Xena voltou para seu aposento se sentindo o ser mais estúpido do planeta. Ela não podia acreditar que teve a capacidade de sair dali e ir até a escritora sem mais nem menos. Ela não era famosa por ter impulsos ridículos, pelo contrário, sempre pensava mais de duas vezes antes de tomar uma decisão.

A imperatriz se sentou em sua cama e ficou olhando para a parede. Suas bochechas estavam vermelhas por causa da vergonha de minutos atrás e só conseguia pensar no que a escritora tinha para faze-la agir como idiota. A morena não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que ainda sentia vontade de conversar com Gabrielle.

Enquanto isso, do outro lado do palácio, Gabrielle estava no aposento de hospedes e se perguntava o que havia acontecido no corredor. Depois que a imperatriz saiu da festa, a barda tomou mais um cálice de vinho e se retirou. Ela usou a desculpa de que estava cansada, mas na verdade não sentia mais vontade de falar com ninguém.

Algo de incrível e gostoso tinha acontecido entre ela e a imperatriz e depois que entrou no aposento, não conseguiu dormir. Colocou sua túnica mais fresca devido ao calor de Roma e ficou sentada na cama. Depois de ficar refletindo sobre a conversa com a imperatriz e recordar de vê-la na praça mais cedo, foi impossível adormecer.

Gabrielle então, foi até a varanda e observou o pátio que ficava logo a frente. Muitos guardas fardados de vermelho estavam circulando por ali e a lua iluminava um enorme canteiro de flores mais a frente. A loira achou incrível a arquitetura romana e apesar de não ser tão diferente da grega, acabou achando uma boa ideia descer e apreciar as flores do jardim.

Foi então que Gabrielle abriu a porta e deu de cara com a razão da sua insônia. Ela não esperava ver a imperatriz ali e assustou no mesmo instante. Ela não soube reagir, pensou que talvez a morena estivesse circulando despretensiosamente, mas não era exatamente como se comportava. Em vez de parecer a imperatriz segura e intimidadora, Xena pareceu agitada e ansiosa, não sabia ao certo o que dizer, mas Gabrielle ficou esperançosa para que tivessem uma conversa agradável.

Depois de entrar em seu aposento e fechar as cortinas para evitar os pernilongos, Gabrielle se deitou na cama com uma cara de choque e se pôs a rir em seguida. Ela adorou ver as bochechas vermelhas da imperatriz e não imaginava como ela podia ser tão simpática. Com a imagem de Xana na cabeça, Gabrielle finalmente fechou os olhos e adormeceu com um sentimento de curiosidade no peito.

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Na manhã seguinte, Xena acordou com César andando no aposento. Ele estava ajeitando o broche de sua capa vermelha e encarou sua mulher antes de sair.

-Estou indo até o senado. Acho melhor não demorar, pois as damas da bancada feminina estão ansiosas para verem o primeiro teste do “sopro da quimera”. – Depois de usar seu tom áspero, César saiu do aposento e Xena olhou para o teto como se esperasse por um “bom dia” melhor.

A imperatriz se sentou em sua cama e esfregou os olhos, ela não havia dormido muito bem, pois permaneceu agitada até tarde da noite e em seus sonhos, ficava revivendo a peça ateniense e a festa no salão. Fazia tempo que Xena não se sentia empolgada com alguma coisa e saber que aquele evento em particular havia atrapalhado sua noite, era intrigante.

Xena então, colocou uma farda não tão pesada quanto a de Cesar e saiu de seu aposento. Não estava com fome, então não teve seu desjejum e seguiu para a sala dos tronos onde encontrou as damas.

-Aspásia, é bom vê-la logo cedo. – Disse Xena com seu típico tom firme e cumprimentou a líder das damas.

-Imperatriz, espero não ter sido inconveniente por aparecer tão cedo…- Aspásia começou, mas Xena ergueu a mão.

-Não seja tola, quem se atrasou foi eu. – Xena respondeu enquanto se aproximou das outras e as cumprimentou.

-Onde será a demonstração, imperatriz? – Uma mulher de aproximados 35 verões, de cabelos negros, olhos castanhos e pele bronzeada perguntou.

-Será atrás dos montes gêmeos. É um local reservado que os engenheiros estão trabalhando na arma. – Xena respondeu. -Vamos? – Xena convocou as mulheres e elas a seguiram.

