Ariadne L.
Gabrielle estava mais uma vez insone, perdida em seus pensamentos e tentando se controlar, se manter calma. A aurora estava próxima. Há muito tempo ela dormia ao relento para não reconhecer aquela escuridão espessa que antecede a primeira claridade do dia. Xena ressonava a seu lado. Tão amada! Tão próxima e ao mesmo tempo tão distante! Ela precisava se controlar e se concentrar, devia haver alguma solução. Tinha que haver!
Voltando atrás no tempo Gabby tentava reconhecer nos atos e palavras da amiga as pistas que relutara em perceber. Mas agora que tudo parecia tão claro, porque essa tão enorme dificuldade? Sim, ela amava Xena profundamente, ela a desejava, mas não tinha a menor idéia de como ultrapassar as barreiras, como fazer acontecer. Ela se mexeu, tentando ficar mais confortável no chão duro e sem querer querendo se aproximou ainda mais da amiga. Ao se movimentar, Xena também se mexeu passando seu braço sobre o corpo de Gabrielle, deixando-a ainda mais desconcertada. As vezes isso acontecia, a mulher mais velha a tocava a mais jovem enquanto dormia, o que Gabrielle custava a acreditar era a leveza daquele toque. Era difícil acreditar que aquelas mãos rudes e tão fortes pudessem ter um toque tão infinitamente leve. Gabrielle já vira e já sentira o toque de Xena quando cuidava de feridos, mas nessa situação o toque era diferente, impessoal, cuidadoso, prático e eficiente. Não tinha esse calor. Não, definitivamente, não tinha esse calor.
Era difícil se concentrar, muito difícil, mas Gabrielle precisava pensar em alguma solução. Era preciso fazer Xena entender o que estava sentindo, mas ela se sentia insegura e muito envergonhada de simplesmente chegar e falar. Talvez ela pudesse escrever. Mas seria quase a mesma coisa. “Mas espera aí!” Gabrielle pensou, “eu podia escrever tudo que estou sentindo e deixar assim como quem não quer o pergaminho a vista para Xena pegar e ler… Não, isso não vai dar certo, ela não mexe nas minhas coisas.”
– Droga! Explodiu a moça.
Ao falar isso Gabrielle se sentou, Xena, a seu lado, se levantou também e com a voz baixa disse apenas:
– Desculpe!
Gabrielle não entendeu a princípio o que estava acontecendo, mas depois ela percebeu, num átimo. “Xena estava me tocando, ela estava me tocando! E agora está achando que eu não queria”. Tentando explicar sem saber como, Gabrielle disse:
– Não é isso, você não está entendendo. É outra coisa.
– Não é o que? Xena perguntou.
– Não é o que, o que? O que você acha que é? Perguntou Gabrielle sentindo suas faces em brasa. “Céus, ainda bem que está escuro!”
– Gabby, está muito tarde para jogos de palavras, volte a dormir. Nós falamos sobre isso depois, está bem?
– Esta bem – disse Gabby com a voz tremendo.
Preocupada Xena ainda perguntou – Gabrielle, algum problema? Você está chorando?
Não, Gabrielle não estava chorando, mas podia ser uma deixa. – Me abraça Xena, foi um pesadelo! Xena, se aproximou e a abraçou, guiando-a outra vez para os cobertores. Gabrielle se aconchegou nos braços da guerreira, e talvez por cansaço de tantas noites insones, dormiu imediatamente. Xena não dormiu, como não estava dormindo antes. Aquela situação com Gabrielle a estava deixando muito preocupada. Não foi muito fácil perceber e se certificar de seus próprios sentimentos em relação a Gabby. Não era uma questão de falta de experiência, mas ela tinha tanto medo de perdê-la, que não conseguia ter clareza de seus sentimentos e os da amiga. Qualquer passo em falso – pensava – podia colocar tudo a perder. E a última coisa que ela queria era perder a proximidade de Gabrielle. Era tão doce abraçá-la, era tão bom esse sentimento de estar completa. Parecia que todas as outras necessidades não existiam mais. Gabrielle estava agora em seus braços, ela podia sentir o perfume de seus cabelos, o calor de seu corpo, a suavidade de sua pele, mas Xena queria mais. Será que era seguro prosseguir? Será que Gabrielle entenderia? Será que Gabrielle também queria? Xena não sabia. Embalada por seus temores, abraçou mais ainda Gabrielle e fechou os olhos tentando dormir.
O sol já estava alto quando Gabrielle acordou. Xena estava sentada perto da fogueira assando um peixe enorme e cheiroso. O estômago de Gabrielle se contraiu.
– Que fome!
– Bom dia para você também Gabrielle! Já está quase pronto!
– Desculpe Xena, bom dia, é que meu estômago, você sabe, está reclamando muito alto essa manhã. Disse Gabrielle esfregando os olhos.
– Não tem problema minha comilona, nenhum problema. A dizer isso Xena sorriu lembrando como Gabrielle era engraçada com aquela estória de comida. Ela parecia estar sempre pensando no que iria comer a seguir. Muito engraçada.
Gabrielle que ainda não havia acordado inteiramente olhou fixamente para aquele sorriso. “Pelos deuses do Olimpo!” Pensou, “como ela é linda!” Xena devolveu o olhar e as duas ficaram assim, se olhando durante algum tempo. Esses momentos de intimidade eram maravilhosos mas Gabrielle começou a sentir aquela sensação estranha, o frio no estômago, não, não era bem no estômago e aquele calor nas faces. Ela se levantou rapidamente, rompendo o encanto e começou a dobrar os cobertores e juntar as coisas. Sem poder olhar para Xena outra vez naquele momento, se dirigiu para o riacho próximo, ela realmente precisava de um pouco de água fria no rosto para acordar e prosseguir. A fome esquecida.
A água fria estava convidativa naquele momento. O calor intenso que Gabrielle sentia por todo o corpo precisava esfriar se ela pretendia pensar numa solução. Sem maiores pensamentos a respeito, a jovem se despiu e entrou no rio, mergulhando. Xena a observava tentando entender por que cargas d’água Gabrielle estava entrando na água que ela sabia estar gelada, Gabrielle detestava água fria.
Xena levantou e se aproximou da margem. Gabrielle demorava a voltar. Será que havia acontecido algo? No momento em que ela deu outro passo a frente determinada a buscar a jovem, a cabeça loura apareceu. Diante do olhar curioso da Princesa Guerreira, Gabrielle explicou sem graça: – Eu realmente precisava de um banho, sabe? É tão revigorante um banho frio pela manhã!
– Gabrielle, a água está gelada! Desde quando você toma banho em água gelada? Perguntou Xena não sabendo bem se achava aquilo engraçado ou se ficava preocupada.
– Xena, disse Gabrielle em seu tom professoral, as pessoas crescem, as pessoas mudam, aa ààguuaa ggeelladaaa ééé perrrfeitttaata paaarraa manterrr a boa saúddede.
