Sexta Parte

 

A vida está cheia de escolhas, diferentes caminhos a seguir, diferentes metas a aspirar. Cada movimento que fazemos nos leva a algum lugar, cada decisão que tomamos tem uma conseqüência. Esse lugar, essa decisão, pode significar nosso triunfo, ou nosso fracasso, ou simplesmente faz-nos crer que não serviu para nada, o qual não pode estar mais longe da verdade.

Há caminhos mais longos e há outros mais curtos; há alguns mais difíceis e outros mais simples. Podemos equivocar-nos, podemos acertar, inclusive nem um, nem outro; enfim, nunca temos a certeza. Seja como for, que chamemos a estas escolhas; elas se reduzem somente a duas coisas; as que fazemos com o coração e as que fazemos com a cabeça.

Ela havia escolhido com seu coração, quando aceitou que amava a Xênia, não estava pensando com a cabeça, o fazia com seu coração. Porém, em sua vida familiar continuava sendo a mesma de sempre. Gabriela estava vivendo dois caminhos em um; um escolhido com coração, e o outro com a cabeça.

O primeiro, muitas vezes havia resultado difícil, até a havia feito chorar; porque não tinha um referente em que se apoiar, não tinha nenhuma coisa que lhe assegurasse nada em absoluto. No entanto, se sentia tão cheia, sua alma tão infinitamente completa, que não necessitava comprovantes, nem nenhuma coisa que lhe garantisse nada de nada; porque simplesmente tinha êxito em suas mãos, que era o amor de Xênia, e sua presença em sua vida. O segundo caminho, o fazia tudo mais fácil, não tinha que dar explicações; porque para o exterior tudo estava corretamente situado onde correspondia, era o normal, era o que todos queriam dela. Mas, interiormente? Uma história completamente diferente era o que passava em seu interior.

Havia uma possibilidade de juntar esses dois caminhos? A escolha já estava feita, já estava tomada, e estava vivendo através dela; mas a imagem que fazia ao mundo era uma imagem falsa, de algo que já não existia mais, de algo que não era realidade. O que deveria fazer? Continuara simplesmente com essa imagem enganosa, e seguir vivendo interiormente com o real? Finalmente, unir ambas partes, e convertê-las em uma somente? Em uma só alma?

 

Era domingo, o sol resplandecia, e seus raios penetravam pela janela da sala. Ali sentadas, quatro pessoas, uma família, quatro pessoas e um cão, a família perfeita.

-Gabby, me faria o favor de abrir esta correspondência para mim, por favor? As promoções e coisas que não sirvam jogue fora, o resto guarde que vejo depois. – Seu pai lhe pediu, com sua costumeira delicadeza, enquanto voltava sua atenção para as manchetes do jornal.

-Quando será o dia que você mesmo verá suas coisas? Pode ser algo particular. – Repreendeu sua mãe.

-Se houver algo particular ela não lerá. Certo filha?

-Certo papai. – Disse Gabriela sorrindo, e baixou o olhar até a correspondência que tinha nas mãos, as quais se propunha a abrir nesse momento.

-Ela não irá ler, mas eu sim. – Advertiu Catarina, quem estava brincando com o cão em seus braços.

As abriu uma a uma; efetivamente, havia uma ou outra promoção, encontrou até um cartão felicitando seu pai pelo aniversário que ainda não havia chegado.

Então, seus olhos chegaram a um sobre o qual não havia remetente. Franziu o cenho, enquanto o examinava com atenção, procurando algum nome escrito com letras pequenas, talvez, mas, não achou nada, somente o endereço, e o nome de seus pais nele. Finalmente, o abriu, com cuidado, como temendo encontrar-se com uma bomba ou algo que lhe fizesse mal. A primeira coisa que teve a vista, foi à borda de uma fotografia, a qual agarrou entre seus dedos, e a foi tirando pouco a pouco, até que esteve completa diante de seu olhar. Ali estava uma imagem muito familiar, Xênia e ela beijando-se nos lábios; seu primeiro movimento, provocado pelo reflexo, foi cobrir involuntariamente a foto debaixo de suas mãos, enquanto seu coração acelerava. Carla era o nome que faltava nesse remetente, que por razões óbvias não estava escrito nesse envelope.