Xena e as oito damas saíram do palácio e cruzaram o pátio central. O mesmo pátio que era visto do aposento imperial. A morena caminhou por ele, então avistou uma cabeleira loira que fez seu coração disparar. Era tão cedo, que Xena não esperava encontrar a escritora por ali.

-Imperatriz. – A escritora que se surpreendeu também com a imagem de Xena falou enquanto curvava a cabeça.

-Gabrielle. – Xena parou para cumprimenta-la e as damas ficaram logo atrás. -Espero que tenha gostado das acomodações. – Falou a morena e Gabrielle a achou mais cordial e segura que na noite passada.

-São perfeitas, fico honrada em receber tanta hospitalidade. – Gabrielle retribuiu.

-Nenhum pernilongo te incomodou, né? – Xena finalmente achou uma utilidade para seu comentário estúpido da noite anterior e Gabrielle deu uma risada animada. Uma risada na qual Xena não pode ignorar aquele sorriso.

-Nenhum se atreveu. – A escritora enfim falou e Xena demonstrou satisfação.

-Senhorita Gabrielle, certo? – Começou Aspásia num sotaque grego razoavelmente bom e Gabrielle assentiu. -Sua peça foi magnifica, fazia tempo que eu não fantasiava com algo daquilo. – A nobre começou a dialogar e as demais damas concordaram com ela.

-Fico feliz que tenha gostado. Creio que até hoje foi minha melhor obra. – Gabrielle afirmou.

-Nunca pensei que alguém poderia pôr em palavras um sentimento tão surreal.- Disse outra dama. -No mínimo a senhorita já teve uma alma gêmea para conseguir explicar isso, não é? –

-Existem duas razões para que alguém consiga se expressar tão bem sobre um assunto. – Começou Gabrielle e Xena manteve sua total atenção nela. -A primeira é de fato o conhecimento e a segunda é o mais puro desejo. Eu adoraria dizer que sei falar sobre tal amor por vivência, mas infelizmente eu continuo vagando a procura de alguém como o anjo caído. – Os olhos de Gabrielle pousaram sobre Xena e as duas se comunicaram através deles mais uma vez.

-Creio que somos todas iguais nesse assunto então. – Uma dama disse com humor. -Talvez tenhamos que aguardar por um anjo cair do Olimpo mesmo, porque os homens desse país não se interessam por romance. – As damas riram e Xena as acompanham enquanto manteve os olhos na escritora.

-Teremos mais alguma peça essa semana, Senhorita Gabrielle? – Aspásia enfim perguntou.

-Teremos sim. Daqui dois dias apresentarei uma versão mais romantizada do cavalo de Troia. – A escritora contou já esperando a decepção de suas novas fãs. -Eu sei, eu sei. Histórias de amor são incríveis, mas Roma tem preferido as lutas, então, para agradar a todos, eu trouxe uma história de cada.

-Tem razão, a maioria prefere lutas, mas tenho certeza que iremos adorar. – Aspásia continuou.

-Vou me esforçar para isso. – A loira sorriu mais uma vez e a conversa chegou ao fim.

-Temos um compromisso agora, mas espero conseguir te encontrar mais tarde para discutirmos mais sobre suas peças, Gabrielle. – Falou Xena. -Faz um longo tempo que não tínhamos uma distração mais leve em Roma, creio que posso te convencer a ficar mais uns dias e preparar algo a mais. – Xena finalizou e Gabrielle se sentiu animada com o fato da imperatriz querer encontra-la mais tarde.

-Com essa audiência, vou considerar sobre preparar mais alguma peça. – Assim como Xena, Gabrielle falava sem quebrar aquele contato visual e somente as duas não notaram que estavam tendo dificuldade para se despedir.

-Se resolver prolongar sua estadia, podemos reunir todas para um jantar, o que acha, imperatriz? – Aspásia perguntou.

-Ótima ideia. – Xena falou sorrindo para Gabrielle.

-Ficarei feliz se fosse em minha casa.- Uma das damas chamada Odessa falou.

-Vou adorar! Muito obrigada pelo Carinho. – Gabrielle agradeceu a todas.

