No segundo dia após a partida de Xena e amazonas, Gabrielle resolvera ir ao templo de Artemis fazer algumas doações às Sacerdotisas e conversar com elas sobre alguns caminhos que pensara e já tinham a aprovação da Caçadora.
A princesa das amazonas trácias não desejava que seu status fosse conhecido, então dispensou um séquito devidamente constituído em seus trajes formais e armas completas.

– Gabrielle, isso não é adequado. Tens que ir escoltada e sabes que não tenho escolha. Ephiny me esfolaria viva se algo te acontecesse e eu não tiver te cercado das melhores atenções possíveis, sem falar naquela que está com ela.
– Nada vai acontecer Assoyde, mas se ficas mais feliz, vamos como um grupo ao templo e prosseguiremos assim.
– Gabrielle, sabe que isso não é suficiente!
– Podem usar armas se elas não aparecerem e isto não está em discussão. Vou ver se as sacerdotisas precisam de algo e não iniciar uma guerra.
– Providenciarei alguma coisa princesa, mas sua guarda estará presente em toda sua capacidade.
– Eu não sou uma prisioneira e não serei dominada e vigiada. Faça como desejar, mas não quero enxergar arcos, lanças ou qualquer coisa que possa dar a entender que estejamos belicosas e isso é uma ordem comandante. Boa noite Assoyde.
– Sim alteza. Será feito como determinado. Boa noite Gabrielle.

Assoyde adquiriu neste instante um profundo e desmedido respeito por Ephiny ao perceber que não era simples caminhar entre as necessidades e os desejos da Casa Real. A comandante da guarda de Gabrielle estava em sérios apuros e com o que sabia da imperatriz, Ephiny seria o menor dos seus problemas se algo acontecesse com a irmã de Melosa.

Assim ia pensando Assoyde quando passando pelas guardas do aposento, encontrou Cora no corredor.

– Precisas de algo Assoyde? Teu semblante indica que o peso de Atlas foi aliviado indo parar em teus ombros.
– Estamos muito encrencadas Cora. Gabrielle insiste em ir ao templo e que não é permitido irmos totalmente armadas.
– Ela comentou algo sobre o templo, mas não tinha falado nada quanto a nossa companhia ser menos formal.
– Você tem alguma ideia?
– Sim, na verdade tenho, mas talvez não te seja adequada aos brios.
– Estou aberta a qualquer sugestão minha irmã, por mais que pense não descubro uma maneira de garantir a segurança desta maneira. Se for bom, faremos.
– A Conquistadora fez o General Terquien responsável pela segurança de Gabrielle em Corinto e não pareceu nada protocolar como a segurança dos demais embaixadores. Pessoalmente responsável, ela disse.
– Sim, mas qual a ideia?
– Leva a ele tua preocupação e as ordens recebidas e certamente ele espelhará nossos receios pela segurança da princesa. Se ele espalhar Falcões por Corinto e mesmo no templo, muito do risco será diminuído. As mulheres poderão agir mais livremente e certamente Helena, Narda, Kahina e Tarsila com algumas outras posicionadas adequadamente no templo farão um cinturão de segurança completo. Nós acompanharíamos Gabrielle armadas em seus termos e poderíamos ter algumas irmãs fazendo o percurso à distância como peregrinas ou nos telhados.
– Certo. Não me agrada contar com homens, mas é o melhor que podemos fazer nesta circunstancia. O orgulho não pode ser maior que a segurança de Gabrielle. A alternativa seria não dar a mínima atenção aos seus desejos, porém este é um caminho que não quero trilhar com a Escolhida de Artemis. Até amanhã Cora.
– Até amanhã comandante.

Assoyde dirigiu-se ao andar de baixo onde ficava o aposento e o gabinete do general.

– Por favor, anuncie ao general que Assoyde das amazonas solicita uma audiência.
– Sim capitã.

O Falcao não esquecera o posto de Assoyde no exército e com certeza Dietar não era um tolo.

– Assoyde das amazonas está aqui para vê-lo general.

Mesmo estranhando, Terquien sabia quem era ela e o fato de ter substituído Ephiny na guarda de Gabrielle.

