Quinta Parte

 

-Sabe Xênia? Precisamos encontrar um método de comunicação mais privado.

-Mais privado? Como mais privado? Será que você não se lembra que estamos metidas em um maldito reality, nos gravam até o mínimo detalhe, e ainda que no banheiro não existam câmeras estou certa que há áudio. – Xênia estava concentrada em um pequeno papel pelo qual deslizava um lápis.

-Xênia sempre há maneiras, e me ocorreu uma agora. – A morena levantou o olhar para ver os risonhos olhos de Gabriela tramando algo.

-Qual é a maneira? – Gabriela sentiu que por fim a estava prestando atenção.

-Pois esta. – A morena se encontrou com uma folha de caderno pegada a seus olhos.

-Talvez se afastasse um pouco eu possa ver o que está me mostrando. – Disse Xênia levantando uma sombracelha.

-Oops perdão. – Um sorriso travesso cruzou pelo rosto de Gabriela. – Assim está melhor?

-Muito melhor. – Xênia por fim conseguiu enfocar o olhar e ler um grande “muac” na folha, ao lado do qual estavam desenhados uns lábios vermelhos.

-Me beija? – Um pequeno sorriso se formou no rosto de Xênia.

-Está me pedindo?

-Não, você está me mandando um beijo? – Gabriela notou um leve rubor subir pelas bochechas de Xênia.

-Ah já, embora agora pense que era mais simples lhe dá. – Dito e feito Gabriela agarrou o rosto da morena e lhe plantou um sonoro beijo na bochecha.

Que pele suave!

-Obrigada, mesmo que eu não saiba o porquê. –Xênia olhou um tanto confundida a jovem loira.

-Será que tudo tem que ter um motivo? Deu-me vontade de lhe dar um beijo, não tem que ter uma razão oculta ou algo assim, simplesmente quis.

-De toda maneira, não estou me queixando, você tem uns lábios suaves. – Xênia baixou o olhar e tentou concentrar-se na tarefa que havia deixado.

Xênia envergonhou-se, a surpreendi e está corada, não me engana dizendo que está concentrando-se.

-E agora por que está me olhando? Tenho algo pintado na cara o quê? – Xênia dirigiu um olhar a Gabriela levantando uma sombracelha.

-Nada. Então? Que lhe parece o meu método de comunicação ultra-secreto?

-Ultra-secreto? Asseguro-lhe que esta gente se preparou bastante bem para nos ter bem próximos e que o provavelmente significa que já tenham gravado seu beijo desenhado. – Xênia seguia deslizando o lápis pelo papel.

-Sabe Xênia? Você não vai estragar minha idéia, ouviu? Tem que ter mais fé.

-Sim, tenho fé que chegará o dia em que por fim poderei sair deste maldito lugar.

-Ah.

Xênia levantou o olhar para se encontrar com Gabriela fazendo linhas e círculos sobre o beijo.

-Que foi?

-Nada, só que pensei que depois destas semanas, pelo menos você estivesse se divertindo um pouquinho mais, já sabe, nada, besteiras.

Cada vez, que via essas carinhas de desilusão que fazia Gabriela, Xênia sentia que seu coração se oprimia no peito.

-Estou me divertindo. – Gabriela viu sinceridade nos olhos da morena. – Mas, só com você, todos os outros me aborrecem, entende?

-Eu também. – Um pequeno sorriso cruzou pelo rosto de Gabriela.

Xênia se diverte comigo.Está aceitando.

-Sabe? – A voz da morena chegou aos ouvidos da jovem loira. – Esse lábio que você desenhou junto ao “muac” se pode tomar de duas formas, ou que são os seus, ou que são os meus.

Que são os dela ou que são os meus? Que significa isso…? Ohhh. Um rubor começou a subir pelas bochechas de Gabriela.

-São os meus…- Gabriela viu um pequeno sorriso no rosto de Xênia e decidiu mudar de tema. – O que tanto desenha, pode-se ver?

-Não é nada. – a jovem de olhos azuis cobriu a folha rapidamente, pousou um cotovelo sobre ela e descansou seu queixo na palma da mão enquanto que em seu rosto se formava uma expressão de fingida inocência.

-Como nada? Não seja egoísta Xênia, me mostra, vai? Por favor, por favor. – Xênia sentia que seu coração se derretia com semelhantes carinhas de ternura. Era mais do que poderia suportar.

-Está bem, toma. – Estendeu a folha a jovem e os olhos desta abriram-se de surpresa.

-Que lindo! Xênia! – A loira a olhava com assombro.

-Não é para tanto, é só um esboço.

-Um esboço? Xênia é lindo. Estes são os desenhos que você faz?

-Sim, são. – Gabriela viu a timidez cruzando pelos olhos de Xênia.

-Xênia faria um para mim? – Os olhos verdes de Gabriela brilhavam com entusiasmo.

-Uma tatuagem? – Xênia alçou uma sombracelha.

-Não, um desenho desses, mas aqui nas minhas costas. – Gabriela levantou o cabelo loiro até um costado e mostrou a morena o lugar.

-O que quer que eu desenhe? – Xênia ficou alguns segundo observando essa pele branca que estava sendo exposta.

-Deixe-me pensar…Que poderia ser…Deixe-me ver…Deixe-me ver…- Gabriela girava os olhos ao teto com uma exagerada expressão de reflexão, enquanto dava pequenos golpezinhos no queixo. Xênia a olhava com interesse. – Já sei! Espera um momento, já volto. – Saiu correndo do quarto e voltou em poucos segundos com um sorriso de orelha a orelha.

-Que é isso?

-Isso é um arcano de tarot? Você é capaz de reproduzir essa imagem?

Xênia olhou o desenho na carta, havia um casal nu, um anjo sobre eles e um grande sol detrás.

-Os apaixonados? – A morena alçou a sombracelha.

-Sim, é a carta do amor, representa as almas gêmeas. Não é linda? Embora também pode decidir, unir, separar, etc. segundo a posição que saia.

-E para que quer que lhe desenhe nas costas?

-Bem, porque é meu arcano favorito. – Gabriela baixou os olhos com timidez. Talvez me traga alguma sorte para atrair minha alma gêmea.

Isso soou bastante ridículo…

Gabriela alçou a vista para se encontrar a Xênia observando com interesse a imagem.

-Homem e mulher. É uma regra que as almas gêmeas sejam homem e mulher? – Gabriela percebeu uma expressão diferente nos olhos azuis de Xênia.

-Bem, segundo o que eu li em muitos livros dizem que sim.

-E você, no que acha? – Xênia se arrependeu de ter feito essa pergunta.

