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Esta história foi originalmente publicada e premiada no Ausxip “Bard’s Corner”.
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Notas de advertência
Este trabalho aborda temas sensíveis relacionados ao 11 de setembro, incluindo terrorismo, morte, doenças graves resultantes da exposição ao Ground Zero e o sofrimento emocional dos sobreviventes e socorristas. Recomenda-se discrição para leitores que possam ser afetados por esses temas.
Relógio de Bolso
por Cheyne CurryPor: Cheyne Curry
Tradução: Amanda Perbeline
Eu lembro-me de ter verificado o relógio de bolso do avô de Brynne antes de adormecer naquela noite anterior. Por alguma razão, ele atrasava-se, marcando agora exatamente uma hora a menos. Tentamos ajustá-lo e mantê-lo em funcionamento, mas persistia o atraso. Eu prometera a ela que o levaria ao Hands of Time na Prospect, decidindo que hoje, meu primeiro dia de descanso após uma longa sequência de dez dias, seria o dia.
Mas… primeiro as coisas mais importantes…
Ao sair, Brynne lançou-me um xingamento carinhoso, ciente de que nosso impulso amoroso a faria chegar tarde. Uma parte de mim sentia culpa, mas uma parcela significativamente maior não se arrependia. Brynne era uma profissional dedicada, com uma boa relação com seu chefe, tornando seu atraso um evento raro, quase inexistente; duvidava que ele chegasse a comentar sobre. Nas últimas duas semanas, mal nos vimos ou compartilhamos qualquer momento íntimo; sentia-me arrogantemente privilegiada e plenamente satisfeita por manter essa influência sobre ela, mesmo após dez anos juntas, a ponto de convencê-la a desconsiderar o alarme do despertador.
Eu sabia que ela passaria o dia em sua mesa, pensando intermitentemente em seu “despertar” e estaria tão excitada ao chegar em casa que ficaria surpresa se suas roupas não começassem a cair antes mesmo de ela entrar pela porta. Brynne odiava ser apressada, especialmente quando se tratava de nosso tempo juntas, já que, com minha agenda, parecia que tínhamos tão pouco dele. Ela não teve a oportunidade de retribuir esta manhã e sabia que ela planejaria sua vingança o dia todo. Eu ri e me perguntei se conseguiria sair da cama amanhã.
Após um banho relutante para me livrar dos resquícios doces da manhã, observei, através da janela aberta, o esplendor do verão tardio. Escolhi um shorts jeans desgastado e uma camiseta regata do FDNY, complementei com sandálias confortáveis e apanhei o relógio de bolso ao lado da cama de Brynne. Com os ponteiros marcando 8:47 em uma manhã de setembro excepcionalmente quente, olhei pela janela, além do East River, em direção ao World Trade Center e sorri. Brynne, presumi, estaria quase chegando à sua mesa no 95º andar da torre norte, talvez não tão irritada quanto pretendia por ter perdido sua reunião da manhã.
Nossa gata, Holly, circulava ao redor dos meus tornozelos, reclamando pelo café da manhã atrasado. Peguei-a nos braços, levei-a até a cozinha e servi seu petisco favorito. Ela devorou, ronronando a cada garfada. Enquanto a cafeteira funcionava, preparei um bagel e dei uma olhada no Daily News de ontem. Rapidamente desvendei o Jumble, deixando o palavras cruzadas para mais tarde. Com o controle remoto em mãos, liguei a TV, ansiosa para saber das novidades além do Brooklyn.
Foi quando o mundo parou de girar.
Havia se passado, talvez, apenas cinco minutos desde que eu olhara pela janela e agora o que eu via na TV me estrangulava de medo. As câmeras estavam focadas em um enorme buraco na face da torre norte do World Trade Center e a barra de notícias de última hora relatava que um avião havia se chocado com o prédio.
Eu estava congelada no lugar. Brynne.
Os noticiários primeiro relataram que era um pequeno avião, mas o tamanho daquele buraco e a quantidade de fumaça já subindo em direção ao teto me contavam uma história diferente.
Meu celular de repente tocou, mas minhas mãos tremiam e meus dedos não funcionavam direito. Finalmente, pressionei o botão de atender. Uma voz masculina excitada gritou através do receptor, “Coleman, você está vendo isso? Em qual torre Brynne trabalha?” Era um dos meus colegas de trabalho.
“Bill, é… é aquela. Você sabe em qual andar isso aconteceu?”
“Não tenho certeza. O 90º? Ligue para ela.”
“Sim. Eu vou… eu vou tentar…”
O nonagésimo andar. E o fogo estava subindo. Eu sabia que isso era ruim. Eu desliguei e disquei o número de Brynne rapidamente. Imediatamente foi para a caixa postal.
“Amor, sou eu. Me ligue assim que puder. Eu preciso saber que você está bem. Eu te amo.”
Eu nem me dei ao trabalho de ligar de volta para Bill. Eu apenas peguei minhas chaves, bati a porta atrás de mim e corri em direção à Brooklyn Bridge. Pareceu uma eternidade até eu chegar ao acesso da Cadman Plaza East e Prospect Street à ponte. Meu primeiro instinto foi pegar o metrô, mas eu não queria ficar presa entre Brooklyn e Manhattan com a confusão do pânico e sem conseguir sair do trem. Quando estava na metade da ponte, assisti com fascinação mórbida enquanto outro avião, deliberadamente, se não surrealmente, voava em direção à torre sul. Isso não é aleatório… isso é deliberado! Meus pés me moveram em uma corrida desenfreada, mas minha mente estava muito atordoada para acompanhar imediatamente.
Tentei ligar novamente para Brynne, mas tudo o que obtive foi silêncio. Meu coração estava na garganta. Eu tentei me manter firme, mas as lágrimas vieram mesmo assim. Isso não pode estar acontecendo.
Na última parte da ponte, percebi que estava indo contra a correnteza. Multidões de pessoas corriam e caminhavam ao meu redor, contra mim, reduzindo meu passo e, às vezes, me empurrando para trás. A ponte vibrava e oscilava a cada passo sincronizado da imensa multidão que tentava escapar do horror, da destruição e da morte que ficavam para trás.
De forma instintiva, minhas pernas me conduziram até minha companhia de bombeiros, localizada no distrito financeiro. A essa altura, um alarme geral já havia sido emitido e não restavam dúvidas de que todas as companhias dos doze batalhões do FDNY em Manhattan estavam presentes, assim como os batalhões dos outros distritos. O incidente era grande demais para não contar com todo o efetivo disponível e, conhecendo a natureza de um bombeiro, eu estaria surpresa se houvesse algum oficial de folga, como eu, que não estivesse já ali ou a caminho.
Bill Fitzsimmons, o homem que havia me ligado mais cedo, estava à espera do lado de fora quando cheguei. Ele estava afastado por causa de uma perna quebrada e havia recebido ordens para ficar nos telefones e no rádio, visto que sua presença física seria mais prejudicial do que benéfica no evento. Ele olhava para as torres com uma admiração horrorizada. “Isso é sério, Jenna. Isso é… muito ruim, é realmente muito ruim.”
Virei-me para seguir seu olhar. Agora, mais perto e podendo ver os incêndios com maior clareza, o choque e a inquietação tomaram conta de mim ao perceber a magnitude dos buracos nas edificações, a densidade da fumaça negra e a pura atrocidade da cena. Meus pensamentos foram imediatamente direcionados à Brynne, e soube que, se ela não tivesse conseguido evacuar de imediato, seu destino seria trágico. Dirigi-me para o fundo. “Preciso ir até lá,” afirmei, com urgência na voz.
Bill veio atrás de mim. “Você tem notícias da Brynne?”
“Não.”
Ele coçou a cabeça, mergulhado em um silêncio atípico, já que Bill sempre tinha algo a dizer. Após um breve momento, ele afirmou, “Tenho certeza que ela conseguiu sair.”