Gabriela olhou ao redor, como temendo que sem haver se dado conta, algum de seus pais tivesse se levantado nesse momento, e tivesse visto a fotografia que tinha em suas mãos. Mas não foi assim, tudo continuava em ordem, igual há alguns segundos atrás, seu pai lendo o jornal, sua mãe tecendo quem sabe que coisa, sua irmã menor acariciando o cão. Os olhou e fixou-se em cada um deles; os amava, mas logo, se situou, e viu a si mesma alheia a esse quadro; não pertencia a ele, não formava mais parte, não mais. Será que alguma vez realmente havia feito parte?

Novamente olhou para a fotografia, uma vez mais, desta vez prestando mais atenção nos detalhes; ali estavam ambas, seus lábios apenas estavam se tocando, mas se tocavam, suas mãos estavam tomadas, e se via claramente o sorriso em ambos os rostos. Gabriela sorriu diante da imagem, sorriu diante da recordação dela, e diante do sentimento evidente em seu ser, do que havia sentido nesse momento, do que sentia cada vez que essa cena se repetia, e que certamente o havia estado fazendo repetidas vezes, as últimas semanas.

Novamente levantou o olhar; seu pai lhe sorriu, por um só segundo, e depois retornou a sua leitura; sua mãe começou a cantar uma canção, provavelmente de sua época, já que Gabriela não conhecia; sua irmã falava uma linguagem infantil com o cão, enquanto tentava fazê-lo caminhar em duas patas.

Novamente baixou os olhos até a imagem; sorriu, sorriu amplamente; encontrava paz nessa fotografia, encontrava verdade nessa imagem, encontrava sua vida e sua verdade nessas duas pessoas que eram Xênia e Gabriela de mãos dadas e beijando-se. Então, soube, e o sentiu nesse momento; que ninguém poderia lhe impedir de estar ao lado dessa mulher. Soube com certeza, que qualquer um poderia lhe apontar com o dedo, tratá-la de desviada, ou com algum apelido que não desejasse; mas jamais poderia mudar, apagar, nem arrancar o sentimento que tinha por essa pessoa, nem tampouco impedir que estivessem juntas, nem muito menos obrigá-la a viver uma vida, para qual não estava destinada, na qual não sentia em seu coração, em sua alma, em todo seu espírito.

-É verdade. – Disse, sem se quer pensar nas palavras que estavam saindo por sua boca.

– O que é verdade, filha? – Seu pai perguntou, sem tirar seus olhos das linhas do jornal, enquanto ajeitava os óculos que haviam deslizado pelo seu nariz.

-É verdade, pai, mãe, Cata… – sorriu a esta última, quem levantou o olhar um tanto confusa.

-Do que está falando Gabriela? – Sua mãe por fim deixou o tecido de lado, e a encarou, seu pai fez o mesmo em seguida, Catarina já a estava olhando antes.

Põe-se de pé, seu coração começou a bater forte, e suas pernas tremiam, mas ignorou tudo isso, não lhe interessava, não lhe iam impedir, suas emoções, frear aquele momento.

-O que as pessoas pensam e dizem, é verdade… – percebeu o impacto nos olhos de sua mãe; sabia que estava começando a compreender, sabia que sua intuição de mulher, e de mãe, estava lhe gritando forte, como havia feito sempre, depois de tudo: mas, igualmente sabia que não lhe ia ser tão simples, porque teria que elevar a voz, e dizer com todas suas letras.

-Que quer dizer com isso, Gabriela?

-Quero dizer, que Xênia não é minha amiga somente. – Cravou seu olhar nos olhos de sua mãe, que parecia lhe rogar que não continuasse, que se calasse, que não seguisse, mas o fez. – Xênia é minha companheira, e estou apaixonada por ela. – Não baixou o olhar, porque estava sendo completamente honesta, não desviou seus olhos, porque não tinha nada que se envergonhar.

Ninguém disse nada, nem se quer Catarina, que costumava dizer qualquer coisa que lhe passasse pela cabeça, estivesse na situação em que estivesse.

-É brincadeira, verdade? – Sua mãe disse finalmente, com voz quase suplicante.

-Não é uma brincadeira, é verdade, é tão real como sou sua filha, e neste momento você está me vendo.

-Não pode ser…- Sua mãe se colocou de pé, dando-lhe as costas, seu pai levantou também da cadeira e colocou uma mão no ombro de sua mulher. Catarina só olhava, sem se quer sorrir.

