É difícil precisar há quanto tempo estou sem você. Parece que faz mil anos, parece que foi ontem que você se foi. O tempo é impiedoso e insiste em correr, mesmo quando nossa alma está paralisada. Eu continuo. Eu agora sou a garota com o chakram, sou a Barda Guerreira de Potedia, sou a herdeira do legado de Xena, a Lendária Princesa Guerreira. Eu sou todas essas coisas, mas antes de tudo eu sou a menina que um dia quis ver o mundo, e o mundo veio até mim através de você, naquele dia que você me salvou pela primeira vez.

Todas as vezes que as imagens terríveis daquele dia em Japa vem à minha mente, eu tento lembrar daqueles primeiros dias em que te vi e andei ao seu lado. Literalmente ao seu lado… você estava sempre cavalgando em Argo e eu caminhando, tentando acompanhar seu ritmo.

Às vezes eu tinha a impressão que você queria se distanciar de mim. Que eu era uma inconveniência. Mas eu te observava tão atentamente e eu via pequenos sinais de que, na verdade, você queria que eu ficasse. Talvez eu estivesse apenas vendo coisas. Mas ainda bem que eu vi. Ainda bem que eu fiquei, e pude viver tudo que vivi com você. Todas as dores e todo o amor.

Hoje, eu sei que eu me apaixonei por você logo que te vi pela primeira vez. Eu não tinha o vocabulário ou a experiência para nomear e agir em relação àqueles sentimentos, mas eles estavam lá. E não foi a primeira vez que me apaixonei por você, eu tive que me apaixonar muitas vezes.

Eu percorri o caminho de todos os que ficam loucos de amor. Primeiro, amei um ideal de você. Uma heroína, e apenas isso. Seu passado sombrio? Era apenas uma história mal contada e certamente exagerada. Mesmo quando eu vi aquela que, naquele momento, eu chamava de “Xena má” (como a quase-criança que eu ainda era), ela não era você. Hoje consigo rir de como eu era tola, mas se uma garota apaixonada não pode ser tola, quem pode?

Depois de um tempo, tornou-se impossível negar que havia escuridão em você, mesmo na heroína. E eu me perguntava, como eu não tinha visto antes? Mas eu tinha visto, só não tinha enxergado. Todas as vezes que você sorria de prazer ao matar os “caras maus”. Era inegável que você saboreava a violência. Eu aprendi a lutar ao seu lado, mas, naqueles dias, não sentia prazer algum na luta, apenas tentava me defender e te defender. Você não… você mergulhava em batalha com sede e ferocidade.

Hoje eu consigo olhar para isso e saber que, sim, essa parte feroz e violenta era parte do que tinha me atraído para você, embora minha mente consciente tentasse negar. Eu ainda era cheia dos moralismos infantis que a pacata vida pastoril me tinha legado, e não conseguia admitir que sua fúria era parte do que te tornava intoxicante. Mas eventualmente eu admiti, e me apaixonei de novo, ainda mais.

Até que aconteceu… nós machucamos uma à outra de maneira incomensurável. Até hoje é difícil pensar sobre aqueles momentos. Eu quero acreditar que fiz as pazes comigo, mas dói tanto que minhas mãos enrijecem enquanto escrevo, mas eu preciso. Tomei uma série de decisões que se provaram equivocadas, e seu filho morreu. Depois, tive que matar minha filha. Mais vezes do que qualquer coração poderia suportar. Mas eu fiz. E parecia que entre nós tudo havia se tornado ódio.

Eu me tornei outra pessoa depois de tudo aquilo. Eu já tinha aprendido a lidar com sua escuridão, mas eu tive que aprender, naquele momento, a lidar com a minha própria. Como fui arrogante… hoje eu penso. Sim, eu aprendi a amar a tua escuridão, mas e a minha? Tinha passado pela minha cabeça que dentro de mim também havia capacidade para violência? Que qualquer pessoa, dadas as devidas circunstâncias, é capaz de sentir sede de sangue, inclusive eu?

Essa nova pessoa que me tornei, não era mais uma pessoa “bondosa” que tinha aprendido a amar alguém que tinha um “lado sombrio”. Eu também tinha conhecido minhas próprias trevas. E tive que olhar de novo para você, com esse novo coração, e ver você em mim, e ver eu mesma em você. Atravessamos o caminho da dor e eu me apaixonei de novo, te amei de novo, ainda mais. Naquele momento eu soube: iríamos juntas até o final de tudo, e assim foi.

Nos primeiros dias sem você, eu não parei para pensar em nada, eu apenas fui até onde precisavam da garota com o chakram, e me perdi de guerra em guerra, de batalha em batalha. Eu levava meu corpo ao limite, pois a única forma que conseguia dormir era de pura exaustão física. Eu, que sempre tinha sido a dorminhoca!

Mas eu não podia fugir para sempre, e um dia tive que encarar que você não estava mais comigo. A dor quase foi mais do que eu pude aguentar, mas o tempo, impiedoso, insistia em correr, o sol insistia em trazer novos dias, o mundo teimava em continuar. Eu deixei tudo vir, todas as emoções, dor, ódio, amor. Parecia uma avalanche que ia me matar, mas eu sobrevivi.

Eu sei que você queria que eu sobrevivesse e vivesse. Por um tempo, insisti em viver apenas porque seria seu desejo, mas, voltei a querer viver, por mim mesma – e sei que seria algo que você também quereria.

Eu continuo pensando em você todo dia, e sei que vai ser assim para sempre, não importa aonde o destino me leve. E eu não quero que seja diferente nunca. Eu quero sempre lembrar de você. Especialmente das partes que eram só minhas e de mais ninguém, as partes que não eram sobre a Lendária Xena que todos cantam nas tavernas.