Eu queria repreendê-lo, ‘Você tem certeza, Bill? Veja aquele fogo! Ela está acima do ponto de impacto, você realmente acredita que alguém acima daquele inferno pode sair vivo?’ mas me contive, ciente de que ele tentava oferecer apoio e também estava preocupado. Bill e os outros rapazes conheciam Brynne bem. Participamos juntos de festas, celebrações e churrascos. Éramos uma família. A perda de alguém próximo a um de nós significava a perda de alguém próximo a todos nós.
“Atendemos a Torre 1, mas isso foi antes do outro avião atingir. Ouvi apenas uma transmissão embaralhada, algo sobre a Torre Sul, mas… está um caos lá fora. Muito tráfego no rádio, entende?”
“Obrigada, Bill. Vou encontrá-los assim que chegar lá. Deve haver um posto de comando organizado e alguém deve saber onde todos devem estar.”
“Sob circunstâncias normais, sim, mas nada está normal agora.”
Ele tinha razão, nada disso era normal. Dirigi-me ao meu armário e vesti meu traje de combate a incêndios. Esse ritual era quase automático para mim, algo pelo qual era grata. Meus pensamentos estavam um caos; eu não conseguia pensar claramente. Simplesmente agia, consciente de que precisava chegar lá. O amor da minha vida estava desaparecido, e eu precisava encontrá-la. Meu país enfrentava uma emergência nacional, e minhas habilidades eram necessárias para ajudar na crise. Dever ou não, Brynne era minha prioridade, e se procurá-la custasse meu emprego, que assim fosse. Se a perdesse, se ela não tivesse sobrevivido, duvidava que eu também sobreviveria, então preservar meu emprego não era minha preocupação.
Era necessário tentar clarear minha mente. Se Brynne estivesse presa acima do ponto de impacto, era improvável que estivesse viva, mas eu precisava ter certeza. Questionava-me sobre o quão quentes estariam os andares abaixo do incêndio. O calor irradiando poderia tornar impossível se aproximar do fogo real. Ela poderia ter tentado chegar ao telhado? O calor sobe, e eu duvidava que um helicóptero conseguisse pairar tempo suficiente para um resgate. Sabia que os elevadores estariam inacessíveis, mas ponderava sobre as escadas e o quanto o impacto as havia danificado. Será que ela conseguiu chegar a um dos acessos antes que o fogo se tornasse intransponível? A incerteza era torturante, e eu orava por informações confiáveis assim que chegasse lá.
Minha Companhia já estava no local, sem dúvida desde o primeiro alerta de incêndio. Como Companhia de Motores, nossa tarefa era extinguir o fogo. Éramos o caminhão que chegava para manejar a mangueira, em contraste com a companhia de escadas, responsável por entrar nos edifícios em chamas para resgatar, ventilar e controlar as áreas quentes e fontes de calor.
Chequei e rechequei minhas mensagens. Não havia nenhuma. Tentei novamente o telefone de Brynne, mas agora meu celular estava sem sinal. O pavor tomava cada centímetro do meu ser. Vestida e com meu equipamento de proteção ajustado, consegui uma carona para o local com uma viatura policial que passava. Não trocamos uma palavra. Não conseguíamos. O que poderíamos dizer?
A viatura policial parou na Church Street, um pouco depois da Dey, estacionando na rua junto à maioria dos outros veículos de serviço e emergência. Era impossível aproximar mais o carro do local. Mangueiras estavam estendidas pelo chão e equipamentos jaziam espalhados pela via, ao lado de bombeiros, policiais e equipes da Emergência Médica. Ignorei essa área de montagem e prossegui em direção aos incêndios.
Ao chegar à praça, o cenário era de puro pandemônio. O caos parecia ter engolido qualquer resquício de ordem. Vasculhei o mar de rostos que saíam em enxurrada das torres, mas sem sucesso. Se Brynne estivesse entre aquelas centenas de pessoas, eu não consegui vê-la nem percebê-la. Orei, contra todas as probabilidades, que ela tivesse conseguido sair antes de eu chegar.
Automaticamente, verifiquei meu telefone mais uma vez: ainda sem serviço. Guardei o celular num bolso interno para proteção. Sem sinal, não haveria mensagens.
Diferentes cores de capacetes departamentais agrupavam-se em torno do que parecia ser um posto de comando no lobby da torre norte. Acelerei o passo em direção a um capacete vermelho e encontrei Declan O’Keefe, um dos supervisores do posto de comando e mentor que havia sido transferido para outro batalhão após sua promoção a capitão. Enquanto ele recebia uma transmissão em seu rádio portátil, tive a oportunidade de observar a devastação chocante ocorrida antes de minha chegada. Os vidros de sete metros e meio de altura do lobby foram todos destruídos e o ar estava carregado com o odor de fumaça, combustível e carne queimada. Corpos despedaçados e ensanguentados jaziam na praça. Declan, agora sem comunicação, percebeu que eu observava os corpos.
“Eles pularam. Acho que preferiram isso a morrer queimados,” disse Declan, sua voz ecoando a incredulidade que todos sentíamos. Enquanto falava, ouvi algo que soou como uma explosão. Olhei para cima e ele comentou, “Mais um que saltou.”
Se não tivesse ouvido com meus próprios ouvidos, jamais acreditaria que um corpo pudesse produzir um som tão alto. Mas, considerando a altura da queda, eles devem ter atingido uma velocidade de cento e sessenta quilômetros por hora. Se uma pessoa média pesa cerca de sessenta e oito quilos, de repente fazia todo sentido o som ser assustadoramente alto.
Voltei meu olhar para ele, aterrorizada com a possibilidade de Brynne estar entre as vítimas. Mas então afastei esse pensamento, sabendo que ela tinha verdadeiro terror de alturas e sempre insistia que sua mesa ficasse o mais longe possível de qualquer janela. Ela teria optado por arriscar-se à inalação de fumaça se não visse outra saída. A ideia de ela estar presa pelo fogo e ter que enfrentar seu fim me abalou profundamente. Não, eu precisava parar de me atormentar com especulações e agir.
“Eu preciso subir, Declan,” eu disse a ele.
“Você não pode subir, Jenna, não é onde sua companhia está atuando. Eles estavam trabalhando com a mangueira na Torre 2 e acabaram de ordenar a evacuação dessa torre. Então, eles provavelmente estão ajudando as pessoas a saírem de lá e se distanciarem.”
“Eles estão evacuando o pessoal de emergência? Por quê?” Isso não era um bom sinal.
“Eles estão preocupados com a integridade estrutural, especialmente nos andares atingidos pelo fogo, e estão considerando a possibilidade de um colapso parcial. Continuo recebendo relatos de ruídos constantes de estalos, como pequenas explosões.”
“Como se fossem outros dispositivos de detonação? Como os terroristas teriam acesso aos prédios para instalá-los? Não entendo. O que diabos está acontecendo?” Não consegui esconder o alarme na minha voz.
“Apenas fique aqui comigo até eu receber informações mais claras.” Ele balançou o rádio portátil em sua mão. “Esses rádios são uma porcaria. O sistema de comunicação já deveria ter sido reformulado há tempos.”
“Você não entende, eu tenho que ir. A Brynne está lá em cima.”
“Em qual andar?”
“No nonagésimo quinto.”
Seus olhos transmitiram tristeza e um pedido de desculpas. “Deus a abençoe se ela estiver lá.”
“NÃO! Não diga isso!” Comecei a correr em direção à escada, e ele agarrou meu braço, virando-me para enfrentá-lo.
“Talvez ela tenha conseguido sair,” ele me disse.
“E se ela não conseguiu?” O desespero na minha voz era inegável.
Declan me puxou para perto. “Jenna, me ouça. Eu sei que é difícil. Se ela conseguiu sair, provavelmente está segura, e se não… então, já é tarde demais. Ninguém pode chegar perto do 91º andar, muito menos acima. Está muito quente. A estabilidade dos tetos e pisos é questionável, e sabemos com certeza que as escadas estão comprometidas. Ainda não conhecemos o risco de um incêndio invertido e —”
“Ainda posso subir e ajudar,” protestei. Não conseguia aceitar a possibilidade de Brynne estar morta. “Talvez ela ainda esteja na escada, a caminho de descer.”
