Gustavo Samuel

Disclaimers, advertências ou coisa que o valha: Eu estou louco pra dizer que isso é só uma porcariazinha, que vocês deveriam procurar algo mais interessante, uma fic da Carla ou da Cecília. Mas vou me conter, quero realmente que vocês leiam isso e comentem, critiquem, avaliem. Só assim posso crescer e melhorar. Só assim posso ser um dia um grande escritor. Espero que a fic esteja pelo menos a altura dos pés da mais fodástica vilã de todos os tempos, a má e adorada Callisto.
Esse espaço serve também para agradecer. Porra, tem tanta gente. Bel e Carol, mãe e filha, que leram, palpitaram e me apoiaram. Cris, minha grande amiga. Dy, aquela paranóica maravilhosa. Bidi, Rapha, Lu, eteceteras, eteceteras e eteceteras. Ah, também tem meu papagaio (eu tenho papagaio?) e a grande, inigualável, estupenda apoiadora de novos fiquiteiros (neologismo infame!) Carlinha!

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O Nascimento de Callisto
Um poderoso exército está pronto para atacar um pequeno vilarejo. São mais de uma centena, metade deles está montada em belos e fortes cavalos, os outros empunham enormes lanças de bronze. Ouve-se alguém gritando “já” e duas imensas bolas de fogo são lançadas de catapultas contra a muralha que protegia a vila, que inevitavelmente caiu.
Uma mulher morena, à frente de todos os outros, brande sua espada, solta um forte grito de guerra e incita seu cavalo a correr em direção à vila. Os guerreiros a seguem. Enquanto isso, dois rapazolas atiram flechas flamejantes contra dois barris de “fogo grego”, que explodem imediatamente.
Na vila, todos observam a cena apavorados. O artifício dos mercenários fez parecer que vinham do céu, em terríveis cavalos de fogo. O exército improvisado (alguns homens vestindo uniformes de couro e empunhando velhas espadas e alguns camponeses com suas foices) hesita em atacar, o que irá lhes custar a vida.
A mulher que vem a frente do bando pega de sua cintura um aro que parece ser feito de aço e o atira. O círculo destrói as espadas de seis guerreiros, bate em uma parede e volta para a mão da guerreira, cortando a garganta deles antes.
– Ela é um monstro!
A guerreira salta de seu cavalo, desembainha sua espada e dá uma pequena risada. Quatro soldados a envolvem. Ela gira a espada e a crava no abdômen de um deles, dá um chute em outro, jogando-o no chão e uma cotovelada no terceiro. O quarto tenta fugir, mas ela salta e o agarra por trás. Depois, com a ponta dos dedos, lhe aplica um golpe no pescoço.
– Aproveite seus últimos trinta segundos de vida.
Calmamente, ela volta até os guerreiros que nocauteou há poucos instantes. Retira a espada da barriga do morto e vai até o que ela chutou, que estava consciente.
– Diga a Hades que Xena mandou lembranças.
Dizendo isso, ela gira a espada e lhe corta o pescoço lentamente, se deliciando com a dor do inimigo.
O exército de Xena já havia dominado a vila. Do pequeno exército de aldeões, sobraram uns poucos, que suplicavam feito crianças por suas vidas. A guerreira vai até eles, sorrindo de prazer com o seu sofrimento.
– Devemos matá-los?
– Não. Deixem esses porcos viverem. Assim podem reconstruir a vila, e a saquearemos depois. Peguem tudo que for útil. Comida, remédios, agasalhos. Tudo.
Os aldeões olham desgostosos os bárbaros saquearem o fruto de seu trabalho árduo, mas nada podiam fazer. Se fossem loucos o bastante para atacar, seriam dizimados. Um deles olhava com ódio para a mulher, sabia que ela os manteve vivos não por piedade, mas para que padecessem vendo a destruição da aldeia.
Xena observava tudo com deleite. Adorava a sensação da vitória, mesmo quando o inimigo era tão fraco. O medo nos olhos dos habitantes da aldeia a enchia de prazer. Um par de olhos, entretanto, a encarava com ódio. Aquele jovem fez ela se lembrar de si mesma anos atrás. Também encarou daquela forma os assassinos de Lyceus.
– Eles não me entendem. Nunca reconhecem o meu valor. Faço tudo por eles e o que ganho em troca? Nada.
Uma pré-adolescente carrega dois baldes de água e resmunga contra seus pais para um colega da mesma idade, que também carrega baldes. Ele sorri para a amiga, tentando acalmá-la.
– Relaxa, Cal. Até parece que seus pais te odeiam.
– Ah, Philemon. Diz isso por que eles não são seus pais.
Philemon para de andar e deixa os baldes no chão. Ele olha para o lado contrário da menina, tentando, sem sucesso, esconder sua tristeza.
– É melhor que ser órfão, Callisto. Com certeza. E eles não são ruins, você é que está nervosa.
Callisto pensa em responder, mas sabe que Philemon está certo e que só quer o seu bem e, também, não quer brigar com seu melhor amigo.
– Tirando a parte que eles não são ruins, você está certo.
Eles riem um pouco e voltam a carregar os baldes.
– Me diga, Cal. Qual foi o motivo da ultima discussão?
A menina olha para o céu, fingindo dúvida.
– Deixe-me ver. Trabalhos domésticos foi semana passada, a cadeira quebrada na outra.
Philemon não consegue evitar uma risada.
– Dessa vez foi casamento.
O garoto a encara com os olhos esbugalhados.
– Casamento? Já estão querendo te casar?
– Não. Estão brigando comigo por viver como um menino, brincar com espadas, subir em árvores. Segundo minha mãe, já estou com idade de me comportar como uma mocinha. Tenho que pensar em casamento.
– Ah.
– Oras, eu não quero me casar. Quero ser uma guerreira.
Philemon balança negativamente a cabeça.
– O que? Acha que uma mulher não pode guerrear?
– Não é isso. Acho a guerra uma péssima escolha. Já pensou que assim teria que matar pessoas?
Callisto não responde. Philemon pensa que convenceu a amiga de que a guerra é algo ruim, mas a verdade é que Callisto não respondeu para não aborrecer seu amigo. Ela sentia que poderia matar alguém e conviver com isso, não que desejasse sangue, mas se fosse necessário…
Os dois chegam à taverna da vila, onde mora Philemon.
– Quer ajuda?
– Pode deixar. Atrius vai acabar se zangando se não for ajudá-lo.
– Até mais, então.
– Até.
Xena retira aos poucos sua armadura e a negra roupa de couro. Coloca um pé na água, sentindo sua temperatura, para em seguida imergir na sua grande tina. Nesse exato momento, Ares aparece.
– Mais uma vitória da minha princesa guerreira.
– Nada de mais. Só uma vila ridícula, com aldeões ridículos.
Ares massageia as costas da guerreira.
– Cirra não será tão simples.
– Por isso ataquei aquela vila idiota. Para ter suprimentos. Mas você sabe que Cirra também não tem porte para me satisfazer, não é?
– Sei. Só não sei se existe algum lugar com porte que te satisfaça.
Xena se vira para o deus da guerra e depois começa a beijá-lo com furor.Horas depois, em um templo do deus da Guerra:A princesa guerreira e o deus da guerra estão frente a frente, com sorrisos maliciosos em seus rostos. A ponta da espada de um chega a tocar o pescoço do outro de leve.
– É tudo que tem, deus da guerra?
– Quer mais?
Os dois recuam um pouco e voltam a lutar. As lâminas das espadas se debatem em um ritmo alucinante. Um ataca, o outro se defende e responde com a mesma intensidade. Ser um deus não dá vantagem alguma a Ares, que enfrenta a princesa guerreira com dificuldade.
– Um deus não pode vencer uma reles mortal? – Xena provoca.
– Você não é uma reles mortal, Xena.
A guerreira levanta uma sobrancelha para o deus e sorri maliciosamente. Este a ataca com um raio, ela dá um salto para trás, se agarra em uma corrente e volta com toda a força, atingindo-o no peito. Ela salta novamente e cai sobre Ares, que estava estendido no chão.
– Pare de gracinhas, Ares. Quero que lute com toda a sua força.
– Você sabe que faço com toda intensidade aquilo que me dá prazer.
Dizendo isso ele começa a beijar o pescoço da guerreira, que o incita por alguns momentos, para decepcioná-lo em seguida, evitando-o abruptamente.
– Então já não é forte o suficiente para mim.
Ela se levanta e fica de costas para ele, olhando divertidamente para o chão.
– Não seja ingrata. Você estava no fundo do poço quando te encontrei. Transformei o seu potencial em realidade.
Mais provocante ainda, ela responde.
– Passado, deus da guerra. Passado.
– Não me faça perder a paciência.
Ela se vira, e o encara maliciosamente, põe sua mão sensualmente no seu peito e pergunta:
– O que vai fazer? Me matar?
Eles se beijam.
– Sabe que não pode viver sem esses olhos azuis, não é? – Sua mãe não brigou por você ter ficado até tarde na Taverna, não?
– Não muito. Ela sabia que estávamos juntos, então só disse para tomar cuidado. Ela te acha uma boa influência.
Os dois estão na margem de um lago, jogando pedrinhas. Philemon joga uma que ricocheteia (?) três vezes antes de afundar. Callisto também joga uma que ricocheteia nove vezes.
– Pode dizer. Eu sou a melhor.
– Você é a melhor, Cal.
Os dois se deitam no chão, dando risadas. Callisto olha com ternura para Philemon e decide contar tudo o que sente para o amigo e que nunca teve coragem de dizer.
– Ela tá certa, Philemon.
– Ela quem?
– Minha mãe. Você é uma boa influência. Não sei o que seria sem você.
O rosto de Philemon fica vermelho. Os dois se levantam para que os olhos de um encontrem os do outro.
– Você é a melhor amiga que alguém poderia ter.
Agindo meio que por instinto, ele segura de leve o queixo dela e, bem levemente, toca seus lábios nos dela. Dessa vez é Callisto que enrubesce. Ela dá um passo para trás e sorri marota.
– Se me seguir, corto sua garganta.
Sem tirar os olhos dos de Philemon, recua devagar. Depois sai correndo. O garoto se deixa cair na grama e fica olhando para o céu, tentando entender o turbilhão de sensações que está sentindo (?).
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Xena verifica os danos sofridos no ultimo saque. São poucos, um cavalo morto e poucos feridos. As explosões que ela causou foram mais destrutivas que a resistência deles. Nada que pudesse preocupá-la.
Cirra não era páreo para seu exército, mas certamente seria ajudada por aldeias vizinhas, que temiam o avanço de seu exército, pois sabiam que seriam as próximas destruídas impiedosamente. Era preciso inteligência para não sofrer danos mais sérios, por isso tinha decidido visitar, disfarçada de camponesa, a vila.
– Xena!
Um dos seus homens, puxando uma velha, grita por ela. Está visivelmente irritado com a mulher e a arrasta da forma mais cruel possível até sua comandante.
– Essa velha cega estava a dizer asneiras no acampamento.
A guerreira levanta uma sobrancelha para ele, pedindo mais informações.
– Dizia que queria falar com a mulher dos olhos azuis, comandante desse exército e que tinha que avisá-la de seu futuro, que seria muito sombrio. É uma demente.
