Sexta Parte

 

 Qual é o limite entre o querer e o amar? Como sabem as pessoas quando um carinho deixa de ser um simples carinho para se converter em amor? Existe um tempo determinado para que isso ocorra? Existe uma regra para que as pessoas primeiro se queiram antes que o sentimento se transforme em algo mais profundo? Existe uma palavra que na realidade defina cada sentimento que se tem por todas as pessoas que signifiquem algo na vida de cada um? Ou se tornam os verbos apreciar, querer, amar, idolatrar, odiar, etc e se adjudica às pessoas mais próximas que lhe rodeiam? Gabriela havia se perguntado muitas vezes estas coisas dentre dessa casa, antes de ingressar, e durante toda sua vida.

Dentro desse lugar no qual havia estado vivendo as últimas quatro semanas havia aprendido a conhecer a todos de certa forma. Alguns mais que outros. Havia alguns que preferia não tê-los tão próximo como Carla e Andrés, com quem tentar comunicar-se era uma grande perda de tempo, já que simplesmente não lhes interessava fazê-lo. Isabel e Sebastián os havia conhecido pouco a pouco. A primeira por fim havia aceitado que em sua vida nem tudo que diziam seus pais era necessariamente a verdade para ela, nem muito menos uma regra a seguir cegamente. Havia reconhecido os sentimentos que estava tendendo por Sebastián sem se sentir culpada por isso. Sua fé na igreja seguia em pé como sempre, embora Gabriela pudesse dizer que já não estava tão intacta como antes.

Ao passo que fazia a liberação da mente das pessoas em um processo lento para alguns, para outros isso nem se quer começou. Mas o desejo de viver a vida de acordo com os próprios sentimentos, ideais e crenças que geramos vida após vida, e não a de nossos pais ou que nos obriga a sociedade, é algo que todos levamos dentro, dentro do coração e da alma. Às vezes é fácil, ou às vezes é difícil romper esse algumas vezes fraco e outras firme casco que se vai formando no momento de nascer e que nos guia até a verdade, às vezes um livro, uma palavra, um sonho, uma lembrança de algo que nem se quer recordamos.

Sebastián era um jovem simpático, jamais armava conflitos, isso era bom ou mal algumas vezes, já que nunca se podia estar segura de que era completamente honesto em suas reações ou opiniões.

José, José era simplesmente José, um jovem torpe para descrevê-lo de alguma maneira, mas de coração bom. Gabriela sempre soube que poderia confiar nele. O jovem terminou declarando-se um dia e Gabriela no começo não se sentia bem agora como antes, pelo medo de que ele tivesse ilusões com ela que jamais se realizariam. Ainda assim a relação continuou sendo tão boa como antes, só que Gabriela evitava o contato físico, e media mais suas palavras.

Todas as pessoas de alguma ou outra forma as elegia a uma categoria. Carla e Andrés na indiferença, embora chegavam a ser tão irritantes, que às vezes inclusive pensava que caiam na categoria do ódio. Sebastián e Isabel os apreciava, tinha carinho por eles. José o queria. Mas ao chegar em Xênia, que palavra era a correta para definir o que sentia por Xênia?

As quatro semanas que esteve ali confinada não foi capaz de colocar um nome ao sentimento. Definitivamente indiferença não era, em parte, carinho? Por algum motivo soava muito pouco, não funcionava com ela, não era a palavra perfeita. Então? Gabriela não tinha idéia.

-Você é lésbica? – A voz de sua irmã soou inquisitiva e com certo grau de preocupação do outro lado do telefone.

-Perdão? – Gabriela se assustou ao ouvir semelhante pergunta tão repentina.

-Já sabe, que é de outro time, que gosta de garotas, não se faça de boba Gabriela. – O tom que estava usando sua irmã não era o de costume quando brincava.

