Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

 Xena colocou o chakram em seu cinto. Sua espada havia ficado perdida, enterrada no Japão, mas não importava. Teria tempo de conseguir outra. Ela virou-se para Gabrielle levou as mãos sobre a barriga imperceptível da barda.

“Tem certeza de que está tudo bem?”

“Nunca estive melhor”.

Yasmin sorriu levemente, apreciando a alegria visível nos olhos das duas mulheres. Lembrou-se de Eve, e de como ela ficaria feliz em saber que sua mãe havia voltado.

“Muito bem. Um problema resolvido. Agora precisamos lidar com a segunda parte” disse a Doutora batendo as mãos como se tirasse delas alguma poeira imaginária.

“Escute” começou Xena “Eu sou muito grata por terem nos ajudado, sobretudo por terem salvado Gabrielle no Agaion. Mas essa batalha é mais perigosa do que imaginam, e é uma batalha pessoal minha”

“Nossa” corrigiu Gabrielle.

“Sim, nossa.” Xena concordou triste “Alti tem nos seguido em várias vidas e nós sabemos com o que estamos lidando. Não tem motivo para vocês duas se colocarem na linha de frente de algo assim.

“Rá. Esse é o tipo de coisa que eu faço todos os dias. Vocês ficariam surpresas sobre como vocês humanos tem um talento natural para se meterem com seres detestáveis… Ou serem seres detestáveis.”

“Alti é feita do mais puro ódio e desprezo por tudo que é humano. Ela é movida por sede de poder insaciável. Não há uma fagulha de luz na alma dela sequer. Vocês não entenderiam” disse Xena.

Yaz tentou esconder um riso leve. Não queria soar ofensiva, então se conteve.

“Ela não tem uma carapaça de metal ou solta lasers mortais, solta?”

“O que são lasers?” perguntou Gabrielle.

“Oh… algo como…um raio potencialmente fatal”.

“Não… por que ela faria isso?”

“Confirmado Yaz, Alti não é um Dalek” disse a Doutora por cima do ombro.

“O que a Doutora quer dizer é que já lidamos com esse tipo de maldade. Na verdade, ela tem sido perseguida há milênios por seres tão maus quanto Alti. Isso não é exatamente novidade para nós”.

“Pelos Deuses, quantos anos você tem?” perguntou Gabrielle surpresa.

“Perdi a conta algumas vezes” disse a Doutora. “Mas nos voltemos ao mais importante. Onde é mais provável que encontremos Alti ou os cultistas dela?”

“Ao Norte” disse Xena “Nas estepes. Sempre foi o território dela. Se existe um jeito de chamar o espírito dela para tentar de alguma maneira revivê-la, é lá que devemos ir”.

“Perfeito” disse a Doutora acionando a Tardis que após alguns solavancos disparou pelo espaço-tempo.

“Essa sua caixa voadora sabe pra onde está nos levando?” perguntou Xena.

“Não fale assim dela. Ela é sensível e tem sentimentos. E sabe perfeitamente para onde ir” exclamou a Doutora levemente ofendida.

“Na maioria das vezes…” sussurrou Yaz de lado.

Mas antes que pudessem dizer algo mais, a TARDIS foi puxada para baixo, não como num pouso exatamente suave, mas como se uma força magnética simplesmente a aterrasse.

“Doutora? Esse não é o tipo de coisa que estávamos esperando, é?” perguntou Yaz com um pouco de receio.

A Doutora olhou para cima e para os lados, tentando identificar que tipo de força estava as impedindo de continuar.

“Devemos nos preocupar?” perguntou Xena, erguendo uma sobrancelha.

“Ahh, essa é uma pergunta bem retórica, não é?” perguntou a Doutora correndo para o outro lado do painel da Tardis. “Os monitores pararam de funcionar…estranho.”

“Mas estamos na Terra?”

“COMO ASSIM ‘estamos na Terra’?” perguntou Gabrielle de olhos arregalados “Onde mais estaríamos?”