– Posso perceber isso Gabrielle, pelo tilintar dos seus dentes! Espere que vou buscar um cobertor. Juntando ação as palavras Xena voltou rapidamente para o acampamento pegando uma das mantas nas costas de Argo, a égua relinchou, e Xena respondeu – Não faço a menor idéia do que deu nela garota, a menor idéia, por que se eu deixar essa idéia que está agora em minha cabeça se formar eu não vou saber como agir! A égua relinchou outra vez e Xena olhou para ela com uma certa surpresa. Algumas vezes ela realmente acreditava que Argo era capaz de se expressar, mas havia certos momentos, como agora que ela achava impossível o que a égua parecia estar tentando dizer. “Deixa para lá” pensou Xena, “eu penso nisto depois”. Dirigiu-se rapidamente para a margem do rio. Gabrielle ainda estava na água.
Abrindo a manta na extensão de seus braços Xena falou – pode sair agora, eu pego você. Gabrielle totalmente embaraçada respondeu:
– Está bem, mas feche os olhos!
– Gabrielle, qual o problema, eu já te vi sem roupa antes, deixa de ser boba. Sai logo dessa água fria!
A água estava realmente muito fria, Gabrielle já estava sentindo os músculos se retesando de uma maneira perigosa, daqui a pouco ela estaria com câimbras por todo o corpo. Ela precisava pensar rápido, Xena estava certa, seria muito estranho se ela ficasse com vergonha de se mostrar nua para alguém com quem já havia tomado banho tantas outras vezes. Mas Gabrielle nunca estivera antes tão consciente do desejo que sentia pela amiga. Seria com certeza os passos mais difíceis que daria tentando não demonstrar o embaraço. Se esforçando para não se esconder e mantendo propositalmente os braços ao longo do corpo, Gabrielle foi saindo devagar.
Xena observou a saída lenta e gradual da amiga de dentro do rio. Era estranho olhar para aquele espetáculo. Aquele corpo tão deliciosamente delineado, tão conhecido em todos os seus detalhes, todas as curvas, todas as linhas, as reentrâncias, brilhando por causa da água. Xena olhava a movimentação dos músculos se contraindo e relaxando sentindo-se quase hipnotizada, seus olhos percorreram todas as partes. As faces de Gabrielle estavam muito coradas, os cabelos louros molhados estavam mais escuros e aqueles olhos verdes que diziam tanto a seu coração estava fixos num ponto imaginário atrás de sua cabeça. Seu olhar desceu mais um pouco e ela viu aquela cavidade logo abaixo do pescoço, era possível ver a palpitação. A curva dos seios, os mamilos rosados. Os braços estendidos ao longo do corpo de uma forma tão artificial, tão forçada. “Por que?” Xena não ousou baixar mais os olhos e continuar aquele exame. Ela lembrou do frio que a moça devia estar sentindo e saindo de seu estado de quase paralisia se adiantou ao encontro de Gabrielle que se jogou em seus braços enquanto Xena a envolvia num abraço que não tinha apenas a intenção de aquecer.
As duas ficaram por um longo tempo abraçadas sem poderem fazer outra coisa. Nenhuma das duas conseguia ir adiante ou voltar atrás. As mãos de Xena esfregavam as costas de Gabrielle para esquentar, ela pensava, mas tal movimento foi se tornando cada vez mais uma carícia. Gabrielle, movia o corpo no ritmo das mãos da amiga. Elas sabiam mas não sabiam o que estava acontecendo. Xena quebrou o encanto – ela não tinha certeza – dizendo:
– Vamos para perto do fogo, eu pego suas roupas, disse guiando Gabrielle para o local onde ainda estava acesa a fogueira.
Xena tentando disfarçar seu profundo embaraço, soltou Gabrielle com dificuldade e voltou até as margens do rio. Gabrielle a olhou assustada. Será que ela havia se enganado afinal? Ela havia sentido a necessidade da outra, ela havia sentido com uma clareza que não deixava margem a dúvidas. Seus corpos estiveram tão próximos, tão unidos que ela havia escutado as batidas do coração de Xena. Por que ela rompera o laço?
Antes de pegar as roupas, Xena molhou as mãos na água gelada e passou-as pelo rosto, pescoço, colo e braços. “O que havia acontecido? Como ela perdera o controle tão duramente conseguido? Isso não podia voltar a acontecer, ela não podia correr o risco de perder Gabby, não, isso não.”
Voltando para junto de Gabrielle, Xena tentou parecer natural e estendeu as roupas em direção a jovem – vista-se Gabrielle, mas continue perto do fogo até sua temperatura voltar ao normal. Vamos comer, você está precisando. Gabrielle olhou nos olhos da guerreira, que não devolveu o olhar, agora não. Gabrielle estava realmente desconcertada, será que ela havia entendido tudo errado? Depois de vestida, Gabby pegou a tigela com o alimento que Xena lhe passava. O silêncio era pesado e cheio de indagações. Nada parecia fazer sentido, nada. Gabrielle sabia que não seria possível manter as coisas como estavam, ela precisava esclarecer. Tomada de uma coragem que só aparecia nos momentos de muita precisão Gabrielle começou a falar devagar e muito baixo:
– Você lembra daquela estória, aquela lenda que eu contei a respeito das almas gêmeas?
– Sei, aquela que você contou a Iolaus. Xena respondeu ainda com os olhos na comida.
– Sim, essa mesma. Você lembra?
– Lembro, é claro que me lembro. Eu a achei muito bonita, aquilo dos seres humanos terem sido antes seres de quatro braços, quatro pernas uma cabeça com duas faces e que foram separados, partidos em dois pois estavam se tornando muito arrogantes em relação aos deuses. Não que eu ache a imagem dessas figuras bonitas, mas gosto da idéia de duas pessoas se buscando para tentar se reunir em uma só outra vez. Porque você pergunta?
– Tem uma parte nessa estória que eu nunca contei, eu não entendia muito bem o que era, e achei melhor durante muito tempo simplesmente tirar da estória, assim eu não precisaria nunca explicar o que não entendia.
– Bem, e o que é essa parte que você aboliu?
– A parte em que a estória explica que eram três os gêneros existentes, o masculino, o feminino e o misto. Quando eles foram separados, o misto, que era masculino e feminino, resultou nos que buscam as diferenças, os homens que buscam as mulheres, as mulheres que buscam os homens. Mas os gêneros masculino e feminino, quando foram separados… Gabrielle fez uma pausa, para ganhar coragem e olhou fixamente para Xena antes de continuar – Bem, eles procuravam a igualdade. Você entende o que estou falando?
