– Bom dia, Gabrielle. – disse para a minha jovem escrava quando entrou em meu quarto.
– Bom dia, minha senhora. – respondeu com aquela voz tão suave dela.

Acabava de me vestir e estava colocando as botas quando Gabrielle entrou no quarto. Ela e eu nos sentamos à mesa de madeira onde faço minhas refeições. Sylla já havia deixado na mesa fruta e pães variados, junto com umas porções de pescado defumado cortado em finos filetes. Como sempre, Gabrielle estava sentada na mesa à minha frente com a cabeça baixa e as mãos no regaço.

Comer juntas era sempre uma aventura. Era evidente que à minha jovem escrava haviam negado os alimentos em algum momento de sua vida, como castigo. Parecia bastante acostumada a não comer durante longos períodos de tempo e a consumir depressa tudo o que podia, para aguentar. De vez em quando a olhava pelo canto do olho e sempre parecia pegá-la metendo algo no bolsinho da saia para mais tarde. Nesta manhã, suspirei por dentro ao ver como metia uma maçã nesse bolsinho. Podia apenas morder a língua e reiterar continuamente o fato de que não mais precisava guardar alimentos.

Quando me levantei da mesa, cruzei a habitação até onde estava a espada, em cima de um baú aos pés de minha cama. Prendi-a na cintura e o gesto me pareceu estranho. Era curioso, mas durante todos os anos que levava governando e vivendo neste palácio, sempre usara apenas uma espada, mas continuava estranhando não levar duas espadas na cintura, como quando combatia. Passei tantas estações como uma guerreira, com duas espadas nas mãos, que já havia se tornado uma parte de mim.

Desprezei a lembrança e voltei à mesa. Gabrielle ficou me olhando quando parei e me agachei sobre um joelho diante dela. Minha estatura era intimidante e não tinha o menor desejo de fazer valer minha superioridade sobre minha escrava. Peguei suas mãos entre as minhas e gostei da suavidade de sua pele.

– Gabrielle? – fiz uma pausa e ela levantou a vista, sem olhar totalmente em meus olhos. Não sabia por onde começar, porque não queria assustá-la. – Gabrielle, se lembra do que lhe disse sobre o assunto de comida em minha casa?
– Sim, minha senhora… Perdoe-me, eu…
– Sshh, tudo bem, não estou chateada. – meti a mão no bolsinho de sua roupa e tirei a maçã que havia colocado ali. Baixou os olhos com ar culpado.
– Quero que tente se lembrar de uma coisa… Olhe para mim, Gabrielle. – acrescentei suavemente. Voltou a levantar a cabeça e me dei conta de que estava me acostumando com esse jeito de seus olhos evitarem os meus.
– Enquanto houver comida em minha mesa, pequena, você não sentirá fome. – a palavra carinhosa escapou facilmente de minha boca e não fiz a menor intenção de retirá-la, pois parecia apropriada para minha pequena e preciosa escrava. – Gabrielle, já menti pra você alguma vez desde que está ao meu serviço?
– Não, minha senhora.
– E não o farei, e menos ainda sobre este assunto. Agora – voltei a colocar a maçã no esconderijo de sua saia. – Se quer isto porque em algum momento possa ter vontade de fazer um lanche ou até porque deseja visitar os estábulos e dar uma guloseima para Tenorio, para mim está tudo bem. Mas jamais tema que lhe negarei alimento como castigo. Acredita em mim? – perguntei por fim, sabendo que seria difícil para ela responder a isso.
– Eu… – não sabia como responder honestamente. – Tentarei minha senhora.
– Então isso é tudo o que podemos fazer, não? – lhe sorri e, ainda que não fosse algo que fizesse habitualmente, pareceu acalmar um pouco seu desassossego. Descobri que sorrir na presença de Gabrielle era cada vez mais fácil e me perguntei se acabaria sendo algo tão natural que nem me daria conta de que o estava fazendo.
– Eu tenho de me ocupar de uns assuntos no cais e hoje desejo ir caminhado, Gabrielle. Gostaria de me acompanhar? Assim terá a oportunidade de visitar a cidade. – lhe disse, levantando-me do chão.
– Sim, gostaria muito, minha senhora.

