Capítulo 11: Cordeirinho, quem te fez?
por Fator X - Legado– Que fez esta tarde, pequena? – perguntei a Gabrielle enquanto fazíamos a refeição da noite.
Já se passaram quinze dias desde que minha jovem escrava deu um giro em sua vida. Era evidente na maneira de falar de Gabrielle, em seu jeito de andar e até em sua postura. Estou certa de que ela sequer notava as mudanças que estavam se produzindo, mas meus olhos absorviam tudo. Sorria muito mais e às vezes, acho, até se esquecia de que era comigo que estava falando. Falou-me de seu dia e fiquei ali sentada, com um cotovelo apoiado na mesa e o queixo na palma da mão, fascinada por todas e cada uma das malditas palavras que ela pronunciava.
A recém-adquirida confiança de Gabrielle tranquilizava muitos de meus temores. Já não me preocupava tanto quando não estava comigo, pois sabia que agora possuía atitude suficiente para se manter suficientemente fora de perigo. Ao que parece, passava os dias enchendo os pergaminhos que eu havia comprado. Sabia que passava todos os dias um tempo com Delia e uma vez até a vi rindo com minha donzela, Sylla, quando se dirigiam ao mercado.
Como soberana, quase sempre meu tempo livre não me pertencia, mas quando descansava da tarefa de governar as terras que estavam sob minha responsabilidade, esse tempo eu passava com esta jovem. De vez em quando, permitia que descesse aos campos de treinamento e ficasse olhando enquanto eu treinava. Por alguma razão desconhecida para mim, ela gosta de sentar em cima dos muros baixos de pedra que circundam a zona de combate e olhar enquanto eu troco golpes com uma variedade de armas contra os meus soldados. Raramente permitia que estivesse ali, mas ela nunca pedia para que deixasse. Limitava-se a sorrir e a assentir com entusiasmo quando lhe perguntava se desejava me acompanhar.
Admito que tinha dois motivos para hesitar em levar minha escrava lá pra baixo. O motivo evidente era que me preocupava que uma jovem bonita estivesse à vista de meus homens, principalmente minha jovem bonita. Passei quase toda minha vida com soldados ou em volta deles e, no geral, não passam de um bando de grosseiros. Não via necessidade de fazer Gabrielle passar por uma humilhação indevida e tampouco desejava encontrar-me em uma situação na que me visse impulsionada a matar um homem por um sorriso lascivo ou um assobio. Sabia o quando ciumenta podia ser e o irracional que podia ficar meu temperamento. Para que brincar com fogo?
O segundo motivo era mais um problema pessoal. Simplesmente falando, era desconcertante ver Gabrielle observando fascinada enquanto eu treinava e demonstrava minha habilidade como lutadora contra uns jovens que tinham somente a metade de minha idade. No coração desta mulher tão grande, desta Conquistadora, havia uma massa de inseguridades, principalmente quando se tratava de Gabrielle. O certo é que nunca estava totalmente segura se a jovem queria olhar para mim ou aos jovens aos quais esmagava.
– Espera… Repita. Quem é Anya? – perguntei.
Tinha a capacidade desconcertante, para alguns, de deixar a mente vagar, mas continuar ouvindo tudo o que acontecia a minha volta. Gabrielle havia se transferido para a cama no meio de nossa conversa e quando voltei a levantar o olhar, tinha as pernas recolhidas contra o peito com ar informal e as costas apoiada na cabeceira de madeira entalhada. Estava me falando de uma mulher de quem se tornara amiga, mas eu não conhecia ninguém do castelo com esse nome.
– É a mão de Petra, minha senhora. Lembra-se do menino que…?
– Ah, sim, sim. Então já está melhor? – perguntei, lembrando do quão frágil e enferma parecia quando Kuros me conduziu às habitações do palácio que destinara para a mulher e seus filhos.
– Muito bem, minha senhora. Está me ensinando a costurar e a criar umas coisas maravilhosas com tecido. Sabe que foi aprendiz de uma famosa costureira de Atenas antes de casar?
– Verdade? – contestei muito séria, para dar gosto a minha escrava. – E quem era esta famosa costureira?
– Messalina. – disse Gabrielle um pouco emocionada.
Ergui-me um pouco na cadeira.
– Aprendeu este ofício com Messalina? – perguntei.
– Sim, minha senhora. Já ouviu falar desta mulher famosa?