-Vamos ver de novo. – Gabriela disse tentando pôr sua cabeça em ordem. – Olá irmãzinha? Como você está? Faz tempo que não ouço sua voz.

-Ah! Está evitando a pergunta Gabriela, e o silêncio confirma isso, sabia? É melhor que me diga. – Quase podia ver o dedo de sua irmã agitando no ar.

-Por que merda me pergunta isso?

-Responda.

-Não, não sou.

-Ui pobres cristãos que você tem como fãs, eles estão completamente convencidos que você é, e até a mim já estava passando essa idéia, depois de tudo era como certo. Embora papai e mamãe…

-De que demônios está falando, Cata? Explique-me, por favor, porque não estou entendendo nada. – Bebeu um grande gole de sua coca cola tentando se acalmar e compreender.

-O reality irmãzinha, o jornal, as revistas, Internet, seus fãs, está por todos os lados, a grande pergunta que todos se fazem, são ou não são?

-Que jornal, Internet, meus fãs? Saímos em tudo isso, tenho fãs?

-O que queria é o programa com mais rating, estão no ar, será que não sabe de nada metida ai dentro? Não sabe o que acontece ao seu redor tonta?

-Mmmas,… Ou seja,…Não sei…Não havia pensado. – Gabriela esfregava a testa tentando digerir toda informação. – E que merda é essa de são ou não são? Ou se sou lésbica? – Gabriela se engasgou um pouco com a bebida.

-Isso irmãzinha, ou seja, a estas alturas do programa todos já sabem que Carla é lésbica, não imagina como arrebenta no rating essa tipa.

-Sim, eu sei, mas explique-me o outro.

-Isso, de Carla já é conhecido e é uma das favoritas ai dentro, mas o que para todos parece importar mais é você Gabby. Ou seja, no começo como pensei que estavam lhe tirando do contexto, já sabe, na televisão são espertos para essas mentiras, e estive revisando o quarto, mas não encontrei nenhuma evidencia de sua culpa, e nele estavam seus pôsteres do Los Red Hot e Anthony Kiedis que já havia sido seu amor platônico há muito tempo, assim que disse não, estão dirigindo essa gente. Mas logo se repetia uma e outra e outra vez, e os fóruns da Internet seguiam cheios de certas perguntas. São ou não são? Os olhares que se dão são só amizade ou são amor? Qual foi o momento mais emotivo delas? Assim poderia seguir por horas, não negue mais Gabby.

-São ou não são quem? – Gabriela estava tentando assimilar a informação, ma não conseguia.

-Você e Xênia, irmãzinha, todos asseguram que você ama Xênia e ela lhe ama, que estão apaixonadas, que se desejam.

Gabriela cuspiu a bebida que tinha na boca.

-Ah! Deixe eu lhe dizer que deveria marcar o território, porque Carla está tratando de levantar pelo menos dez vezes.

-Cata! Quê? Cata responda! – Disse quanto por fim pode recuperar a fala.

Bip bip bip…Havia caído à ligação, ou o mais provável era que teriam cortado a ligação, por algum estranho motivo os produtores não a cortaram antes não sabia o porquê. Mas, ai estava tudo dito. Mais perguntas bombardeou sua cabeça nesse instante, como para ser capaz de completar alguma idéia.

Meu Deus, que foi isso? Estou sonhando? Sim, deve ser isso, estou sonhando, mas bem estou tendo um pesadelo. Jornais? Revistas? Internet? Fãs? Claro, é um pesadelo e em qualquer momento vou despertar, calma Gabby. São ou não são? Que merda é essa?

Será por acaso que sou lésbica? Carla, claro. Carla é lésbica, e me metem nisso, me tiraram do contexto. Tenho fãs? De que idade seriam meus fãs? Deixe-me pensar. Nos fóruns publicam perguntas. São ou não são? Olhares de amizade ou de amor? As pessoas se asseguram, que quê? Ou seja, nas revistas saiu, Eu…Que sinto por Xênia? Carinho? Ordena sua cabeça Gabby…Xênia…Que sinto por ela? Ela é minha amiga? Xênia eu…

-Está passando mal? Está suando. – A voz da morena soou em seus ouvidos fazendo que seu corpo desse um salto.