Xena que mantivera os olhos baixos até então, levantou o olhar assustando-se com a intensidade dos olhos verdes que a encaravam. Tendo sido pega totalmente de surpresa, Xena balbuciou uma resposta: – Você quer dizer… os homens que procuram… homens e… as mulheres que procuram… Ela não terminou a frase. Gabrielle a viu fazer aquele olhar tão conhecido de alerta quando ela parecia estar escutando mais longe do que era possível. Xena disse, completamente aliviada – Som de luta! Venha! disse ela levantando-se e certificando-se que seu chakram e sua espada estavam nos devidos lugares.
Xena se embrenhou na mata e Gabrielle com um suspiro decepcionado que parecia dizer “Assim não é possível!” saiu correndo atrás. Xena seguiu o ruído até uma abertura da floresta onde era possível ver um grupo de homens lutando. Alguns usavam uma roupa azul, outros armaduras. Gabrielle não sabia qual o instinto que fazia Xena escolher o lado certo nos dias atuais, mas sem pestanejar começou a lutar contra os mesmos homens de armadura que Xena estava lutando. A luta como sempre foi breve depois que elas entraram na briga, mas parece que haviam chegado tarde demais, os sobreviventes de armadura, uns dois ou três desapareceram rapidamente, mas as duas heroínas não viam um só homem de azul de pé. Xena, enxugando o suor da testa com o dorso da mão, começou a tocar os homens no chão para ver se havia algum sobrevivente. Um deles estava vivo, mas não iria durar muito. Tentado ver se poderia fazer algo para ajudá-lo, Xena começou a examinar o ferimento. Não, não havia muito a fazer, o pobre não iria durar muito. Xena viu o rapaz abrir os olhos, ela tentou sorrir e dizer que estava tudo bem, mas o rapaz falou com dificuldade:
– A sacerdotisa… onde está a sacerdotisa? Proteja-a… nós não fomos capazes… o templo de Apolo…
Xena viu o rapaz estremecer e sua cabeça pender para o lado. Ela gentilmente fechou seus olhos e o acomodou com cuidado de volta ao chão. Olhando em sua volta, percebeu um leve movimento ali perto, atrás de algumas árvores. Ela se encaminhou para o local. Antes que ela pudesse chegar, viu uma jovem mulher com uma capa azul com um capuz cobrindo quase inteiramente seu rosto sair de seu esconderijo e vir em sua direção.
– Seu braço está ferido, você devia cuidar desse ferimento. Disse a moça de azul sem muita convicção, levantando a cabeça e deixando que o capuz deslizasse para trás.
Xena investigou a mulher de cima abaixo – ela era pequena e muito magra, parecia uma menina, os cabelos longos e castanhos e os olhos escuros com um olhar que parecia não ter indagações – dizendo: – Eu cuido disso depois, é só um arranhão! É você a sacerdotisa de Apolo? Perguntou desnecessariamente já que não havia mais ninguém por perto.
– Sim. Meu nome é Messene. Estes homens, os guardas do templo de Apolo de minha cidade estavam me escoltando até Delfos, eu fui chamada pela Pítia, ou seja, por Apolo.
– Bem, parece que você não tem mais escolta, o que foi isso, você sabe? Desculpe, eu não disse meu nome. Eu sou Xena, e esta – disse Xena apontando, é hum… minha… amiga Gabrielle. Gabrielle olhou para Xena com vontade de rir. “Que pausa estranha fora aquela?”
– Foi muita sorte minha vocês terem aparecido, obrigada, mas não posso deixar de lamentar muito pelos guardas, eu sei que eles fizeram o melhor possível para me proteger, embora eu saiba que dificilmente teria escapado sem a ajuda de você duas. Não faço idéia do que estes homens queriam, não levo nada de muito valor, e essa era apenas uma viagem de uma sacerdotisa sendo levada de um templo a outro. Não, eu não vejo motivos, a não ser nós nos encontrarmos na situação em que estamos agora. Reunidas. Talvez, afinal haja um motivo, mas seria mesmo necessário esse desperdício de vidas para que tal acontecesse?
Xena e Gabrielle se entreolharam pensando em uníssono “Com certeza é uma sacerdotisa!” As três tentaram dar um funeral digno aos guardas, e voltaram para o acampamento junto ao rio levando o cavalo e as coisas de Messene. A luta e o funeral demoraram o suficiente para o dia estar quase no fim, o sol iria desaparecer em poucas horas. Sabendo que não iria adiantar ir agora para outro lugar Xena decidiu permanecer onde estavam por mais aquela noite e saiu para caçar. Gabrielle já devia estar com muita fome.
Messene estava sentada perto do fogo, junto a Gabrielle que colocava mais gravetos na fogueira. A sacerdotisa, olhou para a moça loura e disse:
– Você gosta muito da guerreira, não é mesmo? Posso ver isso com tanta clareza!
– Eu gosto muito dela sim, ela é minha melhor amiga… Como assim você vê?
– Ah! Eu vejo amizade também, uma grande amizade, mas não era sobre isso a que eu me referia. Ela também gosta muito de você, mais do que você imagina.
– Ela gosta… de mim… mais do que imagino. Desculpe Messene, posso te chamar assim? Como você vê?
– Pode me chamar como quiser, os nomes não tem muita importância, nós somos muito mais do que nossos nomes. Eu posso ver o interior das pessoas Gabrielle, ler seria mais o termo. Eu posso ler em você e posso ler em sua amiga o que vocês sentem.
– Você lê pensamentos?
– Não, eu não leio pensamentos, eu leio as pessoas e suas sensações.
– Como você faz isso? eu não sabia que isso era possível.
– Eu não sei como faço isso. No templo em que fui criada, me disseram que eu fui abençoada com muitos dons, a presciência, o dom da cura, e esse dom que ninguém sabe o que é. Eu nunca sei explicar muito bem, pois por muito tempo eu achei que todos podiam fazer isso, agora eu sei que não, mas eu custei para entender. Esse dom me é o mais caro, pois é o único que me permite ajudar as pessoas.
– Não entendo, falou Gabrielle, você disse que tem o dom da presciência e o dom da cura, esses dons também não te permitem ajudar aos outros?
– Permitiriam, mas existem alguns problemas. Ninguém acredita no que eu digo quando eu aviso sobre o futuro, pois eu não tenho o dom da credibilidade, como Cassandra, a filha de Príamo de Tróia, e quanto a cura, eu sei como curar, mas não posso eu mesmo curar, pois embora eu saiba o que fazer não tenho a habilidade necessária.
– Sim eu já ouvi falar de Cassandra, ela previa o futuro mas ninguém acreditava em suas palavras. Como você lida com esse problema?
– Simples, eu não faço previsões, e não curo ninguém, apenas indico caminhos para uma possível cura. Disse a sacerdotisa com uma certa amargura na voz. Todos devemos carregar nossos fardos da melhor forma possível. Você deve dizer à sua amiga para cuidar do ferimento no braço Gabrielle, ainda não sei bem o que é, mas sinto que vai dar problemas, é mais grave do que ela pensa.