“Eu acho que falhamos em mencionar que essa caixa viaja no TEMPO e ESPAÇO” disse Yaz com um sorriso amarelo. “Mas está tudo bem. Eu já estive em outros lugares. É bem… comum”.

“Só tem um jeito de saber.” A Doutora andou decidida até as portas da Tardis e as escancarou, incerta se encontraria ali um solo pisável, um vórtex temporal ou o vácuo do espaço. Felizmente, a primeira opção se tornou verdadeira. A Doutora olhou para o local a sua frente e colocou a língua pra fora “Hm. Carbonos e hidrogênios. Ainda na Terra”.

Xena saiu de trás dela olhando para frente e vendo um enorme campo rochoso, com um clima bastante gélido e vegetação escassa e seca.

“São as estepes”, mas antes que pudesse pisar para fora da Tardis as portas da cabine se fecharam violentamente jogando ambas para trás e as luzes de todos os controles começaram a piscar, ao mesmo tempo que todos os alertas do controlador central dispararam em ondas ensurdecedoras de beeps, ziooons, e ióóós, fazendo com que todo mundo tapasse os ouvidos com as mãos.  Repentinamente todas as portas dos compartimentos da nave começaram a abrir e fechar violentamente como se acionados por descargas instáveis de energia. A Doutora levantou com dificuldade e apontou a chave de fenda sônica para o console central, o qual soltou uma pequena explosão de fagulhas, fazendo com que o barulho cessasse em seguida. Todas as luzes do local se apagaram.

“Que raios acabou de acontecer? Parece que entrou um poltergeist aqui!” perguntou Yasmin levantando-se do chão ainda atordoada em meio à escuridão.

A Doutora olhou ao redor tentando raciocinar, com mais um comando de sua chave, luzes de emergência acenderam-se. Um dos monitores se acendeu levemente com uma fina linha verde no seu centro, que oscilava violentamente e uma risada macabra cheia de perversidade foi ouvida. Yaz olhou as três com pavor, mas a Doutora tinha mais curiosidade do que medo estampada em seus olhos e Xena e Gabrielle não pareciam exatamente surpresas.

“Xenaaaaaa” a voz ouvida era rouca, quase sibilante “Então você está de voltaaaa.” Conforme a voz se fazia ouvir, a linha no monitor da Tardis oscilava como se acompanhasse a onda sonora. “Estou tão ofendida. Você nunca me visitou no reino espiritual enquanto estava aqui. Agora eu tive que vir até você novamente”.

“É Alti” sussurrou Gabrielle.

“Mostre sua cara seu trapo velho. Se você quer resolver algo comigo deixe as outras em paz. Sua briga é comigo” gritou Xena para o nada.

“Não há nada que eu queira mais do que colocar minhas mãos em você novamente, Xena” rosnou Alti com outra gargalhada cheia de deboche “E é para isso que eu preciso de um novo corpo…Por sorte a loirinha irritante tem um sendo preparado para mim. Estranhamente conveniente…”

“Fique longe de Gabrielle e desse bebê. Se você encostar um dedo nela, eu juro que…”

“Você o que? Você nem mesmo consegue sair dessa caixa de sapatos na qual se meteu!” gargalhou Alti.

“EIIII VEJA COMO FALA DA MINHA NAVE SUA…SEU DALEK MANCO EM FORMA DE… DE…” A Doutora virou-se para Gabrielle “Que forma tem Alti?”

“Parecia humana da última vez que a vimos”.

“AH ESQUECE. Eu vou dar 20 segundos para você soltar a Tardis ou eu vou começar a me zangar, e acredite, ninguém aqui gostaria de ver isso!”

Alti apenas gargalhava ensandecida.

“Ela não pode me atingir” disse Gabrielle como se tivesse entendido “Por causa da tatuagem. Por isso precisa de um ritual. Mas não entendo por que ela não está atacando você, Xena. É como se algo a segurasse”.

“Vem pra cima Alti, tá esperando o que?!” gritou Xena.