– Que entre Dietar.

Assoyde entra e aguarda Terquien reconhecer sua presença. A comandante das amazonas trácias teve, a contragosto, que reconhecer que ele não era como os outros homens e procurava trata-las com o devido respeito e da forma que faria com camaradas de armas.

– No que posso servi-la comandante?
– Estamos com um problema general. A princesa deseja ir ao templo de Artemis amanhã pela manhã e não podemos ter uma guarda ostensivamente armada.
– Muitas das suas foram com sua majestade, então não vejo razão para os Falcões não ajudarem a compor seus números, comandante.
– Não se trata apenas de números general. Recebi ordens de não conduzir armas a vista ou máscaras, no entanto não posso deixar a segurança da Casa Real frágil ou a descoberto.
– Repito minha pergunta inicial comandante: como posso ser útil?
– Pensei que os Falcões e principalmente as Falcões poderiam organizar um cinturão de proteção no caminho até o templo e suas cercanias. Minha princesa estaria segura e suas ordens teriam sido respeitadas, pois dizem sobre nós e não sobre eles.
– Sem problemas. Darei ordens para que Falcões garantam as ruas de Corinto a partir de agora e algumas invisíveis de Elthor se coloquem de maneira estratégica dentro do templo e próximo a este, com ordens de atender seus comandos e àquela que secundar você.
– Agradeço por isso general. Boa noite.
– É o mínimo que posso fazer para atender a embaixadora de sua Nação comandante. Boa noite.

– Bom dia Cassandra!
– Bom dia princesa.
– Não precisa me chamar assim Cassandra, sempre serei Gabrielle pra você.
– Gosto de usar seu título Gabrielle, ele é adequado a você. O que lhe apetece no desjejum?
– Chá, posta de carne, figos, pão de mel e sua companhia servirão bem. Como tem passado? Como vão as coisas aqui?
– Tenho ido muito bem princesa. Por mais que deteste a situação tenho que reconhecer que alguém me auxiliando mais pessoalmente tem colaborado para as tosses desaparecerem. Ao que parece a Conquistadora sabe muito mesmo como sanadora.
– Alênia não está mais com você, como tem sido então?
– A Conquistadora trouxe outra jovem. Ao que parece elas caem das árvores ou brotam dos rios.
– Entendo. Mas como está o trabalho nas cozinhas? Posso enviar algumas amazonas se o serviço está pesado.
– Não faça isso princesa. Só de imaginar estas armas por perto de minhas panelas fico nervosa. A ausência de nossa senhora deixou um vazio enorme na agilidade necessária para as refeições, mas possibilitou fazermos uma limpeza mais profunda nas dependências e principalmente nos fogões e assadores. Tenho gente suficiente pra isso, a casa é bem servida de escravos e servos.
– Eu lembro. Sei como é, pois temos a mesma questão quando Melosa viaja em missão ou caça. Quando eu atuava na taverna de Amphipolis, apenas a noite conseguíamos realizar as limpezas mais demoradas e somente duas vezes a cada verão fazer desta maneira profunda que referes.

Cassandra trabalhava enquanto falavam e prontamente estava servindo o pedido de Gabrielle.

– Este pão de nozes fiz ainda a pouco.
– Sabes que é o meu preferido. Vou ao tempo de Artemis logo mais. Desejas algo da cidade?
– Não princesa, obrigada, porém se lhe agradar algo especial para o almoço ou um lanche no meio da tarde não se furte de comunicar que providenciarei.
– Combinado. Até mais tarde Cassandra.
– Até mais tarde alteza.

Gabrielle encaminhou-se para o centro de Corinto a pé e suas irmãs lhe acompanhavam. Seus mantos longos cobriam as espadas que levavam rente a lateral da perna e suas facas dispostas em forma de “x” nas costas na altura da cintura. Iam com os rostos a descobertos e para um observador desatento pareciam um grupo de mulheres em compras num dia de mercado ou jovens que buscavam os templos para ofertar aos deuses.