– Mas é só um arranhão!
– Gabrielle, não tente entender ou lutar contra o que digo. Se você pode confiar um pouco em mim, convença sua amiga de pelo menos limpar aquele ferimento. Nós ainda temos muitas coisas para conversar, mas depois… sua amiga está voltando!
Gabrielle olhou com curiosidade para a sacerdotisa, mas não pode continuar a falar pois Xena voltou com a caça para a refeição. Gabrielle cuidou de preparar a comida enquanto Xena conversava com Messene se oferecendo para no dia seguinte escoltá-la até seu destino. Messene agradeceu, e não disse mais nada. Depois de pronta a refeição as três mulheres comeram silenciosas. A sacerdotisa comeu frutas e pão, negando o vinho e a carne. Ao final da refeição ela deu um olhar significativo para Gabrielle, como tentando lembrar o que pedira para ela fazer. Gabrielle percebeu o olhar e lembrou-se. Mesmo achando estranho, se levantou, foi até os alforjes, pegou um pedaço de tecido limpo e foi para perto de Xena. Pegou o odre de vinho, o que não estava misturado com água, molhou o pano e sem perguntar começou a limpar o pequeno ferimento. Xena que havia acompanhado a movimentação de Gabrielle, protestou: – Pare Gabby, eu já disse que não é nada! Disse retirando o braço. Gabrielle apenas olhou para ela, segurou com extrema cautela o braço ferido e disse séria: – Pode não ser nada, mas não vai fazer mal nenhum limpá-lo, por isso fique quieta! Xena aquiesceu e relaxou, deixando que Gabrielle fizesse o que queria. O toque das mãos da jovem em sua pele parecia queimar. Era estranho, para um ferimento tão pequeno, ele estava muito dolorido. Depois de limpar a área ferida, Gabrielle enfaixou o braço da guerreira, que não protestou. A sacerdotisa assistira a toda a cena com um sorriso nos lábios e pensou: “É, elas vão precisar de uma ajudinha, um empurrãozinho.”
As três resolveram dormir cedo para iniciar logo ao raiar o dia a viagem até Delfos. Seriam uns três dias até lá, dois se fossem a cavalo. Xena se sentia muito cansada e o braço estava latejando, mas ela não deu muita importância.
No dia seguinte, depois de comerem, Xena montou em Argo e chamou Gabrielle para que fosse com ela. Gabrielle um pouco sem graça disse que iria com a sacerdotisa. Xena deu um olhar prolongado para a amiga que se encaminhava para montar junto com Messene. As duas estavam muito próximas, mas Xena estava se sentindo cansada e tentou não pensar nas implicações possíveis. Seguiu na frente, abrindo o caminho e deixando as duas um pouco mais atrás.
Gabrielle estava curiosíssima desde o dia anterior para continuar a conversa com Messene. A sacerdotisa sorriu ao perceber o estado de Gabrielle e perguntou:
– Você sabe o que sente por ela?
– Sei. Gabrielle respondeu.
– Você sabe o que ela sente por você?
– Não tenho muita certeza, as vezes eu acho que sei, outras acho que não.
– Eu posso te dizer muitas coisas, Gabrielle, muitas coisas a respeito do que vocês duas estão sentido uma pela outra, das dúvidas, dos medos. Eu posso responder algumas de suas perguntas, aquelas que você não ousa fazer, mas há uma coisa que só você pode saber e decidir: você quer?
Gabrielle não podia olhar diretamente nos olhos da sacerdotisa, mas podia ouvi-la com muita clareza. Ela pensou por alguns momentos e disse com simplicidade: – eu quero.
– Está bem, disse a sacerdotisa, eu imaginava que sim, mas eu só posso ter certeza quanto as suas sensações e não quanto as suas certezas. O que você gostaria de saber?
Era bom que ela estivesse montada num cavalo sem que precisasse olhar nos olhos da sacerdotisa, Gabrielle sentia seu rosto queimar, mas era uma oportunidade de confirmar suas suspeitas, ela precisava saber se isso acontecia. Se enchendo de coragem perguntou com a voz um tanto incerta: – Bem… eu não sei se isso é possível… quer dizer, eu acho que é possível… eu ouvi as amazonas comentarem a respeito e… bem… eu vi, sabe foi sem querer, mas eu… vi… quando aquelas amazonas se… beijaram. Eu… não tinha pensado a esse respeito, mas… sabe… Você sabe o que quero dizer?
– Sei Gabrielle, eu sei o que você quer dizer, você quer saber se é possível você estar apaixonada por uma mulher. Desejar uma mulher. É isso?
– Eu não teria dito melhor. Me desculpe, mas o assunto me deixa muito embaraçada. Eu não tinha ouvido falar nisso, na minha casa ninguém nunca falou a respeito. Eu sei sobre os efebos e os homens mais velhos, mas isso é comum, eu nunca tinha pensado em algo assim, bem… entre mulheres.
– Gabrielle, você está certa, esse assunto não é falado, mas não significa que não aconteça, acontece e é bastante freqüente, mas você não devia se preocupar com isso, eu entendo que você se sinta insegura com um sentimento que não pensava ser possível, mas se ele é real você não devia tentar explicá-lo em demasia.
– Eu sei, agora eu sei disso, mas quando eu me dei conta do que estava acontecendo comigo eu me senti tão embaraçada, tão envergonhada…
– Acho que é bastante normal o que você sentiu, mas acredito que você não deva atribuir esse embaraço ao fato de ter se descoberto apaixonada por sua melhor amiga, e sim ao fato de ter se descoberto apaixonada, eu já vi isso acontecer tantas vezes… Quando foi que você teve certeza?
– Na minha primeira noite com o homem com quem casei. Estranho não? Eu lá experimentando aquelas coisas pela primeira vez com o homem com quem havia escolhido casar e não conseguindo tirar Xena de minha cabeça. Eu pensava na sua expressão quando veio se despedir de mim, ela estava tão linda, tão desprotegida que senti por um momento a vontade de desistir daquele casamento e continuar com ela. Mas eu prossegui, e enquanto, bem, aconteciam aquelas coisas eu pensava nela, eu fechava os olhos e a sentia tão próxima. Não posso dizer que eu não tenha gostado de me deitar com um homem, mas eu percebi que muitas daquelas coisas eu queria ter feito com ela. E depois, aconteceu toda aquela desgraça, ele foi assassinado diante dos meus olhos, Xena tinha voltado para nos ajudar, mas ela não teve como impedir, foi horrível, e eu me senti ainda pior pois eu cheguei a pensar e deixá-lo para procurá-la.
– Posso imaginar como você se sentiu. Disse Messene pensativa.
– Eu queria perguntar mais umas coisas, posso?
– Claro, pergunte o que quiser.