– Sim. – contestei distraída, lembrando de uma época em que a mulher conhecida como Messalina desenhava todas as roupas de seda que eu vestia.
Levantei a vista e Gabrielle estava me observando pacientemente, talvez esperando que lhe explicasse. Uma vez que havia respondido afirmativamente, como não lhe dar uma explicação?
– Quando era muito mais jovem, antes até de você ter nascido, me conheciam com Xena, a Conquistadora. Havia recém-conquistado toda a Grécia, o Império Romano, o Extremo Oriente, a Gália e estabeleci meu palácio aqui, em Corinto. Messalina tinha então talvez a mesma idade que você tem agora, mas já tinha – balancei a cabeça e sorri – Um dom autêntico.
Fiz uma pausa e bebi um gole de água, lembrando da jovem e dos brocados pesados que criava para que eu os usasse em público e lembravam as túnicas soltas que havia me acostumado a usar na época em que vivi na China. Naquela época, essa terra influenciava tudo em minha vida – pena que não estudei melhor seus princípios. Tive apenas que lhe descrever minha preferências para ela uma vez e logo depois a jovem criou literalmente o estilo de roupa que usaria durante as vinte estações seguintes.
– Ela desenhou toda a roupa que eu usava então. Eu não era muito amável naquela época, mas lembro que com ela eu era. Acho que admirava seu talento. Era como Delia, só que não tão descarada. Não pensava duas vezes quando tinha que me dizer se meus desenhos de vestuário eram de um mau gosto extraordinário ou claramente feio. Às vezes me olhava de uma maneira… Como você me olha. – deixei que um sorriso amargo aparecesse em meus lábios ao lembrar.
– A amava? – a voz suave e curiosa de Gabrielle interrompeu minhas lembranças.
Olhei-a e vi algo em seus olhos que no dia anterior não tinha. Se parecia um pouco com ciúmes, mas quando pisquei, foi substituído pela mesma expressão compassiva que sempre tinha quando me olhava. Gabrielle era jovem – muito jovem para saber mais sobre mim além do que dizia a lenda. Levantei-me da cadeira e cruzei a habitação para me sentar ao seu lado na grande cama.
Pegando uma de suas pequenas mãos com a minha, muito maior, comecei a falar.
– Não havia amor dentro de mim ou por mim, naquela época, Gabrielle. Matava, violava e tomava tudo por uma só razão, que era porque podia, porque era forte e os demais eram fracos. Minha vida girava em torno do poder e do controle, porque pensava que quem o tivesse, teria tudo.
Abaixei a cabeça enquanto continuava falando e meu cabelo escuro me rodeou como o capuz de um casaco, tornando mais fácil revelar a horrível verdade de minha existência à jovem que tinha diante de mim.
– As coisas que fiz Gabrielle… O que fui… Enojam-me e agora sei que na realidade não há bondade suficiente que possa fazer para expiar meus atos. É verdade o que dizem sobre mim, sabe. Talvez não devesse ser amável comigo, Gabrielle… Sou má.
Não estava procurando por piedade, nem mesmo compaixão, embora eu acredite que minha jovem escrava sentia ambas por mim. Simplesmente lhe contei, da forma mais resumida possível, quem era. Fiquei em dúvida sobre o que estava fazendo. Nesses longos segundos que transcorreram desde que minha voz se apagou até que Gabrielle reagisse, um instante impetuoso de introspecção me levou a me perguntar – Por que, justo quando a tenho mais perto, tento afastá-la? Por que tento assustá-la até o ponto de deixar de lhe importar?
Podia apenas esperar um dia encontrar as respostas para essas perguntas. Senti a suavidade dos dedos de Gabrielle sob meu queixo e, tal e como havia feito com ela centenas de vezes, senti que levantava meu rosto até que me encontrei com uma expressão que sem dúvida poderia derreter o mais duro coração.
– Já li muitas coisas, minha senhora, sobre esta mulher, Xena, a Conquistadora. Os pergaminhos estão cheios de sua história, de suas batalhas, bem como de suas inclinações. Sei que sou jovem, mas compreendo mais do que acredita. Conheço coisas sobre Xena, a Conquistadora, mas não a conheço. Xena não é a mulher que tenho diante de mim e certamente não é a Xena a quem pertenço.