“Então você subir não vai fazer ela chegar aqui mais rápido.”
Ele estava certo, e eu sabia que ele estava certo, embora não conseguisse aceitar esse conceito. Queria que ela magicamente aparecesse diante de mim, ilesa, como se nenhum desse horror tivesse acontecido. Fui arrancada do meu desejo de vê-la segura pelo som constante das sirenes dos bombeiros e das sirenes gaguejantes de equipes ainda respondendo. Civis continuavam a sair do prédio em fluxo constante, mas nenhum deles era Brynne. Eu sabia que ela me procuraria se estivesse bem. Sabia que ela sabia que nada poderia me impedir de estar na cena, e se ela não conseguisse chegar até mim ou vice-versa, ela encontraria outro bombeiro e pediria a eles para, por favor, me avisar que ela estava bem.
“Ela provavelmente está em algum lugar na multidão evacuada,” disse Declan, mas o olhar em seus olhos me disse que ele tinha pouca esperança nisso.
“Você ouviu algum chamado para mim no rádio?”
“Não, mas como eu disse, esses portáteis são mais úteis para captar estática e, talvez, a cada segunda ou terceira palavra, quando muito.”
Eu estava tremendo. Respirei fundo e andei em círculos algumas vezes, tentando clarear meus pensamentos. “Ok. Ok.” Voltei minha atenção a Declan. “Estou aqui. Além do óbvio, o que estamos enfrentando?” Constantemente tínhamos que nos desviar ou sair do caminho de pessoas que passavam apressadas por nós, fugindo da destruição e do perigo iminente que pairava no ar.
“Não temos comunicações além dos nossos rádios; sem linhas fixas ou celulares funcionando. Todos os serviços do prédio foram interrompidos, os elevadores não funcionam, o que significa que os controles estão inutilizados. Vamos mover este posto de comando porque temos receio que os núcleos dos elevadores tenham sido afetados pelo impacto e, depois, pelos incêndios, o que significaria que eles não teriam freios de emergência, nada para impedi-los de cair todos esses andares e explodir no saguão. São esses poços de elevador que estão exalando esse forte cheiro de combustível de jato aqui embaixo, e isso é um grande problema. Não podemos conscientemente colocar nossos socorristas em uma situação dessas. O que já estamos enfrentando em um nível óbvio é ruim o suficiente.”
“Quantos elevadores?” perguntei, enquanto o som de mais dois corpos atingindo o chão, um após o outro, me fez estremecer pelo que aquele som representava.
“Noventa e nove em cada edifício,” continuou Declan, mantendo-se focado. “Resgatamos algumas pessoas de elevadores presos em andares específicos abaixo do incêndio, mas há muitos mais cujo estado desconhecemos. É apenas mais um aspecto deste desastre à espera de acontecer.” O rádio chiou novamente e nem eu nem Declan conseguimos entender a transmissão, enquanto eu o ouvia dizer, “10-5? 10-5?” Ele me olhou, frustrado. “Inúteis.” Ele falou novamente no portátil. “Se você está me recebendo, 10-2! Todas as unidades, 10-2.”
Era um sinal ruim, pois ele estava convocando todo o pessoal a retornar ao comando. “Como posso ajudar? Onde você precisa de mim?”
“Vá para a torre sul. Você pode ajudar a levar essas pessoas para a segurança.” Ele apontou para o lado oeste do prédio. “Vá por esse lado, pois é o que tem menos danos. Ajude a liderar um grupo para fora no caminho até o posto de comando. Evite a praça, pois é onde a maioria dos que saltam parece estar caindo. Não precisamos que alguém finalmente saia do prédio só para ser morto por um corpo caindo ou detritos.”
Assenti em reconhecimento e me orientei. De repente, percebi que, exceto pelos bombeiros que guiavam as pessoas escada abaixo até o mezanino e então ao saguão, a maioria do pessoal de emergência tinha deixado nossa área imediata. Olhei para o quadro de comando e ele estava vazio dos ímãs que normalmente indicavam posições de prédios e outras informações críticas. “Para onde todos foram?”
“Como eu disse, estamos evacuando. Provavelmente se mudaram para Vesey e West. Vou ficar aqui até –“ Ele levou o rádio ao ouvido, balançou a cabeça, pressionou o microfone e falou, sem mais usar a série dez para se comunicar. “Repita sua última?”
“Urgente!” foi tudo que ouvimos, e pareceu ser uma resposta quebrada e crepitante de várias fontes.
Naquele instante, o chão começou a tremer. Eu só havia estado em um terremoto uma vez na vida, e foi isso que pareceu inicialmente, exceto que se tornou muito mais violento. O rugido que o acompanhou foi ensurdecedor e tão poderoso que senti como se meu cérebro estivesse tremendo. Em questão de dez segundos, Declan e eu fomos arremessados contra a parede noroeste por uma explosão de ar quente, poeira e detritos. Aconteceu tão rápido e com tanta força que por um momento pensei ter morrido. Lembro-me de pensar, muito claramente, ‘é isso, estou morta’, e o único consolo era que Brynne e eu tínhamos morrido no mesmo dia e talvez eu estaria com ela na vida após a morte – se existisse uma. Seguiram-se vários minutos de escuridão e então nada: nenhum som, nenhum movimento, nenhum pensamento, como se meu cérebro tivesse parado de funcionar. Meu próprio tossir e engasgar me assustaram desse abismo enquanto todas as faculdades eram restauradas ao presente. Dizer que eu estava desorientada seria um grande eufemismo. A pele que não estava protegida pelo meu traje estava cortada e ardendo. Meus pulmões não apenas queimavam, mas estavam cheios de resíduos do que quer que tivesse invadido o saguão da Torre 1. Sentia como se tivesse engolido um fardo de algodão. Precisava de água para enxaguar meus olhos a fim de ver e avaliar minha situação imediata. Tentei mover todas as partes do meu corpo e, embora completamente abalada e dolorida, tudo parecia funcionar. Meu capacete, minhas ferramentas, tudo que não estava preso ao meu corpo havia sido completamente arrancado. Meus ouvidos eventualmente pararam de zumbir e se limparam o suficiente para ouvir outros tossindo e os apitos repetitivos dos pacotes de alarme dos bombeiros que haviam sido automaticamente ativados. O sinal agudo vinha em uma série de quatro bipes, indicando angústia.
Ouvi a voz de um dos outros chefes de brigada começar a chamar por sobreviventes. Fiquei aliviada ao ouvir a voz de Declan responder, e então ele me chamou. “Estou aqui,” consegui dizer com uma voz pesadamente rouca.
“Ligue sua luz de busca, precisamos ver o que temos aqui,” ele me instruiu.
“O que diabos aconteceu?” ouvi outra voz perguntar.
“Minha suposição é que a torre sul acabou de desabar,” anunciou o chefe da brigada.
O horror dessa ideia nos paralisou em mais um silêncio momentâneo. Minha companhia estava lá em cima. Meus irmãos, minha… família. Eles poderiam ter escapado a tempo? Era terrível demais para pensar. O que estava acontecendo? No fundo da minha mente, eu sempre tentava especular sobre a causa de um incidente, mas este era grande demais, grande demais para compreender. Nós, que estávamos no meio disso, só podíamos agir no momento, lidando com o que estava à nossa frente e o que podíamos fazer a respeito.
Ainda estava escuro e eu nem conseguia ver minha própria mão diante do meu rosto. Quinze minutos depois, respirar ainda era difícil e a nuvem negra era densa o suficiente para que mal pudesse ver qualquer claridade das lanternas de alguém, incluindo a minha. Havia um silêncio total, exceto por tosses e os sinais de alarme dos equipamentos de emergência. Declan e os outros continuavam tentando estabelecer contato com diferentes companhias, enquanto o chefe da brigada tentava se comunicar com a divisão e as comunicações de campo, mas era apenas… ar morto.
