A coordenadora do templo fora avisada de que houvera tumulto e as Falcões do Império já estavam conduzindo as responsáveis para as salas internas. Duas sacerdotisas menores foram encarregadas de receber as oficiais e assumirem a guarda das acusadas, atendendo as representantes da Conquistadora no que fosse necessário.

Gabrielle sinalizara para Assoyde que mantivessem a linha de ação inicial e ela comunicou Kahina disso por meio de sinais utilizados no exército do império.

– No que podemos servi-las oficial?
– Estas jovens desejavam uma audiência com a sacerdotisa de Artemis e dizem ter uma mensagem da Imperatriz. Estavam criando tumulto no centro do salão principal do templo e resolvemos traze-las aqui.
– Qual é a mensagem?

A sacerdotisa se dirigiu a Assoyde que havia tomado a frente e tinha se mantido até ali como a principal figura. Não passou despercebido para as sacerdotisas noviças que ela havia entrado primeiro no aposento, indicando para as demais onde deveriam postar-se.

– Desculpe, mas como já foi dito antes, é entre a Imperatriz e a Sacerdotisa maior.
– Lamento, mas temos ordens de atender vocês e saber qual foi exatamente o problema.
– Neste caso posso apenas informar que sua majestade deseja que sejamos atendidas pela Sacerdotisa Maior sem demora.
– Transmitiremos a ela sua mensagem. Algo mais?

Neste momento Gabrielle intervém na conversa, pois somente ela conhecia este algo mais.

– Diga-lhe que a Caçadora deseja que a Senhora da Terra seja ouvida em sua plenitude.
– Diremos. Por favor, esperem aqui.

Sem aguardar muito começaram a entrar serviçais com frutas, pães e bebidas para Gabrielle e suas acompanhantes. As falcões ficaram impressionadas com a velocidade na mudança da atitude que passou de agressiva indiferença para reverencial atenção, quando a jovem sacerdotisa se dirigiu diretamente à Gabrielle.

– A sacerdotisa solicita que vocês estejam bem e sejam recebidas adequadamente, enviando suas desculpas pela demora e mal entendido. Ela está no banho cerimonial e já virá atendê-las pessoalmente e determinou que a senhora passasse ao salão de honra e seja atendida no que desejar senhora.
– Qual seu nome?
– Me chamo Aurea senhora.
– Não irei a lugar algum sem minhas irmãs Aurea, então estarei bem aqui ou elas irão comigo.
– Certamente elas podem acompanhá-la senhora e as Falcões da mesma maneira ou aguardarão aqui se preferirem.
– Assoyde, acompanharemos esta senhora e as Falcões irão conosco. Tome providencias para que nossas irmãs que estão sendo aguardadas possam ser inseridas em nosso meio assim chegarem.
– Certamente.

Sem contradizer Gabrielle Aurea apenas se curva e indica para sua irmã de fé que mostre o caminho. De uma forma muito rápida ela vislumbrou um vulto sobre Gabrielle no momento em que seus cabelos loiros assumiam tons avermelhados e seus olhos verdes luminosos emitiram por instantes um brilho prateado. Teve a sensação de estar frente a uma enviada da Caçadora, se não fosse a própria Artemis disfarçada.

As salas de honra espelhavam a anterior, porém mais amplas e suntuosamente decoradas, com estátuas da Caçadora nas mais diferentes posições. Estranhamente havia estátuas com todos os tipos de cabelos e penteados, referentes aos povos nas mais diferentes partes da terra onde houvesse um templo dedicado a Artemis, mas a altura e tônus da musculatura permaneciam inalteradas.

Uma mesa ricamente decorada com alimentos, frutas e vinhos das mais diferentes procedências foi providenciada. Cora adiantou-se e serviu água para Gabrielle, mas não sem antes provar-lhe o gosto. O mesmo com os alimentos que cada amazona serviu-se e as Falcões colocaram-se de prontidão nas portas internas. Assoyde determinou que quatro amazonas fizessem o mesmo nas portas atrás da tapeçaria e cortinas.

Aurea apenas observou tal cuidado e soube com certeza estar na frente de uma mulher especial. A Grande Sacerdotisa de Artemis em Corinto  penetrou nas salas um tanto surpresa com a juventude reunida e quando chegou frente a Assoyde foi recebida por esta, que entendeu que Gabrielle iria intervir quando achasse necessário como fez até ali. A Grande Sacerdotisa foi manifestando seu desconforto pelo tumulto que certas pessoas fizeram. Relatou a ação irresponsável em distribuir moedas e comida nas portas e escadarias do templo, assim como nas cercanias.