-Maravilha, nos vemos mais tarde então. Um bom dia, Gabrielle. – Xena assentiu para ela e se afastou. As damas se despediram da escritora com igual simpatia e tornaram a seguir a imperatriz.

Enquanto saiam, Gabrielle ficou olhando o grupo de mulheres e mais a frente ficou admirando a imperatriz naquela farda dourada com vermelho. Aquela era a primeira mulher fardada que Gabrielle já havia visto e sua imaginação começou a trabalhar. Ela começou a imaginar Xena no campo de batalha com suor e manchas de sangue no rosto. Aquele tipo de situação não agradava a escritora, mas seu coração bardo começou inconscientemente a produzir uma história baseada naqueles fatos. Sem perder mais tempo, Gabrielle foi em direção ao aposento de hospedes e agarrou seus pergaminhos e tinta.

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-Pode nos contar um pouco de como essa arma é feita, imperatriz? – Uma das damas perguntou e Xena olhou para os rostos curiosos a sua frente.

As mulheres já estavam no local do teste da arma e além delas, haviam mais três engenheiros e mais 30 escravos.

-É uma arma que vai no interior do navio. É necessário criar um compartimento abaixo do convés para alimentar a arma. Dois marujos terão que alimentar uma espécie de forno com carvão e outros três terão de acionar os foles para impulsionar o fogo para fora daqueles canos metálicos. – Xena apontou para dois canhões na proa do navio. -O problema é que a temperatura lá debaixo tem de ficar regulada para não matar os homens sufocados e não causar um dano ainda maior durante o disparo do fogo.

-E que tipo de dano, imperatriz? – Outra dama questionou.

-Veremos em instantes. – Xena falou e as mulheres voltaram a encarar o mar a frente.

Um navio estava mais distante e se posicionava para a demonstração. A arma seria considerada pronta caso os canos conseguissem soltar fogo até 3 metros e sem prejudicar a madeira. A tensão de Xena e dos engenheiros estava alta, pois três navios já tinham sido destruídos e não estava ficando barato aquela operação. Foi quando o sinal para liberar o fogo foi acionado e uma língua de fogo saiu pelos canos. As mulheres arfaram de emoção, mas logo em seguida a madeira ficou avermelhada e começou a se expandir. Uma explosão enorme destroçou o navio na água e madeira voou para todo lado. Xena e os demais que estavam em terra, cobriram o rosto e o navio destruído continuou queimando na água.

-Espero que saiba como corrigir isso na próxima vez, Alcebíades. – Falou Xena para o engenheiro chefe.

-Com todo respeito a sua imperatriz e as damas, mas já esperávamos por isso, mas foi graças a esse último erro que poderemos enfim corrigir a pressão interna do navio. No próximo teste, sua imperatriz terá o sopro da quimera. – Disse o homem animado e Xena não estava com uma cara boa.

-Espero que eu tenha mesmo. Não podemos mais desperdiçar dinheiro e pegar mais um navio da frota. – Xena não esperou a resposta do homem e deu as costas para ele. Ela confiava nos engenheiros, mas não podia afrouxar na frente das damas, afinal, elas votaram com fervor na nova arma e não podiam sentir que haviam feito uma má escolha.

-Realmente essa arma é ousada, imperatriz. Se não conseguir mostrar os resultados na próxima sessão do senado, creio que não poderemos continuar apoiando. – Aspásia tomou uma postura típica de político e Xena ficou irritada por dentro.

-Sei que não, Aspásia. Agradeço por confiar em mim e garanto que essa arma nos dará a vitória. Só peço que não revelem esse teste para os demais, pois é segredo de estado e eu abri essa exceção pois acredito que mulheres devem se unir. Eu mantenho seu partido e vocês me mantem a frente da oposição. Juntas, nós temos Roma. – Xena disse por fim enquanto voltava em direção aos cavalos.

-Não falaremos a ninguém, imperatriz. Confiamos em você de fato e aguardamos por resultados melhores da próxima vez. Nos avise quando estiver pronto. – Aspásia montou em seu cavalo.

-Avisarei. – Xena concordou e as damas partiram para Roma na frente dela.

Xena encarou o navio destroçado mais uma vez e percebeu que estaria em apuros se não funcionasse. O medo tomou conta dela, mas preferiu não se apavorar, afinal, ainda possuía seu tesouro para uma quarta tentativa. Sem mais delongas, Xena voltou para o palácio.

