Fanfic / Fanfiction Penumbra grega - Liga Peloponeso

A noite caia sob a Grécia, o palácio começava a ficar em silêncio e escuro. No quarto andar estava Xena em sua sala privada, deitada em cima do tapete de pelos, ao lado da lareira que queimava com toda força. Ela observava um anel com um diamante em seu dedo, anel este entregue a ela no dia em que jurou proteger a Grécia a todo custo. Olhava com atenção a joia e parecia procurar por algo a muito tempo esquecido. 

-Você está com medo?- Solan apareceu na sala e Xena levantou a cabeça.

-Estou.- Ela respondeu para o garoto que entrou na sala sem ser visto.

Solan caminhou até a lareira e se sentou no chão ao lado de sua mãe, que voltou a deitar a cabeça.

-O que está acontecendo?- Sem tirar o olho do vazio Xena respondeu:

-Eu acho que vamos entrar em guerra com alguns territórios gregos que não concordam com o Estado totalitário militar.

-Vulgo, seu Estado.

-Sim.

-São estados fortes?- Solan parecia preocupado.

-Atenas.- A imperatriz pareceu rir de nervoso. – E todos os territórios que compõe a liga de Delos. 

Solan engoliu a seco e olhou o fogo. Aquilo era algo grande. Atenas era uma cidade revolucionária e possivelmente estava tentando implantar uma nova forma de governo. Eles queriam investir em crescimento econômico, mas o Estado militar demandava mais dinheiro em armamento e soldados do que outros recursos.

-Nós fazemos parte de qual liga?- O rapaz perguntou.

-Liga do Peloponeso…- Xena fez uma pausa e notou que seu filho estava perdido. -Kaleipus não te ensinou isso?

-Centauros só ligam para o punhado de terra deles. 

-Bom…- Xena se sentou. -A liga do Peloponeso é composta pelos territórios que estão dentro da península Peloponeso, esses são Esparta, Acaia, Tessália, Corinto, Argos, Élida, Epidauro, Mantineia, Olímpia  e Pilos.  Esparta era líder desse território desde sempre, até Corinto se tornar o estado economicamente mais forte e atrair outros territórios da Grécia central, como Tebas, Delfos, Loyola e outros. Porém, Solan, Esparta continua sendo o estado militar mais poderoso na península.

-E o que deu errado?

-O que deu errado é que Esparta antes mesmo de eu nascer, pregava o Estado autoritário. Para os Espartanos, a guerra comanda o mundo. Diferente de Atenas, que é sonhadora e acredita na democracia. A Grécia sempre esteve dividida, mas agora parece que Atenas está apelando, fizeram aliança com os países do Egeu e Ásia menor. Querem destruir o sistema autoritário militar e implantar a civilizada democracia.- Xena terminou com ironia. 

-O que tem de ruim com a democracia?- Solan perguntou.

-A democracia é algo a ser atingido quando finalmente cada território estiver bem delimitado e com um dono estabelecido. A questão é que as pessoas não entendem a concepção de demarcação ainda, Solan. O nosso mundo gira em torno do caos e a guerra vai reinar até o caos se tornar ordem.- Xena viu que seu filho ainda estava confuso. -A democracia não tem intenção primordial em investir em força bélica, Solan. É um bando de políticos falastrões que querem roubar por mais tempo possível o dinheiro da Grécia para si, acobertados pela desculpa que o voto é público. Eu digo que só um monarca com tempo ilimitado no governo pode de fato pensar no que é melhor para seu país.

-Certo. Isso tem a ver com o capitão Octavius que tentou te trair?

-Mais ou menos. Esparta e alguns outros estados aliados estavam achando que eu estava pendendo para o lado de Atenas. Eles queriam se certificar que Corinto continuasse a ser parte da liga e queria colocar Octavius ao meu lado para me pôr no eixo. Eles também queriam um herdeiro para assegurar que Corinto ficasse na liga por mais gerações.

-Mas você é a imperatriz de todo território grego, não é? Por que ainda tem gente querendo desmembrar a Grécia?

-Enquanto Atenas estava satisfeita com o Estado militar eu podia ser uma boa imperatriz para o território todo, mas agora eles querem a democracia e eu não sou a pessoa que vai investir nisso.

