Xena estava deitada de bruços com os olhos fechados. Em seu rosto havia um leve sorriso de satisfação. Ao lado estava Gabi apoiada em seu cotovelo,  fazendo carinho no rosto da imperatriz com a ponta dos dedos. Haviam acabado de fazer amor e desfrutavam silenciosamente do toque carinhoso uma da outra. Pelo menos era isso o que Xena achava. 

-O que realmente aconteceu entre vocês?- Perguntou Gabrielle se referindo a imperatriz e Luna.

Xena suspirou e continuou de olhos fechado

-Por que isso realmente importa? Foi muito antes de você. Muito antes de nós. Um passado distante que eu não me dava mais ao trabalho de pensar, querida.- Xena disse.

-Se não foi nada de mais então não tem problema me falar.- Gabi parou de acariciar Xena e ficou séria. A imperatriz abriu os olhos e enfim falou.

-Eu tinha acabado de chegar em Corinto e ser coroada. Estava obcecada com o poder e eu queria o tempo todo que meu ego fosse alimentado. Luna era um pouco mais nova que eu. Eu tinha 21 verões e ela 16. Não sei porque ela se interessou tanto por mim. Eu era má e esnobava ela o tempo todo. 

-Como foi que se apaixonou por ela?- Gabi falou.

-Luna era doida. Ela sabia cada movimento meu, me seguia e sempre me encontrava sozinha. Nem mesmo os melhores mercenários da Grécia podiam me achar como ela. Insistia e insistia que me queria e então…. um dia ela entrou no meu gabinete sem ser convidada e se ofereceu para mim. Ela era ousada pela sua idade e possuía um certo veneno.- Xena disse se lembrando.

“-Eu não me apaixonei. Depois de conquistar a grécia, tudo parecia muito sem graça e achei divertido como as coisas vinham acontecendo entre nós. Tive meu ego embriagado por ela e me apeguei pela ousadia e petulância dela. Era irritante, na mesma proporção que era violento e eu podia jurar que a qualquer dia iríamos acabar nos matando. Brigávamos muito, mas éramos jovens demais pra entender que aquilo era um problema. Nos machucávamos fisicamente e mentalmente e em seguida transavamos.- Xena contava, mas com olhar distante.

-E como foi que chegou no pedido de casamento.- Gabrielle tinha um tom de ciúmes.

-Um dia nós brigamos tão feio que eu a espanquei. Eu disse para ela pastar e desaparecer, estava começando a me cansar, porém no fundo eu ainda gostava dela. Só que meu orgulho me fazia pensar que estava satisfeita em ter Luna longe, até que certo dia o pai dela me contou que a menina estava sendo cortejada pelo vizir que era primo de sua mãe. Aquilo me irritou, porque em minha cabeça, Luna ainda era propriedade minha, então fui atrás dela.- Xena olhou Gabi e viu que a garota prestava atenção com uma cara não muito boa. -Eu fui atrás dela e Luna me aceitou de volta. Depois disso, eu implorei por perdão e comecei a tratá-la diferente, eu a enchia de ouro, diamantes, noites de amor quente…. Eu achava que era paixão, mas aquele envolvimento ia me deixar doente. Luna era descompensada e quando eu menos imaginava, ela surtava por motivos pequenos. Eu pensei que nada que eu fizesse seria suficiente, ela não parecia mais satisfeita. Eu a deixei pisar em mim e me humilhar algumas vezes para tentar limpar minha consciência. Minha última tentativa foi pedi-la para ser minha rainha e ela aceitou, aquilo me encheu de esperança, mas uma lua depois ela foi embora para se casar com o vizir.- Um silêncio pairou pelo quarto, até que Xena finalmente continuou.- Aquele pedido foi uma tentativa de me redimir. Tentar dormir em paz.

-Ela não parece ter a sanidade perfeita, Xena. – Gabi afirmou.

-Ela não tem, disse que jamais se casaria comigo porque eu não tinha poder de verdade e aquele casamento seria um escândalo. Disse que já não aguentava mais olhar para mim e estava indo para longe. Pediu para eu apodrecer e enfiar meu “amor” no rabo.- Xena se virou de barriga para cima e continuou. -Eu não era a pessoa que sou hoje, Gabi. Eu a machuquei também.

-Machucou como?

