Terceira parte.

-NÃOOOO! – Gabrielle gritou olhando para o céu. – POR QUE!? Eu falhei de todas as formas! Eu falhei como humana e como deusa! Eu fui incapaz de fazer você ficar a meu lado!!! POR QUE!?

Seus olhos fitaram o céu, estáticos pelo que pareciam horas. Ela nem mesmo respirava direito. Todos os sons ao seu redor estavam abafados, como se seus ouvidos tivessem sido afetados por uma explosão muito alta. De repente inclinou seu corpo sobre o de Xena abruptamente e lhe abraçou com força. Uma luz dourada se formou entre ambos os corpos por longos minutos até que Gabrielle caiu sem forças ao lado do corpo de Xena. O corpo da morena ainda brilhava em tom dourado e em alguns segundos os movimentos da respiração começaram a ser percebidos novamente.

-Ela está voltando – gritou Afrodite que era amparada por Ares.

-Xena? – chamou Ares incerto – Xena?

A guerreira abriu os olhos e sentou-se assustada. Seus olhos pararam diante do corpo de Gabrielle e sua primeira reação foi tomá-la nos braços como Gabrielle tinha feito minutos atrás e checar sua respiração. Podendo senti-la, suspirou em alívio.

-O que aconteceu? – perguntou ao perceber os olhares pasmos de Ares e Afrodite.

-Eu acho que o amor venceu mais uma batalha. – respondeu a deusa rindo e não podendo evitar de dar pulinhos de alegria.

—X—

O ambiente era novamente as paredes Olímpicas feitas de mármore. Num dos salões um divã dava sustento ao corpo inerte da poetisa enquanto Xena sentada ao lado não largava a mão da mesma. Ares e Afrodite observavam mais afastados e ainda com certo receio.

-Como você sabe que ela não voltará como antes? – perguntou Ares.

-Olhe para ela Ares, está exausta. – respondeu Xena. – Ela usou os poderes pra me curar, se livrou do que intensificava seus sentimentos maus. Eles eram causados pela minha ausência, e tiveram seu fim quando ela percebeu que me perderia novamente. Quero acreditar que toda a tempestade passou.

-Ela logo vai acordar. – disse Afrodite. – Está descansando há horas. Vamos deixá-las sós, Ares.

-Pela primeira vez eu concordo com isso – respondeu Ares – Vamos, você que lide com a fera, Xena. – disse desaparecendo com Afrodite enquanto Xena apenas balançou a cabeça.

-Que erro eu cometi? Como posso saber qual das minhas decisões foi a certa? – murmurou Xena.

As pálpebras de Gabrielle tremularam e seus olhos abriram devagar fitando os azuis de Xena.

-Olá – disse a guerreira – Como você está?

-Como se tivesse apanhado de Titãs.

Xena deu uma breve risada mas sua expressão voltou a ser séria quando percebeu que Gabrielle sentou-se no divã e abraçando os próprios joelhos passou a chorar em silêncio.

-Gabrielle – chamou com preocupação e agonia transbordando de sua voz – Eu estou aqui – disse tomado o corpo da loira e abraçando-a com força.

-Então é assim que você se sentia por todos esses anos? – soluçou – Essa dor causada pela culpa?

-Gabrielle, não era seu lado sensato…

-Eu fui fraca, Xena. Eu não consegui suportar a pressão, a sua ausência, a sensação de vazio e fui fraca me entregando a Ares. Logo eu que por tantos anos lutei para que você não cedesse a ele, acabei me entregando… – tentou enxugar as lagrimas inutilmente – Eu fui tola e fraca…eu tinha que respeitar sua decisão e te apoiar, mas de repente tudo se tornou tão desesperador e era como se nada mais fizesse sentido.

-A culpa não foi somente sua, Gabrielle.Você sabe que os mortos podem ouvir pensamentos…eu sei que não foi somente o fato da minha ausência que lhe deixou assim. Esse erro também foi meu. Eu deveria ter lhe contado sobre Akemi há anos. Eu deveria ter lhe dito sobre o que ocorreu no Japão, mas …era uma ferida passada que eu não queria mexer. Quando você soube ficou tão cheia de mágoa contida…e ela só eclodiu agora.

-Mas isso não justifica Xena! Eu trabalhei duro todos esses anos pra moldar meu caráter, para permanecer sempre ao lado do bem supremo e agora há casas destruídas e pessoas mortas por mim lá fora. Eu nunca vou me perdoar.

-Sim, você vai. Eu acredito em você. Não sinta tanta vergonha da sua fraqueza, ela é a maior prova da sua humanidade. E é assim que gosto de você, humana, embora fosse te amar em qualquer forma – disse Xena secando com os dedos algumas lagrimas do rosto de Gabrielle – .Quanto as pessoas e casas, Afrodite e Ares deram um jeito.As coisas voltaram ao normal.

-Você planejou tudo isso com Ares e Afrodite, não é? Você sabia que o único jeito de eu voltar era perdendo a divindade. Teve tanta fé que eu te curaria?

-Eles não sabiam da minha intenção. E eu não sabia se você desistiria dos poderes para me curar. Mas eu tive que confiar no seu amor.

Gabrielle lhe abraçou forte e encostou a cabeça em seu ombro.Mais lágrimas rolaram por suas bochechas.

-Me perdoa Xena…por minha causa você teve que desistir da sua redenção.

-Gabrielle, há coisas que a gente só aprende com o tempo. Eu precisei estar morta e conhecer a sabedoria divina para entender que não seria minha morte que libertaria aquelas almas. O que as libertou foi o amor, o ato de amor e renúncia que fiz por elas. Vingança, não faria sentido. Elas estão livres e então e percebi que o bem supremo passou a ser outro, voltar para seu lado.