-Eu? – Meditou um segundo para responder. – Sinto que não é uma regra. Ou seja, pode encontrar a sua alma gêmea em um amigo ou inclusive em alguém de sua família, não tem por que só acontecer em uma relação de casal com essa pessoa. E de toda maneira o espírito é que importa, não só o corpo, verdade? – Sentiu o olhar de Xênia estudando seu rosto.

-Verdade. – Xênia se concentrou na imagem novamente.

-Então? Acredita que possa desenhar?

-É brincadeira? Claro que posso desenhar. Seria melhor se trocasse essa blusa por algo que deixasse as costas livres.

-Feito, espera um momento.

 

 

 

Gabriela voltou em uns poucos minutos com a parte superior de seu biquíni.

-É o único que tenho que me deixa as costas livres. Está bom? – Xênia percebeu um pequeno rubor nas bochechas de Gabriela.

Se está bom? Está perfeito. Pobre de mim…

-Sim, está bom assim. Olha traga esse lápis que é especial para desenhar na pele, se você cobrir bem quando tomar banho poderá durar vários dias.

Gabriela prendeu o cabelo, e se sentou na cama de costas para Xênia.

Ai merda, me meto em cada coisa.

-Vou colar a carta nas suas costas com fita adesiva assim posso olhá-la de perto, ok?

-Faça como quiser, eu fico quietinha aqui. – Gabriela soltou um pequeno riso e ficou estática.

O que eu quiser? Não acredito que gostaria que eu fizesse com você o que eu quero Gabby.

Xênia cortou um pedaço de fita adesiva com os dentes, fixou a carta sobre a pele de Gabriela, ainda sem tocá-la diretamente, e deslizou seu dedo várias vezes sobre o plástico para que este aderisse firme nas suas costas. Percebeu um leve estremecimento da jovem loira.

-Pronta?

-Pronta.

A morena posou suavemente sua mão esquerda não ombro da jovem, enquanto apoiava sua mão direita na branca pele para dar firmeza aos traços. Gabriela deu um salto.

-Que foi?

-É que tenho muita cosquinha, estou tentando concentrar-me, mas sou terrível.

-Calma, se você se mover será impossível. – Um sorriso cruzou pela cara de Xênia.

-Ok agora, sim, faça.

Meu Deus tem a pele perfeita, tão branquinha, tão suave, como se supõe que possa me concentrar no desenho, se tenho suas costas nuas a centímetros de meu rosto. Pergunto-me o que aconteceria se lhe desse um beijo ai. Um sorriso se formou no rosto da morena ao pensar na possibilidade.

-Xênia espera.

-Que foi? – A morena se assustou um pouco ao ouvir a voz de Gabriela tirando-a de seus pensamentos.

-Gostaria que fizesse uma pequena modificação não imagem, é possível?

-Qual?

-Não faça rostos nas pessoas, nem genitais tampouco, que sejam somente silhuetas, ou seja, que não se note se são homem ou mulher. Pode ser?

-Pode. – O coração de Xênia começou a bater ainda mais forte.

Que não se note se som homem ou mulher…Ficou pensando na tal regra? Gabby…

 

 

 

-Como está indo? Estou morrendo de curiosidade para ver como está ficando. – A voz de Gabriela soava entusiasmada.

-Já está quase pronto. – Xênia não tirava os olhos do desenho que estava fazendo.

-Xênia? Não é que me incomode, mas faz tempo que não lhe vejo levar um cigarro a boca.

-O deixei.

-Quê? – Gabriela girou surpreendida, a morena tirou o lápis da pele justamente para evitar que o desenho se estragasse.

-Cuidado, não se mova.

-Ai perdão, esqueci. Como é isso! Deixou?

-Isso. Aborreci-me de ir de diminuir o consumo pouco a pouco, essas coisas não gosto, não tenho paciência, assim que optei por deixá-lo definitivamente. – Xênia observou a imagem reproduzida nas costas de Gabriela. – Ai está, terminado o desenho.

-Xênia! – Gabriela girou com um sorriso de orelha a orelha, seus olhos verde brilhantes de felicidade enquanto se pendurava ao pescoço de Xênia.

-Não é para tanto, é só um desenho, além disso, nem se quer viu como ficou ainda.

-Não estou lhe abraçando por isso, é por você ter deixado de fumar, ou seja, Xênia, é genial, não sabe quanto me alegro. – As mãos da jovem se agitavam com entusiasmo.

-Obrigada por sua felicidade, agora terei mais dinheiro extra, já que não vou mais gastar com cigarros.

-Sempre é assim tão prática? O importante aqui não é o dinheiro extra que terá, mas sim os anos extras de vida, que é muito mais importante.

-Dá no mesmo. Agora olha e veja se gosta do desenho.

Gabriela correu para o banheiro e se colocou de costas para o espelho e observou o desenho em outro espelho menor em sua mão.

-Ficou lindo Xênia. – Gabriela se lançou novamente no pescoço da morena e lhe estampou um sonoro beijo na bochecha.

-Não é para tanto. – Gabriela viu o sorriso no rosto de Xênia.

-Não precisa ser tão modesta Xênia, está genial.

-Bem, suponho que ficou bom, na realidade a imagem estava bonita.

-Sim, e muito melhor sem rostos, assim só são dois seres. – Os olhares de Xênia e Gabriela se encontraram por alguns segundos. – E deixe a modéstia de lado. – O dedo de Gabriela golpeou o queixo da morena.

-Hey! Tira esse dedo porque senão eu mordo. – A expressão de Xênia mudou para uma de travessa.

-Ah sim? – Gabriela colocou as mãos na cintura. – Olha como estou tremendo, morro de medo que você morda meu dedo.

-Na realidade não sei onde esteve esse dedo, melhor não.

-Hey! Eu sou limpíssima. Que está pensando? – Gabriela tinha o cenho franzido, gesto que a Xênia lhe causava muita graça.

-E deixando a modéstia de lado, esse piercing que você tem ai eu teria feito muito melhor do que ele está.

-Também faz isto? – Gabriela deixou de franzir o cenho.

-Sim, também, já sei já sei, eu não tenho piercings, é que também não gosto.

-Sou tão previsível? – A loira fez uma expressão de fastidio.

-Não, não é tanto, só que conheço muitas coisas de você agora.

Assim conhece muitas coisas minhas, eh Xênia? Aposto que não sabe que neste momento estou pensando que lhe vejo tão linda agora que está relaxada, e que cada dia eu gosto mais da sua pessoa…

-Ah é? Então poderia ter feito melhor? E o que tem de mal no meu piercing? Eu acho que está bom, além disso, seria incapaz de passar por isto de novo, tenho pavor de agulhas. – Gabriela fez uma expressão de rejeição.