-Sim, pode ser, porque é.

-Catarina, vá para seu quarto. – Lhe ordenou a jovem.

Gabriela dirigiu seu olhar a ela, e lhe pediu que obedecesse, que era melhor que não estivesse ali. Esta se colocou de pé em seguida, e ao passar por seu lado, colocou uma mão em seu ombro. Um gesto que Gabriela agradeceu, e que estranhamente lhe deu um impulso para continuar com aquilo.

-Escutem, se vão me dizer algo, digam agora. – Gabriela disse, enquanto seguia os movimentos de seus pais, e permanecia parada no meio da sala.

-Gabriela…- sua mãe se virou até ela, via suas mãos tremendo tanto, que temeu que ela estivesse tendo um ataque, a olhava como se nunca a tivesse visto em sua vida, como se de repente a visse diferente, distinta, estranha. Seu pai a estava observando com um olhar bastante similar. – Não se preocupe, fique calma, tudo vai sair bem, amanhã mesmo vamos a um psicólogo, é somente uma fase, uma confusão, filha.

-Do que está falando? – Gabriela começou a se alterar. – Não é nenhuma confusão, estou lhe dizendo porque estou segura.

-Não…Não, isso não está bem, isso é mau, isso é um engano, você é uma jovem e tem que se apaixonar por um jovem, alguém bom para você; vai ver como dentro de umas semanas, vai ficar muito bem, e vai esquecer tudo isto, não se preocupe filha, nós vamos lhe apoiar em tudo.

-Mãe, estou tentando lhe dizer que Xênia e eu estamos juntas, entendeu? Não é nenhum engano, não é nenhuma doença, pode entender isso?

-Não! Quem não entende é você. – Se aproximou com o rosto diferente, enquanto a olhava de uma forma que Gabriela nunca havia visto, e sua voz se quebrantava. – Não pode…Está doente, é um transtorno da idade. Você! Diga algo. – Se dirigiu a seu marido, alçando a voz.

-Gabriela desde quando? – Perguntou ele.

-Olhem, não vou entrar em detalhes, nem tampouco lhes estou dando uma explicação, só estou lhes dizendo a verdade, minha verdade porque estou farta de ter que esconder; não vou negar Xênia nunca mais, porque isso seria com negar a mim mesma. A amo, não espero que entendam, nem se quer aceitem, mas eu continuarei sendo sua filha, a mesma pessoa de sempre, a mesma.

Os olhos de sua mãe pareciam não compreender nem uma palavra, nem tampouco ela parecia ter nada que dizer. A viu aproximando as mãos de seus braços como que querendo agarrá-la, mas se deteve na metade.

-Não é verdade, não é verdade! Não, você é boa, sempre foi uma menina limpa e decente, lhe ensinamos desde pequena a comportar-se bem, a ser boa, sempre lhe demos todo nosso amor; é essa mulher, é essa Xênia, ela é uma pervertida, lhe meteu coisas na cabeça, ela é suja, é uma pessoa má; mas fique tranqüila minha menina, amanhã vamos a um psicólogo, e tudo vai ficar bem. – Tentou abraçar Gabriela, mas esta se esquivou.

-Nunca…Nunca mais se atreva a chamá-la assim, ouviu? – Gabriela dizia, enquanto agitava um dedo diante do rosto de sua mãe, com uma expressão de completa indignação. – Nunca diga algo assim de Xênia, ela é a coisa mais linda que aconteceu em minha vida, ouviram? A mais linda. – Gabriela sentiu a fúria chegar a seus punhos; pensou na que Xênia sentia tantas vezes, e finalmente a compreendeu; porque jamais havia se sentido assim antes, nunca havia se sentido mais ofendida na vida, como nesse momento diante das palavras de sua mãe sobre Xênia. Deu meia volta e saiu dando uma pancada na porta.

 

 

-Aqui estou, e não tenho muito tempo. – Sua mãe a olhava como se visse algo diferente nela, algo fora do lugar.

-Olá, filha. – Lhe deu um beijo na bochecha, o qual Xênia fez o possível para se esquivar, e suportar.

-Por que olha tanto? – Xênia perguntou, levantando uma sombracelha.

-Não sei, você está diferente, fez algo no cabelo?

-Não.

-Deve ser porque está maior desde a última vez que lhe vi.