– E por que me incomoda com uma velha gagá?
O homem não responde. A velha faz isso por ele.
– Por que provei que meus olhos, apesar de não enxergarem o presente à minha frente, conhecem bem o futuro. Disse como… ele iria morrer.
Um sorriso maldoso surge no rosto da guerreira.
– E como será?
– Torturado impiedosamente às suas ordens.
A gargalhada da comandante deixa o guerreiro apavorado.
– Menelau, Ájax. Faça com que o destino de Antônio seja cumprido.
Os dois seguram Antônio pelo braço e o levam. Este grita desesperadamente.
– Piedade, comandante. Sempre fui leal a ti.
– Um soldado do meu exército que pede piedade e chora como uma criança por sua vida não merece viver.
Ele é arrastado pelos dois outros soldados até uma tenda, onde os prisioneiros são torturados. Xena escuta por algum tempo os gritos desesperados de Antônio e depois se volta para a velha.
– Venha comigo. Então… Também sabe quando vou morrer e veio me avisar?
Xena senta em um trono todo ornamentado de ouro e pedras preciosas. Ela observa a mulher atentamente. Uma de suas sobrancelhas está levantada (?), demonstrando a preocupação no rosto da guerreira.
– Não. Vim tentar fazer algo que não acredito ser possível.
Ela aperta os lábios em sinal de impaciência.
– Acha que o destino não pode ser mudado, não é?
– É.
– Então, porque está aqui?
Xena dá um murro na mesa.
– Há muito tempo, eu também fui uma guerreira. Manejava como ninguém uma espada. Era rápida, forte, destemida. Um dia minha aldeia foi atacada por um bando de mercenários carniceiros. A primeira coisa em que todos pensaram foi fugir para as montanhas, salvar tudo que pudessem. Eu, no entanto, tinha um espírito guerreiro. Incitei vários jovens e alguns velhos a formarem um exército e enfrentar o inimigo.
Xena sentia que cada palavra dita por aquela mulher era soco em seu estômago. Desejava cortar a cabeça dela fora para que parasse com aquele relato que lhe trazia tão nefastas lembranças, ao mesmo tempo em que desejava saber cada detalhe da história.
– O exército era muito forte, mas lutávamos bravamente. A derrota veio com muito sangue, inclusive o da minha família.
A imagem de Lyceus vem na mente da guerreira. Uma lágrima solitária corre pelo seu rosto. Ela aperta os olhos com força, para evitar que outras também sejam derramadas. Outro murro na mesa.
– Sabe do meu passado e me vem com essa história para que eu acredite nas suas profecias.
– Você sabe que digo a verdade.
A guerreira vai até a velha aperta seu pescoço.
– Prove.
– Por que decidiu ser a destruidora de Nações, Xena? Se tornou o que mais odiava.Uma assassina. Quer a cabeça de César, não é? Você o odeia por ter causado a morte de M’yla, não é mesmo? Quando finalmente tinha encontrado alguém que a reconfortasse, que gostava de você como Lyceus gostava, um traidor miserável a tira de você.
A guerreira solta o pescoço da cega.
– Qual seu nome?
– Mirian.
– O que veio me dizer?
– Vim pedir que não ataque Cirra.
A guerreira solta uma gargalhada irônica.
– Por que não destruiria aquela aldeia?
– Para evitar que a mesma história se repita, terminar o círculo de violência. A destruição em Cirra será terrível. Casas queimadas, a vila dizimada, quase todos mortos, inclusive mulheres e crianças.
Xena segura Mirian pelos ombros com força, visivelmente irritada.
– Eu não mato mulheres e crianças.
– Você não quer matar mulheres e crianças. É diferente. Xena, você pode parar o ciclo de violência. Você não é uma assassina.
As palavras da velha fazem surgir lembranças à mente da guerreira.
Uma Xena mais jovem chora sobre o corpo de Lyceus, quando sua mãe aparece em sua sepultura.
– No que estava pensando quando resolveu lutar contra Cortese?
A jovem guerreira olha para o chão. Tem medo do repreensivo e amargurado rosto de sua mãe.
– Deveriam ter ido para as montanhas conosco. Não tinha que arrastar seu irmão para essa loucura, agora… Agora ele está morto.
Cyrene começa a chorar. Xena coloca sua mão direita no ombro dela, mas a mãe a repele bruscamente.
– Nós tínhamos que nos defender. Se não tivéssemos lutado, Amphipolis estaria destruída completamente e talvez fossemos escravos de Cortese agora.
Cyrene balança a cabeça nervosamente. Ela enxuga as lágrimas, que teimam em cair, com as palmas das mãos.
– Não somos guerreiros, Xena. Nas montanhas estaríamos bem protegidos. A responsabilidade pela morte de Lyceus é sua. Você o matou.
Xena volta a chorar. Não acredita no que ouve. Sua própria mãe lhe chamava de assassina. Ela vai em direção à saída bem devagar. Ela queria que alguém lhe dissesse que não era culpada pela morte do irmão, silenciando seu coração, dizendo que ela e Lyceus foram dois heróis e que ele tinha morrido honrosamente, protegendo sua pátria.
– Eu prometo, Lyceus, que serei incrivelmente forte. Ninguém mais irá atacar Amphipolis novamente e que a cabeça de Cortese não ficará muito tempo junto a seu corpo.
– O que te faz pensar que não sou uma assassina?
– Posso ver como você sofre no futuro. Já senti a mesma coisa.
– E o que você tem com isso?
– É o que devo fazer.
A guerreira anda de um lado para o outro. Os piores momentos da sua vida lhe vem à mente. Pessoas gritando, implorando piedade. Cyane no tronco da árvore, a tristeza nos olhos de Lao Ma, a morte de M’yla e de seu irmão.
– NÃO! EU SOU UMA ASSASSINA.
Ela grita com raiva e joga a vidente no chão. Senta na barriga dela e começa a estrangulá-la.
– Por minha causa, Lyceus morreu. M’yla também, porque quis me proteger. Eu não ligo se vou sofrer ou não. Tudo que quero é destruir, matar. Quero a cabeça de Cortese e César em uma bandeja. Eu quero ser uma assassina.
Sufocando, Mirian ainda consegue proferir mais algumas palavras.
– Eu quis mudar o que vi, pois achei que era o certo. Mas acredita em mim, Princesa Guerreira, sua alma é boa. Um dia, alguém como Lyceus, Lao Ma e M’yla te fará ver isso. Me desculpe por ter falhado. Só não queria que alguém mais sofresse como você e eu.
Vestida como uma simples camponesa, Xena chega a Cirra com um cavalo que manca bastante. Em frente à taverna de Átrius, ela finge preocupação com a montaria, que ela mesma feriu. Um homem gordo sai da taverna e observa com deleite a mulher alta. Os músculos bem definidos lhe chamam atenção, não mais, entretanto, que o belo colo descoberto pelo decote no vestido. Impressiona-lhe também os belos olhos azuis.
– Posso ajudar, senhorita?
Fingindo um sotaque caipira, a guerreira responde.
– Pode sim, senhor. Sabe onde tem um ferreiro por aqui?
Ela olha para a direita e para esquerda e puxa a barra do vestido um pouco para cima sensualmente.
– Vou pedir que Philemon leve sua montaria até o ferreiro, enquanto isso tome alguma coisa na minha taverna.
– Ah, a Taverna é sua?
– É sim. Sou Átrius.
– Sou… Helena.
– Ué? Ainda está aqui?
Calisto levanta uma sobrancelha, estranhando a pergunta da mãe.
– Essa é minha casa, não?
A mãe de Calisto vai até a cama da filha e afaga com carinho seus cabelos.
– É que você mal fica aqui.
– Philemon ainda deve estar muito enrolado na Taverna, depois vou lá.
A mulher sorri com candura para a filha.
– Gosto desse seu amigo. Cal…
Calisto se senta na cama para prestar mais atenção no que a mãe, que transformou de uma hora para outra seu sorriso em uma expressão triste e séria.
– O que foi, mamãe? Quer me dizer alguma coisa?
– Quanto à nossa ultima briga…
Calisto a interrompe com um abraço bem apertado. Ela não tenta conter suas lágrimas. Tem brigado muito com sua mãe nos últimos dias, o que lhe causava muita dor.
– Eu te amo, mamãe. Não quero discutir por coisas tão bobas.
A mulher responde ao abraço com a mesma intensidade e carinho.
– Você é uma ótima filha.
Elas escutam o barulho de um cavalo relinchando lá fora e a voz de Philemon chamando por Calisto.
– Vai se divertir.
Cal assente com a cabeça e sai correndo. A mulher continua olhando para a porta por um longo tempo ainda.Philemon e Calisto vão em silêncio até a oficina do ferreiro. Ele segura o cavalo com uma das mãos e a outra balança exageradamente, tocando, propositalmente, a mão dela. Calisto entende o tácito convite e faz a mesma coisa. Em pouco tempo, estão de mãos dadas.
– De quem é o cavalo?
– De uma mulher bonita que está fingindo gostar de Átrius.
– Como você sabe que ela está fingindo?
– Ela é bonita, tem lindos olhos azuis, uma pele macia…
Calisto aperta a mão dele com força.
– Estava com fome e não tinha dinheiro. Então resolveu cantar o taverneiro…
Calisto solta uma sonora gargalhada. Philemon também sorri, mas está tenso demais. As coisas estavam indo muito bem. Finalmente teve coragem de se abrir para sua amada e parecia que ela correspondia.
– O que está acontecendo ali?
Calisto aponta para a oficina. Dois homens estão socando o ferreiro. A jovem, então, solta a mão do amigo e corre na direção deles. Ela pega uma espada, a gira no ar e os ataca. Um deles saca uma espada e os dois lutam. O outro tentou acertá-la por trás, mas antes foi atingido na cabeça com um tijolo, atirado por Philemon.
Calisto gira a espada várias vezes, desenhando sucessivos oitos, e desarma o bandido. Depois acerta um chute em seu estômago e outro em seu rosto, jogando-o no chão.
– E agora?
Ela prende o bandido no lugar, ajoelhando sobre sua barriga, levanta a espada vagarosamente e se prepara para cravar a ponta dela no peito dele. Os olhos do bandido suplicam clemência, os de Calisto revelam um desejo sombrio por sangue.
– Calisto! Não!
Ao escutar a voz de Philemon, Calisto se detém e bate o cabo da espada na cabeça.
– O que você ia fazer?
Calisto joga a espada no chão e sai correndo. Philemon grita pedindo que espere, mas ela desaparece na vila.
– Marcus, Átrius pediu que cuidasse da ferradura desse cavalo. Depois venho buscá-lo. Cuida desses caras também. Vou atrás da Calisto.
O ferreiro assente com a cabeça e Philemon sai correndo. Xena observa a taverna de Átrius. Percebe que há muitos soldados ali e muitos têm uniformes diferentes; vinham de outras cidades e vilas. Muitos homens, sem nenhuma armadura, carregam espadas e lanças. Para ter mais informações, ela desabotoa mais um botão de sua blusa, deixando seu busto ainda mais à mostra e interroga, com uma voz macia, o taverneiro.
– Tem muitos soldados por aqui, né?
– Sim. Muitos não são daqui, vieram de aldeias aliadas. Um exército de mercenários atacou uma vila perto daqui e acham que Cirra será o próximo alvo.
A guerreira finge surpresa.
– Mesmo? E esse exército é muito perigoso?