-Isso é egoísta da minha parte.

-Tudo depende do ângulo como você encara as coisas. Você sabe que nos somos o equilíbrio uma da outra. Você havia perdido o equilíbrio e por isso não conseguia mais lutar. O mundo precisa de pessoas como você e eu. Agora eu entendo isso e entendo que não era a minha hora. Contudo você sabe que um dia chegará a hora em que uma de nós terá de partir em definitivo…não por escolha própria, mas porque é assim que a vida funciona.

-Eu sei Xena, mas quando essa hora chegar, não terá mais mentiras ou vinganças envolvidas e não será pela escolha. Será porque realmente a hora chegou e com isso eu acho que posso lidar. Mas por enquanto eu preciso aprender  a lidar com minha culpa, mais uma vez.

-Como todos os humanos tem que fazer na vida alguma vez. Foi isso que Ares tentou lhe tirar. Lhe tornando imortal,você não mais evoluiria e o elo que nos une estaria perdido.Você é humana, é falha como todos são e aprenderá através dos seus erros por várias vidas Gabrielle. Tudo lá fora foi consertado e agora nós só temos que continuar nossa missão…Do modo que deve ser.

-E que visão as pessoas terão de mim agora? Eles estão todos apavorados, a imagem de mão amiga que tinham de mim foi destruída.

-Então reconstrua. Você tem tempo e força para isso. Tudo que ocorreu foram algumas horas de terror. Nada que se compare aos anos de destruição que eu vivi. Se eu consegui, você também conseguirá.E eu estarei ao seu lado para ajudar.

Afrodite e Ares entraram no salão novamente, Ares tinha um olhar desconfiado e Afrodite deixou um enorme sorriso escapar ao ver Gabrielle inofensiva.

-Gabby!!! – gritou com sua voz estridente – Você voltou! – correu até lá a abraçando.

-Sim Afrodite, voltei. Me desculpe pelo soco.

-Ah que é isso, nem deixou marca. Meu primeiro soco! É bom lhe ter de volta.

-Agradeço por ter arrumado as coisas lá fora e pelo esforço em me trazer de volta.Agradeço a você também Ares – disse olhando para longe onde ele permanecia encostado num pilar – Apesar do que fez antes.

Ares girou os olhos e se aproximou.

-Xena, sinto muito. Eu não tinha intenção de lhe machucar. – disse com sinceridade, embora seu orgulho não deixasse isso soar tão verdadeiro quanto pretendia.

-Eu precisava que você me machucasse Ares. Fazia parte do meu plano, mas eu tinha em mente ser atingida enquanto lutávamos. Quem diria que você deixaria uma luta de lado para defender sua Irmã?

-Você planejou isso!? – exclamou atônito.- E se…e se…não tivesse reversão?

-Eu tive que arriscar…Mas graças a isso, Gabrielle está de volta. A renúncia dos poderes ao me curar era o que precisava pra que a tempestade passasse.

-Eu mereço…tudo era planejado! Custava avisar?! – resmungou Ares – Basta de sentimentalismos, vou-me embora. – e desapareceu.

-Xena, Gabrielle…tem algo que vocês precisam saber. – disse Afrodite –Gabrielle era uma deusa recém criada. Não tinha domínio de seus poderes  e o ato da cura só é dominado por deuses experientes. O que salvou Xena não foi unicamente a renúncia de Gabrielle.

-O que foi então? – perguntou Gabrielle.

-O que une vocês.Amor.Mas esse tipo de amor está além da minha própria compreensão.

-Quando eu percebi que tinha falhado de todas as formas…eu olhei para o céu e lembrei de Eli. – disse Gabrielle pensativa. De como ele dizia que o amor era o caminho. E eu me concentrei em você Xena, porque você sempre foi meu caminho. Eu não devia ter duvidado de Eli.

Gabrielle olhou para Xena e Afrodite com os olhos marejados.

-Obrigada por não desistirem de mim.

-Nunca – disse Xena.

-Jamais.Amigos servem pra isso…Mas não invente uma dessas novamente porque eu não vou fazer qualquer esforço braçal mais uma vez nem por todo ouro do rei Midas. Me chamem de perua, fresca, do que quiserem, mas minhas unhas é que não vão se acabar por causa de outra deidade descontrolada. Ares estava certo, isso não é pra mim! Aliás, acho que tenho uns assuntos divinos ali pra tratar…meu esmalte está um lixo. Tchau meninas – desapareceu.

Xena e Gabrielle riram e balançaram a cabeça. Levantaram-se aprontando-se para deixar o Olimpo.

-Tudo voltou ao normal, afinal. Pra onde agora? Casa? – perguntou Xena.

-Já estou em casa. – abraçou a guerreira pela cintura e encostou a cabeça em seu ombro.

-Eu também – sorriu beijando-lhe a cabeça.

-Ainda ficaram alguns assuntos pendentes no Egito. Acho que a terra dos Faraós ainda precisa de uma garota com um chakram. É todo seu – disse entregando a arma para Xena.

-É bom estar de volta. – sorriu Xena.

Saíram do Olimpo andando abraçadas em busca de mais uma aventura e de dar continuidade a suas vidas juntas. Não sabiam por quanto tempo, ou como tudo ocorreria, mas tinham certeza de que o importante no momento é que o mundo precisava de heróis e esse era o Bem Supremo…sobre o qual nada poderia passar. Exceto o amor que sentiam uma pela outra.