Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

    Para Cyrene, taverneira de Amphipolis

    Por mãos confiáveis, da parte de Hecuba de Potidaea

    Pouco nos conhecemos, e talvez seja melhor assim. No entanto, não posso mais silenciar. Minha filha, Gabrielle, era uma jovem simples, sonhadora, com o coração voltado para histórias e não para espadas. Desde que encontrou a sua filha, foi como se um furacão a levasse.

    Peço – não, exijo – que faça chegar à sua filha o seguinte: devolva Gabrielle à segurança de sua aldeia e de sua família.

    Não é justo que o coração de uma mãe seja arrancado desta forma.

    Hecuba.


    Para Hecuba, de Potidaea

    Respondido no mesmo pergaminho, com outra letra firme e controlada

    Hecuba,

    Por um breve momento, me perguntei como me encontrou, mas então refleti que ser a mãe de Xena, para bem ou para mal, me torna relativamente conhecida.

    Suas palavras ferem, mas entendo. Ser mãe de Xena nunca foi tarefa fácil. Eu também já quis arrancá-la do mundo, escondê-la de si mesma. Mas Xena não leva ninguém. Gabrielle caminha ao lado dela por escolha própria.

    Ainda assim, enviarei seu recado quando a ver.

    Cyrene


    Cyrene,

    Agradeço por ter respondido. Pensei que me ignoraria, pois confesso que meus nervos abalados me fizeram colocar mais rispidez do que deveria nas linhas enviadas. Não sei o que me dói mais: a falta de Gabrielle ou o eco do meu lar vazio.

    Minha filha mais nova, Lila, é como um pequeno camundongo silencioso perto da minha tagarela Gabrielle. Meu marido pouco fala. Quando fala, é como se dirigisse a uma parede. A ausência de Gabrielle escancara tudo que finjo não ver.

    Às vezes invejo sua taverna. Deve ser barulhenta o bastante para esconder qualquer solidão.

    Hecuba


    Hecuba,

    A taverna é barulhenta, sim. Mas quando fecha, e o fogo se apaga… sobra o silêncio. O silêncio de um filho perdido, o silêncio de dois filhos que vagaram para longe. E a memória de um marido o qual apaguei com as próprias mãos.

    Ele tentou matar nossa filha. Eu o matei primeiro. Não me orgulho por ter tirado sua vida, mas não me arrependo nem por um momento de ter protegido minha filha, sobrevivi e Xena também.

    Você não está sozinha no seu desalento.

    Cyrene

    PS: Ainda não obtive notícias de Xena, mas não esqueci do seu recado.


    Cyrene,

    Que estranho, encontrar consolo nas suas palavras, ainda que trágicas.

    Ontem sonhei que Gabrielle estava em casa, sentada ao meu lado, trançando meu cabelo como fazia quando era criança. Acordei com as tranças desfeitas e o travesseiro molhado. Mas precisei esconder as lágrimas de Herodoto e de Lila.

    Perdoe-me por escrever sobre tais sensações, mas somente nesse pergaminho posso dizer essas coisas sem ser chamada de fraca.

    Hecuba


    Hecuba,

    As mães não são fracas. São feitas de ferro dobrado pelo fogo.

    Não é curioso? Enquanto nossas filhas se aventuram pelo mundo, nós – tão distantes – descobrimos conforto nessas pequenas mensagens.

    Cyrene


    Cyrene,

    Hoje fui ao poço e uma vizinha me perguntou por Gabrielle. Sorri e disse que ela está “feliz”. Não consegui dizer mais nada.

    Às vezes me pergunto: o que é pior? Perder uma filha para a morte ou vê-la viver uma vida onde não podemos alcançá-la?

    Hecuba


    Hecuba,

    Eu também menti hoje. Um viajante perguntou por Xena e se ela “ainda era perigosa”. Respondi que ela protege os inocentes agora. Mas o medo nos olhos dele me fez duvidar.

    Mesmo depois de tudo, ela ainda carrega os julgamentos do mundo – e os meus.

    Por isso, agradeço sua honestidade. Com você, não preciso fingir que estou em paz.

    Cyrene


    Cyrene,

    Imagino o pesar em seus olhos diante dos julgamentos. Acredito que Xena tenha mudado, pois não creio que o julgamento de Gabrielle seja tão equivocado para ter se aventurado ao lado de alguém com um coração ruim. Ainda assim sinto tanta falta da minha filha!

    Seus olhos… nunca os vi, mas imagino-os. Eles carregam a mesma saudade que os meus, e todas as memórias das infâncias de nossas filhas?

    É estranho, não é? Imaginar seus olhos e pensar em você assim, quase como se desejasse estar sentada ao seu lado, vendo você limpar as mesas da taverna. Sem dúvida seria muito menos monótono do que os meus afazeres diários e as reclamações constantes de meu marido mal-humorado.

    Eu gosto de imaginar a sua rotina.

    Hecuba


    Hecuba,

    Imagino você enrolando ervas secas, cuidando do que resta.