 

*******

 

Saímos do palácio, minha escrava e eu, e não deveria ter temido que Gabrielle pudesse encontrar aqui alguém a quem entregar seu afeto. As fofocas haviam se propagado como um incêndio florestal e no palácio todos já sabiam não apenas quem era esta pequena loira, como também o que significava para mim. Ninguém sequer pousava os olhos na menina, ao menos enquanto eu estava ao seu lado, e ninguém falava com ela. Por Hades, o povo de Corinto mal me reconhecia, exceto para abaixar a cabeça e inclinar-se com respeitosa submissão.

Mas isso fez com que me sentisse um pouco triste por Gabrielle, ao pensar que nisto havia consistido sua vida durante todo esse tempo. Como contara a Delia, uma escrava corporal levava uma vida solitária na casa de seu amo. Maldiziam-na pelo mau humor do amo e, até nos bons momentos, ninguém se arriscava que o pegassem falando com ela. Mesmo apenas por amizade, um olhar fortuito podia provocar os ciúmes de um enojadiço e possessivo, como eu. Não… Digo, como costumava ser, pois ao tratar-se de Gabrielle, temo que volte a cair nesses ataques de desconfiança feroz e talante controlador que me consumiam em minha juventude.

Sentia-me compelida a tranquilizar Gabrielle de alguma maneira, assegurar-lhe de que não cortaria sua cabeça se a visse falando com alguém na rua. Mas sentia isso de verdade? Não havia adotado milagrosamente o coração de uma mística devido aos meus crescentes sentimentos por minha pequena escrava. Continuava sem saber o que dizer à mulher, mas sentia uma necessidade, essa era a completa exatidão que podia chegar para descrevê-lo. Era uma necessidade de expressar certas emoções relacionadas com Gabrielle. Queria dizer tanta coisa para ela, mas não tinha a menor idéia de como dizê-lo. Não demorei em me encher de frustração enquanto saímos pelos portões do palácio. Perguntei-me se Delia riria de meu apuro, se a procurasse para que me ajudasse. No entanto, não era totalmente desarticulada de expressar-me de modo que decidi me lançar, sem mais.

– Você… Mm, está muito bonita hoje, Gabrielle… Muito bonita. – comentei e captei a surpresa em seus olhos.
– Obrigada, minha senhora. Alegro-me em agradar-lhe. – respondeu como era de se prever.

Certamente, não era uma mentira nem um exagero. Gabrielle, com o cabelo dourado que caía por seus esbeltos ombros enquanto o sol da manhã se filtrava através das mechas que se agitavam ao redor de seu rosto, estava absolutamente linda. Nem me dei conta de que havia parado até que os olhos de Gabrielle se ergueram e pousaram nos meus por um instante.

– Muito linda, realmente. – dei um tapinha em seu queixo com dois dedos e me vi recompensada com algo que se parecia muitíssimo com um sorriso. – Espere. – inclinei a cabeça para olhá-la nos olhos, sorrindo também. – Isso que vejo é um sorriso… De minha Gabrielle? – isso fez com que o que parecia um sorriso aumentasse. Não pude deixar de rir suavemente enquanto me virava e começávamos a andar de novo.

A guarda do palácio que nos seguia e os deuses saberão o que pensaram de nossa conversa. Lembro de uma época em que a guarda caminhava diante de mim, aterrorizando qualquer um que fosse tolo o suficiente para cruzar meu caminho. Agora sentia, em vez de ver, sua presença discreta.

Gabrielle parecia muito pouco habituada com as pessoas e o alvoroçamento de uma cidade como Corinto. Percebi que começava a me seguir bem perto de meus calcanhares enquanto caminhávamos pelas ruas da cidade, rumo ao cais. Hoje tinha que tratar de uns assuntos com o capitão de minha frota. Segundo dois de meus conselheiros mais próximos, o homem traficava escravos como uma de suas atividades extracurriculares. Eu queria algo mais que rumores e fofocas e o certo era que, se esse homem sequestrava jovenzinhas em Corinto para vendê-las no norte como escravas, queria mostrar-lhe pessoalmente o que pensava a respeito.

Quando passamos junto aos prisioneiros que se dirigiam aos seus julgamentos para ouvir sua sentença, muitos me chamaram pedindo clemência. Apenas lembrava a época em que passava a seu lado, verdadeiramente incapaz de ouvir seus gritos suplicando piedade. Nas últimas estações, tinha chegado a ser muito difícil ignorar suas súplicas. Agora, ao olhar para seus rostos, via algo que afetava uma parte de mim que ficou adormecida durante grande parte de minha vida.

