PASSOS DA ALMA

XYG

Primeira Parte

 

Saiu de um cálido sonho para despertar a realidade. Suas pálpebras ainda fechadas se negavam a mostrar o par de olhos azuis ocultos detrás delas. Encolheu-se entre os lençóis e cobriu sua cabeça com o cobertor, tentando impedir que os raios de sol matinal que entravam através da janela chegassem até seu rosto. Aquietou o mais possível seu corpo, desejando cair no sono novamente, mas um desagradável som começou a retumbar em seus ouvidos sem cessar.

Malditos pássaros.

Logo uma imagem chegou a sua mente, era uma imagem linda, do sonho que estava tendo há somente alguns minutos atrás, só que não era sonho, era uma lembrança, uma realidade, sua realidade.

Sua cabeça surgiu por entre o cobertor, seu cabelo escuro despenteado, suas pálpebras por fim começaram a abrir lentamente deixando ver um lindo par de olhos azuis, um sorriso começou a nascer neste rosto, e pareceu ficar impresso eternamente nele. Piscou várias vezes tentando acordar completamente, pensando que ainda estivesse sonhando. Censurou de imediato esse pensamento pessimista. Os pássaros já não a incomodavam mais, até seu cantar começou a lhe parecer agradável. Tirou um braço e observou atentamente a palma de sua mão, apertou os dedos e voltou a fechar os olhos tentando se lembrar da sensação da mão de Gabriela na sua. Levou a palma da mão até seu nariz, esfregou por seu rosto, seus dedos chegaram a seus lábios, seu corpo começou a cair em um estado de completa e total euforia. O sorriso se alargou ainda mais se é que aquilo fosse possível, lambeu os lábios tentando encontrar algum rastro do sabor de Gabriela ainda neles. Agarrou o travesseiro e se cobriu com ele a cara sufocando os gritos de alegria que saiam de sua garganta, enquanto esperneava como uma criatura no colchão.

Me ama, ela me ama, Gabriela…minha Gabriela…Será que já acordou?

Um desejo imenso de vê-la nesse momento começou a invadir todo seu ser, crescendo até se converter praticamente em uma obsessão. Olhou a hora, o relógio marcava 8:20 am. Lembrou com um sorriso a aversão que Gabriela tinha de levantar cedo. Mas eram tantos seus desejos de vê-la, de ouvir pelo menos sua voz, o telefone estava apenas centímetros de seu alcance, só deveria discar os números para ouvir o doce som de sua voz…Deteve-se, a deixaria dormir uns minutos mais.

Só até as 9:00hs, não poderei resistir mais que isso…E si se arrependeu? E se pensou melhor?

Só em pensar nessa possibilidade fez que seus olhos se nublassem, sacudiu a cabeça. As lembranças do dia anterior chegaram a sua mente novamente, as tinha tão claras e evidentes em cada fibra de seu ser como se as estivesse vivendo nesse mesmo instante, via as cenas acontecendo uma atrás da outra, enquanto voltava a sentir seu coração saindo pela boca, todas as sensações, todos os sentimentos, as palavras que se disseram, os beijos que compartilharam, cada segundo passado com Gabriela voltou a sua mente junto ao sentimento mais doce que havia sentido em toda sua vida. O que pensou que seria o pior dia de sua vida, terminou convertendo-se no melhor.

Saiu finalmente da cama, tudo parecia lindo, até os frios ladrilhos do banheiro em contato com seus pés lhe pareciam perfeitos. Abriu a torneira do chuveiro e deixou a água cair por sua pele. O sorriso ainda estava em seu rosto, não mostrava a menor intenção de querer minguar. Começou a cantarolar uma canção.

Eu cantando? Que ridícula sou…Hum…Mas sou uma ridícula feliz…

Saiu por fim do banho com uma toalha azul enrolada em seu cabelo e uma bata branca cobrindo seu corpo. Deu uma olhada no relógio novamente, marcava 8:45hs, voltou a olhar o telefone, por um momento lhe pareceu ouvir dizendo “disca os números…” “disca seu número…”. Levantou uma sombracelha.

Que merda? Agora tenho complexo de Alice no País das Maravilhas?

Dirigiu-se a cozinha, preparou seu café matinal, agarrou algo para comer, mas em seguida devolveu a seu lugar, seu estômago estava muito apertado para ter espaço para alguma comida. Pegou o controle remoto e ligou o televisor sem se incomodar em trocar o canal.

Será que não existem pessoas neste país para que sempre inventem os mesmos malditos programas matinais?

Um grupo heterogêneo de pessoas investidas de poderes na tela, heterogêneas exteriormente, diferentes idades e penteados, mas iguais em sua intenção de figurar, disso Xênia estava segura. De repente pegou o fio da conversa, falavam do tema como se tivessem estado na pele das pessoas de quem estavam opinando. Logo viu sua imagem na tela, quase cuspiu o café, logo outra de Gabriela, um sorriso nasceu em seu rosto, mas logo se apagou ao perceber a situação.

-É lógico que este par fez todo o possível para ser as figurinhas do reality, inclusive se fazendo passar por gays. – Dizia um dos tipos.

-Não estou de acordo com isso, porém penso que o canal lhes pediu para fazerem isto, um tema desse tipo lhes ia trazer um rating monstruoso, e assim fizeram. – Dizia a outra.

-Na realidade eu creio que os jovens de hoje em dia querem experimentar todo tipo de coisas, e isso é obviamente o que estas jovens Célia e Sabrina quiseram fazer. – Disse o senhor.

-Xênia e Gabriela. – Corrigiu um dos condutores.

-Bem, a gente crê que se apaixonaram, inclusive há fontes bastante fidedignas que asseguram que já vivem juntas e que estão planejando adotar uma criança. – Confrontou a condutora.