Embora se você me perfurasse talvez aceitasse, gosto de ver sua cara de concentração quando faz as coisas.

-Deixe-me ver de mais perto. – Xênia se agachou e aproximou um dedo ao umbigo de Gabriela. A jovem loira sentiu um pequeno estremecimento em seu corpo ao antecipar o contato de Xênia com sua pele. – Bem, acho que não está mal, só que eu sempre posso fazer as coisas melhores.

-Uiii, mas que estupenda visão, Xênia agachada diante de Gabita. – Xênia se levantou rapidamente ao ouvir a voz de Carla interrompendo o momento. – Vejam meninos, aqui a loira e a morena estão fazendo coisinhas. – Gritou para sala.

-Não aborreça Carla. – Xênia saiu dando um empurrão na ruiva, com Gabriela atrás.

-Não é minha culpa se escolheram o banheiro para fazerem suas coisinhas. – As gargalhadas de Carla foram apagadas por uma pancada na porta que Xênia deu.

 

 

 

-Olá bonequinha. Como vai? – Gabriela se encontrou com a presença de Andrés a seu lado.

-Bem. E você? – Uma pequena expressão de fastidio cruzou por seu rosto, era inevitável, não lhe agradava o jovem.

-Aborrecido como uma ostra. – Andrés lhe ofereceu uma lata de cerveja a jovem loira.

-Não, obrigada. – Os olhos verdes estudavam o rosto do jovem no momento. – Olha Andrés por que decidiu entrar nisso?

-Por fama. E porque achei que ia estar cheio de meninas ricas. – O jovem piscou um olho para Gabriela. – Não me olhe assim, já estou mirando em outro alvo.

-Ah sim? E em qual se pode saber?

-Em sua amiguinha Xênia. Não é bastante óbvio? Que menina deliciosa ela é, eu não vou sair daqui sem antes tê-la traçado.

Gabriela sentiu a fúria crescendo em seu interior, seus dedos apertando-se até se converterem em punhos.

-Sinto lhe dizer Andrés, mas não acredito que você seja o tipo de Xênia, assim acho melhor você começar a desfazer-se dessa idéia, porque acho que você não tem nenhuma chance.

-Que merda. Todos me dizem o mesmo. Eu vou traçar Xênia nem que seja a última coisa que faça na vida. Ouviu? E por que está tão segura que eu não a agrado? – Andrés bebeu um grande gole na sua lata de cerveja e olhou com arrogância a jovem.

-Por que estou segura? Porque qualquer um que tenha dois dedos de frente não se meteria com um imbecil como você, mesmo que você fosse o último homem sobre a face da terra, e Xênia acredite-me tem mais que dois. Como você disse, é minha amiga e eu sei, ponto. E deixe de falar dela desta maneira que me irrita.

-Ui, mas que delicadas as mulheres desta casa. Xênia terminará em meus braços, isso lhe juro pelo que mais quero. Certamente depois ela irá lhe contar sobre o tamanho da minha hombridade.

Pelo que mais quer? Por uma lata de cerveja? Ou o cartão de crédito de seu papai? Imbecil.

-Sabe Andrés por mais que fascine ouvir o som da sua voz, vou ter que lhe deixar tenho coisas mais urgentes para fazer agora mesmo, bye. – Gabriela se afastou do jovem com o sangue ainda fervendo.

-Bye bonequinha e se lembre do que lhe disse.

 

 

 

-Que aconteceu Gabby? Você parece tensa. – José estava como de costume com o joystick na mão.

-Não é nada, deve ser o confinamento.

Sim, o confinamento que me faz querer matar imbecis. Afinal não vou continuar a envenenar meu sangue. Xênia jamais se fixará em um estúpido como esse.

-Ah. – José deixou o jogo e observou longamente o perfil de Gabriela a seu lado.

-Que aconteceu? O que tanto pensa? – Gabriela girou até ele com um sorriso no rosto.

-Em nada. – Notou o jovem se colocando um pouco nervoso.

-Como que nada? Desembucha? Que tanto anda rondando por essa cabecinha? – Gabriela lhe deu um pequeno tapa.

-Você. – José baixou o olhar.

-Eu? Eu quê? – Gabriela o olhava sem compreender.

-Você anda rondando em minha cabeça. – Um rubor começou a subir pela pele branca do jovem.

-Que quer dizer com isso? – Gabriela começou a se dar conta, mas melhor me assegurar.

Oh oh.

Nesse momento Xênia saiu de seu quarto e viu ambos os jovens sentados no sofá, a atitude que estavam tendo a deixou na evidência do que estava acontecendo. Por mais que quisesse dar meia volta e não espiar não conseguiu fazê-lo, e ficou observando a cena. Seu coração começou a bater forte. Ainda que o mais provável fosse que Gabriela só visse José como um amigo, sempre cabia uma pequena possibilidade.

-Que penso muito em você Gabby, que eu gosto de você. – O jovem se afundou mais no sofá. – Estou apaixonado por você.

-Mas…ou seja, José…- A voz de Gabriela soava confundida.

-Você…Sente algo por mim Gabby? – O jovem arriscou um tímido olhar ao atônito rosto de Gabriela.

-Claro, sinto muito carinho por você José. Você é uma pessoa linda, é meu amigo, entende? Quero-lhe como amigo. – Gabriela pousou uma mão no ombro de José.

-Entendo, mas…Há alguma possibilidade que no futuro possa a chegar a sentir algo mais por mim? Eu tenho muita paciência, poderia esperar e…

-Não José, eu lhe quero como amigo, e assim será sempre, sinto muito…- Viu o olhar ferido do jovem e se sentiu péssima.

-Não se preocupe Gabby, sei que aspirar alguém como você foi uma tolice, um tipo como eu não pode desejar tão alto. – José tentava sorrir, mas a expressão de aflição em seu rosto o delatava.

-Não diga isso, não é você o problema, é coisa de química, entende? Eu com você sempre senti química amistosa. Você vai encontrar alguém que lhe queira muito algum dia, não só como amigo.

-Isso espero Gabby. – O jovem a olhou com pesar. – Me perdoe se lhe incomodei com isto, não vai voltar a se repetir, só precisava que soubesse, dói guardar os sentimentos.

-Eu sei José, e obrigada por tanto carinho. Vem aqui. – Gabriela abraçou forte o jovem que retribuiu.