“Encontrei algumas pessoas aqui!” Não reconheci a voz, mas todos nós nos movemos em direção de onde veio o grito. Foi difícil porque ainda estava escuro e cheio de fumaça. Eu estava grata pelo material resistente do meu equipamento de proteção, pois havia vidro, metais afiados e Deus sabe o que mais, por toda parte. A caminho, vi o brilho abafado que logo descobri ser a luz de busca do Declan. Movi-me em sua direção e o abracei quando descobri que era ele. Ele estava coberto de poeira e detritos e, se eu não tivesse reconhecido sua voz, nunca teria sabido que era ele, e tenho certeza de que eu parecia tão estranha quanto.
“Onde está sua proteção?” ele perguntou, referindo-se ao meu capacete.
“Não sei. O impacto o arrancou da minha cabeça.”
“Cristo, Jenna, é sorte você não estar morta!”
“É sorte todos nós não estarmos mortos,” eu disse.
“Jesus, Maria e José,” veio o sotaque irlandês de um dos comandantes, “é o Padre Mychal.”
Pelo tom do comandante, sabíamos que não era uma boa notícia. Encontramos o comandante próximo aos elevadores, e outros se reuniram ao nosso redor. Alguns bombeiros tentavam realizar CPR no Padre Mychal, mas quando as luzes foram focadas nele, se algo ficou claro em meio ao redemoinho de fuligem, era que ele não havia sobrevivido. O padre era o capelão oficial do Departamento de Bombeiros da Cidade de Nova York e estava no saguão rezando, oferecendo ajuda e administrando os últimos sacramentos. Eu não era uma pessoa religiosa, mas todos nós amávamos e admirávamos o Padre Mychal. A forte devoção entre o padre e os bombeiros era mútua, e ter ele morrendo aqui e agora era uma ironia de proporções monumentais, embora eu pudesse supor que, se ele tivesse que morrer, ministrar aos bombeiros seria como ele gostaria de partir.
“Vamos tirá-lo daqui,” alguém disse, solenemente. Outro bombeiro encontrou uma maca para colocar o Padre Mychal e o carregaram até o saguão e, depois, para fora. Eu me senti emocionada e não tinha nada a ver com o ar ácido. Normalmente, eu respiraria fundo várias vezes para me controlar, mas era incapaz de fazer isso. Eu não conseguia compreender mentalmente a enormidade da cena terrível que se desenrolava ao meu redor. Eu me sentia como se estivesse no meio de um filme de terror/desastre, exceto que isso era real.
Ainda havia pessoas descendo as escadas, agora muito mais apressadas do que antes. Vários bombeiros continuavam tentando chamar suas Companhias para o térreo. Quanto mais pessoal oficial nos alcançava, seja vindo de cima ou de fora, ajudava a mover os corpos daqueles encontrados no saguão após o colapso da torre.
O ar agora estava cinza e tornou-se um pouco mais fácil de respirar, ou talvez eu tivesse me acostumado. Quando finalmente saímos, parecia que estávamos caminhando por uma névoa espessa e suja marrom. As ruas haviam desaparecido e à minha frente estava uma massa de destroços e fogo. Onde antes ficava a West Street, agora jaziam os restos de um dos prédios mais altos do mundo. Era inconcebível que tivéssemos um incidente tão catastrófico. Eu poderia entender um colapso parcial, mas para a estrutura inteira desabar… isso sobrecarregou meus sentidos. Não conseguia ver a extensão dos danos naquele momento, mas os socorristas que acabavam de chegar e tinham visto acontecer falavam disso com horror, admiração e profundo desespero em suas vozes.
Continuava a chover papel e poeira, e a consistência do solo sob minhas botas era estranhamente macia, como caminhar na areia. Tudo o que eu conseguia pensar era que parecia que tínhamos acabado de sobreviver a um ataque nuclear. Nunca servi no exército, então nunca participei de uma batalha, mas isso parecia com minha ideia de uma zona de guerra.
Ajudamos as pessoas a chegar em segurança e as direcionamos para o norte. Todos pareciam compreensivelmente atônitos e estupefatos. Nenhum deles era Brynne, mas ainda havia pessoas saindo, então eu tinha esperança. Também retiramos corpos conforme os encontrávamos, e até agora, eu não conhecia nenhum dos homens que havíamos conseguido levar para o necrotério improvisado. Eu me perguntava quantos socorristas havíamos perdido, junto com minha Companhia e os civis que ainda estavam na Torre Sul.
Tínhamos acabado de voltar ao saguão quando um dos bombeiros de outro batalhão correu até nós. “Temos que evacuar. Há explosões por toda parte, o prédio está tremendo como a Torre 2. Está caindo,” ele nos disse.
“Explosões? Nada deveria estar explodindo! O que está explodindo?” Declan perguntou.
“Não dá para dizer. Pelas transmissões que consigo ouvir, parecem pequenas detonações.”
“Pequenas detonações – você quer dizer, como espoletas? Você quer dizer como numa demolição controlada?” Declan queria esclarecer.
Ele deu de ombros. “Só posso te dizer o que eles estão me dizendo.”
“Mas ainda há pessoas lá!” Brynne. Brynne ainda estava lá dentro.
“Se este prédio desabar, morreremos. Como isso ajuda em alguma coisa?” Declan me questionou. Ele então perguntou ao outro bombeiro: “Qual é o posto de comando mais próximo?”
“Chambers e West,” foi a resposta.
Declan precisou me convencer a ir. Saindo daquele prédio, eu deixava para trás qualquer esperança de encontrar Brynne. O impensável aconteceu; eu estava sendo forçada a deixar a outra metade da minha alma.
Não tive muito tempo para pensar, pois o chão voltou a tremer, e o barulho era ensurdecedor. Desta vez, o agudo guincho das vigas de aço torcendo e o som de tudo desmoronando enchiam o ar, enquanto destroços começavam a cair na rua. Por instinto, Declan e eu corremos, mais rápido do que imaginávamos ser possível. A torre norte começou a ruir. Os nove segundos até atingir o solo não foram suficientes para nos distanciarmos.
Uma onda de energia nos empurrou para frente, enquanto uma parede de detritos passava voando por nós. Antes que a onda de pressão negativa voltasse e criasse um vácuo, nós nos abrigamos em um recuo que dava acesso a uma delicatessen.
“Fiquem longe das janelas!” gritei ao entrar, pouco antes de sermos engolidos por uma nuvem preta espessa.
A força do colapso quebrou a parede de vidro da loja, e fomos novamente atingidos por vento, calor, cinzas, fumaça e escombros. Nos encolhemos num canto, protegendo-nos de uma chuva de detritos. Dessa vez, respirar foi ainda mais difícil, minha garganta e pulmões ainda machucados pelo último colapso.
Desorientada, enquanto me afastava de Declan, era difícil saber de onde viemos ou como sair. As luzes de emergência acenderam automaticamente com a queda de energia, mas só começaram a iluminar algo após vários minutos. O único som era de tosses.
Três pessoas estavam na delicatessen quando entramos, difícil distinguir quantas tossiam. “Todos bem?” Minha voz era rouca, mas audível.
Declan e mais três responderam. “É a ira de Deus sobre nós!” uma mulher exclamou, conseguindo falar.
Naquele momento, não estava certa de que ela estivesse longe da verdade. Ainda não sabíamos o que estava acontecendo. Não tínhamos ideia se mais aviões estavam a caminho de Nova York, se bombas haviam sido plantadas em outros lugares, se forças terroristas iam surgir nas ruas… Ninguém queria mais fazer suposições, parecia que até quem deveria saber estava no escuro, literal e figurativamente.
“Tem água?” Declan perguntou na escuridão. “Precisamos lavar os olhos para poder voltar.”
“Vocês vão voltar lá?” alguém nos perguntou, incrédulo.
“É o nosso trabalho,” eu disse.
Nos entregaram algumas garrafas de água. Lavamos os olhos com o líquido, que ardia, mas era refrescante, permitindo finalmente enxergar. Resisti a usar a manga para secar os olhos. Com a água restante, enxaguei a boca. Declan fez o mesmo.