-Filhos meus, seja como seja o senhor sempre perdoa a seus filhos, todo tipo de desvios se tem cura, o que estas jovens necessitam é o apoio e o amor de seus pais e…

-Suficiente! Que merda! Todos vocês malditos ignorantes especulando sobre nós? Rating? Montagem? Figurinhas? Olhem vocês primeiro filhos da puta, mas em que acreditam? Vocês não sabem nada sobre nós. O que vocês podem saber sobre o amor…

Desligou o televisor de supetão e lançou o controle longe e quase este dá de encontro com o vidro. Suas mãos empunhadas e o rosto vermelho de cólera se deixaram cair no sofá enquanto tentava se acalmar respirando fundo.

Gabby…Terá visto? Isto será o que nos espera por acaso? Um grupo de imbecis sentindo-se com o direito de falar sobre nós?

Voltou a olhar a hora, o relógio marcava 9:05hs, passou nervosamente em frente do telefone enquanto não tirava os olhos de cima deste decidindo se ligava ou não.

Não vou deixar que ninguém nos estrague estes momentos Gabriela, eu lhe juro…

 

Seus verdes olhos percorreram o interior do refrigerador tentando decidir-se entre um iogurte de morango ou de abacaxi. Depois de alguns segundos olhando entre ambos evasivamente, fechou a porta sem nada nas suas mãos. Extraordinariamente não sentia fome, e se havia chegado até a cozinha, era simplesmente porque se sentia incapaz de estar um segundo mais sem se mover no mesmo lugar. A noite não havia dormido praticamente nada, dava mil voltas sem poder pregar um olho. Mas esta insônia não era a típico e por mais que tentasse se concentrar em dormir nao conseguia. Isto era diferente, estava cheia de imagens, de cheiros, de sabores, de sensações, lembranças tão claras em sua mente e em todo seu ser que várias vezes se descobriu a si mesma sonhando amplamente, ou inclusive dando gritinhos de alegria que afogava rapidamente debaixo do travesseiro, por temor de despertar a todos na casa.

Voltou a seu quarto, se sentou na cama, mas em um segundo voltou a se levantar, olhou a hora, eram 9:15hs, deu uma fugaz olhada em seu celular, e lembrou que o tinha desligado, então o pegou rapidamente e o ligou com uma sensação de nervosismo percorrendo todo seu corpo. Sete chamadas perdidas, e uma mensagem de texto. Um gesto de fastidio cruzou seu rosto ao reconhecer o número dessas chamadas, finalmente abriu a mensagem e seu rosto iluminou completamente.

“Bm dia? Cmo drmiu? A nte sonhe cvc, não me pergunte q…:l, lhe ligo dntr de 1 hora +ou-, 1beijo… TA…”.

Leu pela segunda vez a mensagem, e uma terceira, e a emoção que havia produzido e toda a euforia e essa eletricidade que sentia percorrer seu corpo não desapareceram. Esticou-se sobre a cama, ainda com o celular em suas mãos, e sem se quer pensar o beijou e o apertou forte contra seu peito.

Xênia…Sonhou comigo? Que terá sonhado? Não perguntei, eh? Já sabe o quanto persistente posso chegar a ser, não vai me escapar tão facilmente…

Voltou a oprimir o telefone contra o peito, logo depois de ler uma vez mais a mensagem. Mas nesse instante soou e Gabriela deu um salto pela surpresa. O coração quase saiu pela boca.

Já passou uma hora? Será que é possível perder a noção do tempo quando um está..? Quando se sente algo…Vamos Gabby diga, quando se está apaixonada…

Finalmente olhou o número da pessoa que estava chamando, e não era precisamente Xênia…

-Alô?

-Gabby?

-Não não sou eu, número errado.

-Espera!

-Sim? – Disse girando os olhos.

-Como você está?

-Muito bem. – Não pôde ignorar a imagem do rosto de Xênia chegando a sua mente ao ouvir a pergunta, enquanto um sorriso se formava em seus lábios. –E você?

-Eu estou bem, mas…Senti muitas saudades…

-O que posso dizer…

-Não tem que dizer nada. Vi-lhe na tv, não perdi nenhum capítulo, até gravei e tudo…

-Pablo, diga logo o que quer, não tenho muito tempo para falar agora.

-Preciso lhe ver, me portei como um imbecil aquele dia, eu sei, eu…Poderíamos nos ver?

-Nos vermos? Para quê?

-Porque temos que conversar deixamos as coisas no meio e…

-Não deixamos nada no meio, eu lhe ofereci minha amizade e você não quis, sinto muito, mas tenho coisas para fazer agora. O tédio ia se imprimindo notavelmente em sua voz.

-Mas…Bem, ligarei mais tarde amanhã.

-Tchau.

-Tchau Gabby, um beijo…

Antes de terminar de falar Gabriela já havia cortado a comunicação.

O dia havia começado tão bem…

Voltou a olhar a mensagem de Xênia e imediatamente esqueceu a conversa que acabava de ter. Nesse momento a porta se abriu e entrou sua irmã.

.

-Que faz acorda tão cedo? É um dia festivo? Senti-se bem? – Catarina disse com uma exagerada expressão de surpresa em seu rosto. Era uma jovem de quinze anos, da mesma estatura de sua irmã, de cabelo castanho claro e olhos cor de mel. Era a única irmã de Gabriela.

-Não exagere, o dia está lindo não acha? Queria aproveitar bem. – Disse Gabriela sorrindo.

-E o que foi? Está sorrindo olhando esse telefone? Anthony Kiedis lhe ligou ou algo parecido?

-Não seja intrometida Cata, e quantas vezes já lhe disse para primeiro bater antes de entrar? – Disse agitando o dedo indicador para sua irmã.

-Bati e logo entrei. – Catarina encolheu os ombros.

-Primeiro deve esperar que lhe digam que pode entrar ou não.