-Então, se eles ganharem, você não vai mais ser imperatriz de toda Grécia e se falhar provavelmente vão te destronar para por algum Espartano no lugar.

-Exatamente, Solan. Exatamente. 

-Então todos os aliados da liga Peloponeso estão te pressionando para ganhar a guerra para eles e só assim garantir sua coroa?

-Sim.- Disse Xena se deitando no chão de novo.

-Como pretende ganhar de Atenas e os aliados dela?- Solan por um momento sentiu o peso que estava no ombro de sua mãe.

-Atenas é tão rica quanto Corinto e Esparta juntas. Eu vou fazer eles ficarem tão pobres e secos, ao ponto de não conseguir sustentar nem os mendigos de suas ruas. Sem dinheiro, não tem guerra, Solan. 

-E qual é a maior fonte de renda de Atenas?

-Os portos e os navios.- Xena falou com um sorriso maléfico e Solan sorriu também por ter entendido finalmente a pressa da imperatriz em atacar no inverno.

Sem o calor da primavera e verão, não havia comércio marítimo. Sem comércio marítimo os territórios eram obrigados a consumirem seus recursos armazenados para o inverno, tal recurso era racionado para durar somente no inverno e por isso, se algo acontecesse nesse meio tempo, os países passariam fome, frio e consequentemente morreriam.

A intenção de Xena era atingir tudo o que poderia ser usado pelos Atenienses na guerra antes mesmo da primavera começar. Queria destruir os navios e principais portos para que a comunicação entre os aliados estivesse comprometida e não dar a eles a chance de reconstruírem nesses meses. O frio matava as árvores e se a liga de Delos quisesse fazer novos navios, teriam que utilizar seu recurso do inverno. Se eles fizessem isso, passariam frio. 

Era óbvio que Xena sabia que Atenas tinha tanto dinheiro, que em dois meses podia pagar propina para países estrangeiros e arrumarem novos navios, nesse caso, ela teria que achar um jeito de fazer com que eles consumissem ao máximo seus dinares. Destruir as cidades não era uma opção para a imperatriz, ela queria culpar a tal democracia dos Atenienses e mostrar ao povo o quão falho podia ser. Se as pessoas morressem, também seria um problema, pois a economia grega no geral seria atingida e ficariam vulneráveis a ataques estrangeiros. 

Aquela guerra civil devia ser barata e não muito sangrenta, mas até que ponto Xena conseguiria isso?

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Na manhã seguinte Xena se levantou impaciente e ficou um tempo na sacada do seu aposento olhando as planícies geladas. De lá ela podia ver metade da cidade e o porto. Mais à direita havia uma silhueta quase invisível de uma faixa de terra . A cidade de Corinto fica perto da margem ocidental dessa importante faixa de terra. Continha dois portos, um de cada lado do estreito istmo — Lecaion no oeste e Cencréia no leste. Por esse motivo, Corinto era conhecida como “dona de dois portos”. Por causa de sua localização estratégica, a cidade de Corinto passou a dominar uma encruzilhada internacional, controlando tanto o comércio norte-sul, via terrestre, como o comércio leste-oeste, via marítima.

Navios vinham do leste (Ásia Menor, Síria, Fenícia e Egito) e do oeste (Itália e Espanha) trazendo cargas, e as descarregavam num dos portos e as transportavam pelos poucos quilômetros de via terrestre até o outro lado do istmo. Ali as cargas eram colocadas em outros navios para seguir viagem. Barcos menores eram arrastados de um lado do istmo até o outro por meio de uma via chamada de diolkos.

Os marinheiros preferiam a rota terrestre através do istmo, porque isso os poupava dos riscos da viagem perigosa de 320 quilômetros por mares turbulentos em torno dos promontórios no sul do Peloponeso, onde as tempestades eram muito comuns. Os marinheiros evitavam especialmente o cabo Malea, sobre o qual se dizia: “Passe pelo cabo Malea e nunca mais volte para casa.”

Xena analisava sua posição territorial e seu cérebro começou a funcionar, ela então teve uma grande ideia de como isolar a península Peloponeso dos Atenienses e ainda sim ficar em vantagem tanto em alto mar, quanto por terra.