– Sim, dizem que é comandado por uma mulher protegida pelo deus da guerra. Xena, a Princesa Guerreira. Sua crueldade é conhecida em toda a Grécia. Que os deuses nos protejam.
A guerreira sorri por dentro.
– E vocês tão fazendo armadilha, fortalecendo as muralhas?
Átrius olha desconfiado para ela. Por que uma mulher estaria perguntando sobre suas defesas? Xena percebe a hesitação de seu interlocutor, então abre mais o decote e deixa seus dedos, “inocentemente”, brincarem em seu colo.
– Quero ter certeza que meu amigo Átrius ficará bem.
O homem está quase sem fôlego, já nem se lembrava mais de qualquer suspeita e contou tudo que sabia sobre armadilhas, defesas, armas, entre outras coisas, que tinha ouvido dos soldados e oficiais na taverna nesses dias.Calisto joga pedras no rio com raiva. Elas ricocheteiam inúmeras vezes antes de cair. Ela murmura alguns palavrões contra si mesma. Percebe que Philemon a está observando, mas espera que ele fale alguma coisa antes, pois não sabe o que dizer.
– Cal…
Ela não responde.
– Cal!
Ela joga outra pedra no rio e se vira para ele. Seus olhos estão vermelhos e o rosto molhado pelas lágrimas. Philemon vai até ela e a abraça com força.
– Você deveria se afastar de mim, Phil.
– Nunca faria isso, Cal. Eu te amo.
Ela solta o amigo e põe uma mão em seu ombro.
– Lembra quando falamos sobre guerra outro dia? Eu não fui sincera com você.
– Não?
– Não. Hoje eu confirmei algo. Eu mataria, Phil. Sim… Seria capaz de matar alguém e conviver com isso. Eu sou uma assassina, Phil.
Ela volta a chorar. Philemon a abraça novamente.
– Não é não, Cal. Se fosse teria matado aquele homem sem nem mesmo titubear. Você se importa com as conseqüências dos seus atos, com o que eu e seus pais pensamos. Um assassino não.
Calisto fica abraçada a Philemon. Percebe como é bom tê-lo ali do seu lado. Ela mataria aquele homem tranquilamente se não fosse ele. Fazia tudo para agradá-lo, resolveu escutar sua mãe de manhã porque ele insistiu e o mais engraçado que sempre se sentia bem por isso. Agora ela tinha certeza que era amada por sua mãe.
– O que seria de Calisto sem Philemon?
– O que seria de Philemon sem Calisto?
Ela se afasta dele sorrindo.
– Preciso de um tempo só para mim, Phil. Ajeitar a bagunça nessa loucura.
Ela aponta para a própria cabeça.
– Vai ficar bem?
– Vou.
Ela toca seus lábios nos dele, Philemon finge que desmaia de felicidade e cai na grama. Ela balança a cabeça negativamente, rindo. Depois, sai pela floresta, tentando entender não só o que se passa em sua cabeça, mas também no coração.
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Merda. Onde é que vou conseguir respostas para isso? Se eu falar para minha mãe que senti prazer em quase matar alguém, ela me dá uma sova e depois me tranca em casa. E Philemon? Não, não me rejeitaria por isso, mas também não me ajudaria em muita coisa. Ele é tão pacífico. Hehe. Como é que os garotos o chamavam por nunca brigar? Ah, o virgem de Héstia.
É… Mas o motivo pela aversão dele por violência não é tão engraçado. Nós éramos muito pequenos na época que Átrius o trouxe para a aldeia. Não brincava com ninguém. Ele ajudava o taverneiro e depois ficava em um canto chorando.
Anos atrás, no rio que passa por Cirra:
Philemon, ainda criança, está agachado olhando para o reflexo da lua no rio, com lágrimas nos olhos, quando a menina Calisto se aproxima, pisando duro e jogando pedras no rio.
– Eles nunca me entendem.
Philemon se volta para ela.
– Eles quem?
Só agora Calisto nota que o menino estava lá. Ela senta ao seu lado e responde a pergunta.
– Meus pais. Vivem brigando comigo.
– Sorte sua.
Ela olha para o garoto com espanto.
– Como assim sorte minha? Você escutou o que eu disse?
– Claro. Você tem sorte. Tem pais.
Calisto coça a nuca com uma das mãos (?), ficando uma expressão séria.
– Eu não sabia. Me perdoe.
– Tudo bem.
Ela coloca seu braço direito em seu ombro.
– Átrius é o que? Seu tio?
– Amigo do meu pai. Ele era soldado em Tebas e um dia salvou a vida de Átrius, que prometeu ajudá-lo sempre que necessário. Minha mãe ficou muito doente e morreu. Um ano depois, meu pai foi convocado para uma campanha e mandou uma carta para ele, dizendo que se acontecesse qualquer coisa, viesse me buscar.
– E aconteceu?
O menino balança a cabeça afirmativamente. Calisto sorri para ele e diz:
– Hum… Eu sei que não vai ser fácil, mas sempre que precisar pode contar comigo. Sou Calisto.
– Eu, Philemon.
– Então, Philemon… Amigos?
– Para sempre.
Philemon é muito especial. Eu o amo. Quanto a isso não tenho dúvidas. Só seria feliz ao seu lado. Então acho que não posso decepcioná-lo, não é? Eu acho que deveria desenvolver minhas habilidades e ajudar a proteger a vila. Isso não me tornaria uma assassina. Mamãe e papai ficariam felizes, sempre estaria ao lado deles e não decepcionaria Philemon.
Estou fazendo papel de boba aqui no meio dessa floresta. Acho bom voltar para casa. Mamãe deve estar preocupada. Não tenho que me preocupar com nada. Enquanto tiver Papai, mamãe e Philemon, tudo ficará bem.
– Philemon!
O menino termina de atender um soldado, depois vai até a mulher que o chamava impaciente na porta da Taverna. Era Arleia, mãe de Calisto, uma senhora de meia idade, o rosto parecidíssimo com o da filha, olhos negros, cabelos loiros e ondulados. Seu rosto estava sério e preocupado.
– Algum problema, dona Arleia?
– Cal está com você?
Ele balança a cabeça negativamente.
– Onde será que essa menina se meteu?
– Achei que ela já tinha voltado para casa. Nós estávamos lá no rio, como sempre, e ela disse que iria andar por aí, encontrar respostas.
– Por todos os Deuses do Olimpo! Será que ela está bem?
Philemon a faz sentar em uma das mesas e lhe traz um pouco de água. Depois senta ao seu lado.
– Ela estava um pouco nervosa pelo que aconteceu na oficina de Marcus, mas nós conversamos e tudo ficou bem. Ela deve estar escondida em algum buraco por aí, rindo de nós, sabendo que estamos preocupados.
Ele sorri confiante, para a mulher relaxar. Também está apreensivo, mas não quer preocupar a mãe de Calisto ainda mais.
– Ela ainda deve estar chateada comigo. Nós brigamos há alguns dias, mas achei que estava tudo resolvido.
Ela coloca as mãos nos olhos e começa a soluçar. Philemon põe sua mão no ombro dela, tentando confortá-la.
– Nós conversamos sobre isso hoje. Ela estava muito feliz por ter feito as pazes com a senhora.
Ela olha para Philemon, mais calma.
– Verdade?
– Hum rum.
– Calisto é uma boa filha. Se faz de durona, mas tem um coração de ouro.
Philemon concorda.
– Ela gosta muito de você, Phil.
– E eu dela.
– Eu sei.
Átrius pede ajuda a Philemon para expulsarem um homem de meia idade completamente bêbado que gritava muito e atormentava os fregueses. Arleia o observava atentamente. Atento, carinhoso, tinha sempre uma palavra amiga nos momentos difíceis. Ela sabia que a filha era muito nova para pensar nisso, mas se Philemon fosse o homem da vida dela estaria contente.
– Assim que eu gosto. Sorrindo.
Arleia percebe que olhava o garoto com um sorriso bobo no rosto. Ela fica sem jeito por alguns instantes, mas logo se recompõe.
– Graças a você, Philemon. Agora tenho que ir, talvez Cal já tenha ido para casa.
Ela se levanta e sai, acenando. Ele se despede também e volta para o trabalho.Calisto está caminhando tranquilamente pela trilha que vai da floresta até a aldeia quando vê uma mulher lançar em sua direção um aro de metal que girava em uma velocidade alucinante. Ela coloca as mãos na cabeça e se abaixa e depois percebe que a coisa atinge duas flechas que certamente a matariam, se não fossem cortadas ao meio. A “coisa redonda” bate em uma árvore e volta para a mulher, que o pega tranquilamente no ar.
– Uau!
A mulher se aproxima de Calisto que está impressionada. Xena ainda vestia as roupas de camponesa, mas ainda sim sua presença era marcante, imponente.
– Deveria ter mais cuidado.
Calisto demora a responder. Está admirando a mulher dos pés à cabeça. Sabia que ela não era uma camponesa. Estava diante de uma guerreira e muito habilidosa.
– Obrigada. Estava distraída.
A guerreira lhe dá as costas e começa a andar. Calisto se apressa e a alcança.
– Espera. Qual o seu nome?
– Não te interessa.
A resposta ríspida não intimida a garota.
– Pode me dizer pelo menos o que é essa coisa que tacou para me salvar?
Xena para de caminhar e pega o chackram.
– Uma arma muito perigosa.
– Mas o que é?
– Um chackram.
Ela observa a arma admirada.
– Posso?
Ela toca o chackram. Xena levanta uma sobrancelha e a deixa pegá-lo.
– Nunca vi igual.
– Acho que só existe um.
Calisto faz a mesma pose que Xena fez ao jogar o chackram. A guerreira sorri, com a expressão de Calisto, que apertava os lábios como ela, quando jogou o chackram, o que a fez lembrar-se dela mesma quando tinha essa mesma idade. O som do chackram se debatendo nas árvores a desperta das lembranças.
– Eu não acredito.
– Desculpa.
O chackram rebate mais algumas vezes e volta rápido em direção ao pescoço de Calisto. A menina fecha os olhos com força, quando percebe que não conseguiria desviar ou pegá-lo. Só um milagre a salvaria. Para sua sorte, no entanto, as mãos da guerreira eram milagrosas.
– Desculpa.
A mulher gira seus olhos e guarda a arma.
– Gosta de armas, não é?
– Sou habilidosa com a espada.
– Hum me deixa adivinhar o resto. Você está cansada da sua vida e quer sair pelo mundo, quebrando a cara de valentões.
Calisto coça a nuca sorrindo, encabulada.
– Quando entra em um exército?
A guerreira pergunta com a voz galhofeira. Depois pega no queixo dela devagar e a analisa. Sente a força de seus músculos. Depois passa os olhos desde a ponta dos pés até os mais altos fios de cabelo de Calisto.
– Um dia vou te transformar em uma guerreira.
A menina sorri educadamente para Xena e balança a cabeça, dizendo não.
– Não, obrigada. Resolvi que meu lugar é aqui ao lado da minha mãe e de Philemon.
– Quer ser dona de casa?
Calisto faz uma careta.
– Nem. Vou proteger Cirra e as pessoas que amo.
A menina não percebe, mas atingiu em cheio a guerreira. Imagens de dois jovens em uma guerra em Amphipolis se formam na mente da princesa guerreira. Por que eu não consigo esquecer esse dia desgraçado?Amphipolis, anos atrás.O exército de Cortese domina a vila. A resistência, comandada pelos jovens Xena e Lyceus, já estão muito enfraquecidos, mas lutam bravamente.
Um dos bandidos põe fogo em uma casa de palha. Logo o fogo se espalha e tudo começa a arder, inclusive o celeiro com a última colheita de Amphipolis.
– Não!