-Ah, não seja chata, além disso, somos irmãs, já lhe vi nua centena de vezes, e não creio que traga nenhum garoto para aqui dentro durante a noite para que a surpreenda em alguma situação comprometedora, ou garota…-A jovem disse olhando sua irmã com um sorriso travesso em seu rosto. – A propósito como está sua “amiguinha Xênia” suponho que há tem visto.

-Xênia? – Gabriela sentiu um rubor começando a subir pela pele branca de seu rosto.

-Sim, Xênia, seu amorzinho do reality. Suponho que não a deixou ir para o Canadá, ou deixou?

-Não. Ela não vai. – Gabriela lhe deu as costas enquanto ordenava qualquer coisa que surpreendia fora do lugar.

-Não vai mais? Por causa de você? – Gabriela imaginava o sorriso no rosto de sua irmã sem mesmo precisar vê-lo. – Que romântico…Sei que agarrou a Xênia, ao menos você tem bom gosto, se dissesse que agora gosta de garotas, pelo menos escolheu uma que seja linda. Ainda que vá ter uma tarefa difícil afastando os tipos que a cercam, pobre de você.

-Deixe de falar besteiras Catarina, e anda, tenho coisas para fazer. – Gabriela sentiu uma repentina pontada em seu estômago ao ouvir a última frase que disse a adolescente.

Tipos? Não, para Xênia não interessa ninguém mais, ela jamais faria algo que me magoasse…

-Vai, não se ponha enciumada antes do tempo, ninguém disse que Xênia lhe seja infiel, ou seja, a Carla e o Andrés todo o tempo lançaram-se em cima dela, mas ela ali firme, não lhes deu jamais bola. Além disso, também vai se difícil para ela, assim como para você porque sempre estão lhe rondando os rapazes, como o seu ex-namorado Pablo, por exemplo, que cá entre nós, me cai péssimo, que ficou lhe ligando.

-Ligou aqui para casa? Que disse? – Gabriela virou até sua irmã com cara de questionamento.

-Anda choramingando por você, que sente saudades, que vai lhe recuperar. Ontem me alugou por uma hora inteira. – Uma expressão de desagrado cruzou as feições de adolescente. – A propósito onde esteve? Disse que seu celular estava desligado.

-Ontem? – Gabriela virou novamente dando as costas para sua irmã, enquanto voltava a sentir as cores subindo por seu rosto, mas ao recordar do dia anterior, não pôde censurar um amplo sorriso.

-Gabby? Deixe ver, que é isso? Um sorriso? Primeiro se retira do reality e anda como um zumbi sem falar com ninguém e fechada em seu quarto todo santo dia, e de um dia para o outro anda com um sorriso pintado e até levanta cedo, é um dia de festa. – Catarina tentava ver o rosto de sua irmã que fazia esforços em vão para expulsar a irritante jovem.

-Não inventa Cata, e se manda, são idéias suas.

-Esteve com Xênia ontem…! – Disse depois de meditar uns segundos. – Não minta Gabriela, que aconteceu? Beijaram-se? Conta-me! Por favor, anda irmãzinha linda da minha alma e meu coração.

-Fora! – Gabriela agarrou o braço de sua irmã e a lançou para fora de seu quarto. Ao fechar a porta um suspiro escapou de sua garganta enquanto já não mais lutava para conter seu sorriso.

-Eu ouvi Gabriela, está suspirando. – A voz de zombaria da adolescente se ouviu do outro lado da porta.

-Fora! Chata.

 

Será que leu minha mensagem? Melhor esperar que passe a raiva destes imbecis.

Xênia terminou de secar o cabelo enquanto ouvia música. Não voltou a ligar o televisor por medo de encontrar com comentários e especulações iguais ou piores as anteriores sobre sua relação com Gabriela. O fato das pessoas se darem à liberdade de falar sobre ela não a incomodava tanto quanto falarem de Gabriela. Se bem que já era certo que já não eram mais só amigas e que haviam iniciado uma relação muito mais profunda, embora não a tivessem classificado. Gabriela não estava acostumada a se dirigirem a ela com apelido de “ninfomaníaca” “gay” ou “lésbica” e Xênia sabia que ia ser difícil para Gabriela assimilar tudo isso. Gabriela havia aceitado seus sentimentos, e Xênia sabia que não se sentia culpada por eles, ambas estavam juntas nisso de agora em diante e não permitiriam que ninguém se interpusesse entre elas de nenhuma forma.

Uma canção começou a soar, a havia ouvido muitas vezes, mas desta vez soou diferente das anteriores. Logo o telefone tocou e Xênia se assustou.

Gabriela? Será que ela? Que lhe digo? E se fico muda como uma imbecil?

-Alô? – Disse logo se acalmando e tranqüilizando a voz na medida do possível.

-Xênia, por que não viajou? Você está bem? Seu padrasto me disse que você ligou tarde da noite e lhe disse que vai ficar no Chile, logo deu um grito e desligou. – A voz de sua mãe soava preocupada do outro lado da linha.

-Oi mãe, pois é isso mesmo não vou mais embora, estou bem não se preocupe, e Jorge não é meu padrasto, é seu marido, o mais próximo que conheço de um pai é um velho maldito que nos deixou quando eu tinha menos de dois anos, se lembra?

-Xênia, por que tem que ser sempre assim? Jorge lhe quer muito, como se fosse sua filha igual a seus meio irmãos.

-Mãe, jamais vivi com ele, não sabe nada sobre mim. Como poderia me querer como um pai? E não são meus meio irmãos, são os filhos dele, não tem nada a ver comigo.

-Com você não se pode falar, só lhe liguei para saber se você estava bem, me alegro muito que não tenha ido embora. Jorge me pediu para lhe convidar para jantar hoje conosco, está preocupado com o que andam falando sobre você, já sabe o que é…Bem, essa fofoca que estão inventando. – Disse sua mãe baixando a voz. – Jorge quer lhe dar alguns conselhos.