Xênia tinha o coração na boca, lhe doía só em pensar que Gabriela pudesse se fixar em alguém da casa, mas quando viu os jovens se separem, o olhar nos olhos de Gabriela soube o que havia acontecido e um alívio começou apoderar-se de seu corpo.

 

 

 

-Sei que você tem medo da água, mas se eu lhe prometer que lhe seguro firme, viria aqui comigo?

Xênia estava no meio da piscina, em um traje de banho azul que fazia jogo com seus olhos, o cabelo negro colado ao crânio e a água escorrendo por seu rosto. Debaixo do céu noturno e só as luzes da piscina iluminando-a parecia um anjo emergindo da água.

-Xênia? Esperaria-me um tempinho assim nessa posição, enquanto eu vou pegar uma máquina fotográfica para tirar uma foto sua? – Gabriela saiu correndo até seu quarto no interior da casa.

-Não! Odeio tirar fotos, volta.

Muito tarde, há poucos segundos Gabriela regressou com um grande sorriso e uma máquina fotográfica pronta.

-Sorria! Click! – Quando afastou a câmera de seu rosto viu a expressão de fastidio no rosto da morena.

-Odeio fotos, as odeio.

-Certamente irá sair linda, além disso, quero ter pelo menos uma foto sua quando sairmos daqui. – Xênia percebeu algo diferente no olhar da loira. Ainda que talvez fossem somente imaginações suas. O rosto de Gabriela mudava constantemente de expressões, algo que Xênia gostava muito.

-Façamos uma coisa, eu aceito tirar todas as fotos que você quiser, mas se deixar que eu vá lhe buscar ai e você entre aqui na piscina.

Observou Gabriela meditar na possibilidade, percebia o brilho nos olhos verdes.

-Feito, mas não sei nadar, se eu escorregar me afogo, e ficará na sua consciência. Espera, vou por meu emplasto para não apagar o meu desenho que você fez. – Gabriela voltou a se perder dentro da casa e chegou ao jardim uns minutos mais tarde com o desenho coberto.

Xênia nadou até a beira da piscina onde Gabriela decidia se se lançava ou ficava em terra firme.

-Deixe-se cair, confia em mim.

Os olhos de Xênia a invadiam de uma especial confiança, e sem quase pensar se viu com a água até o pescoço e os braços de Xênia firmemente ao redor de sua cintura. Um arrepio percorreu suas costas.

-Não me solte. – Xênia viu seus olhos verdes colocando toda sua confiança nela.

Soltá-la? Ficaria assim para sempre… Por que tem que ser tão linda? Cada expressão que mostra em seu rosto faz com que meu coração se derreta…

-Não soltarei, prometo. – Sentiu os braços de Gabriela rodear seu pescoço aferrando-se fortemente. As pernas de Xênia enfraqueceram notavelmente.

-Que aconteceu? Peso muito? – Gabriela a olhava com preocupação.

-Não, quase nada, você é uma pena. Confie em mim. Vamos mergulhar, só um segundo para que você vá se acostumando. Confia em mim?

Gabriela concordou com a cabeça, colocou ar nos pulmões e fechou os olhos. Xênia mergulhou com Gabriela agarrando-se ainda mais forte em seu pescoço. Era uma sensação tão indescritível sentir o corpo da jovem aferrado ao seu, colocando sua segurança em suas mãos. Xênia sabia do temor que Gabriela tinha por água, havia visto em seus olhos no dia em que Carla a empurrou dentre da piscina. E agora ai a tinha, foi só um segundo, abriu os olhos e ali estava ela, a loira flutuando ao redor, sua pele branca se via ainda mais branca debaixo d’água, se via simplesmente perfeita. Xênia desejou que esse momento não terminasse jamais, mas lamentavelmente isso não ia ser possível. Ambas emergiram e Gabriela abriu os olhos e aspirou ar profundamente.

-Wow, não fazia isto desde que eu era pequena, me aproximava do mar e quando vinha à onda saia correndo como uma condenada, mas um dia ela me pegou e quase me afogo, bem não sei se tanto, mas vi estrelas de todas as cores, me assustei muito. – A jovem loira tinha um sorriso no rosto.

-Gostaria de aprende a flutuar? – Gabriela concordou com entusiasmo. – Olha vou segurar suas costas e as pernas quero que relaxe. – Gabriela se aferrou com força ao pescoço de Xênia. Confia em mim.

-Como é que você tem tanta força? – Gabriela se encontrou a si mesma descansando sobre a superfície da água com os braços de Xênia debaixo de seu corpo.

-Não é que eu tenha tanta força, é que você não pesa nada praticamente.

Meu Deus, por acaso se pode pedir mais? Gabby em meus braços…

-Então está bem. Agora o que faço?

-Relaxe, e tenta alinhar o corpo. – Xênia olhava esses preciosos olhos verdes concentrados em suas explicações.

-Assim?

-Assim mesmo. Vê como é fácil?

-Claro, é fácil se você está me segurando. – O cabelo loiro de Gabriela flutuava na água, se via realmente linda ali dentro com seu biquíni verde, sua pele branca, e seus olhos fechados dando uma expressão visivelmente mais relaxada que no começo.

-Sim, mas vejo que para você também é fácil, quando não estão lhe segurando. Aprende rápido.

-Quê? – Gabriela se sentiu segura entre os firmes braços de Xênia. Abriu os olhos para encontrar-se a um par de olhos azuis observando-a com interesse a escassos centímetros de seu rosto. Por um instante ficaram se olhando sem dizer nada.

-Você me soltou. – A loira reclamou a Xênia.

-Estava flutuando por si mesma, além disso, lhe agarrei em seguida.

-Estava flutuando de verdade? – Seus olhos verdes mostravam uma expressão de surpresa.

-De verdade. Quer tentar outra vez?

-Ok, outra vez.

Repetiram o processo, desta vez com Gabriela mais confiante que no começo.

-Isso. Vê está flutuando por si mesma. – Os olhos azuis de Xênia brilhavam com alegria. – Agora bata os braços e as pernas assim e tenta se mover.

-Estou avançando? Não se afaste tanto de mim Xênia!

-Sim, está avançando um pouco, e estou aqui perto, veja? – Lhe tocou com uma perna.

-Isso é delicioso?

O quê? O flutuar ou que lhe toque?

-Do que está sorrindo Xênia?

-Nada, nada. Agora tenta dar a volta.

-Assim? Não se afaste Xênia! Fica aqui.

-Estou aqui, não vou me afastar. Isso continua, estou perto de você, se mantenha relaxada, é só fazer o mesmo ao contrário, mantenha assim. Isso é…Assim.