Não sei por que o fiz, apenas que me saiu de forma natural. Pus a cabeça em seu colo e estiquei meu corpo sobre o colchão, estreitando sua cintura com um braço. Gabrielle acariciou minhas costas, traçando pequenos círculos suaves, enquanto me acariciava a têmpora com os dedos da outra mão. Foi essa mulher carregada de inseguranças que falou em seguida.
– Você pertence a mim, Gabrielle?
Fechei meus olhos com força para me proteger do respeitoso silêncio que tinha certeza ouviria. Por que não podia deixar as coisas em paz, por que tinha de insistir no tema? Senti que uns cabelos sedosos me rodeavam quando Gabrielle depositou um beijo levíssimo em minha orelha. Tentei segurar, sem êxito, as lágrimas ardentes que escaparam pelo cantos dos meus olhos fechados.
– Sim, minha senhora… Somente a vós. – respondeu o cálido alento de Gabrielle em meu ouvido.
Rodeei sua cintura com os dois braços e a apertei. Meu coração não conseguia decidir se devia sentir-se grato ou apavorado. Optou por ambos os sentimentos. Sentia-me muito bem deitada aqui com Gabrielle desta maneira, sem preocupar-me sobre se devia controlar minhas emoções, sem importar-me com o que pudesse parecer aos outros. Também resultava muito natural permitir que alguém… Não, alguém não. Parecia muito natural permitir que Gabrielle cuidasse de mim. Como soberana e guerreira, nunca me permitia parecer frágil ou insensata, mas na presença de Gabrielle, estou convencida de que eu parecia as duas coisas, mas estou certa de que, ao menos para ela, não parecia nenhuma das duas.
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Senti uma pesada colcha sendo puxada por cima de mim e a cálida presença de outra pessoa que estreitava firmemente meus ombros com seus braços. Gemi e me afundei mais nesse abraço. Fortes golpes na porta externa de meus aposentos interromperam a prazerosa situação. Resmunguei, pois sabia que teria que deixar este reconfortante refúgio.
– Devo atender minha senhora? – perguntou Gabrielle.
– Mmmm. – murmurei. – Livre-se de quem quer que seja, por favor, Gabrielle. Não quero ver ninguém agora.
Coloquei-me de costas, sentindo imediatamente a falta do corpo macio que se levantou silenciosamente da cama. Se estivesse mais acordada, é possível que tivesse acreditado que não era mais que um sonho agradável, quando uns lábios suaves pousaram delicadamente em minha testa antes de desaparecer.
A voz masculina que soou em minha antecâmara despertou-me imediatamente. Pelos deuses, dormia tão profundamente quando estava com Gabrielle que me assustava. De repente, lembrei que há apenas uns segundos antes havia pedido a Gabrielle que atendesse a porta. Rodei ao extremo da cama, levantei-me e resmunguei baixinho quando descobri que a voz masculina pertencia a essa escória chamada Demetri. A conversa entre Gabrielle e meu administrador soava abafada, mas de repente suas vozes se fizeram mais claras, pois se colocaram justamente diante da porta que dava a meu dormitório. Sentei-me de novo no colchão, escutando a mais surpreendente conversa.
– Afaste-se escrava, ou a afasto eu mesmo. – rosnou Demetri.
Jurei em silêncio que se esse homem colocasse apenas uma mão sobre Gabrielle, uma crucificação lenta seria um fim bastante clemente para ele.
– Não posso senhor Demetri. – a voz de Gabrielle soou de repente mais próxima e me dei conta de que deveria ter se colocado diante da porta, impedindo sua entrada.
– Mas que rameira! Sabe que se tiver que tirá-la do meio, não vai ficar nada bem. – bufou Demetri.
Quase aplaudi ao ouvir o que disse Gabrielle depois, ainda que tivesse todos os músculos do meu corpo tensos, prontos para intervir se as coisas saíssem do controle.
– Senhor Demetri, a Senhora Conquistadora ordenou-me que ninguém a incomode. Se seus desejos não obedecem, com certeza me punirá, mas acho que as consequências serão piores para a pessoa que realmente a perturbe.
Estive a ponto de rir em voz alta. Imaginava a cara de Gabrielle ao soltar essas palavras com esse tom de advertência e insinuação. Seu atrevimento me surpreendia cada dia mais e minha imaginação criou uma visão do minúsculo sorriso irônico que estaria em seus lábios, junto com o levíssimo arco de sua sobrancelha. Pelos deuses, esta mulher não era idiota!