Assim que adentrou os portões, Xena notou que o cavalo de César já havia retornado e ela se questionou se por um acaso a sessão do senado estaria tão chata ao ponto de seu marido abandoná-la antes do fim.

A imperatriz adentrou seu palácio e caminhou pelos corredores na tentativa de encontrar César. Ela não vinha se sentindo muito disposta em atender as necessidades dele, mas sempre que negava e ele ficava mal-humorado, ela acabava se desculpando. Talvez os verões estivessem afrouxando a imperatriz, ou talvez fosse a simples culpa de não o querer mais.

-César. – Xena entrou no gabinete dele e o encontrou debruçado num pergaminho. Assim que ela entrou, o imperador enrolou o papel e sorriu.

-Conseguiu chamar a atenção das damas? – Ele usou um tom sarcástico no qual Xena estranhou.

-Não.- A morena ignorou a rispidez e tentou manter um diálogo normal. – A porcaria do navio explodiu de novo e elas prometeram não me apoiar se a próxima tentativa der errado.

-Interessante. – Ele segurou o queixo. –Pelo que presenciei ontem, você leva jeito com mulheres.

Xena nunca ouviu aquelas palavras da boca de César, então não compreendeu o que havia de errado. Será que ele estivesse enciumado por causa da atenção que deu a escritora e depois recusou sexo? Xena nunca havia revelado seu desejo pelo mesmo sexo para seu marido, sendo assim, não tinha motivos para ele desconfiar. O que a imperatriz ainda não imaginava é que César tinha plena consciência do passado que alterou e sabia bem qual era o tipo preferido dela.

-Qual seu problema? – Xena enfim cansou de ser boazinha e mostrou suas garras. –Você nunca me aborreceu por ser política com as pessoas. –

-Estava realmente sendo política com a escritora, Xena? Ou tinha algo mais interessante nela? Acho que não precisamos ficar fingindo que você tem me afastado na maior parte do tempo. – César se levantou e manteve a mesma postura que sua esposa.

-Foi você que teve a ideia de convidar uma escritora grega. Você quem queria me ver interagindo com conterrâneos. O que foi, César? Que reação estava esperando de mim? – Xena respondeu e lembrou que as discussões com ele quase sempre eram em vão, pois ambos eram orgulhosos demais para darem o braço a torcer.

-Esperava um agradecimento mais sincero de você. Mas em vez disso eu recebo um pontapé mais uma vez, enquanto você sai no meio da noite para conversar com a escritora. – César tinha o poder de discutir sem transparecer raiva. Sua feição fria era mais irritante que qualquer outra.

Xena sentiu seu coração disparar quando ele mencionou sua pequena fuga inconsequente da noite anterior. Ela não tinha feito nada demais, porém, diante do grande César, o manipulador e controlador, ficava difícil até respirar. Antes que ela pudesse responder qualquer coisa, Brutus apareceu na porta e a salvou.

-César, assassinos de Chin foram vistos…- O conselheiro parou abruptamente e encarou Xena. No mesmo instante, a imperatriz entendeu do que se tratava e deu um olhar mortal pra César.

-Assassinos de Chin?- Ela perguntou irritada. –Por que Lao Ma mandaria assassinos até aqui sendo que seus emissários vieram em missão de paz? – A pergunta foi retórica, pois a imperatriz já tinha entendido.

-Por precaução, talvez. Nós também usamos dessa artimanha quando enviamos mensageiros para fazer acordos. – César mentiu descaradamente, porque depois da pequena fagulha que Gabrielle acendeu ao pôr os pés em Roma, fez com que ele perdesse o interesse em compartilhar seu império com Xena.

-Você me acusa de desprezá-lo e depois mente para mim sobre seus planos, César? Nosso plano era atacar a Grécia e dominá-la. Nosso acordo com Lao Ma nos garantiria suprimentos e outras vantagens durante essa conquista. – Xena estava com o rosto vermelho e César se quer demonstrava arrependimento.