-Eu…- Seu estômago começou a revirar. Levou a mão à cabeça, seu coração batia a mil por hora.

-Gabby, que foi? – O olhar de Xênia era agora de preocupação. Esta cena me lembra quando a vi pela primeira vez, estava bastante semelhante agora.

A primeira vez que lhe vi…Eu…Você…Que amo Xênia? Que ela me ama?

Os olhos verdes se alçaram até encontrar-se com os azuis de Xênia olhando com impaciência e preocupação.

-Estou bem, só preciso deitar um momento. – Gabriela correu e se fechou em seu quarto.

-Que merda foi essa?

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-Gabriela, por favor. Você está bem? – Xênia não recebia resposta, ao termino de alguns segundos finalmente se abriu à porta.

-Estou bem. – A voz da jovem soava tudo menos bem. Não a olhava nos olhos.

-Então por que não me olha?

-Não é nada Xênia, só me sinto um pouco mal do estômago isso é tudo.

-Não acredito, você não sabe mentir. – Xênia tomou o rosto de Gabriela entre as mãos e a obrigou a olhar em seus olhos.

-Por favor, Xênia…- Os olhos verdes esquivavam a todo custo o olhar.

-Olha-me Gabriela. Que está acontecendo, por favor? Disseram-lhe algo seus pais?

-Não eram meus pais, era minha irmã. – Por fim viu o olhar de Gabriela pousando fugazmente em seus olhos e logo tentando escapar imediatamente deles.

-Que ela lhe disse? – Xênia percebia sua própria preocupação expressa em sua voz.

-Não gostaria de ouvir Xênia, assim é melhor que não pergunte.

-Me diga assim mesmo. Tem algo que ver comigo?

Merda lhe disseram algo de mim? Claro, essa maldita Carla insinua o tempo todo, certamente a advertiram sobre mim, e agora?

-Sim, com você e também comigo. – Gabriela sentou enquanto olhava através da janela. Xênia não sabia se sua expressão era de tristeza, de vergonha, de medo ou de todas essas juntas. Buscava a repulsa, mas não a encontrava no rosto da jovem loira.

-O que disseram? – Xênia perguntou outra vez, esperando o pior.

Um longo silêncio.

-Que as pessoas dizem que você e eu…

-Que você e eu, o quê? – Xênia sentia sua voz, suas pernas e tudo tremer.

-Estamos apaixonadas…- Gabriela baixou o olhar notavelmente envergonhado.

Xênia ficou paralisada diante das palavras de Gabriela.

Meu Deus não…Todos sabem o que eu sinto…E. Arrastam ela comigo. Não, minha menina, eu não quis…Não foi minha intenção que notassem tanto, lhe juro…

-Mas que comovedor. – Carla entrou repentinamente no quarto aplaudindo em zombaria. – Esta cena está para o premio Oscar, sabiam?

-Cala a boca, Carla. – O olhar de Xênia se cravou no rosto da ruiva com mais fúria que nunca.

-E porque eu deveria me calar? Isto é um realy, as pessoas querem ver algo divertido, querem ver ação, não um par de idiotas falando estupidez, captas?

-Cala a boca ou senão eu juro que…- O dedo de Xênia se levantou ameaçadoramente, seu corpo tremia contendo toda sua fúria, o azul de seus olhos soltava faísca.

-Por quê? Tem medo que eu lhe diga? Que sua Gabita saiba?

-Saiba de quê? – Gabriela passou o olhar entre Carla e Xênia.- Saiba o que Xênia?

-Você diz ou digo eu? – Carla tinha um sorriso de crueldade em seu rosto.