Eu sorrio quando lembro. Sorrio de alegria, dor, saudade. Todos te viam, alta, imponente, estoica, com a força de dez homens, a dizimar exércitos inteiros. O que diriam se soubessem com que facilidade você se entregava completamente a mim quando a noite caía? Eu nunca fui boa em dominar minha própria vaidade, e não conseguia evitar de me sentir a mulher mais poderosa do mundo inteiro quando via a grande guerreira tremer, gemer e desfalecer, fraca, sob meus beijos e toques.

Não que você não fizesse o mesmo comigo, oh, você fazia. Principalmente nas primeiras vezes, onde eu não sabia nada de nada, e você me ensinou tudo. Mas, quanto mais eu aprendia, quanto mais você fazia meu corpo conhecer sensações jamais imaginadas, mais eu queria saber tudo sobre cada pedaço de você.

E eu fui avançando, até você ser tão completamente minha que meu maior prazer se tornou fazer você se render à mim. E eu, em minha vicissitude vaidosa, gostava de pensar isso todas as vezes que via uma multidão adorando tua força. Eu gostava de pensar que quando a noite caísse, eu te faria fraca.

Eu sei que nada poderia ser diferente e tudo foi como deveria ser. Mas eu gosto de imaginar como teria sido se aquela menina de Potedia tivesse tido as palavras e a coragem de dizer que te amava logo de imediato. Será que você fugiria? Foi preciso você morrer para que ambas tivéssemos coragem de finalmente declarar nosso amor. Às vezes me ressinto que nosso primeiro beijo tenha sido através do corpo de Autolycus. Como seria se eu tivesse tido coragem antes?

Eu retorno àqueles primeiros dias, de puro deslumbramento, onde eu adormecia olhando as estrelas, sem acreditar que finalmente eu tivera coragem de sair de Potedia. Às vezes eu caía no sono enquanto você ainda estava limpando e afiando sua espada. Era difícil arrancar qualquer palavra de você. Eu olhava fixamente para você, e achava que você não notava. Hoje eu sei que com certeza você notava.

Eu sentia fascínio, eu sentia o ar me faltar, eu sentia uma vontade maluca que você falasse comigo sobre qualquer coisa, olhasse para mim, me desse qualquer tipo de atenção.

Eu gosto de imaginar que um dia, ao invés de ir dormir, eu teria ido sentar ao seu lado e deitado a cabeça em seu ombro enquanto você estava distraída, e te olhado. Você teria me olhado de volta, confusa e talvez até um pouco assustada. Quase consigo te ouvir dizendo, com uma sobrancelha erguida e naquele tom grave que às vezes arrastava as vogais: “Gaabrieeelleee?” que soava quase como uma reprimenda.

Eu não responderia, eu apenas continuaria te olhando, até você fazer aquela expressão conformada e dizer “tudo bem, o que está acontecendo?”.

Eu então me levantaria, sem tirar os olhos de você, e acariciaria seu rosto, me aproximando. Eu estaria em pânico, certamente, mas não mais que você. Eu estaria insegura, pois eu mal era uma mulher, eu estaria me perguntando se havia algo desejável em mim para alguém como você.

Eu me inclinaria para te beijar, sem dizer uma palavra. Eu sei que você não corresponderia de imediato, que todos os teus fantasmas te assaltariam naquele momento, as culpas, vergonhas, receios, a falta de confiança que você ainda tinha de que era capaz de ser boa. Você teria receio de me machucar.

Mas, embora naquele momento eu ainda não soubesse, você também era vulnerável às tentações, então você acabaria cedendo. Você me beijaria de volta, teu impulso furioso venceria os fantasmas e você me beijaria, primeiro devagar, depois me tomaria em seus braços e se deixaria levar pela paixão, ainda que puramente carnal, naquele momento que você mal me conhecia, e eu poderia ser para você apenas mais uma garota curiosa por novas experiências.

Eu imagino que você me deitaria nas peles em que dormíamos, se estenderia sobre mim, me beijando, acariciando meu corpo por cima daquelas puídas roupas de camponesa que eram as únicas que eu possuía. Em algum momento, sua consciência ressurgiria, você se daria conta do que estava fazendo e me perguntaria:

– Você tem certeza?

Eu responderia apenas te beijando mais profundamente, mais apaixonadamente, te puxando contra mim com força e a partir daí você não recuaria mais. Eu sentiria seus lábios em meu pescoço, sua língua por entre meus seios, suas mãos apressadas se livrando das minhas roupas. Você me daria um sorriso travesso quando eu começasse a tirar seu traje de couro.

E você me faria sentir, pela primeira vez, a sensação do seu corpo nu, da sua boca percorrendo meu corpo, das suas mãos em meus seios, da sua língua em meus mamilos e depois em meu sexo, me tomando e me fazendo gozar.

Depois você me olharia, e seu olhar seria indecifrável, pois você estaria se protegendo, você estaria erguendo as muralhas para evitar a dor do depois. Eu te beijaria e sussurraria que te amava. Você não responderia de volta e nem acreditaria, mas eu continuaria dizendo, naquele dia e nos dias seguintes, até você acreditar, e até me amar de volta.

Eu gosto de imaginar que poderia ter sido assim.

Assim teríamos tido ainda mais tempo.

Mas foi como foi, e eu não trocaria por nada, eu faria mil vezes a escolha de te seguir e viver tudo com você de novo.

Xena, como sinto sua falta!