Quando o ar começou a clarear, ainda que escuro, mas agora possível de navegar, saímos e voltamos para onde as torres ficavam. Seguimos os sons abafados de sinais de socorro e gritos, e quanto mais a visibilidade aumentava, mais fácil era encontrar o caminho. O chão estava cinza escuro, coberto por uma camada de pó, cinzas e detritos pulverizados.
A poeira e os escombros continuavam a cair como neve escura. Veículos de bombeiros, carros de polícia e ambulâncias estavam esmagados, destruídos e cobertos pelo que desabara das torres. A devastação era total. Acostumada a cenas impactantes, nada se comparava a isso.
Pensando novamente em Brynne, a dor no centro do meu coração se intensificou. Sentia-me vazia e perdida, o que me assustava. Será que ainda teríamos conexão se ela estivesse viva? Eu ainda conseguiria senti-la? A escuridão e o mal daquele dia pareciam tão profundos que me sentia sufocada e cega. Com esforço, me recompus e continuei ao lado de Declan, sabendo que precisava fazer algo. Não havia como dar sentido a nada, mas se houvesse um vislumbre de esperança, eu precisava mantê-lo. O melhor a fazer era trabalhar, focar na busca, no resgate e na recuperação.
Não falamos até nos aproximarmos do que agora chamavam de Ground Zero. A camada de poeira e fuligem no chão estava agora vários centímetros mais espessa. Começamos a encontrar pessoas, civis, que saíam de seus abrigos com expressões vazias. Eram claramente choque, caminhando lentamente e sem rumo em direção à destruição. Direcionamo-los para longe do perigo.
Encontramos outros bombeiros, policiais e socorristas. Todos pareciam devastados, como estátuas ambulantes, os rostos e corpos cobertos pelo pó cinza. Ao contrário dos civis, movíamo-nos com um propósito claro: voltar ao local do colapso para ajudar no que fosse possível. Parecíamos zumbis à primeira vista, mas todos caímos instintivamente no básico do nosso treinamento: resgatar.
Conforme nosso grupo crescia, recolhíamos qualquer coisa que pudesse nos ajudar. Encontrei óculos de proteção e machados de bombeiro, um intacto e outro quebrado. Declan achou um bastão de gancho e uma chave inglesa. Por um caminhão de bombeiros achatado, encontramos uma corda de resgate. Outros pegaram kits de primeiros socorros, máscaras de ar, ferramentas de corte, cestas de resgate, tudo que encontramos.
A maioria de nós se conhecia pelo nome ou reputação, mesmo de companhias, batalhões e divisões diferentes. O Corpo de Bombeiros de Nova York sempre foi uma grande família, e eu sabia que essa tragédia nos uniria ainda mais. Quando uma companhia perdia um bombeiro, todos perdíamos, e esse evento sem dúvida estabeleceria um novo precedente.
Chegamos a outro grupo de socorristas, principalmente bombeiros, diante de uma imensa montanha de aço torcido, concreto e ferro. Mobilizamo-nos rapidamente, e o Chefe de Batalhão Ken Talwerth, o mais graduado entre nós, subiu em um carro de polícia danificado para orientar os próximos passos. Usando um megafone, mesmo com a voz rouca como se tivesse gargarejado com cascalho, fomos instruídos.
“Sabemos que perdemos muitas pessoas hoje, mas ainda há sobreviventes. Precisamos alcançá-los o mais rápido e seguro possível. Temos que remover os escombros e estou aguardando instruções do prefeito sobre caminhões. Enquanto isso, precisamos começar. Dividirei vocês em duas equipes. Para nossa segurança, varreremos o perímetro em busca de Materiais Perigosos. Precisamos garantir que não há dispositivos secundários ou agentes de radiação, nervo… nenhum agente biológico.”
Ele estava certo; a última coisa que precisávamos era aumentar o número de vítimas por agir sem pensar. Ao percorrer o perímetro, o ar ficou mais limpo, mas ao voltarmos ao nosso ponto de partida, ainda era impossível ver toda a extensão da devastação.
Máscaras de ar foram distribuídas para quem havia perdido os seus. Coloquei o filtro sobre meu rosto enquanto Talwerth, através do megafone, insistia que nenhum bombeiro trabalhasse sem máscara, dada a incerteza sobre o ar que respirávamos.
Retomamos a tarefa. A quantidade de escombros era imensa, quase incompreensível. Paredes de colunas dobradas, montanhas instáveis de aço torcido, um emaranhado de fios e o calor de incêndios ainda ativos. Tudo isso era apenas o que estava à nossa frente.
Nos olhamos, todos pensando o mesmo: por onde começar? A pilha de escombros era avassaladora. Sabíamos que não podíamos apenas ficar parados; precisávamos buscar sobreviventes, por mais fútil que parecesse. Quem poderia ter sobrevivido a isso? Tudo, exceto o aço, concreto e fios, estava reduzido a pó. O pensamento de Brynne ser parte desse pó apertou meu coração. Respirei fundo e, com meus colegas, comecei a trabalhar, tentando não pensar em nada além de encontrar sobreviventes ou restos mortais.
Começamos a remover os escombros com as mãos, cuidando das bordas afiadas. Nossas luvas protegiam nossas mãos, mas o solo sob nossos pés era instável. Após uma hora, sentíamo-nos impotentes, sem progresso. A maioria de nós tirou os casacos de proteção, dada a calor e o desconforto.
Olhei para o bombeiro ao meu lado, que parecia tão desanimado quanto eu. Coberto de menos poeira, mas queimado do lado direito, ele havia estado no saguão da Torre 1 quando uma porta de elevador explodiu, lançando-lhe chamas. Mais tarde, contou-me que estava há dezoito anos na companhia e lembrava-se do atentado de 1993. Ao dizer que nunca vira nada parecido, ele pôs a mão no meu ombro, admitindo que também não. Esperávamos que essa fosse a pior experiência de nossas carreiras.
“Alguém viu a explosão saindo do Centro Comercial Seis esta manhã, logo após a Torre 1 ser atingida?” perguntou o bombeiro ao lado de Declan. Vários, incluindo eu, olhamos para ele, mas ninguém respondeu. “Sério,” ele continuou, “a destruiu.”
“É o prédio da Alfândega dos EUA, não é?” perguntou Declan.
“Sim, entre outras coisas. O bunker de munições do Serviço Secreto está lá,” eu disse. “Provavelmente foi isso que explodiu.”
“Eu ficaria chocada se tudo ao nosso redor não estivesse envolvido ou devastado,” Declan disse.
“Eles reativaram o Harvey para isso,” alguém na fila gritou para ninguém em particular. O Harvey era um barco de bombeiros aposentado que, segundo o boca a boca, agora estava amarrado ao píer de Battery Park City e estava bombeando água ao lado dos barcos do Corpo de Engenheiros do Exército. As tubulações de água danificadas precisavam ser restauradas e, até então, os barcos de bombeiros bombeavam dezenas de milhares de galões de água por minuto. O Harvey, nomeado em homenagem ao bombeiro marinho John J. Harvey, que foi morto em serviço quando um navio explodiu, teve uma carreira distinta com o FDNY de 1931 a 1994. Este claramente seria um dia monumental por muitas razões.
“Ei! Aqui!” um dos socorristas gritou, animado. “Eu tenho algo!” Nós corremos até onde ele estava e vimos uma luva de bombeiro e uma bota espiando de debaixo de um concreto. Todos nós caímos de joelhos, cavando com nossas mãos, mas os dois itens foram tudo o que encontramos. A maioria voltou para seus lugares originais na pilha enquanto alguns ficaram no local da descoberta e continuaram a cavar em um círculo mais amplo.
Nós cavamos e empurramos itens transportáveis e movemos o que podíamos para retirar camadas de escombros para que pudéssemos chegar ao que estava embaixo. Quando desalojamos tudo o que podíamos mover manualmente, nos reposicionamos em outro local para começar tudo de novo.