O templo estava cheio de mulheres que pediam a intervenção de Artemis para suas crianças, por um parto tranquilo e uma vida saudável e feliz. Em volta dele e em suas escadarias, mulheres aglomeradas com bebês no colo, outras que não podiam caminhar e crianças das mais diferentes idades. Com semblantes miseráveis e famintos ficavam jogados estendendo as mãos aqui e ali, suplicando em nome da virgem caçadora por algum alimento ou dinares que possibilitasse amainar a fome.

– Assoyde envie uma corredora ao palácio e peça para Cassandra providenciar setenta pães a serem trazidos aqui em duas marcas de vela. Mande alguém procurar um padeiro ou pasteleiro e compre alimentos deles, traga-os e distribua.
– Gabrielle não é aconselhável diminuir nossos números.

Não dando a mínima atenção ao que escutou, Gabrielle continua a emitir comandos.

– Assoyde, reúna as crianças e distribua alguns dinares em nome da caçadora.
– Esta aparência de necessitados é um truque para enganar os incautos e de coração leve Gabrielle. Certamente sumirão correndo velozmente assim que receberem algo e levarão para quem os dirige. É um bando coordenado que vem aqui buscar dinheiro para vagabundos que provavelmente estão se embebedando em algum canto da cidade.
– Agradeço sua preocupação comandante, mas faça como pedi, por favor.
– Você não deve se expor assim. Alguém mal intencionado poderá perceber que distribuis dinares e resolver que vales o risco de uma ação mais ofensiva que poderia machucar-te ou pior.
– Assoyde, apenas faça o que pedi e não discutamos, por favor.

Foi o brilho no olhar que contrariava a voz suave, ou a força de sua mão pressionando o braço direito da capitã interina da guarda, mas Assoyde vislumbrou a Caçadora na figura de Gabrielle e não teve dúvidas de que a filha de Leto havia guiado sua Escolhida.

– Sim alteza.

Assoyde chamou sua irmã e em tom baixo, mas premente emitiu as ordens cabíveis para atender Gabrielle.

– Kleith! Busque duas irmãs e reúna algumas crianças, distribua estes dinares e preferencialmente faça como algo de tua própria mente em nome da Caçadora. Envie Zulkar ao palácio com um pedido de Gabrielle para a confecção de setenta pães que devem ser trazidos assim que estiverem prontos. Ela os quer em duas marcas de vela.

Kleith chamou Zulkar, Kasha e Silica e foi cumprir suas ordens. Para qualquer observador eram moças abastadas que buscavam o favor de Artemis através da caridade às crianças. Kleith sabia bem interpretar este papel.

– Vamos indo Assoyde, nossas irmãs nos encontrarão lá dentro depois.

A comandante não emitiu uma palavra, limitando-se a sinalizar à Squiona e Samira para adiantarem-se e abrir caminho para Gabrielle até o altar.

Com certo passo organizado na prática dos verões passados em treinamento, avançavam em formação de ponta de flecha, com Assoyde fechando ao lado esquerdo de Gabrielle e suas duas irmãs a frente, outras fechavam o lado direito e mais atrás.

Este grupo ia avançando muito lentamente, pois Gabrielle já havia manifestado que não desejava animosidades.

Até o meio do templo as pessoas iam dando espaço e as amazonas tiveram seu transito bem tranquilo. No meio do Templo tiveram seus passos barrados por um grupo de mulheres que não abriram espaço e por seus trajes era evidente terem vindo de Atenas.

– Assoyde, desviemos pela esquerda.
– Certo.

Fazendo um sinal a Squiona que dobrassem ali. Assoyde começou a desviar, agora frente na flecha da formação, sendo barrada por parte das mulheres que agora cercavam o avanço das amazonas, tendo aquela que parecia ser a líder manifestado sua contrariedade.

– Chegamos há dois dias e não vemos sentido em ceder espaço para vocês, pois se queriam ser atendidas primeiro deveriam ter chegado antes.

Assoyde fez discretamente um sinal e prontamente todas sob seu comando lentamente foram tomando posição de ataque. As Falcões posicionadas nas galerias superiores do templo chamaram seus arcos mais para si e espaçadamente tomaram conta do parapeito e suas irmãs na formação colocaram o braço direito para trás acariciando o cabo de seus  punhais.