-A Grécia já é nossa. Não teremos de fazer esforços para tomar. Enquanto você estivesse fora cuidando disso, eu iria enviar soldados para a fronteira de Chin e expandir nosso território. Somos duas cabeças, Xena. Eu também sei liderar um exército. –

-Com licença! – Brutus se retirou com cara de quem fez algo errado, mas não foi notado de verdade pelos imperadores.

-Quando pretendia me contar isso? – Xena apoiou as mãos na mesa e fitou mortalmente o imperador.

-Assim que voltasse vitoriosa da Grécia. – César falou.

-Eu não posso admitir que tenha culminado contra mim, César. Não algo tão grande como isso. – Xena se afastou, mas antes de sair, ouviu as últimas palavras de Cesar.

-Você anda muito emocional, Xena! Não pensei que Lao Ma tivesse mexido tanto com você. Cuidado, pois sentimentalismo tem preço de sangue nos tempos atuais. –

Xena não virou de costas e preferiu não acreditar que aquilo era uma ameaça.

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No primeiro corredor que Xena virou, uma fúria enorme dominou ela e chutou um vaso de bronze. O vaso tombou no chão e fez um barulho alto. Xena continuou andando sem rumo pelo palácio e só conseguia sentir vontade de estrangular César.

Ele sabia! – Ela pensou. –Sabia o quanto Lao Ma era importante para mim. Sabia que nunca quis pôr as mãos em Chin enquanto ela estivesse no poder. – A imperatriz continuo pensando. –Desgraçado.- Xena saiu do corredor e foi até o pátio central onde havia o jardim. A raiva dela era tão grande que não deu bola para os soldados que ficavam ali protegendo o muro.

César devia estar louco por ter escondido aquele plano dela. Ambos nunca haviam escondido nada um do outro, principalmente sobre os planos de conquista. O que diabos estava acontecendo ali e porque seu marido parecia tão enfurecido pela presença da escritora?

Xena pareceu menos irritada agora e mais pensativa. Aquela não era a primeira vez que convidados eram recebidos no palácio e em outras ocasiões, homens mais elegantes, ricos e poderosos se aproximaram dela. Em todas essas vezes, César nunca pareceu inseguro e ameaçado, pelo contrário, sempre pareceu gostar de exibi-la para todos. Mas agora, o que estava acontecendo para ele ficar com receio de Gabrielle? Receio de uma pessoa que nem conhecia.

Xena se aproximou das flores, mas não estava olhando para elas de verdade. A imperatriz estava com a unha na boca, o cenho franzido e pensava em inúmeros motivos para César estar naquele estado emocional. Foi então, que a morena resolveu recapitular os últimos dias e tentar entender o que vinha acontecendo.

Ela vinha se sentindo mais desanimada que nunca e constantemente mentia para si mesma que ainda amava César, porém, o desejo por seu marido havia esfriado a muito tempo. O mais esquisito naquela história, era que Xena recordava muito bem que nunca tinha se apaixonado por César, pelo contrário, ambos se uniram pelo mesmo objetivo e levaram aquela relação pois era mais fácil suprirem as lascivas um do outro, do que se comprometer com desconhecidos.

No entanto, Xena se viu cada vez mais vazia e sentia falta de algo que não fazia ideia. Em determinado momento de sua vida, sentia que algo estava fora do lugar, mas ignorou, pois os planos que traçou no passado estavam sendo realizados. Mas dia após dia aquela lacuna se estendia e coisas que nunca prestou atenção vieram à tona. Xena começou a se sentir sozinha e sempre que olhava para César, não encontrava alguém que pudesse completa-la mais, alguém que pudesse torna-la eterna. Pelo contrário, ela via nele constantemente um proprietário, alguém que queria dominar tudo, inclusive ela.

Foi quando um desejo enorme de perambular pela cidade a guiou até uma forasteira que petrificou seu olhar e foi quando Gabrielle apareceu no palco como a autora da peça que foi capaz de explicar o desejo que havia no peito. Foi ali, naquele exato momento que uma perturbação maior começou e o vazio parecia ser amenizado. Xena se sentia ansiosa ao lado da escritora, mas não era uma ansiedade ruim. Ela se sentia curiosa e César que não era bobo deve ter percebido que ela havia ficado assim, afinal, ele era o grande Júlio César por saber ler a linguagem corporal das pessoas.