“Ah, Xena. Esse saco de carne e ossos que você acabou de recuperar está instável demais para eu tortura-la. Eu adoraria brincar com ele por horas excruciantes, mas você acabou de voltar do mundo espiritual. Qual seria a graça?”

“A energia regenerativa a está impedindo por alguma razão” disse Yaz.

“Eu preciso levar essa luta para o reino espiritual. É o único jeito de brigar com Alti já que ela não tem corpo. Gabrielle, aplique o golpe de pressão em mim”.

“Xena, não!” gritou a barda com pânico nos olhos “Você não vai me forçar a fazer isso novamente, não depois do que passamos! Você não pode morrer de novo!”

“E nem conseguiria” pontuou a Doutora com mais casualidade do que se espera de alguém nessa situação “A energia regenerativa residual em suas células não deixaria você morrer. Não pelas próximas 24 horas pelo menos”.

Uma nova gargalhada de Alti foi ouvida.

“Parece que descobriram as minhas limitações. Mas se não pode vir a mim, eu posso ir até você, Xena. Você quer brigar? Me arrume um corpo e nós brigaremos. Como nos velhos tempos!”

“Você é estúpida demais em achar que eu permitiria que você viesse até o reino dos vivos tão facilmente assim”.

“Sua escolha, Princesa Guerreira. Eu tenho uma legião ao meu comando. Quantas dezenas de Cultistas você conseguirá derrotar em um dia? Eles continuarão vindo, de novo, e de novo. Essa é a graça de você ter derrotado os deuses olímpicos, Xena. Algumas pessoas estão apenas sedentas por cultuar alguém… Além disso, tudo que você precisa é lembrar que eu nunca precisei pedir permissão”.

“Ela pode fazer isso?” perguntou Gabrielle “Apenas se apossar do corpo de alguém”.

“Já vi ela fazendo isso com o berseker e com animais. Ela não pode me tomar, nem você. A Doutora tem energia regenerativa, então é atrás de Yaz que ela está vindo.” Disse Xena entre os dentes.

Yaz arregalou os olhos em pânico sem saber o que esperar.

“Isso” sibilou Alti enquanto o monitor se apagava e a sua voz se tornava mais difusa, difícil de identificar de onde vinha. “Eu adoro o cheiro do medo. Quantas cicatrizes você tem aí dentro, Yasmin Khan? Quantos traumas escondidos, quantos pesadelos e mágoas para me alimentar? Vamos ver do que você é…”

“NÃO. NÃO OUSE” veio um grito gutural vindo da Doutora “NÃO ELA. NUNCA ELA. Eu não te conheço, não sei que tipo de criatura você é, mas se você chegar perto de uma molécula do corpo de Yasmin Khan, eu vou te caçar por todo Espaço-Tempo, E EU TENHO TODO O TEMPO DO MUNDO”

“Hm, interessante” sibilou Alti novamente “As ameaças são reais, eu posso dizer. Mas junto com elas…tanto…medo? Medo de perder? Mais medo do que já senti qualquer ser humano emanar…?”.

A Doutora olhou com pesar para as três, sabendo da escolha difícil que estava prestes a tomar.

“Eu não sou boa de briga. Faça o que for necessário para vocês se salvarem. Não hesite. E é melhor que tenha um bom plano para neutralizá-la” disse olhando mortalmente séria para Xena e em seguida desviando os olhos para Yaz e segurando a mão dela. E foi aquele olhar, cheio de pedidos de desculpas não verbalizados que fez Yaz perceber o que a Doutora estava prestes a fazer “Yaz eu am …”

“Não. Não, não, não. Você não pode fazer isso”

“Me perdoe. Vai ficar tudo bem” disse soltando a mão e correndo até a porta da Tardis, segurando as maçanetas com as duas mãos. “ALTI, PEGUE MEU CORPO”

Uma gargalhada foi ouvida e em seguida o corpo da Doutora sofreu um solavanco. A porta da Tardis destravou e ela saiu correndo para o meio de uma área descampada. Seus olhos haviam ficado pretos e sem vida.