-Mãe, tenho vinte e um anos, deixei de crescer a bastante tempo atrás.

-Jorge vai chegar a qualquer momento; seus meio-irmãos lhe deixaram muitos beijos e abraços, não puderam ficar. – Sua mãe disse, enquanto evitava olhar para Xênia.

-Pode dizer, eles saíram quando souberam que eu vinha, a mim não me interessa. – Encolheu os ombros. – Por que sempre tem que inventar coisas?

-E Xênia? Como você tem ido? – Perguntou mudando de assunto.

Olhou sua mãe, era parecida com ela, seus olhos, sua boca os havia herdado dela, quem sabe quantas coisas mais, seu cabelo era liso também, mas mais claro que o seu; embora a essas alturas da vida provavelmente já o pintava. À parte da aparência física, não havia nada que a conectasse a ela; o tempo de ambas havia terminado há muito tempo; se é que algum dia na verdade havia começado.

-Bem, muito bem, e você?

-Bem, já sabe, Jorge e eu somos muito felizes.

-Não me importa como está Jorge, eu perguntei por você. – Viu o olhar aterrorizado de sua mãe, dirigir-se até a porta, como temendo que seu esposo tivesse chegado nesse momento, e tivesse ouvido as palavras saídas de sua boca.

-Quer tomar algo? – Lhe ofereceu, enquanto tentava sorrir.

-Não. Quero que me diga o quer dizer, então irei embora. – Xênia disse, sem um ápice de doçura no tom de sua voz.

-Quando Jorge chegar, ele lhe dirá…

-Não me importa Jorge, maldito seja. Não pode dizer uma maldita frase sem dizer o nome dele?

-Baixe a voz, por favor, Xênia. – Rogou, enquanto a olhava com rosto de súplica.

-Por que tem tanto medo? – Perguntou enquanto estudava com atenção seu rosto.

-Não tenho medo, é só que…

-Xênia, tanto tempo sem lhe ver, finalmente se digna a vir ver sua mãe. – Virou a cabeça, para se encontrar com Jorge; um homem alto, e moreno, caminhando até elas, com a soltura de saber que era o dono dessa casa, e de tudo que havia nela, incluindo as pessoas. – Mas mulher sirva algo a esta menina; vamos para a copa, ande Xênia.

-Não vim fazer visita social, vim porque querem me dizer algo, aqui estou, me digam e depois eu vou embora. – Xênia disse secamente, enquanto olhava fixamente o homem, e começava a sentir brotar uns desejos de lhe dar um bom golpe.

-Xênia, continua tão anti-social como sempre. – Disse lançando-lhe um olhar que não foi capaz de sustentar mais que dois segundos. – Não lhe disse mulher que deveríamos ter cuidado juntos dessa menina, não vê esse ar rebelde que ela tem? Estes jovens precisam de uma mão forte desde pequenos, como eu fiz com meus filhos, e aí estão eles.

-Sim, aí estão eles, três corpos, um só pensamento, o seu. – Xênia disse, e o homem pareceu tomar como um elogio.

-Não me disse que esta menina tinha dom para poetisa. – disse rindo, enquanto sua mãe sorria nervosa.

-Diga-me o que têm para me dizer, agora. – O tom da voz de Xênia sou grave, e a ultimato naquela última palavra.

-Que tom é esse? Em minha casa não jovenzinha, aqui há regras, e você não vai falar assim com sua mãe. – Elevou um dedo ameaçando-a, foi tudo o que faltava para esgotar com a paciência de Xênia.

-Por favor…O que está pensando? Que estamos na milícia? Acorde e olhe a realidade, você é um pobre homem, que nem se quer tem um pensamento próprio, tem o cérebro lavado. Agora diga o que tem que dizer e eu vou embora. – Xênia disse, enquanto sua mandíbula ficava tensa, e seus punhos não ficavam atrás.

-Insolente! – O homem levantou a mão com a intenção de bater nela, e antes que pudesse se quer pensar em aproximar a mão de Xênia; esta já a estava torcendo, e o pobre individuo estava cravado no chão, choramingando como uma criança.

-Nem se quer pense. – Lhe disse, enquanto lhe fulminava com o olhar. – Isto é o que ele faz com você mãe? Bate-lhe? Que merda faz aqui com isto? Está com ele porque lhe alimenta? Me dá pena. – Lhe disse, para finalmente soltar a mão do homem, quem a agarrou desesperadamente, enquanto a olhava com temor.