Lyceus pega uma lança e a atira contra o incendiário. O acerta em cheio. Entretanto, sua preocupação com o fogo não o deixa perceber um arqueiro, que o atinge no peito. Xena vê tudo, mas já era tarde demais. Ela corre até o arqueiro e corta sua cabeça com um golpe certeiro. Depois vai até Lyceus.
– Agüenta, Ly…
– Não dá, mana. Acho que tudo acaba aqui.
– Não. Você não pode me deixar sozinha, Ly.
O garoto se força para dizer mais alguma coisa, suas pálpebras estão pesadas e vão se fechando aos poucos.
– Xena, eu te amo.
– Ly…Calisto não tem coragem de chamar a atenção da guerreira. Ela está parada na sua frente há um bom tempo. De repente, a guerreira balança a cabeça com força e começa a andar.
– Tome cuidado.
Será que aquela velha tinha razão? Merda, isso não é hora para sentimentalismos, Xena.
Glauco e Heólios, dois soldados do exército da princesa guerreira, afiam a lâmina de suas espadas e observam a movimentação no acampamento. Lanças eram separadas, cavalos tratados, alguns homens treinavam, outros analisavam mapas. Todos estavam a todo vapor, menos a comandante, que observava tudo distante do acampamento em silêncio.
– Ela está estranha, não é?
– Um pouco.
– Nunca a vi tão silenciosa. Geralmente estaria aqui, exigindo pressa e mais dedicação.
– Hum… Todo mundo tem dias ruins.
– É… Mas não consigo pensar na comandante como todo mundo.
Glauco assente.
– Nem. Já me disseram que ela treina com o próprio deus da guerra.
– Não duvido.
Xena desaparece no ar. Os dois não acreditam no que vêem.
– Ela simplesmente desapareceu.
– Eu disse que ela não era normal.
– Mas como, Glauco?
– Mistérios da Princesa Guerreira, Heólios.
Os dois ficam imaginando onde estará sua comandante. Glauco a imagina no Olimpo, como uma verdadeira deusa guerreira. Heólios, lunático que é, pensa que ela se transportou para outro continente, para lá reunir novamente suas forças com ervas de seres monstruosos e incrivelmente poderosos. Na verdade, a explicação é bem simples. Ela foi levada pelo deus da guerra para o mesmo templo em que lutavam dias atrás.
– Não me parece muito excitada com o seu próximo ataque?
A guerreira responde com um grunhido ininteligível e dá as costas para Ares. Este começa a beijá-la na nuca. Ela o repele com dureza.
– Ta nervosa hoje?
Xena aperta os lábios com força, visivelmente irritada, e, ainda de costas para ele, tenta acertá-lo com a mão direita. Ares aperta sua mão com força, nervoso também.
– Não me subestime, Xena. Eu não sou um dos seus guerreiros, a quem pode acertar a qualquer momento.
Ela esboça um sorriso maldosos na face. Levanta com rapidez sua perna esquerda e o atinge em uma parte sensível entre as pernas. O deus da guerra grita com dor, soltando o braço da guerreira. Ela lhe acerta uma cotovelada e depois salta, girando 180º, atingindo-o com um chute no rosto.
– O que você quer?
– Você estava muito quieta hoje, pensei que quisesse se animar um pouquinho…
Ele se aproxima, tenta tocá-la sensualmente, mas a guerreira o evita mais uma vez.
– Obrigada, mas dispenso.
Ares faz um raio surgir em sua mão e depois destrói um vaso antigo que estava em seu altar.
– Que droga, Xena. O que você tem? TPM?
A guerreira o olha com desprezo e acerta o soco em seu rosto.
– Só estava pensando… Talvez não deveria atacar Cirra.
Ela desvia o olhar para o chão. Não quer que Ares sinta sua fraqueza, sua dor.
– Isso, muito bem…
Ela sabe que ele está sendo sarcástico e continua olhando para o chão.
– Amoleça. Por que não luta pela paz também? Isso, Xena. Esqueça tudo. Afinal de contas você pode perdoar Cortese…
Ela põe a mão no Chackram, a expressão de ódio volta ao seu rosto.
– Você pode perdoar César.
Ela não se contêm. Joga o Chakram contra uma parede. Ele rebate e destrói tudo que encontra pela frente, vasos, estátuas, cestas. Em poucos segundos, o templo de Ares está uma bagunça total.
– É assim que eu gosto. Não deixe que nada interfira em seu objetivo, Xena. Nada de compaixão, dúvidas. Destrua tudo que estiver no seu caminho.
Ela solta uma gargalhada maligna e faz com que a guerreira volte ao lugar em que estava anteriormente. Xena ainda fica inerte por um bom tempo, depois levanta a cabeça e volta para o acampamento.
– Andem com isso, seus molengas. Não estão arrumando a casa da mamãezinha de vocês, estão indo para a guerra.- Como assim sumiram?
-Sumindo, comandante. Eles não estão mais lá.
O jovem capitão do exército de Cirra olha surpreso para os batedores que enviou para espionar o exército de Xena. Não acreditava no que ouvia. Como um bando daquele tamanho desapareceria tão rápido em alguns dias.
– Tem algo de podre nisso. Certeza.
Callisto e Philemon observam a conversa deles. Pátroclo, o capitão da guarda, é um grande amigo.
– Ele não deveria estar comemorando?
– Pelo que contam, Phil, Xena é muito esperta. Ele deve estar desconfiado.
Philemon assente com a cabeça e os dois voltam a escutar.
– Aristófanes… Temos que ser muito cautelosos. Essa mulher é muito perigosa.
– Se quiser, podemos ir juntos ao acampamento. Está abandonado mesmo.
Pátroclo, sem responder, vai até seu cavalo, monta e vai em direção ao acampamento. Aristófanes, Callisto e Philemon pegam também três cavalos e tentam acompanhá-lo. Aristófanes, lugar-tenente de Pátroclo, balança a cabeça em desaprovação. (?)
Logo os quatro chegam ao acampamento. Tudo está abandonado. Restos de comida estão espalhados por todos os cantos. Lanças, flechas e espadas quebradas também são vistos em toda parte. O silêncio é total. Pátroclo remexe em algumas coisas, verifica as cinzas de uma fogueira. Balança a cabeça, inconformado.
– O que aconteceu?
Aristófanes dá uma batidinha em suas costas alegre.
– Não é óbvio? Eles desistiram. Estamos salvos.
Pátroclo assente com relutância.
– É… Talvez. Vamos garotos?
– Daqui a pouco. Vão na frente.
Pátroclo sorri com malícia para os dois, monta e parte junto com Aristófanes. Philemon e Callisto aproveitam que estão sós para namorarem um pouquinho.A notícia do desaparecimento do bando de Xena deixou todos extasiados em Cirra. Os aldeões, que se ocupavam ininterruptamente da defesa da aldeia, improvisaram uma festa na Taverna de Átrius. Estavam aliviados, não teriam que enfrentar a temível Princesa Guerreira. Por isso bebiam, cantavam e dançavam à vontade.
Aristófanes era o mais animado. Pedia canções, puxava alguns soldados para o meio da Taverna e os fazia dançar. Átrius balançava a cabeça em reprovação e observava o jovem soldado com afeto. O jovem tenente era muito querido por todos. Sua cabeleira morena e os olhos cor de mel faziam as mocinhas da vila se derreterem de amores. Sua habilidade com a lança impressiona todos os outros, inclusive Pátroclo. Átrius só via um defeito no guerreiro: era muito ambicioso.
Depois de servir mais uma rodada de vinho, já havia vendido quase todo o seu estoque, o taverneiro passou a observar Pátroclo, que naquele momento era o oposto de Aristófanes. O capitão da guarda de Cirra estava em um canto escuro, pensativo. Seus olhos negros denotavam preocupação. Ele passava a mão pela cabeleira negra e murmurava algo ininteligível. Átrius se aproximou para conversar com o amigo.
– Não bebe nada não? Não vai comemorar?
– Não tem lógica, Átrius. Por que ela bateria em retirada? Você sabe que Xena, a Princesa Guerreira, não faz isso, Átrius.
– Eu só agradeço por tudo isso, meu amigo. Pelo modo que você fala, parece que seríamos presas fáceis.
– A acho muito esperta. Talvez esteja preparando uma armadilha.
– Sumiu para que todos abaixassem a guarda? Faz sentido.
Os dois são interrompidos por alguns soldados de uma vila vizinha. O comandante deles dá um passo a frente e cumprimenta Pátroclo de maneira formal.
– Estamos partindo para casa. Agora que o exército de Xena não é mais uma ameaça à Cirra, vamos voltar para o nosso lar.
Pátroclo faz um sinal para Aristófanes que vai ao seu encontro. Cumprimenta os soldados e o olha com ar interrogador.
– Eles estão partindo.
Aristófanes abre um sorriso largo.
– Que pena. Fiquem um pouco mais. Temos muito que comemorar.
– Nossas esposas nos esperam.
– Ta certo. Se precisarem, nos chamem. Estaremos prontos para ajudá-los e esperamos que também estejam assim.
O comandante assente com a cabeça. Aperta as mãos de Aristófanes, Pátroclo e Átrius e se retira. O taverneiro faz o tenente se sentar, para discutirem melhor a hipótese de Pátroclo.
– Não acho que Pátroclo esteja falando besteira, Aristófanes. Nossos maiores aliados já estão partindo. Logo, Cirra estará totalmente desprotegida.
– Mas tinha alguém lá no acampamento? Estava vazio, droga. Não precisamos mais de proteção. Relaxa, Pátroclo!
Pátroclo bate com força na mesa, se levantando, quase tocando seu nariz no de Aristófanes.
– Estou preocupado com a segurança de Cirra. É esse o nosso trabalho.
Com os dentes cerrados, Aristófanes responde.
– Eu fiz meu trabalho.
Pátroclo joga seu copo no chão e sai da taverna resmungando com raiva. Aristófanes também sai, indo em direção oposta. Depois de se distanciar de todos, retira um saco de moedas escondido em um bolso de suas calças.
– É melhor sumir daqui.- Você é linda, sabia?
– Hum… acho que alguém já me disse isso antes. Sabe… você também é.
Philemon e Callisto se beijam apaixonadamente. O garoto deixa toda sua timidez de lado e começa a explorar o corpo de sua namorada. Beija seu pescoço com volúpia e sussurra algo em seu ouvido, mordendo com delicadeza sua orelha. Ele a pega pela cintura e vai até um banco que não foi destruído pelo exército de Xena.
Callisto o acaricia por todo o corpo, deixando completamente excitado. Philemon, então, roça seus lábios no seios dela e começa a desamarrando seu decote. Uma das mãos de Philemon massageia um seio ainda nascente de Callisto, enquanto o outro é beijado e mordido por ele. Depois, o jovem a faz deitar e se levanta um pouco, tentando desabotoar a calça. A garota, que até agora se deixava conduzir alegremente por Philemon, arregala os olhos assustada e, com mais força do que pretendia, lhe acerta uma joelhada entre as pernas.
– Aiiiiiiiiiiiiiii!
Philemon se afasta de Callisto, urrando de dor. A menina se senta, arrumando o vestido, constrangida com o que causou.
– Desculpa, Philemon. Me assustei e… ai, você também… desculpa…
– Tudo bem.
Ele balança a cabeça nervosamente e gemendo vai buscar os cavalos, que comiam despreocupados um pouco de capim.
– É melhor irmos. Já está tarde.
– Verdade. Átrius deve estar uma fera contigo. Com a notícia de que Xena sumiu, todos devem estar comemorando.
O garoto bate a mão na testa.
– É mesmo. Precisamos ir então.
Os dois jovens montam e partem. Evitam se encarar. Logo estão na estrada para Cirra. O Silêncio é total.