Um som veio do lado direito e Xena virou a cabeça para ver. Um dos soldados havia dormido em pé e deixou o escudo cair no chão. A imperatriz olhou para ele com frieza e o homem voltou rápido para sua posição. A morena começou a se aproximar lentamente do homem e um suor gelado desceu pelo pescoço dele. Xena não se considerava mais uma pessoa horripilante e ruim, mas ela se esquecia que as pessoas não podiam ver seu coração. Antes de abrir a boca para repreender o homem, ela olhou para cima e avistou a sacada do aposento de hóspedes. Com uma postura pensativa e calculista, Xena se perguntou se a escritora estaria ali e se esquecendo completamente do guarda, saiu do pátio.

Xena andou calmamente até o aposento da escritora, subiu as escadas e quando parou em frente a porta, ela não estremeceu como na noite anterior. Xena parecia um pouco mais consigo mesma naquele dia e bateu na com a parte de trás da mão na porta. Nenhum som veio do aposento logo em seguida e a imperatriz bateu mais uma vez.

Como não houve nenhuma resposta por parte de Gabrielle, Xena empurrou a porta lentamente e observou o interior do aposento. Ao perceber que estava calmo demais, entrou no local e olhou em volta. Onde a escritora poderia estar? Será que estava no teatro ensaiando os atores da companhia de Atenas? Ou será que estava passeando por Roma?

Xena estava quase convencida a sair, quando viu um baú aberto perto da cama. Ela se aproximou e viu alguns vestidos mal dobrados e o que Gabrielle usou na noite anterior estava caído para fora. Xena se sentiu tentada a pegá-lo, mas não achou prudente, uma vez que não sabia onde a loira estava.

Estava pronta para sair mais uma vez, quando notou a cama bagunçada e sua mente poluída se perguntou se a escritora costumava dormir com aquele manto da noite passada, ou se costumava retirá-lo. A morena se lembrou então dos quadris de Gabrielle e pensou como César era filha da puta por estar certo em desconfiar.

A morena olhou para o canto e viu a mesa do aposento com vários pergaminhos espalhados. Mais no centro estava um tinteiro aberto e uma pena molhada. Aquilo podia dizer só uma coisa, Gabrielle estava por perto e estava criando. Xena foi até a mesa e observou o processo da escritora. Haviam pergaminhos pequenos, grandes e médios. Em um papel médio, estavam vários nomes escritos ali. Dois deles estava circulado e o restante riscados.

-Porque será que ela escreveu tantos nomes? – Xena pensou.

O outro pergaminho estava com muitas palavras e bem estruturado. Aquele de fato deveria ser a história, então Xena se debruçou nele e começou a ler. Não parecia ser o começo da história, mas a descrição da personagem, era uma guerreira alta, forte, cabelos negros e olhos azuis penetrantes. A guerreira usava uma armadura de couro marrom simples e uma espada sem graça. A mulher ainda parecia triste e insatisfeita, o que fazia seus adversários se enganarem sobre suas habilidades.

Xena estava com um sorrisinho no canto do lábio e se perguntou se realmente se tratava de uma descrição sua quando a porta se abriu e a dona temporária do aposento se assustou.

-Imperatriz!- Gabrielle não esperava ver Xena ali. Em seguida ela olhou para o pergaminho preocupada e encarou a morena de novo.

-Eu não sou intrometida, eu juro. – Xena se afastou dos pergaminhos e se aproximou de Gabrielle. –Eu me perguntei se você estaria aqui e como não atendeu, resolvi entrar. – Xena se aproximou ainda mais e a única coisa que Gabrielle podia reparar, era como a imperatriz ficava impactante naquela armadura dourada com tecido vermelho.

-Tirando o fato do palácio ser seu, que outro nome dá a alguém que entra sem ser convidado? – Gabrielle relaxou um pouco depois de ver que Xena não se incomodou com o que leu no pergaminho e resolveu usar seu bom humor.

-Curioso talvez? – A imperatriz perguntou com um jeito sínico e as duas riram. –Não me culpe por querer sua companhia agradável, Gabrielle. – Xena falou em tom suave e a loira sentiu o coração acelerar de ansiedade.

-Jamais me incomodaria com isso!- Gabrielle fechou as mãos na frente da barriga e corou levemente. –Eu a convidaria para entrar, mas como já está aqui…- As duas riram timidamente. –Espero que não tenha se incomodado com o que leu.- A loira se próximo da mesa e encarou o pergaminho.