Novamente a mão de Gabrielle toca o braço direito de Assoyde, recebendo imediata atenção.

– Sim Gabrielle?
– Esta senhora tem razão Assoyde. É um absurdo que demore tanto para uma audiência com a sacerdotisa. O fato de a imperatriz desejar a resposta a uma pergunta não deve passar acima da ordem de chegada.
– E qual a pergunta que a imperatriz tanto deseja ver respondida menina?
– Isso é com a Conquistadora e a sacerdotisa do templo.
– Você está mentindo e isso é uma estratégia perigosa moça. Não se deve usar o nome da Conquistadora falsamente e menos ainda em vão.

As amazonas iam reagir ao que consideravam um insulto à sua princesa quando Gabrielle pôs em execução um plano que traçou no momento que divisou Narda e Kahina no altar, completamente uniformizadas e próximas as saídas laterais para as salas internas do templo.

– Por favor, senhora não nos entregue para as Falcões. Apenas desejávamos falar com a Sacerdotisa de Corinto antes de voltarmos para nossa terra.

Fazendo um sinal espalhafatoso para as Falcões do altar a mulher diz em alta voz seu pensamento nada acolhedor.

– Deviam ter pensado nisso antes menina.

Ao ouvir a súplica de Gabrielle Assoyde fez um sinal para Narda que juntamente com Kahina abriam caminho facilmente, se aproximando do grupo e nem bem tinham chegado com três reforços a mulher que as chamara foi falando com muita autoridade sobre o que havia acontecido.

– Estas aí tentaram desrespeitar a ordem de chegada alegando ter mensagem da Conquistadora para a sacerdotisa. Esta pequena inclusive disse que a tal mensagem dizia respeito apenas à Imperatriz.
– Por favor, oficial eu apenas desejava chegar rapidamente à sacerdotisa. Não cometemos nenhum crime.

Compreendendo o estratagema de Gabrielle, Narda faz um sinal acintoso e as Falcões uniformizadas que acompanharam a situação colocaram-se ao redor do grupo, com as arqueiras no parapeito armando seus arcos a vista de todos.

– São somente vocês ou existem mais em seu grupo?
– Tenho três irmãs que chegarão breve me procurando. Iremos com você oficial, mas juro pela Caçadora que não tentei fazer mal algum.
– Sigam e vamos ver a relação que tens com a Conquistadora. Você fica aqui Tarsila e conduza as irmãs até nós.
– Ao seu comando.

Uma senhora de idade ergueu-se para defender Gabrielle e seu grupo.

– Por favor oficial, foi apenas um mal entendido entre a menina e esta senhora sobre a prioridade para ver a sacerdotisa. Não houve ofensa real a Senhora Imperatriz.
– Vamos ver isso nas salas internas e não criem tumulto.
– Se a Senhora Conquistadora desejar julgar a menina e ouvir testemunhas eu estarei lá oficial.
– Qual seu nome senhora?
– Sou Tamar de Ítaca e não me furtarei de comparecer. Estou hospedada na casa de parentes na zona dos vinhedos, na casa de Beltiminio. É fácil encontrar.
– Lembrarei disso. Constará em meu relatório.

A acusadora de Gabrielle não se dava por vencida. Ela não captou o sorriso jocoso entre Narda e Kahina e continuou neste tom oficial e de julgamento.

– Não se pode permitir que usem o nome da Conquistadora como passe. Seria um desrespeito com a Imperatriz.
– Qual seu nome para que eu possa relatar corretamente tal dedicação senhora?
– Sou Ylevana oficial e venho das terras mais ao noroeste de Atenas.
– Fique tranquila Ylevanaque esta noite mesmo estas mulheres estarão como hóspedes da Conquistadora no palácio.

O templo inteiro foi testemunha daquelas sete jovens saindo levadas até a porta lateral e sumindo na parte interna. Muitos se penalizaram e outros concordaram com a mulher que fizera tal acontecer. O templo ficou comentando o episódio e o assunto serviu para reunir grupos que pensavam da mesma forma.