“O que está esperando princesa guerreira? Vai perder a chance de salvar seu anjo caído, mais uma vez?” gritou em plenos pulmões.

As três saíram da cabine, com a preocupação tomando os olhares de Xena e Gabrielle, mas o pânico tomando o de Yaz.

“Você não pode machucá-la. Por favor. Ela nunca usa armas, nunca é violenta…” suplicou.

“Está tudo bem” disse Xena tentando confortá-la “Gabrielle, fique com o chakram. Eu não vou levar nada letal pra essa briga.

Xena entregou a arma para Gabrielle e correu até o local onde Doctor Alti estava.

“Espera, você tem um plan…” mas Xena já havia ido “Droga! Ela nunca me conta o plano!” disse cerrando os punhos no ar.

Xena andou até o local onde a figura da Doutora estava e a observou dos pés a cabeça. Pela primeira vez desde a correria dos acontecimentos anteriores conseguia fazer uma análise mais minuciosa daquela estranha viajante do tempo, com suas vestes peculiares e sua figura levemente esguia. Não parecia ser particularmente forte, mas tampouco era frágil. Sabia que havia muito mais do que seus olhos poderiam ver, pois de algum modo, apesar da sua aparência humana, aquela mulher era algo além disso.  Mas agora não se tratava dela. Seu confronto era com uma velha e conhecida inimiga, e precisava de algum modo derrotá-la sem machucar aquela criatura inocente que servia de receptáculo, fosse ela humana ou não.

“Alti, o que mais você quer? Eu havia partido desse mundo, assim como você. A nossa briga deveria ter terminado por essa vida. O que você espera?”

“Xena, não tente se mostrar moralmente superior. Eu já olhei nos seus olhos vezes o suficiente para conhecer a escuridão que habita em seu interior. Foi ela que me encantou e nela que eu me deleitei. Havia uma promessa entre nós…você conquistaria nações e eu conquistaria poder. Você rompeu essa promessa, mas esqueceu que não há descanso para os maus”. Um sorriso malicioso tomou a expressão da Doutora e ela se aproximou lentamente de Xena.

“Você está errada. Eu nunca esqueci, na verdade passei metade da minha vida sabendo exatamente isso e nunca descansei. Foi por isso que abandonei essa vida terrena.”

“Mas voltou a ela. Não seja hipócrita. Você sabe exatamente como é querer mais. Como é deliciosamente inebriante a sensação de querer sempre mais. Mais força, mais poder, mais energia. Eu já estive em sua mente Xena, e eu sei exatamente que em toda essa bobagem de redenção e bem maior, existe aquela Xena que sabe que absolutamente tudo seria resolvido mais facilmente com uma boa dose de poder.”

A mão da Doutora agarrou a nuca de Xena e a forçou a olhar em seus olhos negros fixamente.

“Ah, ainda está aí… Mas com uma porção de coisas novas para serem contempladas.”

Xena tentou retirar a mão de Alti de si, mas uma memória vívida e dolorosa lhe invadiu. De repente estava na China e contemplava todo um exército transformado em pedra. Se perguntou quantos soldados inocentes, forçados a lutar por um imperador cruel, havia entre eles. Havia tirado suas vidas em nome do que era chamado de bem maior e a perspectiva de agora não lhe fazia parecer algo justo.

Outro flash, dessa vez do seu confronto com Gabrielle após descobrir sobre a morte de Eli. Os olhos de Gabrielle refletiam o tamanho da mágoa que ela sentia quando foi culpada sobre o ocorrido. Mas a cena foi interrompida por outra memória vívida.

Era como se pudesse sentir o frio do metal do chakram segundos antes de arremessá-lo contra a cabeça de Gabrielle. Um golpe de desespero para salvar sua filha, ela disse a si mesmo na época. Gabrielle a havia perdoado, ela entendeu na época. Mas ela havia se perdoado?