    Aqui, os homens gritam por vinho e as mulheres cochicham sobre mim. Dizem que sou “a mãe da guerreira que virou assassina e depois heroína”.

    Mas você… você escreve como se me visse além disso. Acho que podemos chamar isso de amizade, não?

    Quer saber, para o Tártaro com os julgamentos. Trabalhando numa taverna por tantos anos sei de cada um dos podres da maioria desses aldeões e guerreiros. Desde o fiasco de Alcibíades que deu uma cabra como presente para a própria esposa, esperando ser perdoado pelas traições até Nikolos que roubou todo o vinho da oferenda do Altar de Baco.

    Cyrene


    Cyrene,

    Você tem me feito rir. É estranho lembrar qual a sensação de rir.  Hoje, quando queimou o pão, lembrei de quando Gabrielle tentou cozinhar sozinha. Colocou sal no lugar de açúcar. Rimos tanto que quase esquecemos a fome.

    Lembranças como essa me doem, mas contigo elas se tornam mais leves.

    Você me devolveu partes de mim que achei que nunca mais veria.

    Hecuba


    Hecuba,

    Xena, quando pequena, roubava maçãs e fingia que era uma heroína salvando as árvores do “peso das frutas”. Em outras ocasiões, ela prendia todas as cabras no cercado e depois descia a colina correndo, empunhando sua espada de madeira fingindo ser a guerreira que salvaria os pobres animais da prisão. Acho que nossas filhas sempre buscaram algo maior que elas.

    Talvez nós também buscássemos. Mas onde buscar quando já se passou tanto tempo?

    Talvez… nas cartas de outra mulher que entende.

    Cyrene


    Cyrene,

    Às vezes me pego relendo suas cartas antes de dormir. Há algo nelas que me aquece.

    Sinto sua presença nas entrelinhas.

    Esta noite, deixei uma vela acesa por mais tempo, imaginando que você também escrevia, sob a mesma lua.

    Hecuba


    Hecuba,

    Sim, escrevi sob a mesma lua. Hoje, a taverna estava tão cheia que por um instante esqueci de você.

    Mas quando fechei a porta e fiquei sozinha, a lembrança voltou com força. E com ela, uma estranha dor no peito – saudade de algo que nunca tive…

    Cyrene


    Cyrene,

    Hoje deixei queimar o pão só para ter uma desculpa para escrever a você enquanto esfriava o forno. Herodoto ficou furioso quando chegou para o jantar e não encontrou o pão fresquinho. As palavras dele são ásperas e ferinas, mas estranhamente já não me machucam tanto quanto antes. Você me assusta, sabia? Com a delicadeza com que me desmonta.

    Eu, que me calei por anos, agora conto segredos a uma mulher distante que nunca vi. Como pode ser tão difícil falar com meu marido, mas tão fácil escrever para você?

    Hecuba


    Hecuba,

    Porque talvez ele nunca tenha querido ouvir. E eu… ouço até os seus silêncios.

    Quando escreve pouco, leio entre as linhas.

     Quando escreve muito, absorvo como vinho depois de um dia longo.

    Não sei onde isso nos leva, mas sei que desejo continuar.

    Cyrene


    Cyrene,

    Me perdoe pelo tempo que levei para responder seu último pergaminho. De repente as palavras me fugiram diante de algo que não consigo descrever nesse exato momento. Mas tenho uma confissão a fazer : Às vezes leio suas palavras e sorrio, e depois me odeio por sorrir.

    Se ao menos tivéssemos nos conhecido em outra vida, outro tempo. Talvez eu teria pedido um vinho à mesa da sua taverna e teríamos conversado por horas, ébrias pelo próprio álcool ou pelas próprias palavras trocadas.

    Hecuba


    Hecuba,

    Nunca imaginei que encontraria ternura nas palavras de uma mulher que me escreveu pela primeira vez com raiva no coração.

    Mas encontrei.

    Imagino o que nossas filhas pensariam dessas mensagens trocadas.

    Cyrene


    Cyrene,

    Hoje colhi flores. Rosas silvestres para decorar a mesa da minha cozinha.

    Elas tinham espinhos escondidos sob pétalas perfeitas, mostrando que tudo nessa vida é agridoce. Pensei em você.

    Forte, bela, ferida.

    Guardei uma pétala enrolada nesse pergaminho que envio. Um gesto tolo, talvez… mas sincero.

    Hecuba


    Hecuba,

    Recebi sua pétala. Guardei-a em minha caixa de ervas perfumadas, junto com o broche que Xena fez quando criança, usando pedacinhos de pinha e resina de carvalho.

    Duas coisas frágeis. Duas memórias com cheiro de algo que não sei nomear.

    Se eu pudesse, caminharia até sua porta com um vinho e nenhuma palavra. Só para ver se o silêncio entre nós também seria tão cheio.

    Cyrene


    Cyrene,

    Não caminhe até mim.

    Ou melhor… caminhe.

    Mas saiba que, se vier, talvez não haja volta. Porque descobri que te espero. Que cada barulho da estrada me faz levantar os olhos, mesmo eu sequer sabendo como você é.