“Nós salvamos pessoas,” um jovem bombeiro que trabalhava ao meu lado disse. “É o que fazemos, corremos para prédios em chamas e os tiramos vivos e agora estamos procurando salvar as próprias pessoas que salvam os outros.” Ele balançou a cabeça, tristemente. Trocamos nomes e para quais companhias fomos designados e, embora raramente falássemos nas próximas dezesseis horas, de alguma forma nos sentimos mais próximos um do outro.
Enquanto cavávamos, o calor era um lembrete constante de que ainda havia incêndios abaixo de nós. Eu estava apenas de camiseta, suspensórios e calças de proteção e estava banhada em suor. Eu queria remover minha máscara de proteção porque parecia mais um impedimento do que uma vantagem, mas ainda havia uma alta concentração de partículas no ar, então era para meu benefício mantê-la.
Eu continuei cavando e empurrando a leve fuligem cinza, cada vez tendo que fechar meus olhos porque a poeira se levantava em meu rosto. Minutos se tornaram horas e ainda parecia que estávamos trabalhando em vão. Nós continuávamos ouvindo que as grandes máquinas estavam sendo encomendadas para ajudar, mas ainda não tínhamos visto nenhuma. Baldes de cinco galões haviam sido trazidos para nós usarmos, no entanto, neste ponto, apenas alguns da nossa linha os utilizavam.
Algumas horas depois, um dos caras do HazMat veio e nos alinhou para formar uma brigada de baldes. Ele e alguns de seus colegas haviam trabalhado em Oklahoma City seis anos atrás e ele nos disse que foi assim que eles fizeram lá e realmente ajudou a se sentir organizado. Eu não havia pensado naquela tragédia até este ponto e me perguntei se esta catástrofe também era resultado de terrorismo doméstico. Nós não sabíamos nada além de nossa própria especulação, que era provavelmente a mesma organização que tentou derrubar a Torre 1 em ’93.
Grato pela direção e pela pausa, eu ouvi enquanto ele nos instruía a pegar todas as grandes peças de metal móveis e fazer uma pilha, depois reunir todos os materiais menores e maleáveis e colocá-los em baldes e colocar o conteúdo pesquisado em outra pilha. Nós montamos pilhas separadas para concreto, metal, vergalhões e pequenos detritos, incluindo a matéria pulverizada. Não era que não fôssemos intuitivos sobre o que precisava ser feito, acho que era mais que todos nós estávamos atordoados pela magnitude do que estava diante de nós e apenas… perdidos. Nenhum de nós sabia quem havia vivido e quem havia morrido ou mesmo um número aproximado de vítimas, exceto que talvez companhias inteiras de bombeiros, policiais, socorristas e entes queridos das pessoas – incluindo a minha – estivessem perdidos em algum lugar nesses escombros. O que tornava a busca e o resgate tão frustrantes e complicados era a realização de que tudo o que restava de algumas pessoas era a substância fina e pulverizada que passava por nossas luvas, como cinzas cremadas. Esse pensamento me fez pausar brevemente na ideia de que minha Brynne, inteira e linda num minuto e pó no próximo.
Lágrimas vieram rapidamente, mas não caíram. Havia muitos pedaços e partes do que quer que estivesse no ar que haviam se acumulado nos meus olhos. Ardia e picava como os fogos do inferno e eu sabia que tinha que fazer um esforço consciente para encontrar óculos de segurança antes que meus olhos ficassem piores. Eu precisava permanecer forte para fazer minha parte, assim como eu sabia que os outros trabalhando naquela linha estavam fazendo o mesmo. Eu sabia que quanto mais tempo eu trabalhasse, menos pensaria no destino horrível de Brynne. Por favor, que tenha sido rápido.
Eu voltei a cavar e encontrei algo que sabia que não era nada como eu havia pegado desde que comecei. Eu chamei Declan e nós dois estudamos.
“Oh, Cristo, é parte de um braço,” eu disse. Eu finalmente reconheci a coisa estranha queimada preta e embutida no que eu havia decifrado como a área do pulso era uma pulseira de relógio. O membro estava carbonizado e tudo o que restava era músculo e osso. Declan assentiu, sombriamente, e pegou o apêndice de mim para que pudesse entregá-lo ao supervisor apropriado.
Por mais estranho que pareça, isso me deu determinação renovada para continuar. Mesmo que tudo o que eu encontrasse fossem partes, era melhor do que pó; partes poderiam ser identificadas, enquanto o pó não poderia. Famílias esperando notícias de seus entes queridos teriam respostas com fragmentos distinguíveis. Eu me perguntei quantas famílias nunca teriam nada para enterrar. Eu me perguntei isso sobre Brynne. Meu estômago revirou novamente e eu me senti enjoada. Eu removi minha máscara, me inclinei para a frente e descansei minhas mãos nos meus joelhos. Eu engoli várias respirações profundas, o que só me fez tossir violentamente. O ar ainda estava espesso o suficiente para praticamente mastigar.
“Primeira vez vendo uma parte do corpo?” Eu olhei para cima para ver um dos bombeiros mais velhos me estudando com simpatia.
“Não, não é isso,” eu respondi. Eu não queria entrar em detalhes. “Eu acho que estou apenas… sobrecarregada.”
“Você comeu alguma coisa hoje?” ele perguntou.
Eu pensei no bagel torrado ainda sentado na mesa da cozinha em casa. “Apenas café.” Casa. Nunca mais seria a mesma.
Meu colega limpou o suor da testa com o dorso da mão. “Talvez seja melhor você não ter o estômago cheio.”
Eu assenti, coloquei minha máscara de volta e voltei a cavar.
Declan acabara de voltar para a linha quando alguém encontrou um couro cabeludo e então um pé. Descobertas macabras de partes logo se tornaram mais frequentes, mas a quantidade de carnificina que se esperaria de tal devastação estava ausente. Realmente tivemos que procurar para encontrar restos mortais porque nada era óbvio, especialmente na superfície.
Estávamos preparados para realizar a triagem, mas as pessoas que encontrávamos já estavam sem vida. Marcávamos suas posições e prosseguíamos, na esperança de encontrar alguém vivo. O primeiro bombeiro que desencavamos estava profundamente soterrado sob uma montanha de destroços. Foi necessário um esforço coletivo considerável para remover, um a um, os pedaços de concreto, metal e outros materiais que o cobriam. Todos esperávamos que ele não pertencesse a nenhuma de nossas companhias, e ninguém em nossa equipe o reconheceu. Seu capacete, com o número de identificação da sua companhia, foi encontrado sob seu corpo. Declan solicitou uma maca de resgate e houve uma pausa coletiva quando o corpo foi colocado nela e transportado para fora de nossa vista.
Uma compreensão sombria e silenciosa se impôs a mim e, pelo silêncio respeitoso, ao restante da equipe também, de que muitos dos nossos colegas realmente haviam partido. De repente, a atmosfera surreal desse pesadelo ganhou uma nova dimensão de realidade: o que restaria das companhias dos cinco departamentos que constituem o FDNY? Se todos tivessem respondido ao chamado, mesmo nos seus dias de folga, como eu fiz, e acabassem presos nas torres, qual seria a magnitude da nossa perda? Informações começavam a circular de que companhias inteiras haviam sido dizimadas no colapso, e eu temia que a minha estivesse entre elas. Levaria muitos dias até que a maioria de nós tivesse noção do verdadeiro número de baixas pessoais.
Eu sabia quando entrei para o corpo de bombeiros que havia uma chance de eu perder minha vida. Brynne uma vez me disse que nenhuma pessoa sã entra em prédios em chamas para viver. Ela amava e odiava meu trabalho igualmente; ela estava orgulhosa da minha profissão e do fato de eu ser tão dedicada a ela e boa nela, mas ela detestava os perigos e a imprevisibilidade disso. Muito parecido com o cônjuge de um policial, ela nunca sabia quando eu saía para o trabalho se eu voltaria para casa naquela noite. A ironia foi que eu nunca esperava que os perigos encontrados na minha profissão afetassem ela de uma maneira tão paradoxal.