-Me diga o quê? – Gabriela alçou a voz.

-Que ela é lésbica e que por sua culpa agora todo o mundo acha que você também que é. – Xênia fechou os olhos com pesar. – Carla começou a rir como uma desequilibrada. – Ooops me escapou. – A ruiva se levantou com uma mão na boca.

-Maldita filha da puta. – Xênia avançou sobre ela, com toda a intenção de golpeá-la, estava tremendo de fúria, a agarrou pelo braço e preparou seu punho.

-Bata Xênia de toda maneira sabe que eu estou dizendo a verdade. – As gargalhadas seguiam soando nos ouvidos de Xênia.

-Vá embora daqui anda! Vai logo merda! – A morena arrastou Carla e a lançou fora do quarto.

-Pergunte para ela Gabita, que lhe diga, quero ver se atreve a lhe mentir. – A voz de Carla era ouvida do outro lado da porta, suas gargalhadas retumbando enquanto se afastava.

Houve um momento de silêncio, nenhuma das duas se atrevia a falar.

-Xênia, é verdade? – A voz de Gabriela soava temerosa e hesitante.

Meu Deus não posso lhe mentir. Será que vai me odiar? Não Gabby, não me odeie, por favor.

-Xênia, por favor…

-Sim, é verdade, eu…Não quis lhe ocultar, nem muito menos lhe colocar nessa situação, eu nunca…Minha intenção não foi essa… É minha culpa que todos pensem isso, por favor, saia.

-Xênia…Eu…

-Saia, por favor, Gabriela. – A voz de Xênia estava grave, mais grave que nunca.

Gabriela saiu finalmente dando uma forte batida na porta.

Merda. Exposta diante do mundo, e odiada por ela…

 

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Depois de meia hora Gabriela ouviu vozes e exclamações. Estava pensando sobre o que acabava de acontecer, mas não conseguia assimilar nada ainda, as idéias em sua cabeça, não entendia. Levantou e se dirigiu ao interior da casa.

-Que foi Xênia? O que está fazendo com essas malas? – Seus olhos verdes olharam temerosos.

-Vou embora, eu… – A morena levantou o rosto, seus olhos brilhavam.

-Quê? Por que Xênia? Não…

-Deixe-nos, por favor. – José, Isabel e Sebastián obedeceram imediatamente.

-Eu já não posso resistir a esta exposição, muito menos depois do que aconteceu, sei que soa a covardia, mas faço por você, não por mim. Gabriela…Eu não quis que todos pensassem isso sobre você, eu juro…Não quis esconder de você, não pensei que fosse necessário dizer e logo suponho que tudo se complicou.

-Xênia…Eu sei, e não pense assim, por favor, não vá embora, você é minha única amiga, não me deixe sozinha aqui. – Gabriela sentia as lágrimas ameaçando a sair, agachou a cabeça.

-Sinto muito…Quero que se cuide, eu…Já sabe quais são meus planos, logo que saia daqui.

-Quê? Você vai embora de qualquer forma? – Os olhos verdes se alçaram com surpresa.

-Sim, agora mais que nunca vou embora. – Xênia tinha o olhar baixo.

-Mas…Eu sei, são seus planos, mas adie, por favor, temos de conversar.

-Não, é melhor assim, eu…Você…Deixe-me ir agora, por favor, Gabriela.

-Mas…

-Toma, ainda tinha este cd seu, o que está com você fique com ele, lhe dou de presente.

-Fique com este também. – Gabriela tentava ignorar o nó que tinha na garganta.

-Adeus…

-Xênia? Por que está indo embora? – Gabriela tinha os dedos aferrados no braço da morena que estava a ponto de sair pela porta principal.

-Por você…

Xênia tomou a mão de Gabriela e pões nela um papel dobrado pela metade. Gabriela só olhava seus olhos azuis, sentindo uma mistura de emoções.