Droga. Ela deve estar furiosa comigo. Idiota! Idiota! Idiota! Faça alguma coisa, Philemon. Diz algo para quebrar esse gelo.

– Ta quente hoje, né?
– É…

Calor? Esfriou bastante desde que saímos do acampamento. Nem sabe mais o que diz, coitado. Bati forte demais!!! Tenta conversar, mostrar que não queria machucá-lo.

– Olha, Phil!
Callisto aponta para uma manada de cavalos que corriam livremente em um grande campo. Eram centenas, de várias raças. Todos fortes e bem tratados. Os dois esquecem o incidente que tanto os constrangeu e admiram a bela imagem.
– Que maravilha, Cal!
– Não sabia que Philoctetes tinha tantos cavalos.
– Nem eu.
Passando a mão na testa, Callisto joga o cabelo para trás e lança um olhar sensual para o ajudante de Taverneiro. Depois, dá um “pernadão” forte no cavalo, que sai correndo.
– Vamos logo, Phil. Átrius deve estar uma fera.
Philemon deixa um sorriso tomar conta dos seus lábios e segue a garota sem pressa.
– Reúna os cavalos, Glauco. Atacaremos Cirra pela manhã.
– Sim, comandante.
Glauco faz um sinal de reverência à Xena e sai apressadamente. A guerreira dá uma pequena gargalhada e se volta para Aristófanes, que a observava com temor nos olhos.
– O que achou do meu plano, Aristófanes?
– Brilhante – Ele respondeu gaguejando.
– Muito fácil. Enquanto vocês organizavam defesas, eu analisava a vila e a região. Essa fazenda, com cavalos foi realmente muito útil. Pena que o dono dela não…
Ela pega um saco e joga para Aristófanes, que, sem pensar, olha seu interior. Ele deixa o saco cair e vomita no chão.
– E se alguém vier até aqui, fazer negócio com Philoctetes, ou visitá-lo?
Um brilho malvado surge nos olhos de Xena.
– Vieram alguns… Quer ver?
Aristófanes volta a vomitar.
A guerreira se diverte como nunca com o “estômago fraco” do guerreiro.

É isso que Cirra tem para oferecer? Soldados que vomitam ao ver corpos e cabeças? Amanhã será muito fácil.

– Você nunca viu um cadáver e é o segundo melhor guerreiro daquela vila?
– Se me permite a insolência, o que me faz vomitar não é a cabeça, mas… a crueldade.
A gargalhada da guerreira deixa Aristófanes totalmente desconcertado. Ela procura um monte de feno, espalhado por todo o celeiro onde estavam escondidos, para se sentar.
– Cruel? Eu?

O que ela acha que é? Uma santa?

– Você, que nasceu e cresceu em Cirra, aceita por algumas moedas mentir para eles, dizendo que desapareci, dá informações preciosas sobre suas defesas ao inimigo, isto é, eu, deixando a própria vila totalmente desprotegida, diz que EU sou cruel?
O remorso toma conta de Aristófanes.
– Ou você acha que vou poupar alguém lá?
Ele pensa em dizer algo, mas desiste.
– Quer perguntar alguma coisa?
– O pouco de dignidade que ainda me resta exige que eu pergunte. Você não mata mulheres e crianças, não é?
O rosto da guerreira fica sombrio.
– Não.
– Ainda bem. Não conseguiria viver com esse peso na consciência.
A Princesa Guerreira não se contém. Suas gargalhadas chamaram a atenção até mesmo de alguns que estavam organizando. Ela deixa a cabeça cair em monte de feno.
– Desculpe ser insolente novamente, mas por que tantas risadas?
Ela se levanta de uma vez e retira o pouco de feno que ficou em seu cabelo.
– Você me diverte, Aristófanes. “Viver com dignidade”? Primeiro você não tem dignidade. Segundo, você não irá viver.
Ele dá um passo para trás, aterrorizado.
– Mas por quê? Eu mostrei que sou leal a você?
– Leal? Hahaha. Você já me mostrou que não tem lealdade, traiu seus melhores amigos e me diz que é leal? Você só merece a morte.
Ele tenta fugir. Ela, impassível, brinca com Chakram um pouco e o atira, ele bate em uma coluna de madeira e ricocheteia, acertando o pescoço de Aristófanes.
Um dos soldados se aproxima do corpo de Aristófanes e comenta galhofeiro:
– Vamos destruir esses fracotes de Cirra com as mãos nas costas. Parecia uma criança chorona quando viu a cabeça daquele homem.
A comandante lhe dirige um olhar severo e responde:
– Não faça julgamentos precipitados. Este aí já estava totalmente destruído pela própria consciência.
A imagem da velha adivinha sufocando em suas mãos perturba mais uma vez os pensamentos da guerreira. Parecia que até a ouvia. “A destruição em Cirra será terrível. Casas queimadas, a vila dizimada, quase todos mortos, inclusive mulheres e crianças”.

Esqueça isso, Xena. Ou vai terminar como o idiota do Aristófanes.