Ela saiu da sacada e foi para seu closet, se vestiu e quando ia sair viu a figura sonolenta de Gabi.

-Hey. Por que levantou?- Disse a imperatriz ao caminhar até Gabi e dar um beijo na testa dela.

-Ouvi um barulho e não te vi, então vim olhar o que era.- Respondeu a garota. -Onde está indo? 

-Vou até o porto. 

-Vai fazer o que lá?

-Preciso conversar com um velho amigo. 

-Eu vou com você.- Gabi caminhou até o closet e quando ia colocar seu vestido Xena a parou. 

-Se quer ir comigo, então melhor colocar algo que dê para montar a cavalo.- Gabi olhou para Xena e sorriu.

As duas saíram do aposento e Xena bateu na porta de Solan. O rapaz saiu sonolento e com uma carranca.

-Vá se vestir, você vai comigo.

-Vou onde? Está muito cedo.- Ele ia fechar a porta, mas Xena segurou e atropelou ele. 

-Vá logo.- Xena entrou no quarto, abriu a porta do armário dele e retirou qualquer roupa de lá. Quando voltou notou que Solan estava nu e tampando suas partes íntimas.

-Você já ouviu falar em privacidade?- O rapaz estava envergonhado e irritado.

-Ninguém tem privacidade no meu palácio.- Xena jogou as roupas na direção dele -E eu já vi essa sua bunda branca.- Ela saiu do quarto e deixou o menino se trocar. Minutos depois, Solan encontrou ela no estábulo. 

-Onde vamos?- Ele estava esfregando os braços por causa do frio. Foi então que viu Gabrielle e seu nariz entortou.

-Bom dia, Solan.- Gabi falou. Ela estava com uma trança loira no cabelo, uma calça de montaria, botas e blusa comprida de lã.

-Bom dia.- Respondeu ele incomodado.

-Vamos ao porto. A partir de hoje você é minha sombra, toda vez que eu for tratar de assuntos do reino, você me acompanhará para aprender.- Xena subiu no cavalo e estendeu a mão para Gabi. Ela colocou o pé no apoio da sela e subiu logo atrás de Xena.

Solan viu aquela cena e tentou não sentir ciúmes da garota. Ele montou em seu cavalo e seguiu a imperatriz. 

O dia estava bonito, o céu azul sem nenhuma nuvem embelezava a volta, mas o frio não dava trégua. O vento balança os cabelos de Xena e a imperatriz foi seguida por cinco soldados reais que galopavam atrás dela pela estrada que os levava até o porto. Enquanto isso, Gabi ia com os braços enrolados na cintura de Xena e Solan ia logo atrás, observando sua mãe com a garota. Eles percorreram o centro de Corinto e conforme iam passando, as pessoas paravam para olhar a imagem rara da imperatriz. Tal cena fez Gabrielle rir, pois os olhos deles arregalavam como se estivessem vendo algum semideus. 

Alguns minutos depois eles estavam no porto, Xena passava pelos marinheiros de forma majestosa e vez ou outra cumprimentava os homens que ousavam acenar para ela. Cavalgaram até uma construção de madeira grande, que se revelou ser uma casa bem de frente ao cais e Xena desceu, ajudando Gabrielle em seguida. O lugar tinha uma placa, porém a garota não conseguiu identificar que tipo de estabelecimento era.

A imperatriz entrou sem bater e foi seguida por Solan e Gabrielle. Quando os dois enfim colocaram os olhos no local, os arregalaram surpresos. Havia inúmeras estantes cheias de pergaminhos e um mapa enorme da Grécia ao fundo. Um homem careca e de bigode branco brotou debaixo de um balcão e cumprimentou Xena.

-Minha imperatriz, que surpresa. A que devo essa honra?- Ele se ajoelhou e beijou a mão de Xena.

-Phobos, preciso da sua ajuda.

Phobos era um geógrafo e engenheiro muito conhecido, Xena usou seu conhecimento para muitas coisas e ele ajudou Corinto a crescer ao longo dos 25 verões que a imperatriz usou a coroa. Hoje ele se encontrava velho, mas longe de perder seu bom ânimo.