-Por mim? Não entendo…Podemos superar isto, a mim não afeta, é comum que inventem coisas. Xênia!

A porta se fechou em sua cara. Gabriela observou ao redor, estava sozinha, se sentia realmente só, então olhou para baixo, e viu o papel que Xênia havia lhe entregado, ainda em sua mão, apertou-o com força entre seus dedos. O desdobrou com nervosismo, tentando ver somente ela se isso fosse possível, seus olhos verdes leram as duas palavras.

“TE AMO”

 

 

Xênia fechou a porta de seu apartamento. Havia estado vivendo ali os últimos dois anos. Tomou as malas e desceu lentamente as escadas. Havia passado uma semana que tinha saído repentinamente daquele lugar onde havia estado vivendo quatro semanas. Lamentou-se tantas vezes de ter ingressado ali, no entanto cada vez terminava chegando na mesma conclusão, que ter conhecido Gabriela tinha valido a pena.

Ter entrado essa pessoa em sua vida, embora tivesse sido debaixo de condições que resultaram em expor sua vida diante de todo o Chile, ainda que tivesse sido impossível ter uma relação com ela dada a condições sexual de Gabriela, e só agora sentisse que lhe haviam arrancado o coração do peito e o tivessem pisoteado no solo; tinha a lembrança de seus olhos.

Seus olhos verdes, bondosos, doces, cheios de expressões, suas mãos agitando-se no ar ao falar, as vezes que dizia seu nome e que soava tão diferente quando eram os outros que diziam. A calma que encontrava em seu rosto. Tudo tinha valido a pena. De sua Gabriela guardaria a lembrança eterna, estava certa de que não voltaria a amar outra pessoa novamente, não depois de Gabriela, ninguém mais seria capaz de lhe abrir tanto, de se deixar mostrar tal qual era sem temor de ser magoada com isso, ou deixar que lhe tomassem vantagem por saber mais da conta.

Não havia visto televisão, não havia olhado os jornais, nem as revistas, ainda que tivesse a tentação de ver o rosto de Gabriela, a dor era muito grande, simplesmente era impossível.

Saiu do edifício, com as malas na mão. Aspirou o ar, o sol de verão acariciou sua pele recordando-se fugazmente das vezes em que sentiu alguma caricia de Gabriela em sua pele. Uma vez guardada toda a bagagem entrou no carro. Olhou uma última vez a fachada do edifício e se sentou frente ao volante. Quando chegasse ao aeroporto, pegaria um avião no qual viajaria duas horas, um amigo se encarregaria de seu carro, já haviam combinado o preço.

Ouviu que alguém chamava por seu nome. Sentiu que o coração ia sair pela boca enquanto buscava o dono da voz com o olhar. Finalmente se encontrou com sua vizinha lhe fazendo sinais alegremente. Um gesto de desilusão cruzou suas feições.

Gabriela seu fantasma está me perseguindo…

Ligou o carro e lentamente partiu. Seu coração a cada segundo ia se sentindo mais destroçado. Ligou o rádio tentando pensar em outra coisa, e o locutor anunciou um tema: “E aqui terminamos com um clássico da grande banda californiana Red Hot Chili Peppers com Under the Bridge”.

Merda…

Os acordes da guitarra começaram a soar em seu ouvido. Começou a ver nublado, esfregou os olhos com os dedos os quais se umedeceram ao contato, passou o dorso da mão pelo nariz, endureceu o olhar o mais que pôde.

Não se lembra? Esse recurso não lhe funciona quando se trata dela…

Chegou a uma curva e ao se dispor a virar viu um táxi que cruzou seu caminho perigosamente. Freou o mais rápido que pôde, quase bate a cabeça no vidro do veículo, por sorte o carro que vinha atrás não lhe bateu.

Que merda? Era a única coisa que faltava. Um maldito louco tentando me matar.

Aferrou suas mãos uns instantes ao volante, tentando se acalmar, mas não teve jeito.