-Nem um pouco. Acho que não é qualquer um que tem a honra de ler o início de uma obra sua, não é?- Xena se apoiou na mesa e encarou Gabrielle com seu olhar penetrante. A loira puxou um pouco de ar levemente diante daquela visão e sorriu.

-Exatamente. Contando com você, temos agora um total de…- Gabi fingiu pensar. –Uma pessoa que já leu minha obra incompleta.

-Ah.- Xena exclamou fingindo estar estonteante. –Agora sim eu me sinto a pessoa mais sortuda do mundo. – Gabi deu risada novamente e Xena se pegou encantada. –Mas me diga, eu pareço triste e incompleta para você? – A expressão da imperatriz foi mais séria agora e Gabi analisou bem a expressão dela.

-Triste não, mas incompleta… talvez. Mas isso foi o que você mesma revelou a mim quando perguntou se um amor tão poderoso podia existir. – Gabi se sentou na cadeira e apoiou o queixo na palma da mão.

-Bem…-Xena puxou uma cadeira também e se sentou ao lado da escritora. –Na sua história a guerreira vai conseguir achar algo que a complete?

-Sim, ela vai…- A loira continuou na mesma posição e manteve o contato visual com a imperatriz.

-E como isso vai acontecer? – Xena ficou curiosa para ver a perspectiva de Gabrielle sobre sua vida.

-Ela vai encontrar um amor…- Gabi enfim abaixou a cabeça e encarou as unhas sujas de tinta.

-E como ela vai conhecer? – Xena aproximou mais sua cadeira da escritora e manteve o olhar curioso sobre ela. Gabrielle por sua vez, ficou com receio e encarou Xena mais um pouco. –Vamos, Gabrielle. Você se inspirou em mim, eu tenho o direito de saber. – Xena se gabou e a loira sorriu.

-Ela vai estar perambulando por aí com a certeza de que sua vida e suas escolhas não valeram a pena, então, quando estiver pronta para desistir, vai encontrar pessoas em perigo e salvar aquela gente. Vai ser aí que a vida dela vai mudar. – As palavras de Gabrielle pareciam vir além da sua imaginação e Xena recebeu aquilo com grande curiosidade.

-E como sabe que seu público irá gostar e aceitar bem essa obra? – A morena quis saber.

-Não escrevo para eles de verdade. Escrevo para mim… para me afastar do meu vazio e criar um mundo melhor. – A loira continuou respondendo com a voz da alma e Xena percebeu que era essa ternura de Gabrielle que gostava de observar.

-Então como você sabe que essa história será tão boa quanto as outras? – Xena perguntou mais uma vez.

-Não é para ser boa também… só parece ser interessante… parece ser o certo…- Gabi estava muito pensativa e não compreendeu muito bem o que quis dizer com “certo”.

Xena também não compreendeu, mas sentia que de fato a história tinha um significado. Outra coisa que chamou a atenção da imperatriz, foi o fato de Gabrielle revelar que havia um vazio em sua vida.

-Como alguém como você pode se sentir vazia, Gabrielle? Você emana tanta luz, que fico surpresa de te ouvir dizendo isso.

Gabrielle não soube o que responder e voltou a encarar suas mãos. Depois de alguns segundos, ela ergueu os ombros num movimento de dúvida e disse mansamente:

-Eu me sinto assim desde os 17 verões. Num dia eu estava bem e no outro era como se algo faltasse. – Enquanto Gabrielle falava, Xena olhava suas expressões e começou a reparar os lábios da escritora.

-Eu sei como se sente. – Xena tocou a mão de Gabrielle, aproximou um pouco seu corpo do dela e a loira encarou seus olhos de novo.

-Sabe mesmo? – Ela também se inclinou um pouco mais na direção de Xena.

-Uhum. – Xena murmurou enquanto assentia com a cabeça e aproximou seus lábios dos de Gabrielle.

As duas se aproximaram lentamente e ficou claro que queriam a mesma coisa. Os lábios se tocaram delicadamente e uma agitação começou no peito de ambas. O beijo se manteve somente com os lábios se pressionando, mas foi o suficiente para esquecerem do vazio.