-Eu a tratava como criança. Ela era uma criança, mas eu extrapolava. Eu dormia com ela e assim que saia do meu aposento, eu ficava com outra pessoa. Ela via isso, brigava comigo, me batia e eu batia nela e no fim acabávamos na cama.

-E vocês chamavam que isso era amor?- Gabi falou horrorizada.

-Amor não… paixão doentia. O único amor que eu já tive… foi você.

Gabi não esperava por aquela, ela perdeu a fala e depois sorriu. 

-Eu só quero saber de uma coisa. Eu devo me preocupar com a presença dela aqui?- Perguntou e Xena se apoiou em seu braço, mantendo seus olhos na altura dos de Gabi.

-Não. Eu prometo.- Xena deu um leve beijo em Gabi. -Eu preciso te perguntar algo também. Eu coloquei Najara como sua guarda-costas.

-O que? por que isso?- Gabi ficou surpresa.

-Ela está apaixonada por você. Acredito que na minha ausência, ela irá te proteger melhor que qualquer um.

-E qual a pergunta?- Gabi perguntou confusa.

-Eu devo me preocupar em deixá-la tão perto assim de você?- Nesse momento Gabrielle pode ver o cenho de Xena marcado pela preocupação.

-Não. Claro que não deve.- Gabi encostou sua testa na de Xena e em seguida a beijou. -Najara já entendeu que eu não tenho interesse por ela.

-Assim espero. Eu disse que a mataria se fizesse gracinhas. 

-Você me surpreende, sabia?- Gabi olhou com os olhos apaixonados para Xena.

-Por que?- A imperatriz perguntou sem deduzir nada.

-Porque você não se parece nada com a imperatriz impetuosa que é descrita naqueles pergaminhos da biblioteca.- Gabi terminou a frase bocejando e se aninhando no peito de Xena.

-Eu tento, Gabrielle. Eu tento.- Xena esfregou a mão no ombro de Gabi e caiu no seu limbo de pensamentos.

Sua vida já havia sido muito caótica, vez ou outra seu monstro aparecia e atrapalhava as coisas, mas agora conseguia desfrutar de dias mais calmos e já não tinha uma necessidade constante de fazer as pessoas sofrerem. 

A guerra que estava por vir, poderia desencadear aparições de sua besta e aquilo a preocupava. Não queria que Gabrielle presenciasse sua loucura.

A garota precisava de estabilidade emocional e por muitas vezes Xena se perguntava se conseguiria garantir aqui. Enquanto estava trancada no palácio e mexia somente os peões do tabuleiro, poderia conter a besta, mas assim que saísse de sua toca e sentisse o cheiro de sangue no ar, se tornaria difícil.

Xena voltou em si novamente e notou a respiração pesada de Gabi e seu pescoço, depois de um dia cheio, a loira havia pegado no sono. Um sorriso brotou no rosto da morena ao se lembrar de sua futura rainha com ciúmes e como a achou fofa. Aquilo tudo era novo para ela. Em meio as penumbras dos pensamentos, Xena se lembrou de Luna. Aquilo que elas tinham era doentio, algo que não estava disposta a passar de novo. Decidiu então, evitá-la pelo tempo em que ficasse em Corinto.

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 Uma grande mesa estava sendo usada em uma sala específica do quarto andar, aquela sala era usada somente em tempos de guerra. Haviam mapas espalhados por todos os lugares. Alguns deles haviam sido feitos pela própria imperatriz. Ela descrevia os lugares únicos pelo qual já tinha passado e os cartógrafos gravavam.

A imperatriz, Mioll, Solan, o duque de Loyola e outras poucas pessoas estavam debruçadas em cima da tal mesa. O mapa em questão que viam mostrava detalhadamente o litoral.

-Nós vamos usar os navios do porto de Hermíone. De Corinto até lá, levamos dois dias e meio. Saindo de Hermíone, vamos pegar seis navios em direção ao porto de Pireu que abastece Atenas, levaremos outros dois dias. Quero homens para atacar por terra o porto e de lá seguimos silenciosamente para Atenas. É lá que eu pretendo usar as 10 mil aves que arrumara para mim, Vizir.- Xena estava revelando seus planos que seriam usados assim que Lisandro chegasse. Sua chegada estava marcada para o dia seguinte. 

A península de Peloponeso podia ser cruzada em até cinco dias a pé. A extensão de terra na Grécia não era grande, mas ainda sim, era perigoso.

-Eu garanto que daqui oito dias as aves estarão chegando, Imperatriz.- O Vizir anunciou e a cara de Xena não foi boa.