Fui à porta e não ouvi mais que silêncio, pois era evidente que Demetri estava pesando as palavras Conquistadora e perturbar, e pesando os riscos. Sorri e então obriguei meu rosto a uma expressão feroz. Agarrei a porta e a abri tão depressa que Gabrielle, apoiada de costas na pesada madeira, caiu em meus braços.
A loira ficou surpresa e momentaneamente desconcertada até que percebeu que era eu quem estava atrás dela. Minha expressão fez Demetri retroceder dois passos. Segurei Gabrielle bem colada a mim com um braço em volta de sua cintura. Demetri pareceu bastante aliviado e abriu a boca para falar.
– Senhora Conquistadora, eu…
– Boa noite, Demetri! – bati a porta em sua cara e o deixei ali plantado, balbuciando, por vários segundos. Por fim seus passos se afastaram e a porta externa de meus aposentos fechou com uma batida.
– Oh, isso valeu o preço do ingresso! – exclamei rindo, e me apoiei na porta estreitando Gabrielle em meus braços e beijando sua loira cabeça.
– Está… Está tudo bem eu ter feito isso? – perguntou Gabrielle, com a face colada em meu peito.
– Está muito bem, pequena. Estou muito satisfeita. – respondi e senti que a tensão desaparecia do corpo da jovem.
Abri a porta e espreitei dentro da sala até que achei que podia passar. Atravessei a sala, peguei uma jarra de vinho e servi um grande cálice. Detive-me e levantei o frasco assinalando a Gabrielle.
– Gabrielle, alguma vez provou vinho?
– Não, minha senhora.
A resposta era o que esperava, pois poucos amos dariam uma boa bebida a uma escrava, considerando um desperdício.
– Gostaria… Mmm, de provar? – perguntei.
– Não sei, minha senhora. Se lhe compraz… – contestou.
– A questão é, quer? – respondi e então chegamos a um impasse. Ficamos as duas ali, aparentemente incapazes de nos liberarmos de nosso mútuo olhar terno.
Fui a primeira a afastar o olhar e servi um pouquinho do líquido vermelho em uma pesada taça de metal e então acrescentei uma boa quantidade de água. Pensei que como nunca havia experimentado a bebida antes e tendo em conta seu pequeno tamanho, aguar o vinho seria a melhor maneira de iniciar minha jovem escrava no produto da uva.
Entreguei a taça a Gabrielle e esperei que tivesse tomado o primeiro gole. Enrugou o nariz e sorriu ligeiramente.
– É doce. – comentou. – É como suco… De certo modo.
Levei minha taça aos lábios, mas me detive em seco. Pensei um momento e então levantei um pouco a taça como uma saudação.
– Quero brindar por você, Gabrielle. Hoje me agradou muitíssimo.
Abaixou ligeiramente a loira cabeça.
– É pelo que fiz com o senhor Demetri? Por isso a agradei, minha senhora?
Bebi um bom gole de vinho e depois outro antes de responder. Deixando minha taça no aparador em que estava apoiada, me afastei e me dirigi à janela aberta, por onde se viam as estrelas cintilantes suspensas no negro céu. Eu queria dizer tanta coisa, mas, como sempre ao longo de minha vida, as palavras desapareciam quando mais precisava delas. Tentei expressar o que levava em meu coração, mas ainda estava muito longe de poder dar voz a tudo o que sentia nele.
– Suponho que gosto de saber que pode cuidar de si mesma. – disse, ainda de costas para ela, dando-me conta do pouco verossímil que soava aquilo.
– Sou escrava, minha senhora. Não sei se todos aceitarão uma atitude agressiva de minha parte.
Virei-me para olhar para ela e vi que tinha o semblante franzido.
– Gabrielle, há uma enorme diferença entre ser agressivo e ser assertivo. Não imagino você convertendo-se em uma mulher agressiva, simplesmente não parece fazer parte de sua natureza. – olhei para o outro lado da sala fazendo uma pausa, mas Gabrielle parecia tão confusa quanto antes.
– Gabrielle, se lhe ensinar a usar uma arma, se pudesse tornar-se hábil nela, usaria para matar?
– Eu… Não sei se poderia fazer isso, minha senhora. – contestou Gabrielle, com evidente decepção em sua voz.
– E eu não espero que possa fazê-lo. Como disse, não faz parte de você. Mas poderia defender-se com esta arma, não?