“Esperança, você é minha filha. Você tem que ir, ela vai te machucar. Ela vai te tirar de mim” o som da voz fraca de Gabrielle agonizando após ser ferida pelos canibais lhe invadiu a memória como uma adaga. Mais uma vez se tornava consciente da dor que havia causado na pessoa que mais amava. Ela havia se convencido que estava certa na época, “é para salvar a todos”, ela dizia para si mesma, e décadas depois, confrontada com uma situação paralela, precisou de um milagre para parar Livia porque ela mesma não havia sido tão forte quanto Gabrielle.

Xena caiu de joelhos, mas a Doutora, possuída por Alti, não a soltou.

A sensação inebriante de poder e de vazio que o Anel do Ouro do Reno lhe causou… A sensação conflitante ao acabar com a vida de Michael e ser punida por Eli por isso, a dor dilacerante de ver Gabrielle destruída após a batalha contra Belerophon. Xena sentia cada músculo do seu novo corpo enrijecer em dor física e quase palpável diante dessas lembranças. Ela começou a pensar que era muito pior do que as agressões físicas que Alti a havia infligido no passado fazendo-a reviver diferentes torturas. Mas ela não estava certa.

Ela sentiu a mão da Doutora apertar mais em seu pescoço e o cenário mudou para uma floresta empoeirada pelos rastros de uma batalha e o impacto abrupto de centenas de flechas atingindo e rasgando sua carne. Seu corpo físico lentamente sendo destruído, e toda a dor que ela não sentiu naquele momento, tomada pela adrenalina, ela conseguia sentir agora, cada projétil penetrando sua pele, seus músculos e seus ossos, sua respiração ficando mais pesada, seus pulmões latejando, sua visão começando a embaçar. E de repente tudo parou. Ela contemplou seu próprio corpo numa poça de sangue, separado de sua cabeça e a risada triunfante do seu executor. Seu estômago se torceu dolorosamente, lembrando-se que mandou Gabrielle atrás de seus restos mortais numa missão em vão, e sobre como sua pequena Gabrielle deveria ter se sentido ao vê-la naquele estado. Deuses, como havia sido tão estúpida e negligente?

O corpo de Xena amoleceu, exausto, repletos de inúmeros fios de sangue, a manifestação física das agressões de Alti.

Gabrielle, tomada por fúria e desespero, usando todas as suas forças atirou-se contra a Doutora, quebrando o contato dela com Xena e derrubando-a ao chão. Por cima de seu corpo esguio, Gabrielle a dominou, a golpeando impiedosamente com uma sequência de socos que parecia ininterrupta, como num transe. A última vez que sentiu algo parecido foi quando descarregou toda sua fúria em cima de Gurkhan. Sua força advinda de seu físico impecável toda canalizada através da sua raiva, contra o corpo frágil abaixo do seu, que soltava uma risada satisfeita.

“Pare, pare, por favor! Não a machuque mais!” suplicava Yaz aos prantos, e mesmo sabendo que não teria força física para impedir Gabrielle, correu até elas e tentou puxar a barda pelo braço. “Gabrielle, por favor! Ela não está reagindo. Pense na Doutora! Eu não te conheço direito, mas sei que você não é assim.”

Mas o riso de Alti, as feições no rosto da Doutora mudaram e ela agarrou Gabrielle pela garganta determinada a lhe infringir dor. Imediatamente um brilho prateado emanado pela tatuagem de dragão em suas costas fez com que seus corpos fossem repelidos, atirando Gabrielle e Yaz para um lado e a Doutora para outro.

Xena levantou-se com dificuldade, cansada, as feridas causadas por Alti curiosamente fechadas pela energia regenerativa residual que ainda corria nas células do seu corpo. Ela correu até Gabrielle e ajudou a se levantar.

“Muito bem Alti. Você sabe que sou resistente a dor e as feridas que me causar não durarão muito tempo. Quero ver o quanto você aguenta essa batalha”

A Doutora possuída por Alti se levantou. Seu sorriso era maníaco, qualquer traço de bondade uma vez ostentado havia sumido, o rosto antes ferido pelos socos desferidos por Gabrielle também cicatrizado.