– Aquelas que vêm falar em nome da Imperatriz, mesmo que trazidas pelas Falcões da Conquistadora, são sempre bem-vindas em nossa casa. As Falcões de sua majestade são testemunhas do quanto honramos seu nome.
– Somos gratas pela recepção e pronto atendimento senhora. Os Falcões agem conforme determina nossa Imperatriz, assim como minha senhora atua nos ditames da Caçadora.
– Alguma irresponsável está distribuindo alimentos e dinares na porta do templo e isso somente atrairá mais pedintes do que o mel derramado atrai formigas ao sol. Isso não deve ser feito desta maneira pública e sem critério. Espero que as Falcões tomem providências para impedir estas ações que somente criarão tumulto e provocará o populacho de Corinto para convergir para o templo.

Gabrielle responde prontamente, mas com a mansidão que lhe é característica quando deseja contemporizar.

– Os alimentos e dinares foram distribuídos em nome da Caçadora e não é de seu agrado que crianças e mulheres pereçam às portas do templo quando seu tesouro é provavelmente bem revestido de pedras e preenchido de ouro, não faltando em seus depósitos comida, azeite ou vinho.
– O que uma criança como você sabe sobre a Caçadora? Meninas deviam calar enquanto mulheres de verdade trocam impressões e cumprimentos.

Tais palavras foram ditas de maneira brusca para Gabrielle que recolheu imenso silencio, porém suas irmãs sabiam ser apenas o prenuncio de uma tempestade.

Gabrielle apenas se afasta e mira a tapeçaria por algum tempo. No tapete há uma ilustração do nascimento da Caçadora e seu irmão na ilha de Delos. Virando-se para a sacerdotisa, sem alterar a voz e de olhos fechados Gabrielle fala em um tom que não permitia equívocos após uma respiração profunda.

– “Sou aquela que veio antes, a luz da noite e a direção da seta. Sou a que garante a provisão, orienta o caminho e protege o futuro na voz de cada criança. Vim para dar a força da mulher a cada nova geração, na verdade de que a união é sagrada e a lealdade a única forma de honra. Eu sou quem serves e não admito a arrogância e a prepotência magoarem os pequenos e aquelas que deverias proteger.”

Sendo copiada por suas noviças, a Grande Sacerdotisa do templo de Corinto vai a seus joelhos na frente de Gabrielle, pois aquelas foram as exatas palavras que ela pensara para explicar ao povo no grande salão do templo a verdade de Artemis quando estava no banho cerimonial. Ela tinha muita experiência com os Deuses para saber que era a Caçadora que falava pela voz daquela menina.

– Assim disse a Caçadora, Sacerdotisa. Estas foram suas exatas palavras para mim e que Sua casa deverá ser uma casa de proteção e não de exploração. Peço que me perdoe, pois não foi a maldade que ditou minhas palavras, mas o medo. Eu realmente não sei como atender este exército de necessitados que chegam a nossa porta todas as manhãs. Como poderemos ajudar? Somos tão poucas e as necessitadas tantas!
– Ergam-se, por favor. A Caçadora indicou-me que estas palavras deviam ser ditas ao ser atendida em sua casa por aquela que dirige o templo. Não há mal algum em tuas palavras a não ser o erro da direção de teus comandos e também a Conquistadora incumbiu-me de fazer saber sua intenção para com o templo.
– Fale e faremos conforme for determinado. A Imperatriz possui em nós fiéis súditas e acreditamos na justiça de sua palavra.
– É intenção da Conquistadora tornar o Templo da Caçadora lugar de orações, mas também de ações mais positivas. Haverá uma verba disponível esperando esta casa no Tribunal de Corinto em uma lua e a rainha das amazonas envia um convite para você e suas irmãs cearem com a princesa das amazonas trácias, embaixadora da nação em Corinto daqui a duas noites.
– Certamente, mas que ações positivas poderíamos ter feito ou deveremos fazer senhora?
– Em primeiro lugar vamos construir fornos no pátio interno do templo e criar uma maneira das mulheres conseguirem fabricar seus próprios alimentos. Em segundo, vamos organizar uma maneira de atender as crianças em suas necessidades básicas de alimento, vestuário e abrigo, estabelecendo uma forma de aprenderem a escrita e ao menos uma língua estrangeira para poderem ter chance de trabalho no comércio ou mesmo no mar se desejarem.
– Sou grata à caçadora e também à Conquistadora por enviarem a senhora como mensageira e garanto que faremos conforme suas recomendações.
– Peço que traga aquela que me acusou e escute suas necessidades com toda atenção, pois embora ela tenha sido agressiva em sua ação, sua intenção e reivindicação eram legítimas. Desejo saber suas solicitações à Caçadora e assim também sobre Tamar de Ítaca.
– Por favor faça como melhor lhe parecer e siga esta noviça que lhe mostrará um modo de ver sem ser vista e ouvir sem ser escutada. Obrigada senhora.