– Você diz que lê as pessoas, eu tenho uma pergunta, que… bem, eu não sei explicar muito bem, mas algumas vezes eu tenho um certo medo desse lado negro que ela tanto fala. Eu já o vi algumas vezes, poucas, mas é assustador, ela parece outra pessoa…
– E isso te faz amá-la menos? Perguntou Messene com um grande sorriso de compreensão.
– Não, não é isso, mas… eu tenho medo de verdade.
– Você não devia ter medo, você é a única pessoa que exerce influência sobre a Princesa Guerreira, você é a única voz que ela consegue ouvir quando se perde na escuridão. Ela te ama Gabrielle, talvez a mais tempo do que você possa imaginar. Ela ama sua inocência ela ama o seu jeito, ela te segue com o olhar todo o tempo, você não percebeu isso? Eu estou a algumas horas com vocês e percebi isso de imediato.
– Mas se o que você diz é verdade Messene, por que ela não se aproxima de mim, por que ela não diz que me ama, que me quer?
– Ela tem medo de te perder, e esse medo a deixa paralisada. Se você quiser levar isso adiante Gabrielle, você terá que dar o primeiro passo, você vai ter que dizer a ela como você se sente, só então ela irá reagir como você espera.
– Então é seguro prosseguir?
– Sim, é seguro prosseguir, o caminho está aberto para você como nunca esteve aberto para ninguém. Várias pessoas passaram pela vida de sua amiga, todos tiveram um papel, alguns mais importante do que outros, mas você é a única que a completa num encaixe perfeito, suas buscas são semelhantes embora algumas vezes pareçam ser diferentes. Os caminhos é que são diferentes, mas a busca é a mesma. Você é a luz, ela tem a escuridão dentro de si. A sua luz é a única que pode romper os momentos de escuridão, e ela, Gabrielle está buscando a luz embora o conhecimento que ela tem da escuridão, a culpa que ela sente em relação a tudo o que já fez, a impeça de acreditar que ela possa alcançar essa luz. Através de você ela recuperou a confiança, através de você ela pode alcançar a luz. O sentimento dela em relação a você é de onde ela tem retirado a força para prosseguir nessa busca, mas tal sentimento também é sua maior fragilidade. Muitas coisas irão acontecer, muitas coisas poderão colocar em dúvida a confiança que cada uma sente na outra, mas a cada barreira transposta mais fortes vocês duas se tornarão.
Gabrielle escutou tudo calada, tentando entender se uma estranha poderia saber tantas coisas sobre elas, e por algum motivo ela acreditou que tudo isso poderia ser mesmo verdade, fazia tanto sentido!
– Gabrielle, vá agora, ela precisa de você! Disse a sacerdotisa com uma certa urgência na voz, parando o cavalo para que a outra apeasse.
Gabrielle correu em direção a Xena chamando-a. Xena olhou para trás e parou para esperar. Gabby se assustou com a aparência da amiga, elas estavam na estrada há apenas umas duas horas, o que acontecera para deixar Xena com aquela aparência, os olhos vermelhos deixando o azul ainda mais brilhante, a pele coberta de suor, os cabelos grudados na testa e nas têmporas. Gabrielle perguntou: – você está bem? Ao que Xena respondeu afirmativamente com a cabeça e disse: – eu estou bem, o que você quer? Gabrielle estranhou um pouco a acidez na voz da amiga, e animada pelo que havia ouvido da sacerdotisa apenas disse: – quero ir com você. Xena mais uma vez assentiu com a cabeça e a ajudou a montar. Ela não estava se sentindo bem, mas achou que poderia prosseguir. Gabrielle se acomodou atrás da outra e a abraçou mais do que seria necessário para se manter no cavalo procurando diminuir ao máximo o espaço entre elas. Ela sentiu o corpo da amiga relaxar. Ela encostou a cabeça nas costas de Xena e falou baixinho: – eu te amo muito Xena! Ao que Xena respondeu: Eu também te amo muito Gabby. Gabrielle se admirou um pouco com a resposta, ela havia falado tão baixo.
As duas quase esquecidas da testemunha silenciosa que viajava um pouco atrás prosseguiram a viagem por mais algumas horas. Gabrielle sentiu primeiro o corpo de Xena ficar mais pesado ao encontro do seu e depois ouviu o chamado da sacerdotisa que pedia que parassem. Ela não entendeu imediatamente, apenas quando viu que Xena não reagia é que ela compreendeu que algo acontecera. A sacerdotisa parou a seu lado e disse: – espere que vou te ajudar, ela está caindo Gabrielle segure-a bem. Gabrielle não percebia o que estava acontecendo, porque Xena estava assim. “Xena, fale comigo, o que você tem?” Mas Gabrielle não obteve resposta. Manter Xena em cima de Argo estava ficando difícil, mas a sacerdotisa que já havia desmontado do cavalo se aproximou rapidamente e ajudou Gabrielle a carregá-la para uma clareira próxima.
Gabrielle sem entender direito o que estava acontecendo com a amiga, perguntou quase chorando a Messene se ela sabia o que estava havendo.
– Gabrielle, fique calma por favor, se você se desesperar agora não poderemos ajudá-la. Vamos colocá-la aqui por enquanto, disse a sacerdotisa abaixando as pernas da mulher sem sentidos. Vá buscar as nossas coisas, os cobertores, acenda a fogueira e ferva um pouco de água, eu vou procurar o resto dos ingredientes que preciso para curá-la, Ah, sim, traga também uma faca, punhal ou qualquer objeto cortante bem afiado. Vá logo!
Gabrielle não queria se afastar de Xena, mas conseguiu perceber que era mais importante naquele momento obedecer Messene, já que ela parecia saber o que precisava ser feito. Depois de arrumar os cobertores acender a fogueira e colocar a água para ferver, aproximou-se de Xena e tocou em seu rosto. “Como ela estava quente!” Gabby tentou carregar Xena até os cobertores, mas o peso da mulher desacordada era mais do que ela podia agüentar. “Onde estaria Messene?” se perguntou Gabrielle, e como que respondendo a sua indagação a sacerdotisa saiu detrás de um arbusto ali perto com um ar de vitória. Gabby perguntou:
– O que está acontecendo Messene? Você sabe por que Xena desmaiou? E que plantas são essas? Disse Gabrielle olhando para as mãos da sacerdotisa que estavam cheias de folhas diversas.
– Calma Gabrielle, tudo vai dar certo, eu vou te explicar, mas primeiro vamos ao que realmente interessa, está bem?
– Certo. O que temos que fazer?
– Coloque estas folhas na água junto com aquelas que estão na bolsa ali no chão. E depois coloque mais cobertores ali, Xena vai sentir muito frio até essa febre baixar, e acho que de qualquer jeito vocês vão precisar de algum conforto.
– Não entendi, disse Gabrielle, conforto?!
– Esqueça Gabrielle, apenas faça o que eu digo.