-Por favor, mãe, Jorge não está preocupado comigo, está preocupado com ele mesmo. O que ele pode me dizer? O homem é um maldito militar que acredita que não lhe convém que em seu circulo se fale que a “sobrinha” de sua esposa tem fama de ninfomaníaca? Porque isso é o que andam dizendo que sou, não é? Sua sobrinha, claro, não lhe convém que saibam que você teve uma filha solteira aos dezoito anos de idade com um homem que mantinha uma vida dupla, certo?

-Cale-se sua insolente!

-Sabe mãe, na verdade não é sinônimo de insolência. Para mim não importa que seu respeitado esposo diga o que quiser de mim, e que negue a meio mundo que sou sua filha, mas você mãe? Como se sentiria se eu lhe negasse? – Um longo silêncio.

-Xênia…Não sei do que está falando.

-Nada! O velho miserável do meu pai pelo menos nos encheu de dinheiro, no qual você aproveitou bem com todos os homens que conheceu até encontrar um viúvo de boa posição econômica que lhe ofereceu casamento. Mas, você não só me nega, mas também durante toda minha maldita vida não me deu nada que me serviu, nem amor, nem conselhos, nem merda nenhuma.

-Eu era jovem Xênia, não sabia o que estava fazendo.

-A juventude tão pouco é sinônimo de deficiência mental, aos dezoito anos se sabe perfeitamente bem o que se faz, e depois? Quando cumpriu vinte, vinte cinco, trinta anos algo mudou?

-Bem Xênia então lhe esperamos, Jorge está aqui comigo agora. – A voz de sua mãe se ouvia suave e submissa.

-Adeus mãe. – Xênia desligou com fúria o telefone.

Merda, maldita velha…Malditos todos…Gabriela…Gabby preciso lhe ver… É a única coisa linda que tenho na vida, a única pura…

 

-Gabriela seu pai e eu precisamos falar com você. – Seus pais a estavam olhando com uma expressão de falsa tranqüilidade.

-Tem que ser agora? Ia sai por aqui perto e…

-Agora Gabriela. Esteve toda a semana fechada em seu quarto e não quis falar conosco, hoje vamos conversar. – A voz de sua mãe soou dura.

-Ok. – Disse conformando-se.

-O que se passou dentro dessa casa que todos andam falando sobre você? – A expressão de tranqüilidade se converteu em severidade no rosto de sua mãe, enquanto a presença de seu pai a apoiava com toda a “imponência de sua hombridade”.

-Refere-se a o que andam dizendo suponho, não? – Gabriela aspirou profundamente enquanto seus olhos alçavam claramente até sua mãe.

-Exatamente.

Se eu disse aqui e agora mesmo o que aconteceria?

-Passou o que viram na tv, nada mais nem nada menos. – Gabriela estava tentando manter-se o mais serena possível. Não era ainda o momento de lhes dizer, se o fizesse, poderia estragar tudo, sua felicidade, sua ilusão, todo o lindo que estava sentindo, e era muito bom para perdê-lo.

-Todos andam dizendo que você…Que essa moça é…- Uma expressão de nojo cruzou as feições de sua mãe – que não gostam de homens e que tentou colocar coisas em sua cabeça e lavar-lhe o cérebro. – Sua mãe a olhava fixamente.

-Se chama Xênia, e ela jamais tentou lavar-me o cérebro nem nada parecido, ao contrário, Xênia é uma excelente pessoa que jamais tentaria impor a outra seus pensamentos, ela me aceita tal e como sou e foi meu único apoio ali dentro. – Doeu-lhe a expressão de sua mãe ao referir-se a Xênia. – Além disso, as pessoas não dizem que ela tentou lavar meu cérebro, dizem que estamos…

-Não se atreva a dizer! E por acaso quer dizer que aceita? Quer dizer que mantém contato com ela?

-Sim, e continuarei mantendo, gosto quem quiser, estamos entendidas?

-Não enquanto viver nesta casa Gabriela ficou claro? Não vamos aceitar que nenhuma filha nossa ande na boca de todos pelo rumor de que é…Você sabe o dizem.

-Lésbica, não morreria se dissesse, nem o céu viria à baixo tampouco.

-Menina! Você nos assegura que entre Xênia e você só existe uma amizade? Porque se é assim não vejo porque teríamos que lhe proibir algo. – Seu pai foi golpeado por um duro olhar de sua esposa ao pronunciar essa última frase. Encolheu os ombros.

-Escutem, Xênia e eu somos amigas, isso é tudo, se me proibirem de vê-la, todos vão se interar disso, e será pior porque já não mais teriam a menor dúvida de que os rumores são verdade depois de tudo. – Sua mãe pareceu meditar.

-Não a trará a essa casa jamais, ouviu? Não entendo por que as pessoas diriam algo assim, se não têm provas disso.

-Porque as pessoas gostam de inventar coisas, não lhes basta a sua própria e aborrecida vida, assim necessitam inventar um mundo aparte fora de suas próprias vidas para entreterem-se e que não se prejudicarem diretamente.

Sou uma maldita covarde, me perdoe Xênia…

-Está acontecendo algo? – A voz de sua irmã a tirou da dor que estava sentindo.

-Não filhinha, não está acontecendo nada, só estamos conversando aqui com sua irmã. – Seu pai dizia com um sorriso nervoso no seu rosto.

-Não estão a interrogando por causa dos rumores que andam correndo, verdade? Não me digam que é isso, não me desiludam, por favor, ou seja, dois excelentes pais, como são vocês, duas pessoas que nos têm dado tanto amor, como poderiam ter gerado uma pessoa com…- Catarina baixou a voz e se aproximou do ouvido de seus pais. – problemas sexuais, isso é hereditário, sabiam?

-Não filha, como pode pensar que vamos acreditar nesses estúpidos rumores? Só estávamos comentando com sua irmã como havia sido seu mês ali dentro, isso é tudo. – Sua mãe disse com um sorriso fingido a sua filha menor. – Obrigado por esses elogios, tão linda minha menina. – A mulher abraçou carinhosamente a Catarina.