-Eu não tenho 8 dias para esperar, governador. 

-Se quiser que cheguem em 4 eu terei que trazê-las de outro lugar e para fazer isso vou ser obrigado a exigir dois dinares por aves.

Aquilo eram 20 mil dinares. Até que ponto valeria? 

-Feito. Quero o quanto antes e elas podem ser deixadas no porto de Hermíone. 

O vizir sorriu e balançou a cabeça.

-O que faremos em seguida, majestade?- perguntou Mioll.

-Vamos para Mileto. Sairemos de Pireu, e iremos para a costa Persa, atacamos  e enfim subiremos para o norte.- Xena tocou sua testa e diminuiu o tom quando mencionou o norte.

-Qual cidade ao norte?- Quis saber Solan. 

-Anfípolis.- Solan não sabia que Xena nascera em Anfípolis e muito menos que sua avó provavelmente ainda vivia por lá.

-E como vamos detonar o porto deles?

-Vamos destruir o exército deles, barrar o porto e se a neve nos pegar, teremos que esperar até enfim sairmos.- Xena falava com melancolia.

-E os outros lugares? Como vamos defender Corinto no inverno? – Solan insistiu.

-Mioll ficará aqui com Loyola. Lisandro irá comigo e metade do exército espartano vai defender a península. Ninguém espera que façamos isso antes do inverno começar. Quando se derem conta, a neve vai ter tomado conta de tudo e não terá passagem alguma. Quando sonharem em nos cercar em Anfípolis, vão descobrir a barragem que construiremos. – Xena concluiu.

-E na primavera?- Disse Mioll.

-Na primavera vamos convocar a liga de Delos para uma reunião. Se eles quiserem lutar em total desvantagem, então atacaremos por terra.

-Acha mesmo que depois de terem três portos principais destruídos e Atenas debaixo de cinzas, vão querer lutar?- Perguntou Solan.

-Tudo vai depender se conseguirmos quebrar a aliança de Delos. Mas isso é algo a se pensar enquanto estivermos presos em Anfípolis.

Os membros do conselho discutiram por toda manhã e pareciam cada vez mais positivos com os planos que Xena apresentava. Durante todo tempo, o vizir estava com um sorriso largo no rosto. Definitivamente era o homem, se não o único, mais feliz com aquela guerra.

-Acredito que seja só isso, senhores. Estão liberados. -Xena falou para todos.

-Teremos o Baile essa noite, majestade?- O duque de Loyola perguntou.

-Teremos um jantar casual para receber o Vizir e sua esposa. Ontem não tivemos nada solene, então compensaremos hoje. Receio não poder lhe garantir nada tão grandioso, governador, uma vez que o dinheiro da coroa está todo investido na guerra.- A imperatriz falava enquanto enrolava pergaminhos e os colocava embaixo do braço.

-Eu agradeço pela hospitalidade, imperatriz. Minha esposa se agrada igualmente.

Xena sorriu sarcasticamente, se despediu de todos e saiu da sala. Ela precisava arquivar os pergaminhos em seu gabinete. 

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Ao entrar em seu gabinete, Xena destrancou uma gaveta de sua mesa e colocou os pergaminhos lá dentro. Havia tanto papel que já não tinha espaço. Xena então, ajoelhou-se no chão e tentou procurar um lugar para aqueles documentos. Uma hora ou outra teria que arrumar aquela bagunça.

-Olá.

-Oi.- Xena respondeu secamente. 

-Quanto tempo, hein?

-Uhum…- Hein? Xena estava tão determinada em achar um espaço para aqueles pergaminhos que sequer notou o intruso.  Ela então levantou rapidamente e encarou o dono da voz. Por um momento o sangue de sua cabeça demorou para voltar, deixando sua visão turva e se sentiu tonta, tendo de se jogar na cadeira. -Mas, que Hades.- Ela falou quando viu ninguém menos que Luna.

Agora, trajada como uma verdadeira árabe e algumas luas mais velha, Luna caminhou até a janela que ficava atrás da mesa da imperatriz agindo como se fosse dona do lugar e falou:

-Achei uma falta de educação não ter ido me cumprimentar ontem. Eu fiz uma viagem longa até aqui, Xena.

Que audácia!

-Pra mim você pode ter saído até do Tártaro, eu não estou nem aí.- Xena se levantou e fechou sua gaveta com a chave.