-Estou conseguindo?

-Sim, está conseguindo, não fale que assim você bebe água. Mantenha assim.

-E agora o que faço?

-Consegue ir até a beira? Aqui venha. Isso, agora mova as pernas.

Aprende mais rápido que eu mesma. Claro é perfeita…Eu disse isso? Merda…

-Quero ir mais para o centro da piscina Xênia, acho que posso avançar um pouco por mim mesma, só que não se afaste muito.

-Ok vamos, isso é, assim relaxa, bata assim os braços, e as pernas, tenta coordenar os movimentos, isso assim.

-Xênia!

No meio da piscina Gabriela se agarrou aos braços da morena e com surpresa ambas foram ao fundo da piscina. Xênia abriu os olhos, assustada ao não sentir os braços da jovem agarrando-a. Então a viu, flutuando perto dela, com os olhos abertos, o verde brilhando, um pequeno sorriso em seu lindo e doce rosto. Xênia não pôde reprimir seu próprio sorriso, avançou os escassos centímetros que a separavam de Gabriela e a tomou pela cintura e ambas subiram a superfície.

-Louca.

-Eu gostei! Não sei por que não aprendi antes, Xênia. Estou fazendo direito?

-Eu diria muito bem, para sua primeira aula.

Pobre de mim, não tem idéia Gabriela o que me está fazendo…

-Acho que já é o suficiente por hoje. Amanhã seguiremos com as aulas? –Gabriela avançava lentamente até a beira da piscina, com seu antigo temor superado por completo.

-Amanhã seguimos. – Xênia a seguiu a curta distância, e ambas emergiram encharcadas de água.

-Toma isto, cubra-se. – Gabriela colocou uma toalha nas costas de Xênia, a envolveu, e a esfregou nas costas vigorosamente.

-Obrigada. – Xênia sentou um arrepio em suas costas, o coração batia forte, várias vezes sentiu que estava tendo um ataque enquanto estavam dentro da piscina.

-Obrigada a você por ser tão boa professora. – Gabriela lhe deu um doce sorriso. Ambas entraram na casa.

 

 

-Como tem estado? – Isabel alçou o olhar para se encontrar com Gabriela surgindo com a cabeça pela porta de seu quarto.

-Não estou certa. – A jovem magra lhe fez um gesto com a cabeça convidando-a a entrar.

-Não está…? Bem se estivesse me diria suponho. – Gabriela a olhou com preocupação.

-Não, não há nada, juro.- Um pequeno sorriso nasceu no rosto de Isabel. – Agradeço a preocupação.

-Quero que você fique bem, que saiba que isso não é bom para seu corpo, que não se sinta bem consigo mesma.

-Sei que não estive muito bem, só que me sentia pressionada por todos os lados, por meus pais, por Sebastián, que me confundia, ainda estou confusa.

-Sebastián te ama. E isso é verdade? Preocupa-se muito com você.

-Eu sei e eu também me preocupo com ele, tentei me afastar, mas ele não me deixou, agora estamos bem juntos. Meus pais me ligaram e embora não me dissessem quase nada, porque a ligação foi cortada, estão furiosos comigo. Me dá medo do que vai acontecer quando eu sair de aqui. – Isabel baixou o olhar com a angustia expressa em seu rosto.

-Preocupe-se com o que está vivendo agora. Você deu um grande passo aceitando Sebastián, e quando sair daqui não permita que ninguém lhe diga o que deve ou não fazer, ou o que está bom ou mau, seja quem for Isa, o importante é o que você sente, não traia nunca seus sentimentos, porque é neles onde se encontra a verdade. – Gabriela sorriu docemente para a jovem que lhe devolveu o sorriso.

-Obrigada Gabby, você tem sido muito importante para mim dentro desta casa.

-Como dizem: para isso são os amigos. – Os olhos verdes brilhavam alegremente.

– E você? Como é que alguém tão linda e especial como você não tem ninguém em sua vida.

-Sim tenho, família, amigos. – Gabriela levantava um dedo por cada pessoa que nomeava.

-Já sabe a que me refiro, não a esse tipo de companhia precisamente.

-Eu sei. Acho que não tenho sorte no amor. – Gabriela começou a traçar linhas imaginárias com um dedo na palma de sua mão.

-Que houve com o rapaz com quem terminou antes de entrar aqui?

-Pablo? Ah! Na verdade é que tentei começar uma relação com ele porque me sentia pressionada pelas pessoas que me rodeavam, todos vinham e diziam: “E você por que está tão sozinha?”, ou diziam “tem namorado?” Afinal acaba acontecendo o mesmo com todos. Então tentei, mas sempre soube que não ia funcionar, sou muito idealista, e quero alguém perfeito, que é óbvio não existe. – Gabriela levantou o olhar com uma expressão de desilusão não rosto.

-E como deve ser o homem perfeito? – Isabel a olhava com interesse.

Gabriela meditou para responder.

-Viu o desenho que Xênia fez nas minhas costas? Olha. – Gabriela mostrou as costas para a jovem.

-Olha, é lindo! O que representa?

-As almas gêmeas.

-Não me respondeu ainda. Como deve ser esse homem perfeito?

Algo a impedia de achar a resposta.

-Bem, primeiro deve ser alguém diferente, alguém que se destaque dos outros, não no sentido físico, mas no interior, seu ser, ou seja, que quando eu o olhar veja um ser individual, e não alguém que é parte de uma totalidade, entende? Alguém que viva embaixo de seu próprio código e não naquilo que querem lhe impor, que não lhe importa o que os outros gostem ou não, alguém com quem me sinta bem.

-Acho que, na realidade você é complicada. Tem alguém em mente?

-Xênia!

-Xênia? – Isabel a olhou espantada.

-Olá meninas, Isa venho lhe roubar um pouquinho Gabriela, hoje ela trocará de quarto e irá dividi-lo comigo.- Xênia trazia um sorriso que tentava por todos os meios censurar. – Pode vir? – Se dirigiu a Gabriela.

-Claro, já vou. – Fez um sinal a Xênia que desapareceu detrás da porta.

-Vejo que está feliz em compartilhar o quarto com ela, devia ver seu sorriso quando viu Xênia aparecer, iluminou seu rosto. – Isabel ainda a olhava espantada.

-Que idéias as suas! – Um pequeno rubor subiu pelas bochechas da jovem loira. – Bem já vou então, me alegro de que esteja bem Isa. – Deram-se um abraço.

-Eu também me alegro Gabby, bem, durma bem, nos vemos amanhã. – Isabel sorriu e Gabriela saiu alegremente do quarto.