-Que alivio então mãezinha havia me assustado, além disso, eu gostaria que Gabriela trouxesse aqui Xênia, ela é uma pessoa interessante e acredito que poderíamos convidá-la um dia destes? Assim fica claro que vocês não duvidam do bom trabalho que fizeram com suas duas filhas queridas. – A adolescente olhava com uma exagerada expressão de inocência a seus dois progenitores.

-Claro meu tesouro, por certo, um destes dias vamos convidar essa moça para vir aqui em casa. – Dizia seu pai.

Catarina piscou um olho para Gabriela, quem não pode censurar um pequeno sorriso em seu rosto pela ajuda que acabava de receber de sua irmã.

Quem diria que essa fedelha ira se sair mais persuasiva que eu mesma, deve ser porque ando nas nuvens não me saiu meu eloqüente discurso.

Finalmente seus pais desistiram de seguir com seu interrogatório e deixaram Gabriela em paz. Esta se resolveu sair pela porta com suas chaves na mão.

-Como me sai como sua salva-vidas irmãzinha?

-Cata obrigada…Ou seja, eu…- Gabriela começou a sentir-se incômoda. Por algum motivo sua irmã estava gostando muito da situação.

-Nah, não me diga nada, para isso sou sua irmã, ainda vai ter que me contar o que aconteceu ontem entre Xênia e você, ouviu?

-Não aconteceu nada Catarina, já basta com isso, por favor. – Gabriela tentou sair para rua.

-Está bem, não vou lhe obrigar a me soltar tudo, quando se sentir pronta para dizer, você me diz, está bem? – Gabriela abriu a boca com a intenção de dizer algo, mas sua irmã tinha dado meia volta e se ido.

Esta sim é que é moderna…

Saiu finalmente até a rua, se sentia observada pelas pessoas, mas tentou se manter o mais tranqüila possível, certamente só seria um tempo e logo todos esqueceriam que a haviam visto na televisão e tudo o que havia acontecido. Ser o centro das atenções a irritava, mas o que realmente a estava angustiando era ter que negar Xênia, não poder gritar na cara de todos o que sentia por ela, o que havia acontecido, que seu caminho estava com outra mulher, e que era lindo o que havia acontecido em sua vida, que era algo puro e bom, e que qualquer fofoca das pessoas, não era mais que a ignorância de não ter vivido um amor assim. Um amor, malditos sejam porque tinha todos que chamá-lo de qualquer outra forma, mas ninguém se dava conta que se reduzia a amor simplesmente…?

Xênia…O que estará fazendo agora? Já passou mais de uma hora e ainda não me ligou…Preciso de você agora comigo…Não vou deixar que ninguém nos tire nossa felicidade, ouviu? Ninguém…

 

A viu aproximando-se, seu cabelo loiro ao vento, vestia uns jeans azuis e uma blusa branca, seu coração começou a bater forte e seu estômago a apertar-se como cada vez que estava diante da presença dessa criatura que a seus olhos era sinceramente a perfeição. Apenas distinguia suas doces feições dessa distância, um sorriso nasceu em seus lábios, enquanto esfregava as mãos com nervosismo. Cada vez seu rosto ia se fazendo mais e mais nítido. Já não sentia dor, nem raiva, nem nenhum sentimento angustiante nem negativo, tudo era perfeito, tudo era lindo e estava cheio de cores, cores alegres e vivas, mesmo ciente que as cores escuras sempre tenham sido suas prediletas. Gabriela enchia sua vida de cores claras e brilhantes, aromas doces e pacificadores, e visões de uma vida com futuro bonito, onde não existiam pais ausentes, nem mães desnaturadas, nem pessoas apontando-lhe um dedo, ou querendo tomar vantagem dela. Eram Gabriela e ela e o mundo podia ir a merda, não lhe importava nada além de Gabriela…

A viu olhando seu celular, e a distingui claramente com uma expressão de desilusão no rosto, estava já a curta distância. Então adivinhou porque Gabriela começava a se se inquietar, a olhar em seu redor, e se deu conta de que era capaz de sentir seu olhar.

Pegou seu próprio celular e discou o número de Gabriela, enquanto olhava a jovem loira a poucos metros de seu carro. Gabriela olhou rapidamente seu telefone e Xênia viu claramente um amplo sorriso formando-se nesse lindo rosto, não pôde reprimir a felicidade crescendo em seu interior ao saber que Gabriela estava esperando sua ligação e se alegrava por isso. Mas, ainda não respondia, em vez disso viu como dava pequenos saltinhos, olhando para o céu, esfregava a testa e voltava a olhar o celular em sua mão, como dizendo a si mesma se deveria ou não atendê-lo.

Está nervosa? Vamos minha menina, deixe-me ouvir sua voz, já não agüento mais…

-Xênia? – Sua voz doce como sempre chegou tímida a seus ouvidos.

-Olá. Como você está?

-Bem, eu…Estou bem sim, e você? Podia ouvir sua voz sair de uns sorridentes lábios enquanto a via efetivamente sorrindo, sem conseguir ficar quieta, movendo as pernas sem cessar. Xênia sorria ao ver tudo isso, seu coração cheio de alegria sentia que ia sair do peito.

-Senti saudades…- Um silêncio do outro lado do telefone, enquanto via como Gabriela retirava o celular por um momento de sua orelha apertando-o contra seu peito e segurava um grito enquanto agitava sua mão no ar.

-Eu também senti saudades…Preciso lhe ver…- Sua voz baixou notavelmente ao dizer a última frase, soou doce e com uma grande força, a urgência clara soou em sua voz. Xênia não teve a menor dúvida de que estava sendo completamente honesta.

-Nos vemos então…

-A que horas?

-Agora mesmo, que está fazendo?

-Estou na rua, fui comprar uma coisinha e estou a ponto de entrar em minha casa.

