puxei Gabrielle para levantá-la e a beijei, saboreando a mim mesma em sua boca. Os beijos eram apaixonados, mas não eram ternos. Aquilo era brusco e sem floreios, o que mais me excitava era que Gabrielle era quem instigava tudo isso.

– Doce Atenea! – gritei, ao notar que a mão de Gabrielle se metia em meu interior. Soltei a loira e me agarrei na beira da mesa enquanto a jovem escrava metia os dedos e por fim a mão inteira dentro de mim, tirando uma e outra vez a pequena mão para lubrificá-la com meu próprio suco, para metê-la depois um pouco mais. Cruzei essa linha invisível entre o prazer e a dor e agora sentia apenas a gratificação do ato físico. Subi o quadril e Gabrielle enfiou a mão toda. Ficou assim um momento até que me acostumei com a incrível plenitude dentro de mim. Jogou-se sobre meu corpo e me deitou em cima da mesa, deixando minhas pernas balançando sobre a borda. Mexeu a mão dentro de mim e soltei um gemido de prazer. Então, inclinada sobre meu corpo deitado, devorou meus seios e meu cérebro esteve a ponto de se desconectar. Seus lábios, seus dentes e sua língua provocaram um novo jato de umidade que cobriu a pequena mão que havia em meu interior e comecei a mover o quadril contra ela.
– Xena… – sussurrou a pequena escrava.

Gabrielle se afastou de meu peito e ouvi a lamúria que escapou de minha garganta. Não sabia se era pela perda de sua boca, que me chupava, ou pela maneira como sussurrou meu nome.

– Por favor… Por favor, Gabrielle. – implorei para que acelerasse o ritmo de sua mão, subindo o quadril repetidamente.
– Xena… – atormentou-me de novo acariciando o clitóris com a língua. De repente, se pôs a chupar meu órgão inchado, agitando a língua por todo o seu comprimento.
– Oh, deuses, sim… É isso… Aujjj – a incentivei.

Finalmente a mão se mexeu e gritei quando a língua desapareceu, mas não demorei em delirar, perdida para o êxtase que criava a mão de Gabrielle ao se mover sem parar dentro de mim.

– Sim… Deuses, oh, sim, foda-me mais… Mais fundo… – gritei.

Eu estava em um lugar onde não havia nenhum pensamento, apenas as sensações. Não tinha que ser a Conquistadora, não tinha que controlar tudo, tudo o que tinha que fazer era existir neste prazer. O deleite sensorial estava chegando a mim e eu tinha apenas de ficar ali deitada e deixar que esta bela mulher me presenteasse. Meu quadril se agitava furioso e quando abri os olhos, vi o suor que colava o cabelo de Gabrielle em seu rosto. Quando nossos olhos se encontraram, Gabrielle se inclicou e aproximou seus lábios de meu ouvido.

– Goze para mim, Xena. – então mordeu o lóbulo e enfiou sua tenra carne na boca. A sensação chegou até a mão que se agitava dentro de mim.

Fiz o que mandou. Gozei para ela… Várias vezes.

*******

Amarrei os cordões de couro que fechavam a calça. Gabrielle estava sentada me olhando, suspeitosamente calada, e agora me amaldiçoei por ter cedido. Tinha que ter sido mais forte, porque agora a jovem se sentia usada.

– Gabrielle…
– Minha senhora…

Falamos ao mesmo tempo e então sorrimos inseguras.

– Gabrielle, você está bem? – perguntei.
– Perdoe-me minha senhora, não sei o que… Nunca fiz…

Dei-me conta de qual era o problema e senti um grande alívio. Pelos deuses, ao menos não se tratava de mim.

– Gabrielle – disse suavemente, levantando-a da cadeira onde estava sentada. – Foi maravilhoso. – disse, murmurando as palavras no macio cabelo loiro. Estremeci ligeiramente quando seu corpo entrou em contato com o meu. Talvez fosse devido à lembrança da experiência excepcionalmente gratificante de momentos atrás. – Nunca em toda minha vida senti nada tão maravilhoso.
– Mas eu…
– Você agiu com uma paixão muito bem-vinda e que espero voltar a ver mais. Apenas não tão cedo. – meu sorriso se transformou em uma careta quando me afastei um passo. Tinha a impressão de que passaria um par de dias andando estranhamente depois do prazer desta manhã.
– Nunca me senti assim antes, minha senhora. – respondeu Gabrielle, como se estivesse dando voltas a seus pensamentos.
– Bem, isso provavelmente é minha culpa. – voltei a apertar minha jovem escrava entre meus braços, pois ainda não queria renunciar a este sentimento. – Com certeza por toda a adrenalina que ainda restava dentro de você devido ao que aconteceu ontem à noite.

Uma nuvem escura do que interpretei como medo nublou os traços de Gabrielle. Soube imediatamente o que ela temia e a tranquilizei, como esperava fazer muitas vezes, até que se sentisse cômoda com aquilo.

– Gabrielle, não tem motivo para temer uma represália por essas ações. Jamais a punirei por trazer este ardor para nossa cama nem por fazer o que deve para proteger-se fisicamente. Entende?
– Sim, minha senhora. – desta vez, respondeu com um sorriso.

******

Entrei em meu escritório e todos os meus conselheiros estavam sentados ali. Pelos deuses, há algo mais constangedor que isto? – Dez homens sentados diante de mim e enquanto avançava, com certa delicadeza devo acrescentar, até minha grande mesa, vi o sorriso que assomava em seus olhos. Um ou dois começaram a esboçar um sorriso.

Não podia ocultá-lo, não é? Todos os dez acabaram de ouvir minhas expressões verbais de deleite carnal, enquanto minha pequena escrava me levava a uma viagem de ida e volta ao Elísios. Ouviram-me – e muito bem, estou certa – suplicando como se minha vida dependesse disso. Não me restava mais remédio que fazer das tripas coração, fulminá-los com o olhar de Hades e intimidá-los até o Tártarus.

Abri os rolos e as folhas de pergaminho que precisaria para esta reunião. Sem levantar os olhos dos papéis diante de mim, tirei do cinto minha adaga sempre presente e a coloquei em cima da mesa, à vista de todos.

– O primeiro que rir sairá daqui com um membro a menos de um total de três. – comentei num tom baixo e ameaçador.

Todos os homens presentes perderam de repente a vontade de sorrir, mas lhes acometeu uma vontade incrível de cruzar as pernas. Sorri com ar triunfal. Limpei a garganta e iniciei a reunião.

Nota