Ah! Essa eu não vou deixar passar.

Saiu cheia de fúria, deu uma pancada na porta e se dirigiu com passo firme e gritando com o chofer, que não parecia ter a menor intenção de mover seu táxi.

-Que merda, estava pensando no que quando avançou dessa maneira? – Os olhos azuis se cravaram furiosos na figura do chofer dentro do táxi.

-Sinto muito senhorita, é que perdi o controle.

Sinto muito senhorita? Este há se ser novo no rubro.

-Bem tenha cuidado da próxima vez se não quiser matar alguém.

Voltou a seu carro e entrou nele ainda com o sangue fervendo nas veias. Apoiou sua cabeça no volante e enquanto ia se acalmando, a dor voltou a golpear seu coração ainda mais forte que antes. A canção já não soava mais no rádio. Levantou o olhar ao ouvir um golpe na janela.

A única coisa que faltava! Um maldito policial para arruinar ainda mais meu dia.

Baixou o vidro da janela com uma grande expressão de fastidio em seu rosto.

-Está estacionada em lugar proibido. – A voz do policial se fez irritante.

-Será que por acaso não viu o que aconteceu aqui? Um táxi atravessou…

-Sinto muito senhorita, mas temo que tenho que lhe dar isto pegue por obsequio. – O irritante policial lhe estendeu o papel com um sorriso no rosto. Xênia o recebeu com fúria.

Absolutamente genial, a cereja da torta é isto. Como se sobrasse dinheiro para mim…

Pegou o papel com fastidio e leu nele duas palavras que não tiveram sentido para ela.

“EU TAMBÉM” Eu também? Que merda de brincadeira é esta?

Uns pequenos golpes na janelinha do carona chegaram a seus ouvidos, levantou a vista nessa direção e ali estavam…Seus olhos verdes olhando-a com a mesma doçura de sempre, um pequeno e tímido sorriso em seu rosto, seu cabelo loiro brilhando debaixo dos raios de sol.

Xênia pensou que estava sonhando, o mundo ao redor parou, até seu coração parou por alguns segundos, ao menos isso sentiu, os sons exteriores não chegavam a seus ouvidos, seu coração batia a mil por hora, não coordenava os pensamentos, não entendia por que estava vendo Gabriela ali.

Veio se despedir de mim?

Então olhou novamente o papel e voltou a ler as palavras ali “EU TAMBÉM” eu também…Eu também…

Levantou seus olhos azuis absolutamente confundidos, buscou alguma resposta nos olhos verdes, então seus olhos pousaram nos lábios de Gabriela e leu claramente neles “EU TAMBÉM TE AMO”. Levantou o olhar até seus olhos, estavam brilhando, sentiu uma lágrima correr pela bochecha, nem se quer sentiu necessidade de freiá-la ou secá-la, a deixou rolar livremente, enquanto via outra rolar pela bochecha de sua Gabriela.

Saiu o carro com o coração na boca, suas pernas tremiam tanto que se quer era capaz de andar, ainda lia mentalmente a frase temendo ter interpretado mal, temendo ter lido mal os lábios dela. Parou na frente do carro e Gabriela havia feito o mesmo. Esta vestia sua saia jeans, a mesma que vestia quando a viu pela primeira vez. Um sorriso em seu rosto, que abaixou quando ficaram frente a frente. Tentou emitir algum som, mas suas cordas vocais foram incapazes de fazer seu trabalho. Estendeu a mão lentamente e imediatamente sentia o calor e a suavidade da mão de Gabriela na sua, apertando-a fortemente. Logo sentiu ganas de gritar, de chorar, de dizer tudo que sentia, ouvia suas respirações fortes e entrecortadas, então sem se quer pensar suas pernas pareciam adquirir vida própria e decidiram correr.