-Eu sei…

-Sabe?

-Sim, sei, e também sei que está com um jeans azul e uma blusa branca que não havia lhe visto ainda com ela.

-Xênia! – Viu como Gabriela começava a olhara para todos os lados desesperadamente.

-Ai, por ai, ai justo ai. Está me vendo?

-Sim! Vejo seu carro…- Gabriela tinha um sorriso no rosto enquanto seus olhos verdes a olhavam diretamente embora não pudesse ver através do vidro.

-Venha agora…Por favor,…Gabriela…Preciso lhe ver, pode sair?

Viu como a jovem loira começava a se aproximar lentamente, um sorriso em seu rosto, mas logo se assustou e voltou até a porta de sua casa, e entrou por ela.

Que aconteceu?

Xênia começou a inquietar-se ao vê-la se perder atrás da porta de sua casa. Cinco minutos depois, seu telefone tocou, e respondeu em seguida, só segundos depois de acalmar os nervos, mas era tarde, já estava ouvindo novamente a voz de Gabriela ao outro lado.

-Xênia, me espera cinco minutos e saiu já, ok? Não vá embora…Te amo. Muak! – A ligação cortou em seguida e Xênia ficou com um sorriso que mesmo não se olhando no espelho já sabia que estava dando um ar de tonta apaixonada.

Ir embora? Teria que ser estúpida para ir embora e não lhe esperar…

 

Saiu pela porta traseira da casa, cruzou a rua e praticamente engatinhando se aproximou do lugar onde estava estacionado o carro de Xênia. Desde a distância uma música chegou a seus ouvidos. Seu coração começou a acelerar ao ver o escuro cabelo de Xênia, quase foi capaz de perceber o aroma que emanava deste e que tantas vezes teve a oportunidade de sentir ao estar tão perto da morena. Gabriela sabia…Era completamente consciente das muitas vezes que buscou qualquer pretexto para se aproximar da morena, de tocá-la se fosse possível. Já estava caindo em um estado de quase desespero para voltar a ver, esses olhos azuis lhe olhando enchendo sua alma.

O que digo? E se não sai nada?

As imagens do dia anterior voltaram a sua mente, seu sorriso voltou também, apagando o lapso de temor que acabava de golpeá-la.

Ouviu a voz de Xênia, era quase imperceptível para seus ouvidos, mas de toda maneira conseguia ouvi-la, tinha a voz linda, Gabriela não a havia ouvido cantar antes.

-Nunca me disse que cantava. – Viu Xênia dar um salto ao ouvir repentinamente sua voz a tirando de seu estado de distração. O volume da música foi baixado rapidamente.

-Gabby…- Ouviu sua voz soar doce, com uma mistura de alegria e nervosismo, enquanto era golpeada por esses olhos azuis. Esperou que a ansiedade a paralisasse, que a impedisse construir qualquer frase coerente, mas em vez disso sentiu uma grande paz inundando-a completamente, seus pés pareceram deixar o chão por uns segundos, se sentiu levitar, se sentiu inconstante, serena e eufórica ao mesmo tempo, simplesmente feliz.

-Xênia…-Sua própria voz soou cheia de ternura enquanto sentia seu sorriso ampliando-se como se estivesse refletindo o sorriso que Xênia tinha estampado no rosto.

Gabriela entrou no carro, e sentou junto à morena que não tirava os olhos de cima dela. Um pequeno rubor nasceu em suas bochechas. Uma vez acomodada no assento voltou a dirigir seu olhar até a jovem que estava a seu lado. Seu cabelo negro brilhante como sempre, uma calça de tecido fino e de cor azul, e uma blusa preta, o assento acomodado de forma que suas longas pernas pudessem ter o espaço suficiente que precisavam.

Ficaram se olhando com um sorriso intacto em seus rostos. Gabriela sentiu a mão de Xênia na sua, quanto havia sentido falta dessa sensação, essa segurança, esse sentimento de estar completa com ela.

-Senti tantas saudades…- Viu como Xênia avançava pouco a pouco a distância que as separava, ela mesma estava avançando sem se dar conta, seus olhos cravados no rosto da morena, seus olhos…Seus lábios…Eram hipnóticos, os ouviam dizer coisas, embora isso fosse impossível. Quem disse que os sentimentos não eram capazes de superar qualquer impossibilidade, qualquer limite, qualquer regra…?

-Xênia…Aqui não, podem nos ver. –Gabriela rompeu o momento ao temer que alguém pudesse vê-las. Percebeu uma leve dor cruzando os olhos de Xênia, quase sentiu desejo de chorar ao provocar esse sentimento.

Sinto muito Xênia…Perdoe-me…

-Entendo, não se preocupe. – Xênia colocou seus óculos de sol privando-a do espetáculo de ver esses lindos olhos, que para ela agora eram seus, lhe pertenciam mais do que a própria Xênia.

-Xênia…Sinto muito…Eu…Saia daqui, por favor, vamos aonde não tenha tanta gente. – Gabriela arriscou um olhar até Xênia, esta estava concentrada olhando para frente, enquanto o carro começava a se mover.

Será que sempre vai ser assim? Tudo escondido? Longe dos olhares das pessoas? Por que tem que ser tão difícil? Que dificuldade tem que passar duas pessoas que se querem…

 

O vento batia em seu rosto enquanto seu cabelo loiro voava para fora da janela. Seus braços apoiados no marco e sua bochecha descansando sobre eles. Xênia observou Gabriela nessa posição, era como uma criança, sempre sorrindo, com atitudes que às vezes eram tão infantis. Ela era assim natural, simples, sem todas essas malditas composturas que guardam as pessoas quando deixam de ser legalmente criança, sem toda essa maldita compostura que ela mesma mantinha quase todo o tempo. Ela era terna, honesta, não meditava em como ia agir, simplesmente fazia, mas tudo isso não queria dizer que não fosse uma pessoa madura, com idéias claras e um grande mundo interior. Cada uma dessas virtudes Xênia havia amado cada dia que havia compartilhado com ela, cada hora, cada minuto e segundo passado com Gabriela.