-Em que posso ajudar, majestade?

-Quero que construa um muro na faixa de terra que separa o lado Leste e Oeste.- Phobos ficou surpreso.

-Bom…acho que vou ter que ir até lá para analisar o solo. Quer fechar somente a faixa de terra, ou pretende que ela se estenda para mais lugares?

-Eu pretendo que ela se estenda, mas pra isso precisamos discutir bastante.- Xena colocou a mão no ombro do senhor e caminhou com ele até o fim da loja.

Solan ia seguir a imperatriz, mas Gabi segurou o braço dele. A garota tinha percebido o desconforto no menino e queria pôr um fim naquilo.

-Solan.- O rapaz olhou para a mão de Gabi e em seguida para ela. – Olha, eu sei que minha presença incomoda você, mas eu gostaria que soubesse que eu não tenho nenhuma intenção em atrapalhar seu relacionamento com Xena.- Solan encarou a jovem por alguns segundos e se desarmou completamente. Pelo jeito se enganara sobre Gabrielle e ela não vinha sendo a pessoa que imaginou. Enfim, ele suspirou e falou:

-Tudo bem, Gabrielle. Acho que te devo desculpas por ter sido violento outro dia. Eu estava irritado com a vida e descontei injustamente em você.

-Eu sei disso.- Gabi sorriu.

– Minha Mã… Imperatriz…- Gabi levantou uma sobrancelha em tom divertido.- A imperatriz me disse que você quem pediu para ela ir até mim aquele dia…Obrigado.

-Não há porque agradecer, Solan. 

Eles sorriram um para o outro e seguiram em frente.

Xena estava conversando atentamente com Phobos e parecia muito preocupada. Antes de declarar de fato guerra, o muro era uma das estratégias que usaria. Phobos falou a ela que não havia muito o que fazer naquele dia, pois precisava ir até lá com um grupo de ajudantes, analisar o local e então ver como funcionaria a construção. Xena concordou e anunciou que em dois dias o acompanharia. 

Xena aproveitou a deixa e apresentou seu filho ao homem.

-Este é Solan, meu filho.

-Aaah, eu ouvi falar desse rapaz.- Phobos se curvou para o menino. -Como vai, alteza?- Disse o homem e Solan estranhou a forma que foi chamado.

-Alteza?- Disse ele.

-Sim. Depois da cerimônia você será “sua alteza real, Príncipe da Grécia.” – Disse Xena e Solan sorriu. Pela primeira vez teve noção do quão grande era aquilo.

-Vou construir um muro forte para que seus herdeiros possam usar ele, vossa alteza.- Disse Phobos.

-Eu vou adorar ver esse muro ser levantado.- Respondeu o rapaz, estufando o peito e de ego inflado. 

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Quando Xena finalmente terminou com Phobos, eles voltaram para o palácio. Eles tiveram a grande surpresa de descobrir que Kaleipus resolvera sair um dia antes do combinado. Solan assustou com a decisão do centauro e correu na direção dele.

-Você não pode ir embora hoje.- O menino falava.

-Eu preciso. O inverno está próximo e vai ficar perigoso de se viajar.- O centauro disse.

Xena observava tudo e seu coração apertou com a cena de seu filho chateado.

-Eu pensei que ia ter mais um dia com você, pai.- O menino abaixou a cabeça e Kaleipus puxou ele para um abraço desajeitado.

-Você sempre vai poder ir para casa e me ver, por enquanto aqui é seu lugar. Se algo der errado você sempre será bem vindo.- O grandão falou enquanto batia de leve nas costas do rapaz.

-Eu queria poder ter vocês dois ao mesmo tempo.

-Você tem.- Kaleipus respondeu e Xena caminhou até Solan. -Você tem duas casas agora. 

-Eu vou sentir sua falta.

-Também vou sentir a sua.

Eles se abraçaram e quando Kaleipus finalmente partiu com seu grupo, Solan ficou parado, assistindo a procissão. Uma lágrima escorreu e Xena o abraçou. Retribuindo o abraço, Solan continuou vendo seu pai adotivo sair pelo portão, até que ele se fechou. A partir dali, seu objetivo era aprender a ser imperador e ajudar sua mãe a defender a Grécia.