 

 

 

-Aiiiiiiii! Que feia! Mate-a Xênia, mate-a, por favor. – Gabriela se agarrou aos braços de Xênia e afundou a cara no peito desta enquanto apontava desesperadamente com um dedo até a parede.

-Bem, se você me soltar talvez eu possa chegar até ela. – Xênia sorriu ao ver Gabriela em seus braços. Ultimamente a jovem havia pouco a pouco indo passando esse limite de contato físico. Ou talvez havia sido ela mesma quem lhe havia permitido transpassá-lo.

-Já matou? Não vai lhe morder? Não me mostre Xênia, que não fiquem marcas na parede, por favor. – Gabriela choramingava enquanto cobria os olhos sem se atrever a olhar.

-Sim, já a matei, e é apenas uma aranhinha. Que mal pode lhe fazer? – Xênia sorria diante da reação de Gabriela. No começo pensou que estava brincando, mas ao ver a carinha de terror que tinha, descartou de imediato a possibilidade.

Que merda será possível que até quando se assusta me derreta o coração.

-Aranhinha! É que por acaso não viu que era uma tarântula?

-Eu que pensei que você tivesse respeito pela vida, vejo que não.

-Sim tenho. Exceto pelas das aranhas, não deveriam existir, brrr. – Gabriela fez uma expressão de nojo enquanto todo seu corpo tremia exageradamente.

-Que cômica, você é. Tem fobia? – Os olhos azuis estudavam o rosto de Gabriela que pouco a pouco ia recuperando a calma.

-Não sei se é fobia, mas pavor sim. Sou incapaz de matar alguma, quando as vejo começo a tremer, suar, é esse o movimento que fazem quando caminham, fuchi! – A expressão de nojo voltou ao rosto da jovem.

-Está bem, já a matei, veja? Acalme-se.

-Obrigada, você sempre velando por minha segurança. – Xênia sentiu o calor dos olhos de Gabriela nos seus, havia carinho em seus olhos, estava certa que a jovem os tinha, às vezes inclusive havia acreditado ver algo diferente, mas sempre pensou que eram imaginações suas, seu desejo de que Gabriela chegasse a vê-la com outros olhos, mas logo pensava era impossível, nem se quer lhe havia dito sobre sua condição sexual e estava certa que ao dizê-lo ia perdê-la, por ter escondido.

Gabby me queira, por favor. Por que não me quer como eu lhe quero?

-Trouxe tudo?

-Sim, tudo, estou pronta para dormir.

-Eu tenho usado esta cama todos os dias, assim acredito que você usará a outra. – Xênia indicou uma das duas camas que havia no quarto.

-Vou ao banheiro colocar meu pijama e volto logo. Você vem? – Gabriela abriu a porta do quarto e se dirigiu ao banheiro.

-Sim, vou atrás de você.

Depois de alguns minutos ambas regressaram ao quarto. – Gabriela com um pijama vermelho, e Xênia com um azul.

-Do que está rindo? – Xênia levantou uma sombracelha ao ver a reação de Gabriela.

-É que você parece mais criança assim.

-E isso tem tanta graça? – Uma expressão de fastidio cruzou as feições de Xênia.

-Sip, lhe vejo menos ameaçadora.

Xênia se meteu em sua cama tentando não olhar tanto para Gabriela que embora seu pijama a cobrisse completamente não podia evitar uma expressão de doçura ao vê-la assim vestida, ela parecia uma criança. Então Gabriela com maior razão ainda.

-Pis, pis. – Xênia dirigiu o olhar na direção da cama de Gabriela, quem estava mostrando-lhe algo escrito em uma folha.

Ah sim, sua comunicação “ultra-secreta” que de secreto não tinha nada. Leu a frase.

“Estou triste”. Está triste? Por quê? Alguém lhe fez algo! Porque se souber que algum desses estúpidos lhe fez ou disse algo eu vou lhes…

-Por quê? – Os olhos de Xênia mudaram de expressão notavelmente.

 

Gabriela voltou a escrever em outra folha, e a mostrou a Xênia.

“Necessito de um abraço”. Está me contando? Ou essa é sua forma de pedir que lhe abrace? Ai minha criança como pode ajeitar as coisas e me fazer sentir isto, você é incrível…

Xênia olhou nos olhos verdes esperando algum sinal. Gabriela voltou a escrever em outra folha e a mostrou novamente.

“Posso deitar com você um pouquinho?”.

Quer deitar comigo? Quer me matar?

Xênia leu pela segunda vez a frase e logo levantou seus olhos até os olhos verdes que estavam a olhando com timidez. Um pequeno sorriso cruzou o rosto de Gabriela. Xênia soube que não tinha mais alternativa que ceder aos desejos da jovem por mais difícil que fosse tê-la tão perto. Levantou o cobertor e deu pequenas palminhas no colchão, convidando-a a se meter dentro. Gabriela saiu rapidamente de sua cama, correu a distância que separava ambas camas e se meteu junto a Xênia. Antes que a morena se desse conta a jovem havia passado um braço por seu estômago e sua loira cabeça descansava apoiada em seu ombro.

-Que foi? Por que está triste? – Xênia ouviu que sua voz soava suave enquanto seu coração batia com força.

-Não sei, talvez tenha saudades de minha família, somos pessoas de abraços, e necessito que alguém me faça carinhos. – Os verdes alçaram até os azuis quase suplicantes.

Xênia começou a se descontrair pouco a pouco, embora seu coração ainda batesse a mil por hora. Sem se dar conta levou a mão ao cabelo loiro e começou a acariciá-lo levemente. Por um momento não disseram nada. Podia ouvir Gabriela respirar. Se antes disso acontecer existia a dúvida sobre seus sentimentos pela jovem, agora não existia mais dúvida alguma. Era fato, estava apaixonada por alguém em menos de um mês. Da pessoa mais doce e natural que havia conhecido em sua vida, que por outro lado era heterossexual e não sabia sobre sua condição sexual.

-Ouço seu coração. – Ouviu a suave voz de Gabriela perto de seu ouvido. Um arrepio lhe correu dos pés a cabeça, sentiu seus olhos umedecer-se e decidiu fechá-los. Ficou o mais quieta que pôde e logo sentiu outras batidas tão fortes como as do seu próprio.

-E eu o seu. – Sua voz soou grave.

-Sei que você não gosto do contato físico. – A voz de Gabriela soava longe, e Xênia adivinhou que a jovem estava adormecendo. Só ficarei um pouquinho…E logo…Vou.