-Xênia, por favor! – Gritou sua mãe, tentando afastar a morena de seu marido. – Jamais pões um dedo em mim.

-Ainda que não tenha nunca lhe batido, a domina. Não se importa que lhe tratem com se não tivesse cérebro? Olha, não é um deus, é um imbecil qualquer que se apóia em gritos e ordens, porque simplesmente está vazio, e não tem nada que aportar a vida de ninguém, nem a de seus filhos, nem a sua.

-Saia da minha casa agora mesmo! – Jorge gritava, com o rosto vermelho de ira.

-Olha mãe, quer saber se o que dizem é verdade. Sim, é verdade. Sou gay, e estou apaixonada por Gabriela, que é essa jovem loira que viu na tv. E sabe por quê? Ela tem me dado muito mais do que você nunca foi capaz de me dar; todo o amor, toda a ternura, a calma, encontro nela; queria que lhe dissesse e aí está, agora vou embora. – Terminou de dizer tranqüilamente e ameaçou sair daquele lugar, do qual na mesma hora em que chegou já queria ir embora. – Ah, e tome, se quer viver uma vida mais digna, aí tem, isso vai lhe servir de começo, é o preço pelo apartamento em que vivo, e não devo nada a ninguém.

Tirou um cheque onde se lia uma quantidade considerável de dinheiro, e o estendeu a sua mãe. Nem se quer virou para ver nem caras nem reações, simplesmente saiu pela porta, sabendo que jamais voltaria a pisar nessa casa.

 

Xênia se deixou cair no sofá da sala de seu apartamento, tentando acalmar-se, tratando esquecer o desagradável momento que havia passado só uns minutos atrás. Por que sua mãe tinha que ser como era? Por que teve uma pequena esperança que algo pudesse mudar? Lançou uma almofada contra a parede, com fúria, para logo tirar a fotografia de Gabriela, que sempre levava consigo onde quer que fosse, era a única forma de terminar encontrando a paz; olhando seu rosto.

Pegou o telefone, e digitou os números, desejando que Gabriela estivesse a seu lado nesse momento. Não respondeu. Digitou os números de sua casa, esperando ter a sorte de fosse ela a responder. Ao terceiro toque, uma voz que definitivamente não era a de Gabriela, se ouviu ao outro lado da linha.

-Alô?

-Cata, é você?

-Xênia? – Disse a jovenzinha, sussurrando.

-Que foi? Tem algo alguém a seu redor?

-Não, mas podem descer a qualquer momento.

-Gabriela não me atendeu em seu telefone. Ela está por aí?

-Não, não está, e não sabemos onde anda tampouco, saiu faz mais ou menos há uma hora.

-Por que fala com esse tom? Aconteceu alguma coisa ruim com ela? – Xênia se colocou de pé bruscamente, abandonando o sofá, enquanto começava a se preocupar.

-Está sentada? Porque se não, é melhor que se sente agora.

-Que aconteceu Catarina? Fale.

-Eles souberam tudo…

-Quem soube que coisa? – Xênia já queria agarrar a Catarina pelo pescoço, porque no dizia nunca o que tinha que dizer.

-Nossos pais, Xênia, já sabem sobre você e Gabriela, resultou em grande, minha mãe está chorando, lamentando-se do que foi que fez errado, e meu pai não disse nada, só a consola.

-Onde está Gabriela? – Xênia começou a andar de um lado para o outro, enquanto seu coração batia a mil por hora, pensando no que estaria sentindo Gabriela nesse momento.

-Não sei, só saiu dando uma pancada na porta, a mim enxotaram antes, só pude ouvir longe o que falavam, a coisa ficou feia Xênia, vá procurá-la e a encontre.

-Aonde pode estar, Catarina? Tem alguma idéia? -Xênia levou a mão à testa, sentindo-se verdadeiramente desesperada.

-Não sei, sinto muito.

-Está bem, obrigada, tchau.

Desligou, pegou as chaves de seu carro, e saiu correndo sem saber nem se quer aonde iria.