Estavam longe da cidade, e das pessoas, já nem se quer se distinguiam casas nem carros. Gabriela se virou para Xênia quando sentiu a mão desta posando sobre seu ombro.

-Vamos parar? – Xênia não respondeu, só se limitou a sorrir, enquanto lhe acariciava suavemente o braço.

-Estamos bem longe da cidade, não é?

-Na verdade sim. – Um sorriso no rosto de Gabriela, Xênia viu como começava a se pôr nervosa, era incapaz de dissimular qualquer sentimento. – Quem canta esta canção? – Subiu o volume do rádio.

-Gabriela…- Xênia pegou sua mão, por fim viu seus olhos a olhando no rosto. – Vem aqui.

-Tire os óculos Xênia, não posso ver seus olhos, isso me põe nervosa.

-Tire você se quiser, eu estou com as mãos ocupadas.

Gabriela se aproximou levantou as mãos e tirou os óculos devagar como se temesse algum mal, ou temendo que talvez Xênia tivesse se convertido em “Ciclope dos Xmen”. Gabriela ficou olhando-a assim tão perto.

-Encantam-me seus olhos, são os mais lindos que eu já vi na minha vida. – Gabriela dizia com os seus próprios olhos cheios de emoção.

-Você é a pessoa mais linda que eu já vi em toda minha vida. – Xênia respondeu docemente.

-Xênia…

-Abraça-me. Preciso de você agora mesmo…- Gabriela não esperou mais e aferrou a morena enquanto sentia seu coração bater com força.

Xênia sentiu vontade de chorar. Era incrível o que a fazia sentir. A tinha ali em seus braços, podia cheirar seu cabelo, sua pele, senti-la, era mágico.

-Te amo…- Ouviu em seu ouvido Gabriela sussurrando. Fechou os olhos com força e simplesmente se entregou a essa sensação de estar-lhe dando toda sua vida, sua alma, seu coração a essa pessoa, enquanto a abraçava fortemente e se aferrava na medida que seu corpo lhe permitia ao de Gabriela.

Sentiu um pequeno beijo em sua bochecha, tão doce e terno que a fez sorrir. Sentia o hálito de Gabriela em seu rosto, seus lábios se entreabrindo instantaneamente e por fim sentiu os lábios de Gabriela nos seus novamente beijando-a. A apertou mais contra si, se é que isso era possível, enquanto o beijo deixava de ser unicamente terno. Sua boca buscou o pescoço de Gabriela sem se quer pensar, enquanto suas mãos acariciavam as costas desta. Sua pele era deliciosa, tão suave, tão fina, ouviu um gemido quase imperceptível sair da garganta de Gabriela, e logo seus braços deixaram de senti-la entre eles.

-Duvido que me alcance! – Quando por fim enfocou o olhar, Gabriela estava fora do carro e corria já a uma distância bastante considerável entre o pasto, matos e árvores.

Fugindo…Será que fiz alguma coisa errada? A assustei?

-Olha! Volte aqui! – Xênia saiu correndo atrás dela, enquanto ouvia a jovem rindo muito mais à frente dela.

-Que lenta você é Xênia, com essas suas pernas deveria ser capaz de dar passos longos. – A voz de zombaria de Gabriela chegava seus ouvidos.

-Vai ver quando eu lhe pegar. – Xênia gritava.

-Ui olha como eu tremo, a essa velocidade vai me alcançar daqui a uma semana.

 

-Peguei! – Sentiu os braços de Xênia ao redor de sua cintura, enquanto ambas caiam no chão. Gabriela viu como a morena cuidava de ser ela quem recebesse o impacto do chão contra seu corpo.

-Me pegou. – Gabriela disso entre risadas.

Ficaram assim atiradas entre o pasto enquanto respiravam ofegantemente depois da corrida. Os braços de Xênia ainda estavam ao redor de sua cintura, sua cabeça descansando em seu ombro. Ficaram nessa posição ainda alguns minutos sem dizer nada.

-Lhe assustei? – Ouviu a voz de Xênia próxima do seu ouvido, soava um tanto hesitada.

-Por que está perguntando isso? – Gabriela sabia a que se referia, mas queria estar segura primeiro.

-Porque você saiu correndo quando estávamos…Nos beijando.

-Sinto muito…São bobeiras minhas, você não me assustou, jamais poderia me assustar Xênia, foi só uma reação. – Gabriela virou até a morena para olhá-la de frente.

-De verdade? – Seus olhos azuis esquadrinhavam seu rosto tentando decidir se estava dizendo a verdade.

-De verdade…- Lhe deu um pequeno beijo nos lábios enquanto sorria. Viu que a expressão de Xênia se suavizava e seus olhos voltavam a estar sereno.

-Jamais quero lhe fazer algum mal. Acredita? Nunca lhe obrigaria a nada que você não quisesse.

-Eu sei. Você não fez nada de mau Xênia, é que eu sou um pouco…- Gabriela esquivou o olhar da morena… – Ou seja, nunca havia beijado outra mulher antes de você. – Xênia sorriu. – Nem sentido atração por uma antes… E você me faz sentir coisas que nunca havia sentido…- Xênia sentia a ternura enchendo seu coração… – Não gostaria de lhe decepcionar, não saber como…Não tenho experiência, e com rapazes…

-Não! Não me diga, não quero saber, por favor, guarde para você, já tive suficiente quando me falou desse miserável de seu ex. – Xênia tapou os ouvidos. – Gabriela sorriu diante da reação.

-Xênia…Ia lhe dizer que nem com rapazes tenho experiência. – Um rubor começou a subir pelas bochechas da jovem enquanto esperava a resposta da morena.

-Quer dizer que você…- Xênia a olhou com os olhos cheios de surpresa enquanto esperava que ela completasse a frase.