– 10, 15, 20, 25… Só 25? Onde estão os outros?
– Estão na Taverna de Átrius, senhor. Comemorando ainda.
– Não lhes comunicaram a convocação? Que tipo de exército é esse que desobedece as ordens de seu capitão?
– Comunicamos, senhor.. É que…
O soldado não tem coragem de dizer que eles simplesmente não acreditavam nas palavras de Pátroclo. Callisto observa o amigo com dor no coração. A euforia tomou conta de todos na cidade, não queriam escutar os argumentos, por mais lógico que fossem. Os que estavam ali eram os amigos mais próximos do jovem capitão, exceto Aristófanes, que desaparecera misteriosamente, Átrius e Philemon, que trabalhavam sem parar na Taverna.
– Alguém viu Aristófanes?
Todos balançam a cabeça negativamente. Pátroclo aperta as mãos nervosamente.
– Quero que dois de vocês fiquem de sentinela, pode parecer precaução exagerada, mas com a Princesa Guerreira não se brinca. Estão dispensados.
Dois dos soldados, sem esperar mais ordens, levantam as mãos e declaram que estão indo para a guarita. Os outros cumprimentam Callisto e Pátroclo e vão para suas casas.
– Aristófanes não faria isso, faria?
A menina olha inquisitiva para o guerreiro.
– Faria o que?
– Nos trair.
– Que isso, Pátroclo? Ele nasceu aqui, era seu melhor amigo! Na certa, encontrou alguém e foi…
O rosto dela fica vermelho. A vergonha da garota faz o capitão descontrair um pouco.
– Tomara que esteja certa.
– E se não estiver?
Ele não responde.
– Cal, você e Philemon não…
Callisto enrubesce novamente .
– Não!
Pátroclo solta uma sonora gargalhada.
– Desculpe. É uma pergunta muito pessoal. É que fico preocupado com vocês dois, são muito novinhos…
– Pátroclo…
-… Tem que entender o que fazem…
– Pátroclo!
– Falei demais, né?
Callisto assente.
– Você não me respondeu.
– Sabe aquele celeiro enorme, onde os fazendeiros e comerciantes deixam a produção que tem de sobra.
– Sei.
– Diga a Átrius que pedi que liberasse Philemon e organizem aquilo para que mulheres e crianças fiquem lá durante a batalha.
– É tão urgente assim? Já está tarde.
Callisto teve medo que seu comentário deixasse Pátroclo zangado, mas este não parecia incomodado.
– Xena não é a única estrategista por aqui. Pense bem, se eu estiver certo, tomara que não, ela não foi embora e tudo isso é um engodo para destruir nossas defesas. Agora que nossos principais aliados foram embora e toda a vila está bebendo vinho sem parar, estamos totalmente à mercê de seus ataques.
– Certo. Então, o melhor momento para atacar é agora, pois se esperar mais, poderá ser descoberta e nos dará chance para nos fortalecer novamente.
– É isso mesmo, Cal! Tá ficando cada vez mais esperta, garota.
Callisto sorri orgulhosa.
– Até mais, então. Avise minha mãe, tá?
– Tá certo.
A garota sai correndo. Pátroclo deixa um suspiro escapar e caminha na direção contrária.
– Bem… Ao trabalho, Pátroclo.
————————-
Philemon, Callisto e Arleia, que decidiu ajudar os garotos, organizam o grande celeiro, como Pátroclo pediu. Phil reforça as portas e as janelas, enquanto as mulheres limpam o galpão, jogando fora restos podres de comida, estrume de cavalo e cacos de garrafas de vinho.
– Que lugar nojento.
– Ninguém se preocupa em limpar isso, filha. Mas, veja, já aparenta um mínimo de decência.
Philemon sai do armazém e aponta para o horizonte.
– Já está amanhecendo.
Callisto o acompanha, bocejando.
– Achava que Pátroclo viria aqui pelo menos um pouco.
– Duvido que tenha ido dormir. Tinha a cabeça cheia de planos.
– Tem razão.
Enquanto conversavam, um grupo de soldados bêbados se aproximou. Os homens mal se continham em pé. Cantavam cantigas pornográficas e, como se ainda estivessem na taverna de Átrius, pediam mais vinho.
– Você sumiu ontem à noite, Philemon. Não devia ter feito isso, Átrius demora muito para atender.
– Tive que resolver uns probleminhas.
O que falava com Philemon se virou para outra e disse orgulhoso.
– Não disse? Não disse? E você… Hic… dizia que eu estava bêbado! Bêbado está você e seus cavalos, hic.
– Eu juro que vi.
Philemon suspira de tédio, já estava mais do que acostumado com as ininteligíveis conversas de bêbado.
– Viu o que?
– Hic… Vi um monte de cavalos vindo para a vila… Hic… Até parece que Xena voltou.
Callisto, sua mãe e Philemon ficam brancos como leite ao ouvir a frase do soldado.
– Temos que agir imediatamente.
Um dos bêbados ainda pergunta.
– Agir?
– Temos que proteger a vila de Xena. Vamos, garotos. Há muito o que fazer.
Os três saem correndo, deixando o grupo de bêbados sozinhos.
– Escutaram isso? Xena está atacando.
– Temos que defender nossa vila…Hic.
– É isso aí!
– Venham comigo. Tenho uma coisinha para essa Xena.
Enquanto isso, Philemon, Callisto e Arléia correm por toda a vila anunciando a presença de Xena, mas, para sua surpresa, não encontram quase ninguém. As ruas estão praticamente desertas. Algumas casas até pareciam abandonadas às pressas.
– Ué, aonde foram todos?
– Será que fugiram?
– Sem fazer barulho? Impossível.
Ao se aproximar da praça central da Aldeia, escutam o barulho da multidão.
– Olhem!
Callisto aponta para um homem na multidão e corre até ele.
– Papai!
Ela o abraça com força.
– Filha…
Arléia põe as mãos na cintura e balança a cabeça negativamente, sorrindo.
– Sabia que não iria ficar em casa se lamentando, Pankos.
Mancando, o pai de Callisto, vai até Arléia, a agarra pela cintura e a beija. Callisto olha orgulhosa para o pai. Ela sabia que era um sacrifício enorme para ele deixar estanhos vissem os terríveis ferimentos que sofreu em uma batalha há muito tempo e sentissem pena do “pobre aleijado”.
– O senhor é um herói.
Arleia dá um forte assovio, chamando a atenção de todos.
– Vamos agora. Precisamos nos esconder de Xena. Se prestarem atenção, já poderão escutar os cavalos da Destruidora de Nações se aproximando.
Todos começam a se movimentar e a falar alto. Callisto e Philemon deixam a multidão partir e olham para o outro lado da cidade, onde a batalha deve acontecer.
– Você sabe o que quero fazer, não sabe?
– Vou com você.
– Você mal sabe manejar uma espada, Phil.
– Está enganada. Eu detesto isso, mas…
– É a nossa aldeia, a nossa vida…
– Vale a pena lutar por isso.
Arleia e seu marido, ao notarem que os dois garotos ficaram para trás, voltam imediatamente.
– O que estão fazendo aqui? Não pensem que…
Lágrimas brotam dos olhos de Callisto. Ela não deixa a mãe terminar a frase, dando-lhe um abraço forte.
– Promete pra mim que não vão deixar ninguém entrar ou sair daquele galpão?
– Callisto…
– Promete… Se algo acontecesse com vocês, eu…
Pankos abraça as duas ao mesmo tempo.
– Toma cuidado.
Callisto abraça os dois com mais força ainda.
– Vocês também.
Um forte estrondo é ouvido por todos que entram em pânico. Mulheres gritam desesperadamente, crianças agarram as saias das mães e começam a chorar. Um tumulto generalizado se formava.
– Ela está vindo.
– Vamos todos morrer.
Pankos volta o mais rápido que pode até a multidão e grita tentando contê-la e organizá-la.
– Da maneira mais ordenada possível, me sigam até o Grande Celeiro.
Eles começam a se afastar. Callisto mais uma vez abraça sua mãe.
– Desculpa…
– Pelo que, meu amor?
– Por ter brigado tanto com vocês. Eu te amo muito, mamãe.
Arleia levanta o queixo da filha, fazendo com que ela olhasse diretamente nos seus olhos.
– Eu também te amo e nunca, nem por um segundo duvidei do seu amor.
As duas ficam abraçadas em silêncio por muito tempo ainda. Philemon observa tudo calado e com água nos olhos. Ele e seu pai tiveram o mesmo diálogo anos atrás.
———————————-

Os cavalos correm uma velocidade frenética. A proximidade da batalha faz com que Xena desvie sua atenção das palavras da velha adivinha, que teimavam em incomodá-la a noite toda. Os soldados, em sua maioria, pareciam confiantes e concentrados. Alguns, no entanto, estavam completamente despreocupados, contando como certa uma vitória fácil.
A comandante faz um sinal para que todos diminuam. Apesar disso, um deles continua correndo e logo ultrapassa todo o grupo. Sem perceber, aciona uma armadilha e é atingido por várias flechas. Outro sinal de Xena e todos param. Ela vai até o corpo caído no chão e sorri ao perceber que é o mesmo que ridicularizou os soldados de Cirra na noite passada.
– Um idiota a menos no mundo.
Ela olha para trás e grita.
– O local está cheio de armadilhas. Tomem cuidado.
Ela atira o chackran pra frente e desarma algumas armadilhas, derrubando várias flechas e redes.

É isso aí. Cirra será bem mais divertida do que parece.

Na aldeia, Pátroclo esperava pacientemente. Callisto e Philemon logo chegaram. Seu semblante demonstrava confiança. Deu um escudo enorme e uma espada a cada um dos garotos e pediu que aguardassem.
– Onde estão os outros?
– Nos seus devidos lugares.
Callisto e Philemon se entreolharam satisfeitos. Aquele era um Pátroclo completamente diferente dos dias anteriores. As olheiras denunciavam que ele não dormiu nada ou quase nada à noite. Surpresas aguardavam a Princesa Guerreira.
– Que barulho foi aquele?
– Meu presente de boas vindas para Xena. Átrius e Arléia sabem que vocês estão aqui?
Os dois balançam a cabeça positivamente.
– Deixa de mistério e conta o que você aprontou, Pátroclo.
– Cal, Cal… Sempre impaciente.
Callisto faz uma careta para o amigo.
– Conta.
– Não quero estragar a surpresa. Só fiquem preparados para possíveis flechas.
Xena aperta com força os próprios lábios. Já consegue ver os três nitidamente. Sabe que mais armadilhas estão preparadas. Faz um sinal e alguns soldados param seus cavalos e preparam seus arcos.
– Não se deixem levar pelas aparências. Cirra pode não ter um exército numeroso mais, porém, como viram, tem uma estratégia muito inteligente.

Merda. Aquele soldadinho conseguiu mesmo me enfrentar. Uma catapulta, armadilhas… Vai ser um prazer matá-lo.

– Parem!
Quase imediatamente, todos interrompem a marcha. A guerreira faz seu cavalo girar em 180 graus e fica de frente para o exército. Os guerreiros aguardam novas ordens. Ela, todavia, permanece muda por muito tempo. Seus olhos azuis, apesar de voltados para o bando de mercenários, pareciam visualizar algo totalmente diferente.
– Algum problema, comandante?
– Já tivemos mais de vinte soldados inutilizados e nem chegamos na vila. Se continuarmos assim, vamos ser dizimados por meia dúzia de idiotas.
Os guerreiros permanecem atentos às palavras da guerreira. A dúvida e o espanto, no entanto, já havia tomado suas almas. Não contavam com uma resistência tão grande.
– Não me olhem com essa expressão de perdedores. Nós vamos dizimar esses idiotas – Ela aponta para um grupo de soldados e volta a dar ordens – Quero que vocês contornem a vila e ataquem por trás. Arqueiros…
Os arqueiros, que estavam mais atrás, descem dos cavalos e se aproximam.
– Quero que mantenham distância. Quando estivermos avançando ataquem com tudo que tem, quando chegarmos lá, só atirem quando necessário. Prestem atenção nos lugares mais altos. Existem muitos inimigos lá. Agora, palermas, vamos arrasar aqueles idiotas.
Ela instiga o cavalo a correr para Aldeia e grita com toda a força:
– Atacar!
Os soldados acompanham a comandante, dando gritos de guerra e aclamando o nome de sua comandante:
– Xena, Xena, Xena, Xena….