“Parece que esse corpo tem algumas vantagens. Talvez eu fique com ele. Mas e você, quanto tempo aguentará lutar, Xena? Tempo o suficiente para meu exército chegar e cercar suas amiguinhas? Está disposta a carregar mais a culpa da morte delas? Não foi por isso que você debilmente se entregou a um samurai qualquer? Por essa culpa toda que carrega? Uma Destruidora de Nações não tem tempo para sentir culpa, Xena. Veja para onde essa vida de abnegação e atos de bondade te trouxe”.

“Precisamos acabar com isso logo. Logo estaremos cercadas de idólatras de Alti” disse  Xena para Gabrielle e Yaz.

“Isso mesmo” retorquiu a voz de Alti jocosamente “Logo a cabeça de Gabrielle e de Yasmin Khan estarão espetadas em lanças e você será forçada a contemplar o corpo sem vida delas, mais uma culpa para enegrecer sua alma, Xena”.

Xena aproximou-se, pronta para avançar novamente contra a mulher à sua frente, mas repentinamente a Doutora caiu de joelhos com a cabeça retesada para cima, levando as mãos ao próprio pescoço.

“Você sabe o significado do seu nome, Alti?” agora era a voz da Doutora que saia da própria boca, com muito esforço. As veias do pescoço dela estavam saltadas e seus olhos oscilavam entre olhos normais e pretos. “Um dia uma velha amiga, em uma outra vida, me disse que o nome que carrego era sinônimo de alguém que cura e de alguém sábio, mas que se eu continuasse no caminho que eu estava naquele momento, ela não sabia o significado que esse nome poderia assumir. Eu não paguei para ver… Sempre preferi curar a machucar. Mas se você ousar machucar Yasmin Khan ou Gabrielle, pode ser que o meu nome assuma outro significado a partir de agora.”

“E o que pretende fazer Doutora? Vai tentar se autodestruir para me parar? Você não conseguiria nem se tentasse. Você é capaz de parar um exército? É capaz de parar um exército ao mesmo tempo em que tentar ME parar dentro da sua mente? Esse corpo é deliciosamente apto a absorver poder irrestrito, é muito melhor do que qualquer corpo infante poderia me prover”.

“Por favor, não tente descobrir do que esse corpo é capaz”.

“Ah, mas eu consigo perceber, todos os traumas, as dores, o medo, o pesar… Isso é muito mais do que Xena conseguiu me prover. É um verdadeiro banquete para meu deleite. Me dê o seu medo, deixe eu me embriagar na sua escuridão”.

“Tanta sede de poder te cegou para as regras mais básicas sobre o caos Alti. Quando você olha para o Abismo, o Abismo olha de volta para você. Se você quer a minha escuridão, você precisa conseguir aguentá-la. Espero que esteja disposta a pagar o preço”

As mãos da Doutora se apertaram mais contra o próprio pescoço, enquanto as gargalhadas de Alti saiam de sua boca cada vez mais altas.

“Precisamos ajudá-la, Xena” disse Gabrielle olhando para Yaz e vendo o pânico nos olhos da garota. Xena fez menção de se aproximar, incerta sobre o que fazer para parar aquilo.

“Fiquem longe” gaguejou a Doutora, lutando para manter-se no controle.

“Seu coração é fraco em determinação, Senhora do Tempo. E as mágoas que ele carregam são minhas agora” a voz rouca saiu da garganta da Doutora, brigando por lugar com sua própria voz.

“Eu dei as costas para a última Grande Guerra do Tempo. Eu marquei a passagem dos Senhores do Tempo. Eu vi o nascimento do Universo e observei o tempo se esvair momento a momento até que nada restasse. Nem tempo, nem espaço. Somente eu. Eu caminhei pelos universos onde as leis da física eram ditadas pela mente de um louco, eu assisti galáxias congelarem e as criações queimarem num oceano de fogo e carmesim. Eu vi coisas que você jamais imaginaria e perdi coisas que você nunca entenderia. E eu sei de segredos obscuros que jamais deverão ser pronunciados. Se você quer a minha dor, pegue-a. É toda sua.”