Assumindo um canto da sala seguiram a companheira de Aurea até uma reentrância que formava uma sala auxiliar com saída para uma escada dando acesso a um mezanino. Gabrielle e suas irmãs subiram e buscando assento nos divãs se posicionaram para acompanhar a entrevista de Ylevana de Atenas. As duas Falcões formaram guarda não na sala de honra, garantindo segurança para esta rota de acesso e certificando-se que Assoyde e as amazonas conseguiriam controlar as demais entradas. O mezanino já estava abastecido com alimentos, frutas e vinhos.

Sem muita espera a mulher que acusara Gabrielle e suas companheiras entraram nas salas de honra tendo a sacerdotisa o cuidado de colocá-las de costas para o mezanino de maneira que poderiam ser vistas e ouvidas sem as ocupantes acima serem detectadas.

– Me foi informado que desejavam uma audiência. Eu sou Vidioni, a responsável por este templo e a caçadora por vezes faz saber seus desígnios aqui. Como podemos ajudá-las?
– Eu sou Ylevana de Atenas e venho pedir a orientação de Artemis por uma possibilidade de sucesso junto a Conquistadora.
– Por que aqui e não no templo de Atena que é a protetora do império?
– Meu caso é sobre a discriminação que sofri por ser mulher e mais que a injustiça importa saber reverter esta atitude que levará cada vez mais as mulheres para um submundo que não lhes pertence.
– Fale sem medo Ylevana de Atenas e esperemos que este templo possa orientá-la em sua empreitada.
– Desde a infância eu e minhas duas irmãs temos tido o dom dos bardos e em sua sabedoria nossos pais nada nos negaram de ensino e oportunidades de aprendizado. Estudamos os grandes filósofos, matemáticos e historiadores, tendo recebido educação nas artes das ciências, mas é entre os bardos que nosso coração mais aqueceu, inclusive por duas vezes fomos companhia para a décima musa.

Por três anos tentamos ingresso na Real Academia de Bardos de Atenas e sequer fomos recebidas ou tivemos permissão para efetuar inscrição, buscando uma audiência ou sorteio no teste de seleção. No início deste verão nos foi indicado que para termos a menor chance de talvez sermos recebidas, deveríamos fazer uma contribuição de quinze talentos de ouro cada uma e ainda assim não seria garantido termos nossa audiência, menos ainda que ela seria imparcial. Ainda por várias vezes sugeriram que deveríamos nascer novamente e homens se realmente quiséssemos entrar na Academia. Este é meu caso e para apresentá-lo à Imperatriz precisamos da orientação da Caçadora.

Olhando para cima a sacerdotisa encontra uma Assoyde lhe sinalizando um pergaminho.

– Aurea, faça servir nosso melhor vinho às suplicantes de Atenas e vá ter comigo. Vocês esperarão aqui que irei consultar a Caçadora e verei o que posso fazer, se for vontade da Caçadora eu trarei sua resposta em breve. Fiquem bem.

A sacerdotisa vai até a primeira sala interna e envia Aurea ao mezanino na busca do pergaminho, enquanto eleva seus pensamentos para a caçadora, protetora das mulheres, das crianças e da natureza.

– “Artemis sagrada protetora das mulheres, Caçadora das florestas e Deusa da Lua orienta-me para que a Conquistadora encontre mérito na demanda desta que é como uma criança a teus olhos e seus sonhos inocentes. Que ela possa ser atendida em sua esperança, pois que a tal pedido flutua a aura da correção e do interesse não apenas próprio, mas de todas as mulheres.”

Vidioni dedicara sua vida ao serviço do templo da Caçadora e mesmo em sua avançada idade, aos quarenta verões, não estava preparada para o que viria. Uma voz clara e tão suave quanto forte surgiu em sua mente e tomada de temor ela foi aos seus joelhos reverencialmente, pois sabia ser a voz daquela a quem servia com devoção e orgulho.

“Não tema Vidioni. Ouvi tua súplica e resolvi trazer tua resposta pessoalmente. Atende as orientações que receberás e ouve àquela que as emitir, pois é em meu nome que ela o faz. Saiba que estou feliz contigo, pois soubeste reconhecer teu erro e buscar corrigi-lo. Saiba ainda que já escolhi a sacerdotisa que guiará o templo após teu tempo. Aurea entrou em minha graça, portanto a cuidar de hoje prepara-a com carinho e cuidado, pois ela assumirá tuas sandálias quando for o momento. Fica bem Vidioni, filha de Giana.”

Aurea retorna trazendo o pergaminho que Assoyde mostrara e aguardou pacientemente que Vidioni lhe desse indicação de reconhecer sua presença e desejar tomar conhecimento do conteúdo. Ele era simples.

“Faz com que narre quatro contos e depois hospeda-as no templo, levando-as contigo ao palácio para a entrevista com a princesa amazona se ela realmente demonstrar o talento que diz ter. Y .”