-Você pelo jeito continua a mesma.- Luna caminhou para o meio do aposento e se sentou em uma poltrona. -Foi essa a poltrona que você roubou minha virgindade, não é?- Luna sorriu.

-Não, aquela porcaria foi tomada por cupins, eu ateei fogo. 

-O que acha da gente batizar essa aqui então? Seria um ótimo jeito de me dar boas vindas- Luna esfregou o braço da poltrona.

-Você também não mudou nada.- Desgostosa, Xena suspirou e caminhou na direção da porta, mas foi impedida pela mulher. Luna segurou seu braço afrontosamente e chegou o mais perto que pode, antes da mão da imperatriz a segurar pelo pescoço.

Antes de Xena falar algo, percebeu uma mancha mais escura perto do olho da mulher, então, passou seu dedão no local e Luna reclamou de dor. Num suspiro, Xena largou a mulher e a afastou.

-É. Não mudou mesmo. – E dando as costas e deixando um rastro de frieza, a imperatriz deixou a convidada para trás.

-Auch. 

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-Eu realmente tenho que ir?- Gabi reclamava por não querer ir ao jantar.

-Bom, a não ser que queira me deixar desprotegida, você não precisa ir.- Xena deu risada quando Gabi a olhou com deboche.

-Você salva a Grécia e não consegue se defender de uma maníaca?

-Tem razão. Mas se você não estiver lá, não vai ter graça ter que comer terra. 

Gabrielle gargalhou  e pegou a mão de Xena. 

-Então vamos.

As duas saíram do aposento e se retiraram para o salão de jantar. Quando entraram lá, as poucas pessoas presentes conversavam uma com as outras em pequenos grupos e logo notaram a Imperatriz e sua consorte. Ambas caminharam em direção ao Vizir disfarçando a pouca vontade. 

-Imperatriz… alteza.- O homem saudou, colocando pouca emoção na segunda.

-Espero que esteja gostando do vinho, governador.- Xena falou.

-Fabuloso, fabuloso…- O sotaque arrastado do homem interessou Gabi, que nunca estivera na presença de um árabe. 

-Você não foi apresentada a Gabrielle ainda, ela é minha consorte. 

-Prazer em conhecê-la, Gabrielle, marquesa de Corinto e futura rainha da Grécia.- O Vizir se abaixou e beijou a mão de Gabi. Ao lado dele estava Luna. 

-Também é marquesa, Gabrielle?- Luna perguntou.

-Isso.

-E como isso aconteceu? Eu ouvi dizer que era escrava.- Gabi sorriu sem graça e Xena começou a se irritar.

-Eu tive muita sorte em estar aqui, os deuses me abençoaram. 

-Que lindo.- Luna bebeu um gole do vinho de seu cálice. 

-Espero que se divirtam e qualquer coisa que precisarem é só me avisar.- Xena disse para encerrar a conversa.

-Pode apostar que eu vou, majestade.- Luna falou e as bochechas de Gabrielle mudaram do tom leve rosado, para vermelho escaldante.

-Por quanto tempo essa mulher vai ficar conosco?- Gabi falou baixo enquanto acompanhava Xena.

-Acredito que até o fim da guerra.- Xena pegou as mão de Gabi e olhou para ela.

-Eu não vou aguentar essa petulância,Xena.

-Sabe o que mais a irrita, querida? O desprezo. Seja uma boa rainha e não demonstre irritação pelas provocações.- Xena beijou os lábios de Gabi no meio do salão e todos viram. Foi um beijo delicado e amoroso. Xena segurou o rosto da loira com as duas mãos e a beijou de novo.

-Esse palácio é seu, Gabrielle. É a sua casa. Faça todos entenderem isso.

– Casa? Eu posso chamar esse lugar de casa? Eu finalmente tenho um lar?- Pela primeira vez Gabi pensou no palácio como sua casa, um lugar seu.

-Se importa se eu for ali falar com, Mioll?

-Não. Mas eu estou de olho em você.- Gabi cerrou os olhos e tirou um sorriso da imperatriz que ainda tinha a mão em seu rosto. Elas se desvencilharam e Xena viu os olhos amargurados de Luna.

-É melhor você se purificar. Aquela mulher vai jogar alguma magia em você.- Mioll falou quando Xena se aproximou. 

-Eu estava pensando nisso agora.- As duas deram risada e seguiram com o jantar “calmamente.”