Eu tive que me forçar a parar de pensar nela antes de desmoronar completamente e não ser boa para ninguém, muito menos para mim mesma. Eu não podia falar pelos outros, mas eu estava funcionando completamente na adrenalina. Tinha que ser o estresse que estava me mantendo e, tenho certeza, muitos dos outros, movendo-se em um ritmo tão imparável. Era um sentimento estranho, embora, tentar permanecer distante enquanto ainda estava tão conectada.
Talwerth era uma boa pessoa para ter como chefe da nossa seção. Ele ficava de olho no ritmo do nosso grupo e no nosso progresso individual. Se algum de nós parecesse vacilar, ele se certificava de que ele ou alguém estivesse lá para nós. Eu sabia que tinha que ser difícil para ele porque ele tinha que estar ciente de que vários de seus colegas chefes de batalhão haviam caído quando as torres desabaram, mas ele fez o que todos nós fizemos e colocou isso de lado para fazer o trabalho.
Estava chegando perto das cinco horas e dez de nós foram mandados fazer uma pausa obrigatória para pegar água, comida, o que precisássemos para nos trazer de volta para aliviar os próximos dez escolhidos para fazer sua pausa. Eu saí da pilha, com Declan, para uma tenda onde voluntários estavam distribuindo água e lanches. Uma garrafa de água e uma barra de nutrição foram entregues a mim por uma mulher que eu reconheci como atriz de um programa de TV de sucesso. Ela sorriu para mim e disse ‘obrigado’ e eu repeti o mesmo para ela. Ela era menor e muito mais bonita pessoalmente, mesmo sem maquiagem ou iluminação adequada. Os atos de bondade de fontes das quais nunca se esperaria também reforçaram nossa determinação de encontrar o maior número possível de sobreviventes ou restos mortais identificáveis.
Os shows da Broadway haviam sido cancelados, assim como as produções locais de televisão e cinema. As empresas de cinema enviaram suas luzes quando começou a escurecer para ajudar em nossa busca e o equipamento foi uma dádiva de Deus.
Declan e eu descansamos em silêncio. Nós apenas respiramos ar que não era tão acre quanto estava na pilha e pensamos em voltar ao trabalho. Quando fui jogar minha garrafa plástica de água na cesta de reciclagem, sorri novamente para a atriz e disse: “Eu amo seu programa.”
Ela baixou a cabeça, humildemente, depois olhou para cima e sorriu brilhantemente e disse: “Eu amo sua dedicação.” Ela me deu um sinal de positivo.
Eu acenei meu agradecimento, coloquei minha máscara de volta e voltei para a pilha, aliviando o próximo grupo. Assim que começamos a cavar, ouvimos outro grande estrondo, sentimos o chão tremer e todos nós olhamos em volta.
“Eu aposto que é o 7 caindo,” alguém novo na nossa linha disse. O World Trade Center 7 estava em chamas, mas não havia água com que lutar porque as tubulações estavam quebradas. O WTC 7 não havia sido uma preocupação porque o prédio havia sido evacuado há muito tempo. Eu fui informada de que o Edifício 7 havia sofrido danos dos escombros que haviam caído nele e danificado do colapso da Torre 1. Embora isso parecesse improvável que alimentasse mais perigo para o Edifício 7 do que para os Edifícios 3, 5 e 6, não era meu trabalho questionar, apenas trabalhar. Nada fazia muito sentido naquele dia, então tentar usar a lógica para descobrir por que as coisas aconteceram da maneira que aconteceram só serviria para me dar uma cãibra no cérebro.
A nuvem do colapso se espalhou e rolou em uma direção longe de nós. Estávamos no lado sul do que era uma vez a Torre 2, cerca de cinco quarteirões de distância do Edifício 7, mas ainda assim fomos atingidos por alguns detritos residuais, mas nada comparado a mais cedo. Nós esperamos que o manto de escombros e poeira passasse e voltamos ao trabalho.
Continuamos cavando e movendo e puxando e empurrando e transportando e encontrando mais partes de corpos. Graças a Deus pelo DNA, porque, caso contrário, eu não sei como alguém teria qualquer paz, nunca tendo nada de seus entes queridos para reivindicar. Novamente, eu pensei em Brynne. Eu ainda engasguei, mas parecia estar diminuindo. Eu não sabia se deveria ficar feliz ou triste com isso e tenho certeza de que foi porque eu ainda estava em choque.
Declan chamou meu nome e me puxou para fora da linha de conga. “Jenna, estamos aqui há quase dezoito horas. É hora de descansar.” Eu comecei a protestar, mas ele levantou a mão para impedir. “Eu sei, eu sei. Mas nenhum de nós vai ser útil se desabarmos de exaustão. Volte para sua estação, limpe-se e vá para casa. Você pode voltar amanhã quando tiver descansado um pouco.”
“Eu não posso ir para casa.” Eu disse a ele. “Eu… eu simplesmente não consigo ainda.”
Sua grande mão acariciou o lado do meu rosto. “Eu entendo. Você sempre pode se limpar e se alojar na estação. Mas você terá que ir para casa em algum momento.”
“Eu sei.”
“Além disso, por tudo que você sabe, ela pode estar em casa esperando por você.”
Eu o amei por tentar. “É possível, mas improvável. Eu conheço a agenda dela. Eu sei quanto tempo leva para ela chegar ao trabalho e eu sei que ela estaria na mesa dela quando o avião atingiu.”
Declan me estudou com simpatia e me trouxe para um abraço. “Eu disse a você que passaríamos por isso e eu quis dizer isso.” Ele quebrou o abraço. “Agora, vá. Isso é uma ordem. Eu não quero te ver de volta nessas pilhas até pelo menos meio-dia ou depois.”
“Você sabe se eu ficar na estação, será bem antes do meio-dia,” eu disse a ele.
Ele ficou ali, com os punhos apoiados nos quadris. Ele apontou para trás de mim. “Jenna, vá. Agora.”
Eu dei a ele uma saudação meia-boca. “Eu te vejo amanhã.” Eu me virei, peguei meu equipamento de proteção e me dirigi para minha estação. Uma vez que eu estava realmente a caminho, fiquei feliz que Declan me fez parar. Eu estava exausta e mal conseguia manter meus olhos derrotados e machucados abertos. Tudo doía e ardia e meus pulmões ainda queimavam de tudo o que eu havia respirado, mesmo com minha máscara no lugar. Eu podia sentir meus pés rasgados e sangrando por estar em minhas botas por tanto tempo e meu corpo latejava do trabalho árduo e do abuso que havia sofrido mais cedo durante os dois colapsos.
Eu estava quase lá quando soube que não conseguia mais andar. Desde que eu estava fora de todas as áreas bloqueadas, foi fácil pegar um táxi para me levar o resto do caminho. Quando ele parou em frente à estação, eu disse a ele que teria que entrar para pegar dinheiro no meu armário para pagar a ele e, em seu pesado sotaque jamaicano, ele se recusou a aceitar qualquer coisa e me agradeceu profusamente mais vezes do que eu poderia contar antes de eu sair do carro dele.
Era quase quatro da manhã quando entrei pela porta da minha companhia. Eu estava coberta da cabeça aos pés em fuligem, sujeira e restos mortais humanos pulverizados. O prédio estava silencioso e parecia realmente vazio. Eu ouvi os sons de alguém se aproximando e me virei para ver Bill Fitzsimmons se apoiando em suas muletas. Sua reação foi de choque, depois felicidade.
“Jesus! Você está viva! Você está realmente viva! Eu pensei que todos estavam mortos! Você é a única que voltou!” Ele largou suas muletas e pulou até mim, me espremendo em um abraço de urso que quase esmagou todas as costelas do meu corpo.
“Ninguém voltou? Ninguém?”
Ele me soltou, balançou a cabeça e enxugou as lágrimas. “Não. Agora mesmo, ouvi dizer que nós, outra companhia de motores e seis companhias de escadas estão todas desaparecidas. Todas elas, não apenas alguns membros e pode haver mais.”