Dez minutos mais tarde, se encontrava no interior do carro, com suas mãos fortemente aferradas ao volante, sem se dar conta, da pressão que estava causando, e que por mais que causasse dano ao objeto, estava causando a si mesma, enquanto que tinha a esperança de que Gabriela aparecesse magicamente diante de seus olhos.

Pensa Xênia, maldito seja. Aonde ela pode ter ido?

Olhava por todos os lados, enquanto continuava dirigindo sem prestar muita atenção ao caminho, e por pouco não se choca com um carro a sua frente, situação evitada por seus rápidos reflexos.

Pensava, e voltava a pensar, revisando imagens em sua mente, de todos os lugares aonde Gabriela costumava ir. De repente, pareceu iluminar-se uma idéia em sua cabeça, sorriu e apertou o acelerador, enquanto se dirigia a um lugar específico.

Tem que estar ali…

 

Caminhou lentamente, enquanto seus pés afundavam na areia. O aroma do mar a rodeava, filtrando-se por seu nariz, dando-lhe a sensação de estar fora desse lugar, de não estar caminhando por ali realmente, de ser uma ilusão, ou só a imagem de um sonho. Virou a cabeça para esquerda ao ouvir vozes de crianças, rindo e gritando. A praia se encontrava cheia de gente, todos felizes tomando sol, e banhando-se no mar. Alguém se aproximou, e lhe pediu um autógrafo, ela só sorriu, e pela primeira vez se negou a dá-lo; não era o momento mais oportuno.

Finalmente chegou onde a praia parecia terminar, então se afastou do mar, enquanto sentia em seus pés o calor da areia, que ia se fazendo mais intenso à medida que ia se afastando da beira. Levantou um de seus pés, e começou a subir os degraus de uma corroída escada, que encontrou por ali, e na qual se sentou, sacudindo de seus pés o excesso de areia, enquanto que constantemente passavam pessoas a seu lado; colocou novamente suas sandálias, e se colocou de pé, sacudiu a roupa, e em seguida continuou a caminhar por perto.O mar seguia acompanhando-a, estava lindo com essas tonalidades verdes, e esse constante movimento que há tempos a fazia ficar tonta e perder o equilíbrio.

Pensou em Xênia, pensou em sua família, pensou nela mesma, e em todos eles juntos; mas isso era impossível, essas três partes eram impossíveis de se unir, era absurdo se quer pensar e imaginar a imagem deles na mesma cena. Levantou uma perna, e deu o impulso suficiente como para subir sobre um pequeno muro pisou com cuidado sobre uma pedra que estava a seu lado, e se sentou finalmente em uma delas, a mais perfeita que encontrou, aquela que lhe parecia.

Observou um momento o mar, seu movimento, sua imensidão, logo apoiou a testa em seus joelhos, os quais estavam dobrados, e os abraçou escondendo o rosto neles. Fechou os olhos, enquanto tentava escapar de qualquer pensamento, de qualquer lembrança do que havia acontecido, mas, era impossível; não podia deixar a mente vazia, sempre havia um pensamento, uma imagem, qualquer coisa, e sempre entre essas imagens estava Xênia, jamais faltava, desde que a havia conhecido, sempre estava presente.

De repente sentiu um suave toque em suas costas, por um milésimo de segundo se assustou, era costume de constantemente pensar na possibilidade de que alguém quisesse lhe fazer algum mal; mas esse sentimento desapareceu em seguida. Nem se quer teve a necessidade de se virar para ver, porque sabia perfeitamente, quem estava junto a ela nesse instante, sem precisar olhar seu rosto, sem ter que comprovar com os olhos. Tampouco perguntou o porquê de ela estar ali naquele momento, nem como havia a encontrado ali, sem se quer saber, nem ter a menor idéia de onde ela pudesse estar. As coisas entre elas aconteciam assim, passavam porque tinha que passar, e não se podia evitar, tampouco se forçavam, porque não era dessa forma como funcionava com elas.