Xênia percebeu que Gabriela havia dormido profundamente, a olhou uns segundos ali em seus braços, tão tranqüilos e serenos, apenas distinguia seu perfil, era tão linda, tão perfeita e seus sentimentos eram tão fortes que sentiu desejo de chorar. Sabendo que estava sendo captada pelas câmeras esticou o braço tentando fazer o menor movimento possível com seu corpo e apagou a luz. Fechou os olhos aspirando o aroma de Gabriela que a estava invadindo, seu corpo se levantava e voltava a baixar lentamente ao respirar. Xênia se sentia no céu, jamais havia sentido algo tão magnífico, tanta alegria, angustia, euforia e paz de uma só vez. O último que ouviu foi um pequeno murmúrio que saia da garganta de Gabriela e dormiu profundamente.

 

 

 

Estava sentada ou talvez em pé, não estava certa, só via uma luz branca que a envolvia quase a cegando, não sabia onde estava, nem por que estava nesse lugar. Era um lugar real? Não havia nenhuma forma ao redor somente a luz. Um sentimento de solidão começou a invadir seu ser, e logo foi consciente de uma figura a sua frente. Estava em pé ou talvez sentada, não sabia quem era, só que uma espécie de ser estava acompanhando-a. Então estendeu o que podia ser seu braço, embora não tivesse forma tentou alcançar o ser diante de si, não conseguiu chegar nele, ou talvez o mesmo ser se afastou de seu lado, a rejeitava. Logo se deu conta que não era uma rejeição que mostrava por ela, mas simplesmente não sabia que estava aí na sua frente. Então fez um grande esforço para se aproximar o mais que pôde e quanto mais se aproximava mais sentia que ia crescendo um sentimento em seu interior. Primeiro foi curiosidade para saber quem a estava acompanhando, logo foi carinho, logo sentiu um profundo amor invadindo todo seu ser, sentia como fogo queimando-a por dentro. Seus braços se estenderam desesperadamente até tocar o que quer que fosse que estava com ela. Pouco a pouco sentiu que algo ia mudando, algo deixou de ser igual e mudou para sempre, o ser enfocou seu olhar nela, ainda sem ter olhos, e se aferrou a seu corpo ainda sem ter um corpo, a abraçou forte, e ela sentiu que por fim havia sido encontrada, reconhecida por esse ser luminoso. Então seus lábios se juntaram e se beijaram profundamente, o abraço se fez ainda mais forte. Um sentimento que jamais havia sentido em toda sua vida nasceu em seu interior. E se deu conta que jamais havia sido realmente feliz, que nunca havia sido completamente plena senão até esse momento, era um sentimento que não tinha nome, não havia adjetivo que pudesse descrevê-lo, porque sinceramente não o conhecia, era uma mistura entre uma alegria infinita, uma paz interior, a perfeição dentro de si. Sentiu um sorriso nascer em seu rosto e no rosto do ser, o abraço se fez ainda mais forte se isso fosse possível, e as sensações desse ser passaram a ser as suas próprias, e suas próprias sensações passaram a ser parte das desse ser, já não eram dois corpos, mas um só. Então ouviu um pensamento que não estava passando por sua cabeça, não estava ouvindo nenhuma voz, porque nem se quer tinha ouvido, no entanto ali estava, era um pensamento, era um pensamento de amor, e soube que não era o seu senão que do ser que agora era parte de seu próprio ser, começou a ver por seus olhos, e a sentir por sua pele, e sua mesma felicidade era a felicidade dele, sua mesma plenitude era a dele, e mesma paz ambos a estavam sentindo como uma só. Então foi quando por um segundo viu seus olhos, só para voltar em seguida a ver desde esses olhos.

-Xênia? – As pálpebras se abriram lentamente para mostrar um par de olhos verdes, uma especial paz a invadia. Sentiu o calor do corpo junto ao seu, girou lentamente a cabeça como com temor do que ia encontrar ali. Mas não foi temor que sentiu, mas ao contrário. Xênia estava dormindo profundamente, seu rosto não tinha tensão alguma, seu peito subia e baixava ao ritmo de sua respiração.

Que linda…Que lindo é ver Xênia dormindo, parece tão serena…

Gabriela recordou as câmeras de repente e freou seu desejo de acariciar o rosto da jovem que dormia a seu lado, deixou de olhá-la, sentiu o rubor subir por suas bochechas. Então saiu do quarto sentindo uma estranha sensação no estômago. Começou a sentir um cheiro que não era o seu. Correu e se fechou no banheiro onde não havia câmeras, tomou seu pijama e o aproximou do nariz, era o cheiro de Xênia impregnado nela, ficou vários segundos cheirando com os olhos fechados, era estranho, sem pensar abraçou a si mesma fortemente, ainda com o aroma de Xênia invadindo-a então começou a sentir algo estranho. Abriu os olhos assustada e o rubor se multiplicou por 10.

Excitada? Estou excitada? Meu Deus, com o cheiro de Xênia? Que merda está acontecendo?

Levou uma mão na testa, e se levantou de frente ao espelho, abriu a torneira e lavou o rosto.

A porta se abriu, Gabriela deu um salto e viu aparecer à figura da alta morena.

-Olá. – Seus olhos azuis tinham um brilho especial e um sorriso ameaçava alargar-se ainda mais em seu rosto.

-Olá. – Gabriela sentiu que o rubor voltava de novo enquanto sentia uma sensação não estômago.

-Você está bem? Despertei e não estava, deduzi que estaria aqui. – Xênia se aproximou e estudou sua expressão detalhadamente.

-Sim, estou bem. – Sentiu que sua voz não estava nada convincente. – E você?

-Muito bem. – Xênia baixou o olhar um instante. – Você é como um ursinho de pelúcia, sabia?

Gabriela pensou que jamais havia estado tão corada por tanto tempo em toda sua vida.

-Não, não sabia. – Baixou o olhar. – Obrigada por me admitir em sua cama ontem à noite. – Alçou os olhos verdes até os azuis de Xênia que a olhavam intensamente.

Que acontece? Sinto-me estranha, nervosa? Talvez só seja a vergonha por ter dormido com ela sabendo que não ela não gosta dessas coisas.

-Não tem nada que me agradecer, além disso, dormi maravilhosamente. Vou tomar um banho. Vejo você depois? – Xênia lhe deu um sorriso.

-Sim, logo nos vemos. Eu…Creio que irei comer alguma coisa antes de tomar banho. – A jovem loira hesitou um instante para logo sair até o corredor.

Nervosa? Mariposas? Excitada?

 

 

 

-Xênia bonequinha, eu sei que não tem uma boa opinião de mim, mas me dê uma oportunidade não sou tão mau.

