Capítulo Único
por Officer KirammanA vida imortal contemplando o mármore frio do que restava do Olimpo era dolorosamente tediosa. Talvez devesse bendizer ou maldizer Gabrielle por ter lhe tornado uma pessoa/deusa menos fútil, mas enquanto no passado, coisas completamente frívolas como criar o caos fazendo humanos de casas rivais se apaixonarem loucamente e no processo enlouquecerem suas famílias, parecia um passatempo divertidíssimo, agora sentia que precisava de algo a mais pelo que viver.
Por muito tempo esse algo a mais havia sido Gabrielle, ainda que de maneira absurdamente platônica, mas agora, quando “tudo” havia sido resolvido, as peças haviam voltado ao seu lugar – e por peça, ela automaticamente pensava em Xena – e Gabrielle curtia seus meses finais de gestação, a falta de um propósito maior lhe inquietava cada dia mais.
“Dã, quando é que eu quis um propósito maior? Eu só queria me divertir” pensou consigo mesma frustrada.
Que hobbies edificantes os humanos tinham para sentirem que suas existências faziam sentido, afinal? Ela tentou ler e não é que a leitura não fosse interessante. Os pergaminhos “emprestados” de Gabrielle eram interessantíssimos, mas não tão interessantes quanto ver as cenas em “live action”. Talvez fosse uma das poucas coisas que ela ainda curtia em sua existência imortal tediosa, a habilidade de performar pequenos truques convenientes, como por exemplo projetar cenas passadas das aventuras de Xena e Gabrielle em um espelho qualquer e passar horas “rolando” várias cenas, tentando enganar a si mesma dizendo não ser um mero pretexto para rever a figura da barda.
E foi durante uma dessas sessões de horas assistindo o objeto de sua afeição lutando ao lado de Xena, que uma figura minimamente curiosa lhe chamou a atenção. Afrodite franziu o cenho olhando para aquela imponente guerreira de cabelos loiríssimos e armadura absurdamente reveladora para um local aparentemente tão frio. De repente o tédio deu lugar a sua atenção plena, com seus olhos fixos na “tela” acompanhando os movimentos da estranha loira. Alguns minutos se passaram e sua atenção se mantinha crescente.
“Agente dupla do cacete!” exclamou com irritação, mas logo sua expressão irritada foi mudando para algo que denotava mais curiosidade, conforme os minutos se passavam. A curiosidade em alguns momentos transformava-se em indignação e um pouco de exasperação diante de algumas cenas específicas.
“Até parece que você teria alguma chance com ela!” exclamava revirando os olhos em reprovação, a qual ela jurava que não tinha nada a ver com ciúmes e em seguida soltando uma gargalhada satisfeita ao ver a loira em questão levando um enorme fora de Gabrielle.
Mas foi nos minutos finais daquela sequência de cenas que a sua expressão se suavizou, se tornando mais comovida e até mesmo um pouco triste.
“Tamanho sacrifício… Por amor” murmurou Afrodite com um pouco de pesar e remorso, lembrando-se de quando não conseguiu fazer sacrifício semelhante para salvar Gabrielle e Eve de sua irmã, tal qual Ares havia feito.
Conforme as cenas finais de chamas alaranjadas refletiam nos olhos da Deusa, uma ideia lentamente começou a se instalar em seus pensamentos antes dominados pelo tédio. Movida por algo raro e sincero – talvez curiosidade, talvez um eco de solidão – a deusa do amor teleportou-se do Olimpo e reapareceu em terras nórdicas, no meio da clareira onde um dia um círculo de fogo havia queimado para proteger Gabrielle.
Havia se passado muito tempo desde o ocorrido, mas ela não precisava de muita coisa… Apenas um pequeno fragmento daquele ato de amor e altruísmo. Olhou para as árvores ao redor, e da base de uma delas, retirou uma minúscula porção de cinzas presas no âmbar, conservadas pela resina. De alguma maneira aquela pequena pedrinha de âmbar lhe parecia quente ao toque.
“Isso não parece justo. Ninguém com um coração desses deveria arder sozinha pra sempre.” disse para si mesma, apertando o âmbar em suas mãos e direcionando ao pequeno objeto uma rajada de cintilar dourado.
Em seguida, depositou a pedrinha no meio da clareira e a observou brilhar gradualmente mais forte, primeiro em tons dourados e cor-de-rosa para aos poucos o brilho se tornar mais intenso e laranja, dando lugar a labaredas intensas que se formaram no lugar. O fogo tremeu, hesitou, e então se partiu em pétalas de luz. No centro, veio o impacto de uma rajada de energia parecendo um meteoro caindo, e de joelhos revelou-se uma mulher nua, coberta de fuligem, mas viva – Brunhilda, respirando como se o mundo fosse novo.