Finalmente levantou sua cabeça do refúgio de seus braços, mas, não olhou a pessoa a seu lado, simplesmente estendeu os braços e os enrolou no pescoço de Xênia. Por fim sentiu paz, por fim se sentiu segura, por fim se sentiu em casa. Xênia certamente, não era nenhuma edificação, tampouco era um grupo de pessoas, nem se quer era um ser humano. Não, não era isso. Xênia era algo diferente de todas as coisas citadas antes, diferente de tudo o que se podia imaginar; não era, nem a havia conhecido nunca, simplesmente a havia recuperado. Quem sabe quanto tempo a havia tido perdida, quem sabe quanto tempo havia estado ela perdida para Xênia, quem sabe quanto tempo esteve morta; porque só quando a viu pela primeira vez, com esses olhos, foi quando realmente sentiu que havia começado a viver, havia começado a respirar; antes nunca havia estado viva, porque não existia mais que na fantasia e ilusão dos que quiseram fazer dela; mas não podia respirar sem Xênia a seu lado, e nunca o poderia fazer sem ela.

Não souberam quanto tempo estiveram assim, aferrando-se uma a outra; e para Gabriela não lhe importava de estar assim a vida inteira; nesse momento o mundo poderia ter deixado de girar, ou inclusive o céu poderia vir abaixo, e tudo seria igual, porque estava onde tinha que estar, e com quem deveria estar.

-Gabby… – Ouviu a voz de Xênia sussurrando em seu ouvido. – Eu…

-Estou bem, Xênia, agora estou bem…

-O que aconteceu? Por acaso Carla…?

-Não…Não Xênia, não foi ela.

-Então?

-Ela enviou a fotografia, mas eu a vi primeiro, eu abri o envelope e a vi, e eu decidi lhes dizer. Carla não teve nada que ver com isso.

-Por que Gabby…? Eu não queria que você pensasse que…

-Não foi por isso Xênia, não foi porque você estivesse me pressionando, não foi pelo que passou naquele dia, nem porque me senti na obrigação de fazer.

-Então…?

Separaram-se finalmente, e ficaram se olhando nos olhos, azuis e verdes fundindo-se como tantas vezes o haviam feito, como tantas vezes o fariam.

-Eu senti, aqui dentro, senti que era o momento, que não queria continuar me calando. – Gabriela olhou para frente concentrando-se no movimento do mar, enquanto que Xênia observava seu perfil. – Eles estavam ali, os três, era um quadro perfeito, eles se sentiam perfeitos, pude perceber; mas eu não, eu estava alheia a eles, eu não pertencia aquele quadro. E sabe por que Xênia?

-Por quê?

-Porque eu não sou perfeita enquanto não esteja com você a meu lado, porque sem você não estou completa, porque se não lhes dissesse quem somos, estaria vivendo uma mentira na qual já não estava mais disposta a seguir vivendo, nem pela tranqüilidade de minha família, nem por minha tranqüilidade. Era o que eu tinha que fazer, e fiz.

-Gabby… – Sentiu a mão de Xênia, apertando forte a sua, e que sensação boa era aquilo, como se ela apagasse todos seus maus, todos seus sofrimentos, tudo que atormentava sua calma.

-Não sei o que vai acontecer agora, eles estão achando que eu tenho um problema psicológico, ou não sei que coisa, mas isso é problema deles, eu sei como me sinto e o que sinto, fui sincera; acredito que vai demorar para eles aceitarem.

-Quer ir para meu apartamento? Lá você vai se sentir mais tranqüila.

-Não Xênia, eu…Só quero caminhar mais um pouco, vá você, preciso pensar um pouco mais, prometo que ligo para você mais tarde, está bem?

-Sim. – Lhe acariciou suavemente a bochecha. – Você…Qualquer coisa me liga, por favor. – Se olharam nos olhos. Xênia lhe deu um beijo na testa, e começou a se afastar.

-Não se preocupe. – Gabriela a tranqüilizou, e logo dirigiu sua atenção para o mar, uma vez mais.

-Gabby? – Gabriela se virou para a morena, quem estava parada a uns poucos metros de distância, olhando-a com seus lindos olhos azuis, brilhando, e lhe falavam…Gabriela foi capaz de ouvir com os seus o que eles estava dizendo. – Estarei lhe esperando…- Disse finalmente, e foi caminhando lentamente sem virar atrás.

 

Passaram-se as horas. Xênia estava recostada em sua cama, tentando não pensar em nada, tratando de não pensar no que as aguardaria o futuro de agora em diante; de alguma forma as coisas teriam que mudar, não podiam continuar a ser como antes, não agora que a família de Gabriela sabia a verdade, não agora que sua mãe sabia a verdade. Não pensava nela mesma, o que ela tinha não se podia chamar família, mas a de Gabriela sabia que eram pessoas boas, e que a queriam. Quase sentiu raiva ao pensar em que alguém mais a amava; Gabriela era sua, dela, e ela vivia para amá-la, e vivia para ser amada por ela. Não lhe importava sua mãe, não lhe importava seu pai que nunca esteve; só Gabriela e o que acontecesse de agora em diante.