Passamos ao seu lado e olhei para eles, acorrentados ou amarrados, à espera que meus carros os levassem às grandes masmorras do palácio. Um menino de não mais que oito ou nove verões de idade, ficou olhando-me impassível enquanto passava. Também olhou para Gabrielle e no inteligente olhar esmeralda desta vi arder a luz da compaixão. O menino tinha as mãos acorrentadas para frente, com os pulsos presos por grandes anéis de ferro que resultavam absurdamente imensos para suas mãozinhas. No entanto, ali estava aceitando com calma o destino do qual podia escapar facilmente. Eu havia conhecido jovens assassinos assim, de modo que não me surpreendeu muito que um menino dessa idade fosse para a prisão.

Ao passar captei sem dificuldade o movimento da mão de Gabrielle quando tirou a maçã do bolsinho e a colocou nas mãos do surpreso menino. A princípio pensei em não dar importância e ignorar o que havia feito minha escrava, mas o que Gabrielle acabava de fazer era muito pouco próprio dela. Para que se arriscasse a sofrer um castigo, seus motivos para dar comida ao menino, o qual era um delito sob qualquer ponto de vista, deviam ter um grande significado para ela. Queria… Não, precisava saber mais sobre este mundo em que minha escrava existia. Por isso, me detive e quando o fiz, Gabrielle se deteve também.

– Gabrielle? – perguntei, sem me virar para ela, pois sabia que estava ali.
– Sim, minha senhora? – respondeu baixinho. Creio que no momento em que me detive, soube que a havia flagrado.
– O que acaba de fazer, Gabrielle? – perguntei com tom tranquilo.
– Por favor, perdoe-me, minha senhora, eu… – começou e me virei e pus os dedos sobre seus lábios para fazê-la calar.
– Gabrielle, ainda não a culpei nem acusei de nada. Apenas lhe perguntei o que fez.

Abaixou a cabeça.

– Dei ao menino a maçã que tinha no bolso. – respondeu obedientemente.
– Sei. E por que fez isso, Gabrielle?
– Parecia… Parecia ter fome, minha senhora.
– Se dá conta, pequena, de que é um delito dar algo aos presos, inclusive comida?
– Sim, minha senhora. – respondeu de novo e desta vez quase não ouvi sua resposta.
– E, sabendo que seria castigada, ainda assim deu comida ao menino? – perguntei.

Quando Gabrielle assentiu com a cabeça e respondeu oralmente de modo afirmativo, lhe perguntei por que queria fazer tal sacrifício. Sua resposta fez que me esquecesse completamente tudo o que acontecia a minha volta, em meu palácio, em minha cidade, em todo meu país. Foi como se tivesse um grão de areia em meus pés e nele existisse outro mundo, igual ao nosso. Que subsistira, ali aos meus pés, todo este tempo.

– Não é mais que uma criança, minha senhora. Nenhuma criança merece passar fome. – respondeu.

Qualquer um que pensasse que Gabrielle era estúpida, evidentemente não a conhecia em absoluto. Para mim sua percepção do mundo parecia profunda, instigante e temperada de uma compaixão que, deveria admitir, não compreendia completamente. Esta última declaração não foi nenhuma exceção.

Virei e regressei até onde os presos estavam amontoados. Plantei-me diante do menino e quando lhe perguntei como se chamava, ele me olhou aterrorizado. Agora receberia minha segunda lição do dia, desta vez sobre como me viam outras pessoas. Senti uma mão no braço e quando me voltei, vi a minha pequena escrava esperando que lhe desse permissão para falar. Olhei para ela erguendo uma sobrancelha e ela compreendeu o que lhe dizia sem palavras. Colocou-se nas pontas dos pés e eu me inclinei para aproximar-me mais dela. Falou-me em voz baixa ao ouvido.

– Minha senhora, acho… Acho que talvez seja muito parecida com seu semental, Tenorio. – se apressou a continuar quando olhei para ela totalmente confusa. – Para as pessoas de estatura muito menor, pode resultar algo… Imponente, e por isso… Bem, ameaçadora.

Esta jovem não deixava de me impressionar. Estava se convertendo rapidamente em uma de minhas conselheiras mais sábias e de mais confiança. Captei a indireta e me virei de novo para o menino, agachando-me sobre um joelho até que minha cabeça ficou na altura da sua.