A Doutora tombou ao chão em posição fetal encolhendo-se em agonia enquanto as cenas mais atrozes já vivenciadas em seus séculos de existência lhe dilaceravam. Gallifrey caindo pelas suas mãos, Daleks matando seus entes queridos, a dor nos olhos de Rose Tyler, a perda de Sarah Jane e o remorso em precisar apagar a memória de Donna Noble. Perder River Song e ganhá-la novamente, só para saber que inevitavelmente a perderia mais uma vez. O pesar em seu coração nas tantas vezes que precisou derrotar o Mestre. Amelia Pond e todos os perigos que ela e Rory foram expostos por SUA culpa. Pandorica. As batalhas mais violentas contra os Cybermen e a decepção avassaladora com sua própria raça. As memórias da Guerra e dos ecos que ela causou universo afora, e todos aqueles que ela precisou abandonar para evitar que partissem precocemente, ou aqueles que ela não conseguiu salvar. A triste realização de que jamais retribuiria os sentimentos de Yaz, embora isso fosse o que mais queria no mundo. A sensação incessante de fugir, fugir, fugir e jamais encontrar um porto seguro no qual pudesse descansar. Talvez River Song afinal tivesse razão. O nome que carregava não era mais sinônimo de cura, pois se assim fosse, qual era o sentido dela mesma estar sangrando toda sua dor nesse momento?

A Doutora com dificuldade levou a mão até o bolso de seu casaco e puxou a chave sônica, apontando para o próprio crânio e se bipando. Seu grito visceral ecoou por quilômetros enquanto memórias dolorosas de todos os tipos e conhecimento compartimentalizado por séculos eram desbloqueados.

Alti tentava tomar o controle, mas não conseguia mais se manifestar, atropelada por aquele fluxo violento de cenas, de conhecimento, de dor e de traumas.

“Acha que pode aguentar isso?” gaguejou a Doutora para si mesma e para o espírito de Alti que ainda estava preso ao seu corpo. Ela levantou-se, cambaleando e virando-se para Xena, abrindo o seu sobretudo na altura do peito.  “Xena… Por favor…. Acabe…. com…. isso.”

“O que…”

“Eu não quero … mais sentir dor… Por favor, me acerte … com a sua arma redonda afiada”. Disse apontando para o próprio peito,

“Não faça isso, por favor, não a escute” suplicou Yaz “Tem que haver outro jeito”.

“Confiem em mim, apenas me atinja. AGORA”

“Se eu fizer isso, Alti vence”.

“Suas humanas tolas, ME MATEM AGORA” sua voz era gutural, quase como um rugido insano enquanto suas mãos puxavam o próprio cabelo.

Yaz suspirou entendendo, mas sentindo seu coração se esmagar de tristeza. Era agora que a perderia A SUA Doutora, aquele rosto doce, compassivo, aquela voz sábia e gentil que acalentava seus medos, aquele cheiro amadeirado que sua pele estranhamente exalava. Precisava renunciar a tudo isso para que a pessoa…Alien…criatura que amava parasse de sentir dor.

“Faça o que ela manda” sussurrou para Xena, em lágrimas, virando as costas para não ver aquela cena que iria dilacerar sua alma.

“Xena, não…” suplicou Gabrielle.

Mas Xena não a ouviu. Arremessou o chakram, cravando-o no peito da mulher a sua frente. O corpo da Doutora amoleceu como se ela finalmente houvesse parado de lutar. Ela caiu de joelhos e sorriu para as três, a serenidade tomando suas feições novamente. Com um pouco de esforço, arrancou a lâmina semienterrada em seu peito e a segurou.

“Obrigada. Boa noite”.

Nota