Gabrielle colocou todos os cobertores disponíveis, no local indicado pela sacerdotisa, pegou todas as folhas e pôs na água. Feito isso voltou para perto de Xena, onde Messene estava esperando. – Pronto, disse ela, e agora?
– Agora ajude-me a colocar Xena ali, sobre os cobertores e livrá-la dessas roupas pesadas.
As duas carregaram Xena e acomodaram-na da melhor forma possível nos cobertores Gabrielle sentou-se no chão ao lado da amiga e começou a tirar o peitoral de metal e a roupa exterior de couro deixando-a apenas com a roupa mais fina que ela usava por baixo, cobriu-a com cuidado e segurou suas mãos. Messene que observara o desvelo com que Gabrielle executara a tarefa sorriu mais uma vez e disse: – fique com ela, eu já volto. A sacerdotisa pegou uma pequena cuia de dentro de uma de suas bolsas, um pilão e foi para junto do fogo, onde fervia a infusão. Ela retirou o recipiente do fogo, e colocou a ponta do punhal que Gabrielle lhe entregara bem perto da chama. Com uma paciência invejável pescou todos os pedaços de folhas da água quente e pôs dentro da pequena cuia e começou a amassá-las com firmeza. Ela parou por um momento, como se lembrasse de algo, virou a cabeça em direção à Gabrielle e falou, – Gabrielle, pegue um pedaço limpo de pano e uma caneca, está bem? Gabby que estivera segurando as mãos de Xena por todo o tempo, soltou-as com dificuldade e foi buscar os itens solicitados pela sacerdotisa. Ela voltou com vários pedaços de pano e uma caneca.
– Venha, disse Messene a ela, agora começa a sua parte.
– Como assim?
– Não faça perguntas, apenas obedeça, Xena não precisa morrer, mas a vida dela depende de você agora.
– Morrer?! Balbuciou Gabrielle.
– É, morrer. Ela foi ferida por alguma arma envenenada, bem, acho que com um resíduo de veneno, senão ela já teria morrido, mas não há tempo para muita conversa, apenas faça que eu digo. Gabrielle concordou com um aceno e esperou as instruções de Messene.
– Retire a atadura do braço dela e com a faca reabra o ferimento, mas tente retirar toda a carne escura da borda. Vamos Gabrielle, temos pouco tempo de luz!
Gabrielle, com as mãos um pouco trêmulas tentou fazer o que a sacerdotisa falara, mas na hora de cortar a carne de sua querida amiga o gesto ficou incompleto, ela não podia fazer isso. Ela ouvia muito longe a voz de Messene dizer, “vamos Gabrielle, é preciso!”, mas suas mãos pareciam paralisadas. Depois ela sentiu um toque muito leve no dorso de suas mãos que começaram a se mexer como se não fossem mais suas. Elas sabiam o que fazer. Gabrielle sentiu quando cortou a pele e a carne de Xena, e ouviu um som muito baixo e abafado saindo dos lábios da amiga. Ela queria parar, mas suas mãos continuaram a fazer o serviço. O ferimento foi aberto, a carne em torno do corte estava muito vermelha com alguns pontos amarelos, ela raspou e cortou todas as partes que não pareciam saudáveis e depois colocou sobre o ferimento o emplasto de folhas que Messene colocou em suas mãos. Gabrielle voltou a enfaixar o braço de Xena, que não mais reagia, mas Gabrielle notou que os olhos da amiga estavam abertos.
– Xena?! Você está me escutando?
– Gab… onde está você meu amor… eu preciso de você… balbuciou Xena.
– Xena?! Eu estou aqui, você não está me vendo? Eu estou aqui!
– Gabrielle, disse Messene, ela está delirando, ela não pode te ouvir. Dê isso a ela, disse estendendo a caneca – ela precisa ingerir o máximo possível dessa infusão, vamos segure a cabeça dela mais alto e dê a ela.
– O que é isso? Perguntou Gabby cheirando o conteúdo da caneca.
– É um contra veneno genérico, vai ajudar a abaixar a febre e a combater os efeitos nocivos do que quer que esteja em seu corpo agora, vamos, não faça mais perguntas.
Gabrielle puxando a cabeça de Xena para seu colo, tentou colocar a caneca entre seus lábios, mas sua boca estava fechada e não se abriu. Ela olhou para Messene, e depois decidida colocou seus dedos entre os lábios da amiga forçando-os para que se abrissem. Mantendo os dedos na boca de Xena, levou outra vez a caneca aos lábios deixando que o líquido vertesse pouco a pouco. Um pouco da infusão escorreu pelo canto da boca, mas ela sorriu quando percebeu o movimento de engolir da mulher em seu braços. Depois de ter acabado com o conteúdo da caneca ela olhou para Messene que disse. “– Agora tudo vai ficar bem, pode se tranqüilizar! A febre vai baixar aos poucos e amanhã com certeza ela estará melhor. Já está tarde, eu vou dormir ali atrás da pedra, vocês vão precisar de alguma privacidade. Não deixe que ela se levante, ela precisa de algumas horas de descanso, acho que vocês podem esperar um pouco. Enquanto a febre estiver alta tente refrescá-la um pouco com um pano úmido. Tudo bem?”
– Tudo bem, respondeu Gabrielle incerta, tudo bem.
Messene retirou-se para atrás da pedra levando um dos cobertores que a jovem lhe deixara.
Gabby estava preocupada, muito preocupada, Xena estava com os olhos fechados, ainda desacordada. De tempos em tempos balbuciava algumas palavras incompreensíveis, mas outras eram perfeitamente audíveis. A maior parte do tempo Xena chamava por ela, dizia que a amava repetidamente e também falava de uma forma muito direta que a queria, a desejava. Ela olhava para sua querida amiga, aquele rosto conhecido e tão amado e tinha vontade de chorar. Quanto tempo perdido! Obedecendo as instruções de Messene, Gabrielle passava o pano úmido no rosto, nos braços e no corpo de Xena, tentando com isso que a febre baixasse, mas ela sentia a pele da outra queimar por toda a extensão. Gabrielle olhava e olhava, não cansava de olhar, os lábios entreabertos que estavam dizendo todas as coisas que ela sempre quisera ouvir, mas Xena não estava ali. Gabrielle chamou baixinho: – Xena! Você pode me ouvir? Por favor, você pode me ouvir? Xena não se mexia, mas seus olhos foram se abrindo devagar, bem devagar. Parecia que ela não estava vendo nada. Gabrielle colocou-se ao alcance de seu olhar até sentir que este estava focalizado nela. Xena falou com um fio de voz:
– Gab…
Gabrielle acariciou seu rosto e disse: – Eu estou aqui querida, eu estou bem aqui. Xena deu um meio sorriso e voltou a fechar os olhos. Gabrielle ainda olhava para os lábios de Xena. Toda aquela conversa com Messene, as palavras que estava ouvindo de sua amada, haviam mexido profundamente com todas as suas sensações, olhando fixamente para a boca que desejara provar por tanto tempo, desceu seu rosto em direção a Xena até que seus lábios se tocassem levemente. Foi um beijo leve, doce, mas Gabrielle achou que fosse desfalecer.