– Tem nome, rapaz? – perguntei novamente.
– P-Petra, Senhora Conquistadora. – respondeu o menino.
– Por que está acorrentado, Petra?
– Me pegaram roubando comida, Senhora Conquistadora.
– Parece que a comida é o tema do dia. – olhei risonha para Gabrielle e ela abaixou a cabeça. – Bem, Petra… Por que um menino de sua idade precisa roubar comida? Por acaso seus pais não lhe dão o suficiente para comer?
– Não era para mim, Senhora Conquistadora, era para minha mãe e minhas duas irmãs. Meu pai era soldado do exército da Senhora Conquistadora, mas o mataram na batalha de Queronéia. Minha mãe está enferma e não pode trabalhar e minhas irmãs pequenas precisam comer. Sinto muito, Senhora Conquistadora. – disse o menino, contendo o pranto bravamente. – Não sabia mais o que fazer. Tentei me alistar no exército da Senhora Conquistadora, para ganhar dinheiro para comer, mas os soldados riram de mim.

Tentei não mostrar emoção alguma enquanto o menino contava sua história. Parecia tão melodramática que não sabia se estava me enganando ou não.

– Aonde vive rapaz?

Quando o menino se virou para mostrar as portas do palácio, fiquei desconcertada.

– Vive dentro dos muros do palácio? Para quem trabalha sua mãe? – perguntei e então fiquei ainda mais confusa.
– Pois… Trabalha para vós, Senhora Conquistadora. – respondeu, olhando-me como se acabasse de dizer que as ovelhas podiam voar.

Agora não apenas estava confusa, como também irritada. Enquanto meu país desfrutava de tanta prosperidade, na realidade havia crianças dentro dos muros de meu próprio palácio passando fome?

– Carcereiro! – gritei e o homem apareceu ao meu lado num instante. – Tire as correntes deste menino. – ordenei.

Uma vez livre, acenei para o garoto com a mão.

– Mostre-me onde vive rapaz. – disse e de repente, todos seguíamos Petra de volta aos portões do palácio.

 

**********

 

Sabia que as casinhas do povoado que se levantavam em apertadas filas no extremo sul dos portões do palácio eram pequenas e estavam abarrotadas. No entanto, não estava absolutamente preparada para as condições intoleráveis que descobri ao entrar na casa do menino. Era evidente que alguém havia tentado criar um espaço habitável dentro dos limites da pequena habitação. Os poucos móveis que havia estavam bastante limpos, mas os ratos que corriam pelo interior das paredes passavam de uma casa para outra, propagando a sujeira e a doença por todo lado.

Senti-me insegura e fora de meu elemento, plantada em meio da pequena habitação. Minha estatura era um claro perigo, pois minha cabeça quase roçava o teto. Petra me levou até um pequeno catre onde jazia uma mulher delgada, cheia de dores e com febre. Ajoelhei-me para olhar a mulher e ainda que provavelmente tivesse apenas um resfriado, poderia ser fatal se não recebesse os cuidados e a alimentação adequados. Eu me considerava bastante preparada em matéria de cura, mas já se passaram muitas estações. Havia-me feito mais esperta no tratamento de feridas de combate que de enfermidades, de modo que fiz a única coisa que me ocorreu, ao sentir-me assim impotente. Recorri a Gabrielle.

– Gabrielle? – me virei e ao que parece, o tom inseguro de minha voz e a expressão de meus olhos, disse tudo o que minha jovem escrava precisava saber.

Entrando em ação, Gabrielle deu instruções a Petra para que trouxesse um cubo de água fresca potável, não do poço que usavam as outras casas, mas do que estava mais perto do portão. Quando o menino voltou correndo, eu estava plantada em um canto observando enquanto Gabrielle pedia os itens de que iria necessitar. Pegou uma pena e um pergaminho de um de meus mensageiros e fez uma lista com letra cuidadosa e precisa. O mensageiro olhava maravilhado para minha jovem escrava. Não acho que tivesse visto sequer uma que soubesse escrever.

Gabrielle me olhou.

– Minha senhora. Precisaremos de dinares para comprar algumas destas ervas e alimentos frescos.