Ela ergueu os olhos, confusa.
“Onde estou? Valhala? O Ragnarok aconteceu?”
Afrodite riu, encantada com o sotaque nórdico carregado, que era muito mais perceptível pessoalmente e a expressão perplexa da valquíria.
“Nada disso, docinho. Eu sou Afrodite. Deusa do amor. Gênia da beleza. E oficialmente sua salvadora cósmica.”
Brunhilda se ergueu com esforço, franzindo o cenho e revelando seu corpo. O instinto guerreiro ainda pulsava em suas veias. Ela estudou a figura diante de si com cautela, buscando ameaças, mentiras e truques.
“Uma Deusa Grega?”
“Pois é, uma das poucas que restou” disse casualmente, momentaneamente aturdida pela nudez da mulher à sua frente, embora não pretendesse admitir. Com um suspiro profundo – e a certeza de que se fosse mortal, estaria levemente ruborizada- seguido de um gesto das mãos fez surgir um manto de peles e entregou para que a valquíria se vestisse “mas também, uma das melhores”.
“Você me invocou. Me tornou concreta novamente criando um corpo para minha alma que vagava como energia elemental. Por que?”
A pergunta ficou no ar como uma flecha presa entre dois corações. Afrodite a recebeu com um suspiro, sentando-se graciosamente sobre uma pedra próxima. Buscando palavras certas, optou pela sinceridade e pelo óbvio.
“Porque seu sacrifício me chamou a atenção. Uma valquíria nórdica. Forte. Orgulhosa. Com olhos que refletem a tempestade e um coração capaz de se incendiar por amor, mesmo um amor que nunca seria retribuído. Não por glória. Não por desejo de recompensa. Mas simplesmente porque a amava. Que tipo de coração se sacrifica assim… sem pedir nada em troca?”.
Ela não sabia a resposta. Mas queria saber. Queria sentir. E pela primeira vez em muito tempo, o desejo não vinha da vaidade, nem da diversão, mas de uma curiosidade genuína. Um impulso que brotava do coração.
“Gabrielle me transformou” – respondeu Brunhilda simplesmente de maneira direta como se isso resumisse todas as razões.
Afrodite riu com um pouco de tristeza.
“Parece que temos algo em comum, docinho”.
Brunhilda permaneceu em pé, imponente, mas havia uma fissura no gelo de sua alma, ainda que mínima.
Ela, que havia sido criada entre regras e deveres, jamais esperaria atenção de uma deusa, ainda mais uma tão distante de seus mundos frios. Após todo o ocorrido com Odin, naturalmente tinha uma grande ressalva com deidades.
“E agora…?” perguntou, hesitante. “O que você quer de mim?
Afrodite hesitou por um momento. Não estava acostumada a se mostrar vulnerável, mas o que mais poderia oferecer além de sinceridade a essa altura dos acontecimentos? O que afinal ela teria a perder?
“Confesso que eu não havia pensado além dessa parte do plano. Acontece que sou um pouquinho impulsiva às vezes. Mas…” disse hesitando por alguns segundos, respirando fundo e retomando sua típica confiança, afinal ela era a Deusa do Amor “Descobrir quem você é, além das chamas, parece um bom começo”.
Brunhilda soltou o ar com um pouco de indignação.
“Você está flertando com uma Valquíria de Odin, Deusa do Amor?”
Afrodite gargalhou com sinceridade.
“Quem é que liga para aquele trapo velho? Você tinha que ver a Xena chutando a bunda dele pra conseguir as maçãs douradas. Se você quiser, posso te contar sobre algumas coisas que você perdeu enquanto esteve vagando por aí. Entre um flerte e um gole de vinho, é claro”, respondeu a deusa com uma piscada, estendendo uma mão para a outra loira.
“Eu prefiro hidromel” respondeu a valquíria apertando os olhos levemente, com um pouco de desconfiança, segurando a mão de Afrodite e lhe acompanhando
“Estou certa de que isso pode ser arranjado” disse gesticulando com a outra mão no ar e teletransportando a si mesma e sua nova companhia para um Olimpo que talvez não fosse ficar mais tão frio e solitário como antes.
Quero mais! Que insight fantástico. E que doçura de conto!
Espero que tenha mais coisas acontecendo. Elas indo passear na Grécia? Conhecer o bebê da Gab?
Ares dando um piti pq tá solteiro eternamente em berço esplêndido?
Gente invadindo com um nenê na aldeia?
Afrodite fazendo piadas de duplo sentido?
Afrodite vai se contentar com apenas 1 pessoa?
:V
Amei. Vai ter continuidade?
Que história maravilhosa. Caracterização incrível de Dite. Feliz que Brunhilda tem mais uma chance. Um ótimo fanon essa história, vou adotar 🙂