Eu assenti. “Não estou surpresa. Eu estava lá quando ambas as torres caíram. Foi… eu nem consigo encontrar uma palavra para te dizer o quão horrível foi. E pensar que Brynne-“
“Merda! Brynne! Desculpe, eu deveria ter dito isso primeiro… Brynne está lá em cima esperando por você.”
“O quê? O quê!? ” Eu não conseguia respirar. Eu estava engasgando com ar, com lágrimas, aliviada, chocada. Eu pensei que ia desmaiar antes de conseguir subir as escadas para o dormitório. Eu não sei de onde veio a onda de energia, mas de repente eu estava ao lado da cama em que ela estava enrolada dormindo. Eu nunca havia visto uma visão mais bonita na minha vida. Embora seus olhos estivessem fechados, eu podia ver que estavam inchados, provavelmente de chorar. Eu comecei a tocá-la, mas recuei minha mão. Eu não queria que isso fosse uma ilusão, algo para me despedaçar novamente. Eu estava tão exausta, eu poderia estar alucinando e eu não queria que ela desaparecesse quando eu a tocasse.
Eu a observei e segurei minha respiração. Ela era a criatura mais linda na face da terra. Quando eu não aguentei mais, estendi a mão e acariciei suavemente a pele macia do rosto dela. Oh meu Deus, ela era real e eu não consegui parar as lágrimas de correrem, ardendo meus olhos como nunca havia experimentado antes.
Ela acordou, assustada, e olhou para mim. Então ela focou. “Jenna!” Ela saltou da cama e em meus braços com tanta força, ela nos impulsionou para trás. “Oh, meu Deus, eu estava tão assustada. Eu pensei que você estava morta e todas as linhas telefônicas estavam fora do ar e –“ Ela me beijou até eu não conseguir respirar novamente. “Oh, Deus. Você não faz ideia…”
Nós duas estávamos chorando. “Eu não faço ideia? Eu pensei que você estava morta. Como você saiu do prédio?” Eu não conseguia tirar minhas mãos dela e a segurei enquanto falávamos. Eu continuei alisando seu cabelo e a beijando.
“Eu nunca cheguei lá em cima. Por causa da sua luxúria, eu mal tinha entrado no saguão quando o avião atingiu. Até chegar à mesa de segurança, os caras da segurança estavam segurando todo mundo até obterem mais informações. O prédio tremeu e detritos estavam caindo na praça e havia muita confusão. Alguém veio correndo de fora e disse que era um avião. Eu saí para ver o que todos os outros estavam olhando e vi que parecia bem perto de onde o escritório estava. Foi quando comecei a tentar ligar para os telefones do escritório. Não houve resposta em nenhum deles. Eu estava aterrorizada, mas tentando não entrar em pânico, então fui do outro lado da rua tomar uma xícara de café e esperar. Se eu aprendi alguma coisa com você, é para nunca correr para um prédio em chamas.”
“Oh, querida, eu estou tão feliz que você não subiu.”
“Jenna… eu acho que perdi todo mundo com quem trabalho,” ela disse, sua voz um sussurro, como se dizer isso em voz alta fosse torná-lo real.
“Eu entendo. Você esteve aqui com Bill, certo? Então você sabe que provavelmente perdemos todos os caras. Eles estavam todos na Torre Sul quando ela caiu.” Eu a apertei novamente. “Eu continuei tentando te ligar.”
“Eu sei. Com todo o barulho e confusão, eu não ouvi meu telefone tocar e quando tentei ligar para você, consegui recuperar suas mensagens, mas não ligar. Como eu estava tão perto, vim para cá, bastante certa de que você iria se registrar, mas Bill disse que você acabou de sair e estava indo me encontrar. Então eu esperei.”
“Você esteve aqui por 18 horas?”
“Sim. Bill disse que você voltaria aqui para trocar de roupa antes de ir para casa. Quando as torres caíram… eu pensei o pior.”
“Eu também.” Eu a segurei e ficamos assim por muito tempo. Finalmente, eu disse, “Você se importa de esperar um pouco mais? Eu preciso tomar um banho e tentar enxaguar essa porcaria dos meus olhos.”
Ela assentiu e enxugou as lágrimas. Em trinta minutos, estávamos a caminho de casa. Eu só queria segurá-la perto de mim para sempre.
Eu sabia que estaria de volta ao Ground Zero no dia seguinte e no dia seguinte a esse e sabia que estaria indo a muitos funerais nas semanas seguintes. Eu estava apenas grata que o de Brynne não seria um deles. A experiência em 11 de setembro de 2001 nunca alterou minha dedicação ao meu trabalho, na verdade, se alguma coisa fez, foi solidificar meu compromisso. Um bombeiro é um bombeiro em sua alma até o dia em que morre.
*****
Epílogo
Eu olhei para o relógio de bolso do meu avô. Ainda marcava 7:44. Na realidade, é uma hora mais tarde e eu estou pronta para ir à funerária para colocá-lo no caixão de Jenna. Eu dei a Jenna como um presente do meu coração. Ela carregou consigo sempre. Até o dia em que morreu.
Nós nunca consertamos depois daquele dia horrível de setembro. Para mim, representava o amor, a determinação e a dedicação que Jenna precisou para passar por aquele dia, esperando por mim voltar para ela.
Levou muito tempo para ela parar de comer, dormir e respirar os eventos de 11 de setembro. Ela tinha muitas perguntas sobre o que aconteceu naquele dia. Muitas mais perguntas do que ela, eu ou qualquer um dos outros jamais obteve respostas.
Tivemos mais dez anos juntas, sete deles em felicidade total. No início de 2008, Jenna foi diagnosticada com mesotelioma e mieloma múltiplo pelos dias que passou no altamente tóxico local do Ground Zero, procurando por mim, junto com a busca por outros sobreviventes, incluindo policiais, pessoal médico de emergência e irmãos bombeiros. Claro, os médicos não vão oficialmente ligar as doenças ao Ground Zero, mas muitos dos socorristas estão ficando doentes com as mesmas ou semelhantes doenças pulmonares e respiratórias ou já morreram.
Bill Fitzsimmons me levou à funerária, onde eu teria alguns momentos sozinha com Jenna antes do velório começar. O caixão era de meio caixão e a tampa estava aberta para revelar Jenna da cintura para cima. O departamento havia fornecido a ela um uniforme de gala de bombeiro caído e ela parecia bastante elegante na jaqueta, camisa, gravata e muitos alfinetes de colarinho. Suas mãos enluvadas estavam cruzadas acima da cintura e ela realmente parecia estar apenas dormindo. A cosmetologista fez um trabalho maravilhoso em fazê-la parecer saudável e inteira novamente. Ela parecia linda e mais como a Jenna que todos guardávamos em nossos corações. Eu me inclinei e a beijei pela última vez e coloquei o relógio sob sua mão esquerda.
“Eu te verei no céu, meu amor,” eu disse a ela e sorri através das minhas lágrimas.
Eu não estava ansiosa pelo serviço. Eu havia comparecido a tantos nos últimos dois anos. O funeral de Declan O’Keefe foi um funeral irlandês completo e o último grande evento que Jenna conseguiu comparecer. O Chefe Talwerth havia falecido cinco meses atrás e muitos dos socorristas que Jenna conheceu, trabalhando lado a lado no local, também haviam morrido recentemente. Andy Lupo, apenas um bebê aos trinta, não era esperado para viver mais um ano. Os serviços estavam se transformando em pouco mais do que uma sala de luto das viúvas. Eu amava essas mulheres; nós passamos por muito juntas, mas eu sabia que quando o enterro acabasse, eu teria que deixar Nova York. Eu não era a única esposa cansada dos lembretes daquele dia horrível. Era muito difícil ainda ver as consequências.
Muitas pessoas inocentes perderam suas vidas em 11 de setembro de 2001. Infelizmente, muitos socorristas também perderam suas vidas naquele dia – exceto que levou muito mais tempo para eles morrerem.
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Fim.
*Hazmat são pessoas treinadas para lidar com materiais perigosos.