Assenti e saí da casa, percebendo que havíamos chamado a atenção de uma pequena multidão. Estou certa de que os habitantes das casas vizinhas achavam que estava acontecendo algo milagroso, uma vez que eu estava ali. Agarrei um de meus guardas e o arrastei ao interior da casa, colocando-o com um empurrão diante de Gabrielle.

Devo dizer que era assombroso de ver e se tivesse estado menos vexada, teria cortado a cabeça da jovem por sua ousadia e presunção. Gabrielle dava ordens às pessoas como… Bem, como se fosse eu! Olhou para o guarda que tinha à frente.

– Sabe ler? – perguntou.

Se qualquer outra escrava lhe tivesse feito essa pergunta, teria sido tratada com desprezo ou vítima de uma surra. Meus guardas do palácio eram uns esnobes, devido ao posto que ocupavam, assim que seria típico deles. No entanto, neste dia estávamos todos demasiado atônitos diante do comportamento da pequena escrava para duvidar dela. O tom de autoridade de Gabrielle ao tomar o controle da situação tinha deixado todos incomodados, inclusive a mim.

O guarda assentiu tontamente e então disse:

– Sim, senhora.
– Leve esta lista ao mercado e ao boticário e volte imediatamente com as compras. – ordenou.

O guarda pegou a lista e quando estava a ponto de sair correndo pela porta para cumprir suas ordens, deu-se conta, horrorizado, de quem era a pessoa de quem estava aceitando estas ordens. Virou-se rapidamente para mim e vi que o jovem se pusera mortalmente pálido.

– Sim, vá, vá! – o despedi agitando a mão, tratando de dar a impressão de que estava de acordo com tudo o que fazia Gabrielle. Na realidade, não me inteirava de nada.

Gabrielle pôs duas grandes chaleiras ao fogo para esquentar água e então me dei conta de que devia intervir. Sentia-me um pouco inútil, assim que por que não melhorar a situação humilhando-me um pouco mais, certo?

– Mm… Gabrielle… O que…? – baixei a voz para que ninguém dos que estavam fora me ouvisse – O que quer que eu faça? – pude apenas rezar para Atenea que não soasse tão patética como parecia a mim mesma.
– Quer…? – calou-se como se estivesse reconsiderando a pergunta. – Quer levar as crianças pra fora? – perguntou timidamente, esperando meu rugido, estou certa.

Apenas arqueei uma sobrancelha o mais alto que pude. Baixei o olhar e aos meus pés vi as duas meninas, que pareciam contemplar o cume de uma montanha. Nenhuma das duas me chegava além dos joelhos e uma me sorria de orelha a orelha. Envolveu minha perna com os braços e encostou a bochecha em minha calça. Gelei.

– Eu? – disse debilmente. Se não fosse porque sabia que não era possível, teria jurado que Gabrielle sorriu justo antes de se virar até o fogo.

Quando se voltou para mim uma vez mais, se aproximou e sussurrou baixinho:

– Tenho que banhá-la e tirar os lençóis e a roupa suja, minha senhora. As crianças não deveriam ver isso.

Esperou calmamente minha decisão e eu até pensei em agarrar um dos guardas do palácio e obrigá-lo a se fazer de ama-seca. Duas coisas me impediram. Em primeiro lugar, nunca em toda a minha vida havia pedido a um soldado que fizesse algo que eu mesma não quisesse ou não pudesse fazer. Em segundo lugar, estava essa menina pequenininha que continuava estreitamente abraçada a minha perna. Parecia-me assombroso que uma coisa tão pequena pudesse me assustar de tal modo. Olhava para mim como se nunca tivesse visto ninguém até agora. Não sabia, não tinha nenhuma idéia preconcebida de quem eu era ou do que era capaz de fazer, não conhecia as coisas horríveis que constituíam meu passado. Encontrava-me contemplando de novo esse grão de areia e via um mundo totalmente novo.

Suspirei e dei para Gabrielle meu melhor sorriso. Agachei-me e peguei nos braços a menina mais velha. Não precisei pegar a outra. Enrolou-se em volta de minha perna e quando tentei andar, foi como se tivesse a perna imobilizada. Fui coxeando até a porta com minhas protegidas.

– Vamos rapaz. – chamei Petra ao sair coxeando pela porta.

Minha única esperança era que nenhum de meus oficiais passasse por ali. Se alguém como Atrius me visse nesta situação, teria que atravessá-lo de parte a parte. Detesto perder bons soldados dessa forma.

Nota