Só era consciente de Gabriela correndo junto com ela de mãos dadas, sem saber que direção tomava, isso não tinha a menor importância. Seguiram assim por vários minutos até que já não estava certo se seu coração batia pela corrida ou pela emoção.

 

 

Não soube quanto tempo estiveram correndo assim com os dedos entrelaçados, sem direção alguma, tampouco lhe importavam os olhares das pessoas. Só era consciente a emoção invadindo todo seu ser, e da firmeza da mão de Xênia tomada a sua. O cheiro do mar invadiu seu olfato e se deu conta de onde haviam chegado. Cruzaram a rua agora reduzindo o ritmo, seu coração batia desbocado. Xênia subiu em uma rocha e estendeu a mão, a qual agarrou com força, se sentiu alçada, segura, sempre tinha essa sensação de segurança com Xênia a seu lado, seus olhares se cruzaram um instante, mas bastou para que por fim ambas entendessem o significado dele. Quantas vezes havia visto esse olhar em Xênia? Quantas vezes ela havia dado esse mesmo olhar a Xênia? Por que esperar tanto para entender os sentimentos? Bem, dava no mesmo, o importante nesse momento era o que estava acontecendo.

Sentaram-se em uma rocha, longe dos olhares das pessoas, o mar completava o quadro perfeito, majestoso diante delas. Estiveram em silêncio como que uma hora inteira, talvez tenha sido mais tempo, mas para nenhuma das duas isso importava. Suas mãos ainda juntas estavam suadas. O entardecer começou a cair frente elas, com uma combinação de cores impressionantes. Gabriela sempre olhava os entardeceres, ma este era diferente, percebia cores diferentes, cores que nunca antes havia visto. Então por fim arriscou um olhar até Xênia. Esperou encontrar-se com esse imponente perfil, como havia visto tantas vezes, mas em vez disso encontrou um par de olhos azuis observando-a intensamente, e encontrou tanto amor nesses olhos, que sua respiração se deteve por vários segundos. Ficaram se olhando, ninguém sentiu necessidade de baixar o olhar, já não era preciso, não havia nada que ocultar aos outros e também a si mesmas. Então viu como Xênia levou as mãos de Gabriela aos lábios e a beijou docemente, todo seu corpo se arrepiou diante daquele contato. Logo pousou em seu próprio rosto, Gabriela sentiu a suavidade do rosto de Xênia na palma de sua mão, então o acariciou, ainda com a mão de Xênia sobra a sua.

-Como? Por quê? – A voz de Xênia chegou a seus ouvidos depois de tantas horas sem ouvi-la.

-É preciso que esclareçamos o como e o porquê?

-É só uma tática que estou usando para acalmar meu coração, que ainda não deixou de me ameaçar ter um ataque. – Viu um pequeno sorriso no rosto da morena.

-Pensando bem, talvez eu também precise disto.

-Como é que…?

-Me retirei no dia seguinte que você se foi. O programa foi cancelado quatro dias depois, porque ia contra a moral e os bons costumes, segundo não sei quem. Suponho que Carla e Andrés “dando-se amor” e “desabafando” como eles o chamaram, dentro da piscina, não ajudou muito, embora isso não vão mostrar na tv, graças a Deus.

-Quer dizer que tudo o que aconteceu nesse dia não vai sair no ar? –Xênia a olhou surpreendida. Gabriela confirmou.

-Você deve estar se perguntando como a policia fez parte de tudo isto, não é? – Xênia concordou. – Pensei que não ia lhe alcançar então pedi ao taxista que lhe fechasse o caminho, e logo o do policial me ocorreu no momento, quando o vi. Você nem se quer me viu quando sai, suponho que estava muito furiosa para isso. Ambos aceitaram porque prometi colocá-los na tela, no próximo programa. – Xênia sorriu.

-Você é incrível…

Mais minutos de silêncio.