Philemon e Callisto estão escondidos aguardando o sinal de Pátroclo para atacar. Phil aperta os lábios para evitar que seus pensamentos se transformem em palavras. Estava ali porque amava Callisto e não a deixaria sozinha em um momento tão horrível, mas com certeza não apreciava nada ali.
Callisto sorri para Pátroclo ao ver as armadilhas espalhadas por todo o canto. Pátroclo sorri de volta e com um gesto pede calma para a garota. Philemon a enlaça com um braço e cochicha em seu ouvido.
– Você está tremendo.
– De emoção.
Ele se assusta com o olhar selvagem da garota. Callisto percebe o sentimento do amigo e desvia o olhar.
– Como é que você diz? Guerra… banquete de Ares, momento em que os homens deixam de ser humanos.
Philemon aperta Callisto com força e responde o comentário.
– Você sabe que é uma guerreira. Eu também sei. Eu te amo por inteira, Call, mesmo que uma parte de você me assuste.
Callisto responde com um terno beijo no rosto de Philemon. Pátroclo faz um sinal de aborrecimento e depois pede atenção dos dois.
O comandante do pequeno exército de Cirra acompanha a aproximação do exército da Princesa Guerreira com os olhos. Arriscara muito mentindo para os soldados das vilas próximas dizendo que vira o exército de Xena, mas tinha absoluta certeza que ela iria atacar e, para o infortúnio de todos, ele estava certo.
Obviamente, as chances de vencerem eram nulas. Aqueles eram os mais sanguinários guerreiros da Grécia e as forças de Cirra eram mínimas. O caminho que escolheu para lutar era o mais condizente com sua situação. Atrairia os guerreiros para o interior da vila. As armadilhas iriam desfalcar as linhas de frente inimigas e o exército espalhado por toda a aldeia lhes dariam duas vantagens: não seriam alvos fáceis para os arqueiros e teriam o elemento surpresa. Mas tudo isso não é suficiente. Pátroclo tinha consciência que a única forma de vencerem era matando a Princesa Guerreira.

*******

Os três soldados bêbados observam o grupo do exército de Xena que contornara a vila. Um deles segura uma tocha. Os três dirigem um olhar desafiador contra o inimigo. O comandante do destacamento invasor ordena que todos eles parem, quando se aproximam dos três.
– Vejam, senhores. Toda a defesa de Cirra. Três soldados bêbados.
Os guerreiros riem alto do gracejo. O bêbado que segurava a tocha, olha para os lados, para se certificar que os barris cheios de “fogo grego” ainda estavam lá, depois deixa a tocha cair no chão. O fogo queima a palha espalhada no local e chegam rapidamente chegam aos barris. Quando o comandante percebe que caíra na armadilha suicida, já era tarde.
– Por Cirra!

*****

– O que foi aquilo?
Xena, já dentro da principal rua da vila, ordena que seu exército pare. Com exceção da explosão e gritos de dor, nenhum outro ruído saía do interior da vila. A guerreira, depois de imaginar que os homens que mandara atacar a aldeia por trás tinha sido pegos em uma armadilha, volta sua atenção para a batalha que estava prestes a travar.
– Muito bem. Aristófanes estava realmente certo, Pátroclo. Você é um grande estrategista. Está sempre preparado para tudo. Organizou uma centena de armadilhas em uma noite que causaram diversos danos ao meu exército. Escolheu não me encarar de frente… Achei que aquele traidor iria resolver todos os meus problemas, mas, como eu imaginei, ele era um inútil…
Pátroclo fica sem chão ao ter certeza que realmente fora traído por seu melhor amigo. Xena desmonta e pega um saco que estava amarrado na sela do seu cavalo.
– Eu aposto que agora que você sabe que seu amiguinho te traiu você quer a cabeça dele em uma bandeja…
Ela joga no chão o saco.
– Só precisa da bandeja agora…
Pátroclo saca sua espada e corre cego para a guerreira. Callisto e Philemon tentam inutilmente detê-lo.
– Pátroclo…
– Não faça isso, seu bastardo!
Xena gira sua espada e espera tranquilamente que o comandante do exército de Cirra chegue até ela. Quando ele está próximo o suficiente, ela se ajoelha sobre o joelho esquerdo e o atinge no abdômen.
– Idiota.
Vendo seu comandante cair morto, alguém grita com toda força “atacar” e todos os soldados que esperavam pacientemente as ordens de Pátroclo investem contra os invasores com fúria.
– Venci.
A guerreira aponta com o queixo os soldados inimigos e todos os seus homens avançam e se preparam para matar. Ela se deixa ficar e fixa o olhar nas chamas no interior da Aldeia.
– O que raios aconteceu ali?

*****

O fogo não se restringiu a entrada da aldeia. E pouco tempo, as chamas ardiam ferozmente em várias cabanas ao seu redor. Sem ninguém para contê-las, as labaredas tomavam aos poucos toda Cirra.
– Isso está ficando quente demais.
– Deveríamos sair daqui!
– Está louca? O exército de Xena nos mataria em segundos.
– Dizem que ela não mata mulheres e crianças.
– Ah, claro. Dizem também que ela distribui comida aos pobres e quer conquistar toda a Grécia só para plantar floridos jardins.
Pankos e Arléia se olham desgostosos. O celeiro parecia o próprio Tártarus. O calor era insuportável. Crianças choravam, algumas mulheres gritavam. Os poucos homens que não foram batalhar, andavam de um lado para o outro e praguejavam contra tudo e todos.
Um dos mais velhos conselheiros da vila vai até Pankos e Arléia e conversa o mais reservadamente possível com eles.
– Vocês parecem ser os únicos que não enlouqueceram aqui. Todo esse calor só tem uma explicação. Atearam fogo na vila.
– Pelos deuses…
– Temos que sair daqui antes que antes que todos nós queimemos junto com o celeiro.
Pankos assente com a cabeça e chama alguns homens e mulheres para ajudá-lo a abrir os portões do galpão.
– Sejamos organizados. Dizem que o exército de Xena não mata mulheres, mas não podemos arriscar.
Eles têm alguma dificuldade para abrir os portões. As pessoas que estavam ali eram fisicamente fracas, devido a idade, modo de vida, ferimentos em batalhas antigas e até pela bebida na festa da noite anterior.
Quando Pankos e os outros abrem as portas, o desespero toma conta de todos. Estavam completamente cercados pelo fogo. Demoraram muito discutindo se deveriam arriscar ou não fugir dali.
– O que vamos fazer?
Arléia se abraça a Pankos e responde com a voz engasgada.
– Morrer.
– Eu só espero que nossa filha fique bem.
– Que os deuses olhem por ti, minha filha.

******

A batalha chegara a seu ápice. A linha entre a vida e a morte se apagava para aqueles homens. Em um determinado momento o indivíduo estava lutando nesse mundo, um segundo depois, estava no mundo dos mortos.
Philemon e Callisto, no meio daquele pandemônio, encontraram Átrius lutando também. Os três se defendiam mutuamente e atacavam de maneira estratégica. Callisto mostrava que era realmente habilidosa com a espada. Seus golpes certeiros privaram muitos homens de Xena de suas gargantas. Átrius era uma surpresa tanto para Callisto, quanto para Philemon. Os dois conheciam seu passado guerreiro, mas não sabiam que o velho taverneiro era uma máquina de destruição quando segurava uma clava.
– Philemon, eu quero que me escute.
-Diga, Átrius.
– Eu quero que vocês tirem os pais de Callisto do celeiro e fujam daqui.
– E você?
– Tenho que vingar Pátroclo.
– Átrius, esquece isso. Pátroclo era o maior guerreiro daqui e foi morto com um golpe.
– Eu sei que não tenho chance, Phil, mas tenho que ao menos tentar isso. Ninguém nunca comentou com os mais jovens da vila, assim vocês não poderiam saber que Pátroclo era meu filho.
Philemon e Callisto nocauteiam dois inimigos e aproveitam o momento mínimo de paz para abraçar Átrius.
– Não tem como mesmo te impedir?
– Quer cobertura?
Átrius sorri com as perguntas tão diferentes dos dois. Tão diferentes, mas feitos um para o outro.
– Não, Phil, não tem. E façam o que eu mandei, Callisto. Philemon é como um filho para mim, o que faz de você minha nora…
Callisto sorri encabulada.
– Não quero que percam suas vidas e almas nisso. Vão.
Ele se desvencilha dos dois. Depois, localiza Xena com o olhar e corre em sua direção. Alguns guerreiros tentam acertá-lo, mas ele acerta todos eles na cabeça sem piedade. A guerreira nem parecia notar sua aproximação. Tudo que fazia era olha para as chamas. Quando ele parou e levantou a clava para acertá-la, ela se ajoelha e crava a lâmina de sua espada em seu peito.
– Átrius…
Philemon vê o mundo rodar quando vê aquele que foi seu segundo pai caído no chão. Callisto o abraça pelas costas e murmura em seu ouvido.
– Vamos, Phil. Vamos sair daqui. Você estava certo. Não existe nada pior que uma guerra. Vamos para um lugar longe, pacífico. Papai, mamãe, eu e você vamos construir uma nova vida. Eu não quero mais lutar. Não quero te perder.
Philemon demora um pouco para voltar a realidade. Depois, ele se volta para Callisto e diz melancólico.
– Vamos sair daqui.
Um grito de dor chama a atenção dos dois garotos e da princesa guerreira. Era agudo demais para ser de algum soldado na batalha. Os três correm imediatamente para o celeiro que já ardia em chamas.
– Pátroclo, Átrius e agora isso…
Philemon segura Callisto, que treme e chora convulsivamente ao sentir no rosto o calor do fogo que consumia sua família e reconhecer os gritos de dor de sua mãe.
O barulho de uma espada caindo no chão perto deles chama a atenção dos dois. Philemon e Callisto vêem Xena olhando completamente pasma para o fogo.
– Tinha mulheres e crianças aqui?
Callisto tenta se soltar, mas Philemon a prende com seus braços.
– Assassina! Assassina! Assassina!

Parte 6

O olhar de Xena se dirigia para o celeiro que as chamas destruíam, mas eram outras as imagens que lhe vinham à cabeça, a aldeia destruída não era Cirra, mas Amphipolis, e a menina que a encarava chorando, não era a loirinha que encontrara dias antes, e sim ela mesma lamentando a morte do irmão. A guerreira se abraçava com força, comprovando, amargurada, que tudo aquilo era real. Olhou para o próprio corpo e se assusta com o que vê. Não era o sensual corpo da Princesa Guerreira, mas a nojenta carcaça de Cortese.

Assassina. Assassina. Assassina. Assassina. Era a única palavra que a guerreira ouvia. Não era, entretanto, só a voz de Callisto que ouvia. Quem lhe dizia isto era a vingadora Cyane, a decepcionada Lao Ma, milhares de filhos, pais, mães, inclusive a sua. Aterrorizada, ela corre para longe dali, tentando fugir de toda aquela cena terrível, inutilmente, pois não conseguia se livrar das próprias lembranças.