– Sim, talvez. – respondeu hesitante. – Sim, acho que poderia me defender ou a alguém de quem goste.
– Pois acaba de aprender a diferença entre a agressividade e a assertividade. Se a primeira fizesse parte de você, poderia atacar alguém. Quando se trata do segundo… Bem, ser assertivo significa ser capaz de se defender, pequena. Isso é o que quero que aprenda a fazer. Isso me ajudará a não me preocupar tanto quando estiver longe de mim. – respondi, mas quando as palavras saíram de minha boca, dei-me conta do que havia dito e da facilidade com que havia dito.
Realmente acabava de admitir que me preocupava com ela? Eu… Xena, a Conquistadora? Senti que minhas orelhas ficaram quentes e isso nunca é um bom sinal para um guerreiro. Observei como o vinco na testa de minha escrava desaparecia e de repente, vi que nos olhos de Gabrielle, verdes como um bosque aparecia algo que poderia descrever apenas como a alegria. Cruzei os braços sobre o peito, apoiando o peso em um pé, e tentando parecer indiferente. Quando Gabrielle avançou uns passos, me virei ligeiramente e comecei a examinar a tapeçaria que pendia da parede. Agora bem, essa tapeçaria levava quase doze estações pendurada nessa parede, mas de repente, se converteu no objeto mais fascinante do quarto.
– Minha senhora… Preocupa-se comigo? – disse Gabrielle, contente demais para meu gosto, devo reconhecer. Pelos deuses, acho que cometi um erro colossal ao dar poder a esta mulher!
– Bem… – me calei, sem deixar de acariciar a tapeçaria, pois sabia que se fizesse contato com a loirinha, seria minha ruína.
Sabia que se eu permitisse ser pega nesse olhar, onde havia uma mistura de compaixão e sedução, cairia de joelhos e lhe prometeria qualquer coisa. Acabaria deitada de costas numa postura de submissão, permitindo que minha jovem escrava me tomasse como se nossas posições na vida tivessem se invertido. Faria a única coisa que jurara a mim mesma que não voltaria jamais a fazer – suplicaria. Gabrielle usaria o talento de seu corpo e minha fragilidade para tomar o controle e eu acabaria suplicando por suas carícias divinas como um cachorrinho implora pelas sobras da ceia, chorando e lamentando minha necessidade até que minha ama se apiedasse de mim e me satisfizesse.
– É verdade? Preocupa-se comigo…? – Gabrielle parou um momento.
Está bem, eu não olharei para ela. Não cederei, continuei pensando, puxando inconscientemente os fios da preciosa obra de pesado tecido. Posso ser forte. Posso expressar-me bem. Sou a Conquistadora de praticamente todo esse aborrecido mundo!
– …Xena? – terminou Gabrielle.
Então a olhei. Por Hades!
Submergi em seus olhos, que mostravam um temperamento e uma atitude que eu havia contribuído para lhes dar. Meu coração parou, minha libido levantou vôo e percebi que eu havia criado isso. Em algum momento, havia recolhido um cordeirinho assustado e o havia convertido em um lobo voraz.
– É isso, Xena? – Gabrielle repetiu a pergunta, inclinando a cabeça ligeiramente de maneira mais que encantadora. Deteve-se diante de mim, com o corpo tão perto que estávamos quase coladas uma à outra.
– Mm… Eu… Às vezes. – Pelos deuses, mas que patética!
Gelei ao perceber que prendia minha atenção apenas com um olhar imperioso. Gabrielle sorriu para mim. Não era o sorriso selvagem que eu esperava dessa caçadora tão capaz, mas um sorriso inocente, cheio de doçura, o sorriso que pode capturar o coração de uma velha guerreira e, dentro de um quarto de marca, obrigá-la a suplicar misericórdia.
Minha jovem escrava ficou na ponta dos pés, deslizando seu corpo ao longo do meu. Estendeu a mão e, quase timidamente, deu-me o beijo mais gentil de todos os beijos em minha face. Foi tão leve e delicado que parecia o bater das asas de uma borboleta sobre minha pela acalorada. Senti que se antes minhas orelhas estavam quentes, agora estavam em chamas. Pude apenas ficar olhando-a, com expressão tímida no rosto.
Gabrielle deslizou sua mãozinha dentro da minha e começou a andar até o dormitório. Enquanto me arrastava pela porta, lembrei-me de repente de um ditado que tinha lido. Dizia algo como… Cuidado com o que deseja…