Abandonou a cama, e foi até a cozinha, procurou algo para tomar, qualquer coisa, só encontrou um suco de abacaxi; não havia feito compras ultimamente, fez uma anotação mental de fazer compras no dia seguinte. Caminho até a sala, e se deixou cair no sofá, enquanto ligava o televisor, para logo começar a pular os canais, como Gabriela costumava fazer; sorriu diante da lembrança da jovem loira, concentrando-se na tela com o cenho franzido, enquanto passava rapidamente os canais sem ver nada. Tomou um gole de seu suco, sem vontade, e desligou o televisor, para ligar seu aparelho de som. Apoiou sua cabeça no encosto do sofá sentindo-se esgotada, apesar de ser já a entrada da noite, fazia muito calor ainda.

Foi até seu quarto e amarrou o cabelo com um rabo de cavalo, tentando acalmar um pouco o calor que sentia. Voltou a relaxar no sofá enquanto uma agradável melodia chegava até seus ouvidos.

Pensou em Gabriela uma vez mais, na realidade era incorreto dizer que havia pensado nela, porque simplesmente não havia a tirado da cabeça nem um só minuto, não havia um instante que não a sentisse, que não a percebesse. Ela estava sempre a seu lado, e vivia com ela em um lugar onde o resto não tinha acesso, em um lugar que ninguém mais podia ver, nem conhecer, porque lhes estava proibido a entrada, elas existiam juntas em seu sentimento.

Assustou-se ao ouvir batidas na porta. Em um segundo estava em pé abrindo a porta; olhou para o exterior e ali estava ela… Sua cabeça abaixada, seu cabelo loiro preso descuidadamente com uma fita. Levantou seus olhos verdes, e lhe sorriu; também quis chorar, e quis se aferrar nela pelo resto de sua vida; eram tantas as coisas que sentia ao vê-la, que apenas podia resistir a suas emoções.

-Ainda está me esperando…? – Sua voz soava tão doce como sempre, fazendo com que todos seus pêlos do corpo se arrepiassem.

-Por que demorou tanto…?

-O táxi ficou preso no trânsito, caso contrário já estaria aqui antes.

-Antes tarde do que nunca como dizem…

-Eu sei, mas quando se trata de você, prefiro que seja o mais antes possível…

-Eu também…Tudo bem? – Xênia estendeu seu braço, oferecendo-lhe sua mão a Gabriela.

-Espera um momento, Xênia, meu coração está batendo forte.

-Mais do que o costume?

-Vai bater mais forte ainda quando você me tocar.

-Quer que eu toque agora?

-Não…Ainda não, deixe-me gravar este momento na minha mente.

-Acha que já gravou?

-Quase…

-Agora?

-Sim…Agora.

Xênia avançou a distância que as separava, a tomou entre seus braços, a beijou docemente, a olhou diretamente em seus olhos verdes, e lhe sorriu, enquanto seu coração batia desbocado; uma série de imagens chegou em sua cabeça, mas foram tantas, e passaram tão rápido que foi incapaz de distinguir se quer uma só.

-Está segura? – Xênia lhe perguntou.

-Está segura? – Gabriela lhe perguntou.

Xênia pegou as malas, enquanto seu coração não deixava de bater forte no peito, deixou Gabriela entrar na sua frente, e logo entrou também, deixou a malas no chão, fechou a porta, enquanto via Gabriela avançando até o centro da sala. Xênia sentiu tantas coisas, que jamais poderia descrevê-las com palavras, mas tudo aquilo se resumia em uma só. Amor. Seu amor que estava parada em frente dela, e que estava decidindo começar uma vida com ela, as duas juntas, só as duas e ninguém mais. Entrelaçaram os dedos de uma mão, enquanto se olhavam de frente; Gabriela foi a primeira a falar, e essas palavras foram tudo o que precisavam, para saber dentro de seus corações que tudo estava bem, que tudo estava simplesmente perfeito.

-Para sempre juntas…?

-Para sempre juntas…

 

 

F I M