-Sabe Andrés não tenho intenções de fazer amizade com ninguém desta casa, assim se precisa de algo de mim, diga logo porque estou ocupada. – Xênia continuou sua rotina de exercícios tentando ignorar o irritante jovem.

-Mas Xênia, nunca conversamos sozinhos, apenas me dirige a palavra, anda vamos um pouquinho na piscina, damos um mergulho e nos divertimos: você e eu.

-Não me interessa me divertir com você nem com ninguém.

-Bem, me parece que você se diverte bastante com a pequena loirinha. Diga-me Xênia o que ela tem que eu não tenho? – Xênia dirigiu um olhar ao jovem.

O que tem ela que você não tenha? Pobre imbecil. Centenas de adjetivos chegaram a sua mente. Para começar é uma pessoa bela por dentro e por fora, tem integridade, não se sente o centro do mundo como você, pelo contrário, se preocupa com as pessoas, é doce, é honesta, é idealista, tem capacidade de se entusiasmar por coisas simples, é bondosa, é a pessoa perfeita que qualquer um quer ter como amiga, ou como algo mais se é que se mereça, e seus olhos? Deus meu…Seus olhos, sua voz, seu cabelo, seus lábios, seus olhos…

-Você não pode se dar com todos. – Disse Xênia em seu lugar.

-Mas Xênia, você não quer ter um homem dentro deste confinamento para que lhe faça feliz? – Andrés limpou a boca na manga da camisa logo depois de beber um grande gole de sua lata de cerveja.

Xênia alçou a sombracelha e o estômago se revirou, sentiu náuseas.

-Sabe o que eu quero Andréas? – A voz de Xênia soava grave e perigosa. – Eu quero que saia agora mesmo daqui e me deixe em paz, se pensa que tem alguma chance de ganhar essa aposta estúpida que certamente fez com Carla. Ambos perderam já que nenhum tem nenhuma chance comigo. Entendeu seu imbecil? Nenhuma.

-Aposta? Que aposta? – Andrés a olhava com cara de inocente.

-O mais certo é que tem zero chance comigo P O R C O.

-Vejo que Carla tinha razão, você é uma maldita ninfomaníaca? Verdade Xênia? Que nojo, certamente você e Gabita têm se divertido todas essas horas juntas, afastadas do resto das pessoas desta casa, o que necessitam você e ela é um bom…

Antes de terminar a frase se encontrou estendido no chão, com o nariz sangrando.

-Não se atreva a dizer seu nome, maldito bastardo, é muito para sua boca suja. – Saiu dando uma pancada na porta.

-Virá a mim rogando Xênia. Cadela…

 

 

 

-Que aconteceu? Xênia, que aconteceu? – A morena saiu feito uma fúria do ginásio.

-Nada. – Gabriela a olhava com preocupação.

-Como que nada? Olha como você está alterada.

-Nada já disse! Não me aborreça.

-Xênia não desconte em mim, eu não lhe fiz nada. – Gabriela afastou-se dela.

-Sinto muito, espera. – Xênia tomou Gabriela pelo braço e a deteve.

-Diga o que aconteceu.

-Tive uma discussão com esse imbecil do Andrés. – Xênia disse com fúria. – Escuta.-disse suavizando seu tom de voz. – não quero que fique sozinha com ele, não é de confiança, entende? – A morena olhou intensamente o rosto da jovem loira.

-Já sei que não é de confiança, mas o que ele fez?

-Não se preocupe mais, por favor, estou farta dele e de Carla. Ah e acabo de lhe dar um bom golpe, não estranharia se me tirassem do programa, sinto muito, outra agressão. – Xênia baixou o olhar.

-Lhe agrediu? O que ele lhe fez? Deu em cima de você?

-Algo assim, olhar melhor esquecer, sim? Agora quero saber se vão me tirar daqui ou não.

-Tirar você? Como vão lhe tirar? Só estava se defendendo, ele é quem deveriam tirar daqui.

-Não me tocou.

Por favor, não me pergunte mais nada, por favor.

-Não lhe tocou? Então?

-Escuta não quero falar mais sobre isso, disse algo que me irritou e ponto, isso é tudo, fim da história. – Xênia se afastou de Gabriela.

Nesse momento Andrés saiu segurando o nariz que sangrava com suas mãos.

-O que você fez Andrés?

-Que lhe diga ela bonequinha, pergunte a sua Xênia que foi que a irritou tanto para me dar esse soco. E não nos irritem ameaçando nos tirar do programa. – Se dirigiu ao ar levando a voz. – Sei que estamos arrebentando o rating com este tipo de coisas.

 

 

 

-Xênia sei que não quer que eu lhe pergunte o que aconteceu e não perguntarei, só quero saber se está bem. – Gabriela se aproximou cautelosamente da morena.

-Sim, estou bem, só que estou farta de estar aqui, de que todo mundo esteja vendo minha vida, é terrível. – Se notava a aflição expressa na voz de Xênia.

-Eu sei, eu também me sinto mal, mas já estamos metidas nisto, além disso, tudo acontece por algo, era parte de seu destino chegar aqui do mesmo jeito que eu.

-Parte do destino? Aparecer na tv como uma maldita exibicionista? Não acredito que isso seja destino de ninguém.

-Essa é só uma conseqüência, há muitas razões pelas quais poderia estar aqui, não somente para mostrar a todo mundo sua vida, além disso, só viram uma parte da sua vida, não é como quando está lá fora.

-Ah é? E por que outra razão poderia ser? – Xênia lhe deu uma fria olhada.

Para conhecer a mim Xênia, saco, será que não vê?

-Para compartilhar com outras pessoas e aprender coisas delas, e para que elas aprendam coisas com você.

-Não quero aprender nem ensinar nada a ninguém, estou aqui pelo dinheiro, simplesmente, não porque em meu destino esteja conhecer toda esta gente. – Xênia olhou com fúria suas mãos empunhadas.

-Nem se quer a mim? – A voz de Gabriela se ouviu suave e tímida, a jovem baixou o olhar.

Então sentiu a mão de Xênia sobre a sua e levantou seus olhos verdes para encontrar-se com os azuis mais impressionantes que havia visto em toda sua vida, esses olhos que falavam, que lhe diziam coisas duras e doces, todas às vezes, já nada existia ao redor mais que esse olhar fundindo-se com o seu. Seu coração começou a bater forte e a pele se eriçou…

-Já sabe a resposta…- Xênia disse e um pequeno sorriso nasceu em seu rosto, fazendo esses olhos azuis ainda mais lindos se isso fosse possível.