Callisto via Xena fugir e gritava mais alto:
– Assassina!

Quando a guerreira desapareceu do seu campo de visão, ela, esgotada, se deixou cair de joelhos no chão e murmurava baixinho, ininterruptamente:
– Eu os perdi por causa dessa guerra. Eu os perdi, tudo por causa dela. Mamãe, papai. Eu os perdi… Perdi.

Philemon a abraçou e silenciosamente tentava confortá-la. Sabia que era inútil dizer qualquer coisa nesse momento, já passara por uma situação assim. Tinha medo da reação dela. Sabia que a qualquer momento ela poderia se levantar e correr insanamente até Xena. Momentamente, se sentiu tranqüilo quando ela se deixou embalar, aparentando não ter mais forças, mas, de repente, suas lágrimas cessaram e o seu olhar perdeu a tristeza e só transparecia ódio.
– Me solta.
– Não, Callisto.
– Eu disse… pra me largar!

Callisto empurra Philemon com força e o derruba com um soco. Depois, sai correndo na mesma direção que Xena. Philemon a observa estático, recuperando o fôlego e em seguida corre atrás dela.

“Um dia vou te transformar em uma guerreira – Eu também te amo e nunca, nem por um segundo, duvidei do seu amor – O Senhor é meu herói – Quando entra para um exército? – Um dia vou te transformar em uma guerreira.”

Tudo o que aconteceu nos últimos dias passa, como um relâmpago, pela mente da jovem Callisto. E a cada lembrança, ela percebia o quanto amava sua vida e detestava Xena por tê-la destruído. Decidiu, então, que tudo que lhe restava fazer era matar aquele monstro, que estava diante dos seus olhos.
– Xena! Sua assassina desgraçada. Eu vou te matar!

A guerreira, ao escutar o grito de Callisto, parou de correr e olhou para trás. Estava completamente perturbada. Todas as suas dolorosas lembranças se misturavam, não sabia distinguir presente e passado, parecia que os dois tempos eram um só.

“Eu não ligo se vou sofrer ou não. Tudo que quero é destruir, matar. – Você não quer matar mulheres e crianças. É diferente. – Não tinha que arrastar seu irmão para essa loucura, agora… Agora ele está morto.”

A guerreira se ajoelha e agarra a cabeça com as duas mãos. Quer de qualquer forma tirar aquelas lembranças de sua mente. Quando encara a menina que a chamava de assassina e corria até ela com uma espada, a realidade novamente lhe aparece distorcida. Quem está prestes a cortar a cabeça de um assassino é a Xena que acabara de ver Lyceus morto, a futura Destruidora de Nações, a pessoa que mais odiava no mundo.
– Você deveria ter morrido há muito tempo.

Ela pega o seu chackram e o arremessa certeiro contra Callisto. Antes, porém, que a arma atingisse a garota, Philemon derruba a amiga e é ferido mortalmente no peito.
– Phil!

Callisto segura Philemon e o deita com cuidado no chão.
– Você também não… Por favor.
– Eu tinha… Que fazer alguma coisa.

Callisto balançava a cabeça nervosamente.
– Não morre, por favor. Não me deixa aqui. Eu preciso muito de você.

Com dificuldade, o garoto ainda balbucia suas últimas palavras.
– Me desculpa. Não consigo mais. Eu te amo, Call.

Ele fecha os olhos lentamente e vai para o “Outro lado”.
– Eu também te amo.

Ela beija a face de Philemon freneticamente. Quando percebe que ele faleceu, controla as lágrimas com muito esforço e retira o chackram do peito dele. Encara com ódio a Princesa guerreira e atira a arma na direção do pescoço de Xena, que só não acerta o alvo devido aos apurados reflexos da guerreira.
– Eu te odeio, Xena.

A guerreira assovia e faz seu cavalo se aproximar e, antes de sair a todo galope, responde:
– Eu também.

****

Callisto observa amargurada os destroços de Cirra. Tudo estava completamente destruído. O que o fogo não consumiu, foi saqueado e arrasado pelos invasores. O odor da madeira queimada se misturava com o dos corpos dilacerados, que povoavam toda a aldeia.

A menina caminhava sem rumo. Ela verificava, vez ou outra, o pulso de alguns. Parecia realmente que era a única alma viva naquela versão reduzida do Tártarus. Ao ver animais vadios remexerem os cadáveres, Callisto se lembrou do corpo de Philemon.
– Você merece um final decente, meu amigo.

Ela foi até o local onde o corpo do amigo estava estirado e o levou para uma casa que ainda teimava em existir. Juntou madeira e fez uma pequena pira.
– Será que sobrou algo deles?

Ela foi até o celeiro queimado. As lágrimas voltaram a cair ao ver novamente as cinzas. Não encontrou nada além de cinzas. Resolveu colocar um pouco em um pote e jogar na pira, simbolicamente.

Ela passou carinhosamente a mão no rosto do finado amigo. Lágrimas não tinha mais, por isso não chorava. Deu um beijo nos lábios frios de Philemon e jogou seu corpo na pira.
– Eu não sei nenhuma música fúnebre, Phil. Não acreditava que iria precisar tão cedo. Achava que era você, depois de muitos anos, quem iria cuidar do meu funeral.

O fogo consumia a pira e o corpo de Philemon. Os olhos de Callisto não transpareciam sentimento algum, pareciam dois pequenos espelhos que existiam tão somente para refletir a imagem do fogo que ardia incessantemente. Ela colocou as cinzas na pira.
– Eu queria que vocês soubessem que sempre os amei, mesmo quando dizia que não. Foram os melhores pais do mundo. Estavam sempre do meu lado. Sempre, sempre, sempre soube que poderia contar com vocês.

Ela passa as mãos no cabelo e o puxa com força. Deita escorada em uma parede e continua observando a pira.
– Por que só eu tinha que sobreviver? Por que não fui com vocês? Aquela assassina deveria ter acabado comigo também. Me desculpa, Phil, mas apesar de você dizer que eu não deveria ter ódio no coração, eu não consigo deixar de odiá-la. Xena… Você me tirou tudo. Minha aldeia, meus pais, Phil… Tudo. Deve estar comemorando a vitória agora, não é? Sabe, eu poderia acabar com minha existência inútil, mas não suportaria passar a eternidade no Hades sabendo que você está aqui, contente com suas vitórias e saques. Eu quero que você sofra… Tanto quanto eu.

Um barulho interrompe o monólogo de Callisto. Ela olha para os lados procurando a causa do ruído e vê um homem mancando indo em sua direção. Ela logo reconhece pelos trajes que é um dos guerreiros de Xena, que foi esquecido por sua comandante. Ele também a vê e tenta estabelecer um diálogo.
– Sozinha?

Ela balança a cabeça positivamente.
– Que carnificina. Vocês de Cirra me surpreenderam.
– Você… tem noção de que sou a única sobrevivente daqui? Que meus pais morreram queimados pelo exército no qual você lutava?

O soldado olha para a garota desconcertado.
– É… as coisas também não serão fáceis para mim. Nunca vou encontrar Xena de novo e mesmo se encontrar o exército não serei aceito. Está tudo acabado. Ah… Quanto a sua família, eu sinto muito.

A menina não acredita no que escuta. Ela começa a rir nervosamente.
– Você… “sente muito”?

O soldado dá um passo para trás. O rosto transtornado daquela menina maluca que não para de rir o deixa nervoso.
– Foi hilário como você disse isso… “Eu sinto muito.”… Sabe, você e sua comandante vão realmente “sentir muito”.

O soldado dá mais alguns passos para trás, tenta correr, mas a perna ferida o impede e, para seu infortúnio, tropeça em uma pedra e cai. Callisto se aproxima dele e vagarosamente enfia uma espada na perna que ainda estava sadia. Ele urra de dor.
– Escutar os gritos de dor da minha mãe machucaram até a minha alma. Pode ser que não consiga fazer você sofrer tanto, mas… – Ela ri sarcasticamente – podemos tentar, não?

Certa que ele não iria se levantar, ela procura calmamente uma corda e põe uma lança na pira.
– Achei a corda.

Ela o amarra pelos pés e o puxa até a pira.
– Quer saber o que vou fazer com isso?

Ela pega a lança fervente.
– Por favor, não. Eu não tive culpa.

Ela finge uma expressão de dúvida, ironicamente, e responde.
– Hum… Talvez, não.

Ele suspira aliviado.
– Mas… Sabe… Vou fazer assim mesmo. Não é nada especial, você só se encaixa perfeitamente. Foi um dos guerreiros que atacaram minha aldeia, certamente matou alguns amigos queridos e é o único que está aqui para satisfazer meus instintos assassinos.

Ela toca a pele dele com a lança. Gritos de dor se perdem nas ruas desertas de Cirra.
– Claro, adoraria que Xena estivesse no seu lugar, mas ela terá o que merece no futuro.

Ela apóia a lança na barriga dele e põe um dedo nos lábios, simulando dúvida novamente.
– Sabe… Isso não está sendo muito doloroso. Talvez se colocasse isso na sua garganta ou…

Ela o vira de costas com o pé.
– Por favor…
– Você fala demais, sabia? Isso vai ser legal.

Ela olha para a saída da vila e grita.
– Espere a sua vez, Princesa Guerreira.

O soldado começa a gritar e tremer convulsivamente. Os seus sons de horror são acompanhados pelas gargalhadas sádicas de Callisto. Pouco tempo depois, os gritos cessam e o homem cai morto no chão. Callisto o larga e as lágrimas, que ela acreditava extintas, voltam a cair.
– Eu te odeio, Xena. Eu te odeio…

****

Distante do acampamento, Xena observa a festa de seus homens. Bebem vinho e comemoram a vitória sobre Cirra. Ares aparece com um raio e tenta convencê-la a participar das comemorações.
– E então? Não vai comemorar a vitória?
– Cale a boca, seu estúpido.
– Vamos, Xena… Não é possível que você esteja amolecendo. Acidentes acontecem.
– Suma daqui!

Ares solta um suspiro, demonstrando seu tédio, e desaparece do mesmo jeito que apareceu. A guerreira deita na grama e olha para a infinidade de estrelas no céu.
– Ly… é tão difícil viver sem você… É tão difícil viver sozinha…

As lágrimas percorrem seu rosto e viajam até seus lábios. O gosto salgado delas faz com que ela se lembre amargamente o que é ter sentimentos.

Espero que tenha agradado vocês. Foi uma ótima experiência publicar uma fic no fator. Quem sabe em um futuro não muito distante não vem outra por aí, é?
Como vocês já sabem, qualquer reclamação, procurem o PROCOM mais próximo ou enviem um email para [email protected]