-Gabriela…Eu…Não quero que pense que o que sinto por você é por minha condição sexual, eu nunca…Descobri minha sexualidade faz pouco tempo, entende? Eu sinto o que sinto por sua pessoa, por seu ser, independente de que seja mulher. Você…Não sabe, não tem idéia de tudo o que me faz sentir, de como me desarma com sua presença, o que sinto quando olho você nos olhos, quando lhe sinto perto…- Gabriela sentiu a mão de Xênia aferrando-se ainda mais na sua.

-Xênia…Eu sei…Estou segura de seus sentimentos, de nossos sentimentos…Estive toda a semana pensando, na burrice que fiz ao deixar você ir tão facilmente, eu sabia desde o início, o que sentia por você, sabia que não era algo somente de amizade, mas a mente é algo tão difícil de mudar, apesar de que seu coração lhe estivesse dizendo a gritos. Desde menina só pensei na possibilidade de me apaixonar por um homem, isso me ensinaram, e quando comecei a sentir algo por você, busquei desesperadamente uma maneira de classificá-lo como amizade que era tão próxima a de uma irmã, no entanto no fundo sabia que só eram escusas, que sentia algo muito mais profundo por você. Suponho que só tinha que seguir o mesmo conselho que dei a Isa.

-Gabriela eu…Tinha razão, era meu destino chegar a essa casa, deus ou o quem quer que se encarregou disso, o soube fazer muito bem, sabia que com meu caráter e personalidade jamais ia dar possibilidade a uma pessoa de se aproximar assim como você conseguiu fazer, a menos que me confinasse em uma casa por dois meses, com você ali dentro também. – Gabriela viu um pequeno sorriso no rosto de Xênia. – Meu pai se foi de casa quando eu era pequena, e depois de vários anos soube que tinha outra família, sua ausência ele supriu com dinheiro e essas coisas. Desde menina cresci com a certeza que não tinha ninguém seguro na vida. Acho que é por isso que sou como sou…Mas, não falemos disso neste momento, agora é diferente…- Gabriela apertou ainda mais firmemente a mão de Xênia na sua enquanto a acariciava com seu polegar e olhava intensamente o rosto da morena.

-Posso lhe contar um segredo? – Disse Gabriela baixando o olhar.

-Sim?

-Quando tropecei com você naquele dia havia decidido não ingressar no programa se eu fosse selecionada, mas quando soube que você estava entre eles, senti a necessidade de estar ali, não sei o que foi, havia algo em seu ser, o percebi no instante em que a vi pela primeira vez, ali parada frente a mim, seus olhos…

-Eu também senti, e você também teve que ver com que eu ingressasse finalmente.

-Acredita então que foi o destino?

-Acredito que você é parte do meu destino.

-E o que me diz das almas gêmeas? Acredita nelas agora? – Gabriela arriscou um olhar até Xênia, e esta vez se encontrou com seu perfil.

-Não acredito. – Xênia dirigiu os olhos azuis aos olhos verdes que a olhavam com atenção. – Estou segura…

Ficaram se olhando profundamente. A última coisa que viu Gabriela foi os olhos azuis inundando-lhe a alma de sentimentos. Então seus olhos se fecharam, seu coração batia mais rápido que nunca, o momento pareceu parar e por um instante temeu que tudo tivesse sido um sonho. Mas então os sentiu…A suavidade dos lábios de Xênia tocando os seus, primeiro apenas era consciente do contato, para pouco a pouco se ir intensificando até converter-se em um beijo completo, perfeito…Foi quando realmente perdeu toda a noção do tempo, espaço, e até de seu próprio nome.

Abriu os olhos lentamente, se encontrou com as pálpebras de Xênia ainda fechadas, então sentiu a urgente necessidade de dizer com todas as letras e assim o fez.

-Te amo…

-Eu também te amo…

 

 

FIM

 

Esta história terminou, mas o amor e as dificuldades do romance, entre Xênia e Gabriela, continua no próximo uber:

“Passos da Alma”.