Um pouco surpresa com sua ousadia, pois apesar de ter agora certezas, ela não havia pensado que pudesse ter essa coragem. Ela se afastou um pouco e percebeu que os olhos de Xena estavam abertos. Os olhares se cruzaram e o entendimento foi imediato. Ela abaixou a cabeça e a beijou outra vez. Sentiu os lábios de Xena se abrirem, as línguas se tocaram e Gabrielle sentiu um calor intenso percorrer todo seu corpo. Ela queria mais, ela queria tudo, mas ela lembrou que Xena precisava descansar. O beijo se desfez.
Xena se agitou e começou a se levantar, Gabrielle protestou e tentando segurá-la disse: – onde você pensa que vai? Você tem que descansar, vamos durma, eu estou aqui com você. Mas Xena não parecia ouvir e continuava a forçar as mãos que a seguravam, para poder se levantar. Mesmo enfraquecida pela febre Xena era muito mais forte do que Gabrielle que sem saber o que fazer para contê-la, passou sua perna por cima do corpo de Xena e deitou-se sobre a mulher. Seus rostos estavam muito próximos, as respirações partilhadas, as batidas do coração acertando o ritmo. Xena a abraçou, se acomodou e resvalou outra vez para o sono ou a inconsciência. Gabrielle sentindo o corpo que tanto desejara tocar sob o seu, relaxou e adormeceu, por enquanto saciada.
Algumas horas mais tarde, Xena acordou. Ela sentia-se toda dolorida e custou um pouco para entender o que estava acontecendo. Estava escuro, o fogo crepitava ali perto prestes a se apagar e quase não iluminava, a noite parecia bem fresca mas ela estava bastante suada e sentia um peso morno por todo o corpo. Ela demorou a perceber que Gabrielle estava dormindo em cima dela. Ela sentiu primeiro o perfume conhecido, depois viu os cabelos louros. “O que será que havia acontecido?” Ela tentou se levantar e Gabrielle reclamou resmungando alguma coisa. Ela tocou a cabeça loura com carinho e chamou: – Gabrielle?! Acorda…
– O que foi Xena? Você está bem? Respondeu Gabrielle esfregando os olhos.
– Estou bem, mas você poderia sair de cima de mim?
– Eu estou te machucando?
– Não, não está, mas…
– Se não está machucando, acho que quero ficar aqui um pouco mais, Gabrielle falou com um sorriso.
Xena sentia seu corpo todo tomado pelo calor e não era de febre. Ela queria mais do que tudo tocar, amar Gabrielle que estava parecendo tão diferente, mais confiante… mas não, Xena não queria arriscar. Ela lembrava vagamente, da sensação de tê-la beijado, mas isso só podia ser mais um daqueles sonhos estranhos. Xena pediu outra vez, – sai Gab, por favor…
Gabrielle escorregou para o lado e continuou: – Eu fiquei com medo, viu? Você não deveria me assustar desse jeito!
– Gabby, eu não sei exatamente o que aconteceu, e por que você estava dormindo em cima de mim?
– Foi o único modo de te manter deitada, você estava com muita febre por causa do veneno. Messene me disse o que fazer. Que bom que você já está normal. Você dormiu bem?
– Ah! Então foi isso, o ferimento… desculpe pelo trabalho. Eu dormi bem, eu acho. Mas tive uns sonhos estranhos, mas deixa para lá. São apenas sonhos.
– Que sonho Xena? que sonho você teve?
– Esquece. Eu não quero falar sobre isso.
Gabrielle sorriu e perguntou: – seu sonho por acaso era sobre um beijo?
Xena abaixou os olhos e respondeu: – Eu não sei como você pode saber alguma coisa a respeito, mas tudo bem, eu sonhei que nós… nós nos…
– Beijávamos… Completou Gabrielle, e continuou com a voz cheia de carinho tocando o rosto da outra: – Querida, não foi um sonho, e “nós” não nos beijamos, eu beijei você.
Xena arregalou os olhos e disse bastante desconcertada: – Você me beijou. Você me beijou?! Repetiu desnecessariamente.
– Beijei sim, só que agora eu quero tentar outra vez com você acordada!
Gabrielle mais uma vez beijou os lábios de Xena que a abraçou apertado. Xena ainda tentou se certificar se Gabrielle sabia o que estava para acontecer se ela continuasse a agir daquela maneira, não haveria controle possível.
– Gab… espere! Você sabe o que está fazendo? Perguntou Xena sentindo as mãos de Gabrielle a acariciando suas coxas.
– Sei sim! Pelo menos acho que sei, mas parece que vou ter que usar toda a minha criatividade. Eu amo você Xena, eu quero você! Não há nada que me faça parar, a menos, é claro, que você não queira?! Acho que agora eu estou entendendo o negócio da privacidade e conforto! Parece que a sacerdotisa sabe mesmo ver o futuro. Disse Gabrielle com um enorme sorriso e voltando a beijar Xena.
Gabrielle ouviu apenas o sussurro em seu ouvido: – eu quero!
Xena tentou falar mais alguma coisa mas Gabrielle não deixou, beijando-a ainda mais profundamente. O momento tão desejado e esperado chegara, mas apesar do ímpeto, Gabrielle estava bastante insegura, ela não sabia exatamente o que fazer e estava com um certo receio das coisas não darem certo por conta de sua inexperiência, mas ela logo percebeu que Xena sabia exatamente o que queria e que ela a ensinaria, com certeza ela a ensinaria.
As duas estavam deitadas sobre os cobertores, Gabrielle sentiu as mãos de Xena quando ela começou a desamarrar os laços de seu top e puxá-lo até que seus seios ficassem a mostra. Gabrielle estava muito excitada, seu corpo estava tomado de uma urgência que ela nunca havia experimentado. Deixando que Xena a afastasse perguntou:
– O que foi?
– Eu preciso ver você! Respondeu Xena, arfando um pouco.
– Acho que você já me conhece de cor.
– Talvez, mas eu preciso te ver, eu realmente preciso te ver!
Dizendo isto Xena tocou o rosto de Gabrielle com as duas mãos e fez com que elas deslizassem, pelo pescoço, pelo colo e parassem nos seios da moça. Xena sempre quisera tocar naqueles seios, suas mãos estavam trêmulas ao sentir sob seu toque a maciez, o calor da pele de Gab. Era difícil para Xena se manter calma, ir devagar. Tanto tempo de espera! Ela se sentou ainda com as mãos nos seios de Gabrielle e a acomodou melhor sobre suas pernas. Começou a beijar o pescoço da jovem que se mantinha a espera, e desceu com os lábios até onde suas mãos estavam. O desejo a consumia, ela sentia a umidade conhecida invadir suas partes íntimas enquanto sugava lentamente cada um dos mamilos rosados. Gabrielle soltou um gemido de satisfação e segurou a cabeça de Xena forçando-a contra si. Gabrielle gostava da suavidade com que sua querida amiga a estava tomando, mas ela estava muito excitada, ela queria com certeza um pouco mais de ardor e disse: – mais forte Xena, mais forte!