-Sim, sou virgem, não somente sou virgem, mas também sou uma beata, entende? Carla tinha alguma razão depois de tudo, nem se quer passei de uns simples beijos.

-Gabby…- Xênia não pôde censurar um amplo sorriso nascendo em seu rosto.

-Não zombe de mim, Xênia.

-Não estou sorrindo de zombaria, é de alegria. – Levantou a cabeça de Gabriela buscando o olhar de seus olhos. – Você é linda, sabia? É a mais terna que já vi em toda minha vida…

-E você? – Xênia apagou o sorriso no mesmo instante.

-Eu? – Se colocou de pé e se afastou um pouco de Gabriela.

-Hey! Não fuja. – Gabriela se levantou rapidamente. – Eu lhe contei sobre mim, o mais justo é que você também confie em mim.

-O que quer saber?

-Já sabe…Que se você já…

-Sim, eu já. – Gabriela sentiu uma dor crescendo em seu coração.

Vamos Gabriela que você seja uma beata não quer dizer que todo o mundo deva ser também, por favor, ela não tinha que se guardar para você ou algo assim. Estúpida!

-Quando? – A pergunta escapou de sua boca antes que pudesse conte-la.

-Faz muito tempo. Desde pequena tive a liberdade de fazer o que queria. Entende? Não tinha pai nem mãe que me impusessem horários de chegada, nem que me obrigavam a algo, nem nada de nada.

-Entendo, Xênia não tem que me dizer nada são suas coisas, foi uma estupidez lhe perguntar, o que eu quero agora é que passe sua vida comigo, o passado é passado.

-Obrigada por isso. – Xênia olhou por fim nos olhos de Gabriela.

-E se apaixonou por muitas pessoas? – A pergunta voltou a escapar de sua boca antes de poder retê-la.

-Só de uma… – Gabriela olhou esses olhos azuis sem querer realmente saber o nome dessa maldita.- de você…

De mim…Só de mim? Xênia…

Voltaram a se beijar, desta vez ninguém tentou fugir. Xênia não ia passar do limite até que Gabriela estivesse pronta para isso, e para que ela mesma o estivesse, iam dar um passo de cada vez, tinham todo o tempo do mundo, as coisas estavam perfeitas tal como haviam acontecido até agora.

 

-Xênia?

-Sim?

-É verdade que Carla se lançava em cima de você todo o tempo? Por acaso…? – Gabriela dirigiu seus olhos verdes aos azuis com ar de pergunta em seu rosto.

-Nem fale o nome dessa…Mas sim, é verdade. – Xênia viu como a jovem a observava inquisitivamente. Quê? – Disse a morena alçando uma sombracelha. – Por que está me olhando assim? Não acredita que ela e eu…!?

-Não sei, me diz.

-Não posso acreditar que esteja me perguntando isso Gabriela. Não!

-Que alívio…Isso sim que acredito que não poderia suportar. – Gabriela levou uma mão no peito com uma exagerada expressão de alívio.

-Gabriela escuta. – Xênia deixou de andar e segurou Gabriela pelos ombros enquanto a olhava seriamente. – Nunca estive com uma mulher entende? Só com homens. – Uma expressão de asco cruzou o rosto de Xênia. – Ou seja, não passaram de uns simples beijos bastantes poucos se lhe interessa saber, até pouco tempo atrás, ainda não aceitava minha sexualidade. Assim se você tem medo de me decepcionar, eu também tenho o mesmo medo.

-Xênia! – Um amplo sorriso nasceu no rosto de jovem loira.

-Olha! Não zombe de mim.

-Não estou sorrindo de zombaria, é de alegria.

-Se bem me recordo estas são minhas palavras. – Xênia também sorriu.

-E as suas as minhas.

-Não está com fome? Já são três da tarde. – Xênia disse olhando o relógio.

-Eu sempre tenho fome, mas estando com você eu me esqueço. – A morena sorriu.

-Vamos então. – Pegou a mão de Gabriela e juntas se dirigiram ao carro.

-Sabe Xênia? Se você nunca antes…Bem, dormiu com uma mulher, quer dizer que eu serei a única na sua vida já que não penso em lhe deixar escapar.

A única em minha vida…Isso soa lindo…

-Está assumindo que você eu vamos a…? – Xênia viu o rubor subindo pelas bochechas de Gabriela.

-Eu não disse nada disso! – Gabriela voltou a sair correndo como uma condenada.

-Sim disse, disse e não negue! – Xênia gritava a curta distância.

-Não, não e não.

-Sim, disse, e sabe…- Gabriela se viu presa entre os braços de Xênia, os olhos azuis cravados nos seus.

-Sabe o que estou assumindo agora?

-Quê?

-Que você vai abaixar essa cabecinha e vai me dar um beijinho. – Gabriela a estava olhando com um sorriso travesso em seu rosto, seu nariz se enrugava tão ternamente.

-Um beijinho? Ah sim? – Xênia alçou uma sombracelha. – E onde?

-Onde você quer?

-Ah não, você está assumindo o beijo, assim peça o lugar. – Xênia cruzou os braços enquanto esperava a resposta.

-Aqui. – Gabriela apontou a bochecha com o dedo.

-Ai? – Xênia a olhou com uma cômica expressão no rosto.

-Sim, aqui.

-Bem…- Xênia encolheu os ombros, inclinou a cabeça e aproximou seus lábios da bochecha de Gabriela, quem nesse momento virou a cara e prendeu os lábios da morena nos seus.

-Obrigada…- Gabriela lhe dedicou um sorriso, deu meia volta e esperou que Xênia lhe abrisse a porta.

Como pode ser tão linda…

-Aonde vamos agora? Queremos comer algo, não é verdade? Escolha, um lugar público ou privado?

-Privado. – Gabriela disse sem meditar a resposta.

-Meu apartamento?

-Seu apartamento…