    Você me escreveu sobre o silêncio da taverna após o último cliente. Aqui, o silêncio vem mais cedo. Herodoto adormece cedo demais. Ou talvez só feche os olhos para o que não quer ver.

    Às vezes me pego tocando meu próprio ombro, imaginando que é sua mão ali.

    Que loucura. Que consolo.

    Hecuba.


    Hecuba,

    Também me pego pensando sobre sua aparência. Quando imagino você, vejo mãos firmes, olhos que já choraram muito e uma voz que desafia o tempo.

    E então desejo ouvi-la. Desejo saber como é o som do seu riso.

    Cyrene


    Cyrene,

    Hoje coloquei seu nome em voz alta, sem ninguém por perto.

    Ele soou diferente do que eu esperava. Mais doce. Quase familiar.

    Senti vergonha, depois tristeza… depois saudade de um rosto que nunca vi.

    Mas, se fecho os olhos, posso imaginá-lo. E não quero parar.

    Hecuba


    Hecuba,

    Eu disse seu nome ao fechar a porta da taverna. Pensei: “Boa noite, Hecuba.” E o céu pareceu responder com uma brisa que cheirava a madeira seca e lavanda.

    Algo em mim pertence a você, mesmo que o mundo jamais nos permita tocar.

    Cyrene


    Cyrene,

    Esta noite sonhei com você.

    Estávamos num campo. Você segurava minhas mãos, e havia vinho entre nós. Nenhuma palavra foi dita.

    Acordei com lágrimas nos olhos e calor no peito.

    É errado sonhar com outra mulher assim? Ou é errado não ter com quem sonhar? Que Hera tenha piedade da minha alma.

    Hecuba


    Hecuba,

    Eu também sonhei. Mas no meu, você não me tocava. Apenas me olhava, como se soubesse tudo.

    E eu, pela primeira vez, não precisei me esconder. Quando acordei, desejei não acordar.

    Há beleza nesse amor que não se nomeia. E dor também. Mas é dor viva. E eu prefiro isso a qualquer apatia.

    Cyrene


    Cyrene,

    Não há um dia que eu não sinta falta de Gabrielle, e por muito tempo ressenti Xena por tê-la levado para longe de mim. Mas agora entendo que minha filha vive o impossível ao lado da sua.

    Hoje tive vontade de ir até você. Só para te ver, nem que fosse de longe. Mas e se o encanto se quebrasse?

    E se nossos rostos reais não suportassem o que nossas palavras criaram?

    E se… e se o contrário acontecesse, e eu me apaixonasse ainda mais?

    Hecuba.


    Cyrene,

    Senti sua ausência esses dias, como uma neblina que cobre tudo.

    Escrevo sem saber se você me lerá. Espero que minha última mensagem não tenha lhe repelido.

    Meu corpo pesa mais do que antes. As mãos, antes firmes, tremem ao segurar a pena.

    Mas meu coração… meu coração ainda se aquece quando penso em você.

    Hecuba


    Hecuba,

    Estive doente. Uma febre que me levou a lugares onde seu nome era a única coisa que conseguia lembrar.

    Ao melhorar, pedi que me trouxessem seus pergaminhos. Reli todos, com dedos trêmulos e olhos marejados.

    Você foi minha companhia mesmo nos delírios.

    Ainda é.

    Cyrene


    Cyrene,

    Hoje deixei uma carta no alto da colina onde Gabrielle e Lila brincavam quando eram meninas.

    Não havia vento. O pergaminho ficou lá, quieto, como se soubesse que ninguém viria. Por um momento temi que alguém o encontrasse e descobrisse as nossas trocas, mas então ri internamente me lembrando que são raros os aldeões que sabem ler. 

    Às vezes escrevemos para o vazio, mas hoje senti que o céu me ouviu.

    E talvez… talvez você também tenha sentido.

    Hecuba


    Hecuba,

    Sim, senti.

    Ao entardecer, uma brisa passou pela janela da taverna e me trouxe cheiro de mato fresco e lembrança doce.

    Guardei essa sensação como um segredo. Como todos os que compartilhei com você.

    Mas há uma diferença: este segredo me consola.

    Cyrene


    Cyrene,

    Sei que provavelmente não nos veremos. Sei também que há beleza em saber que alguém, em algum lugar, pensa em mim com ternura.

    Não quero que nossas cartas terminem com tristeza. Quero que terminem com gratidão.

    Você me ensinou que o amor pode existir mesmo sem mãos, sem olhos, sem promessas.

    Hecuba


    Hecuba,

    Sempre que o vento tocar sua pele de leve, lembre-se: é minha voz dizendo que nunca estivemos sós.

    Quem sabe um dia, por obra de um deus brincalhão qualquer, ou da própria Afrodite, acabemos nos encontrando em algum lugar dessa terra. Se isso não acontecer, desejo que em uma outra vida, possamos viver um pouco do que nossas filhas tiveram a coragem de viver nessa.

    Com amor.

    Sempre.

    Cyrene

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