Xena sorriu a esse pedido, mas continuou sua tarefa lentamente. Ela sentiu Gabrielle tentando desajeitadamente tirar o resto de sua roupa e a soltou por um instante para que a moça pudesse fazer o que queria, Xena por sua vez retirou o cinto, a saia de Gabby. As duas agora inteiramente despidas se abraçavam tentando nesse abraço recuperar sua unidade perdida. Os corpos unidos sentiam e partilhavam o calor e o desejo. As mãos de Gabrielle queimavam em sua pele. Xena sentia a urgência da mulher mais jovem, ela deixou Gabrielle beijar sua boca outra vez, “onde, pelos deuses Gabrielle havia aprendido a beijar daquele jeito?” Ela sentia a língua da jovem brincar em sua boca, buscar a sua língua. O beijo se desfez, Gabrielle tinha outras idéias, e já beijava o queixo, o pescoço até chegar aos seios da guerreira. Xena gemeu e tentou dizer com o fio de sanidade que ainda possuía: – Com quem você aprendeu isso!? A mão de Gabrielle estava entre suas pernas e embora ela sentisse a incerteza do toque da outra, o prazer estava acima do suportável. Ela queria tudo! Gabrielle sem interromper o que estava fazendo respondeu: – Estou aprendendo agora, com você. Me diga… hum… se eu fizer algo errado. Xena movendo o corpo no ritmo da mão e dos dedos de Gabrielle disse com muita dificuldade: – Pelos deuses Gab, você está fazendo tudo muito certo, vai!
A guerreira não se lembrava de ter sentido algo semelhante. O corpo de Gabrielle parecia tocar cada parte do seu, a boca e as mãos da moça estavam em todas as partes e o prazer que ela estava sentindo com esse contato ultrapassava, e muito sua expectativa. Xena sabia que precisava fazer alguma coisa, mas ela se sentia inteiramente dominada pelo carinho e o prazer proporcionado por Gab. Xena abriu os olhos e viu o rosto da moça com um sorriso enorme muito perto do seu. Ela ainda tentou falar alguma coisa, mas o que Gabrielle estava fazendo, ah! o que sua querida Gabrielle estava a ponto de conseguir…
Xena estremeceu e sentiu um prazer intenso percorrer todo o seu corpo. Estreitando ainda mais o laço que as unia, a guerreira iniciou por sua vez sua própria exploração beijando os olhos fechados de Gab, e a sua boca. Os lábios das duas pareciam já ter aprendido seus próprios segredos. A união era completa. Xena precisava sentir o gosto da outra e girando sobre o corpo de Gab moveu-se até estar sobre ela. Suas mãos a acariciavam e era possível sentir a resposta ansiosa a cada toque. Xena encantou-se com os quadris bem formados, as coxa rijas. Suas mãos e seus lábios exploravam, exploravam. Ela acariciou o triângulo escuro entre as pernas de Gab, e abrindo mais as pernas da amiga acomodou sua cabeça entre elas. Sua língua explorou o sexo da outra com muita habilidade. Xena não conseguia se lembrar de ter provado qualquer outra coisa que se comparasse ao gosto de Gab.
Gabrielle nunca havia sentido nada semelhante, sua única noite com seu marido não havia lhe mostrado muitas coisas, ele havia sido muito bom e carinhoso, mas definitivamente não era a mesma coisa, “Bem” pensou ela rindo de si “não era a mesma coisa com certeza!”. O contato com aquele corpo tão desejado era uma experiência única. Ela podia sentir as mãos de Xena em todo seu corpo, e o que a outra estava fazendo nesse instante Gabrielle nem sabia ser possível. A língua de Xena em seu sexo as mãos buscando seus seios. Como ela amava essa mulher! Ela queria tudo!
As duas nem pareciam lembrar que há poucas horas atrás Xena estava febril e doente, ou se lembraram rapidamente esqueceram. Nada mais importava, os dias sombrios, as vezes em que Xena havia feito coisas que ela própria não conseguia perdoar, nada mais importava. Ela estava ali partilhando com Gabrielle todo o seu amor.
As duas permaneceram abraçadas por muito tempo, trocando carícias e beijos. Gabrielle parecia completamente livre de suas dúvidas, se é que eram realmente dúvidas. Ela sentia o corpo de Xena responder ao seu toque e isso a estava deixando muito excitada.
– Xena!
– Sim querida!
– Isso que você fez comigo agora pouco, bem… todo mundo faz? Quer dizer, eu também posso fazer?
– Você pode fazer o que quiser comigo Gab, o que quiser!
– Xena! Nós agora somos amantes?
– Parece que sim!
– Então nós vamos poder fazer isso sempre?
– Espero que sim – disse Xena beijando os lábios de Gab.
– E eu posso experimentar agora, isso que você fez? Perguntou Gabrielle com um sorriso maroto.
Xena não respondeu, apenas relaxou e deixou que a moça fizesse o que queria.
Os primeiros raios de sol acordaram Xena. Gabrielle ainda aconchegada em seus braços, a guerreira abriu um grande sorriso e tocou o rosto da moça com suavidade. Gabrielle sorriu, ela já estava acordada a algum tempo, mas não quisera romper o abraço. Parecia que nenhuma da duas precisava falar. Tudo fora entendido. Mas havia um novo dia pela frente. Xena disse:
– Nós vamos ter que levantar querida… a sacerdotisa.
– Sim, vamos levantar, só mais um pouco.
As duas se mantiveram imóveis por mais algum tempo sentindo apenas o calor partilhado. Haveriam outras noites, outros dias.
Algum tempo depois Messene se aproximou da fogueira. “Já era seguro” pensou ela com um sorriso. As duas estavam sentadas preparando a refeição da manhã e trocando mensagens silenciosas. A sacerdotisa, dirigindo-se a guerreira, falou atenciosa.
– Vejo que você já está bem.
– Sim, muito obrigada, por tudo. As três trocaram um olhar de compreensão.
Depois da refeição as três puseram-se de volta ao caminho. Gabrielle montada em Argo atrás de Xena, Messene seguindo um pouco atrás observava a mudança nas duas mulheres a sua frente. Ela havia percebido desde o primeiro momento a tensão entre as duas. E agora o que ela via era muito agradável. Era puro amor. A moça loura abraçava a guerreira de um forma muito sensual, em algum momento elas teriam que controlar um pouco essa atração, mas havia tempo para isso.
FIM
Continua em uma próxima aventura!