Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

Prelúdio

O navio, uma galera modesta com uma tripulação escolhida a dedo pela Imperatriz – tudo o que pode ser poupado durante a atual crise – está pronto para zarpar rumo à segurança relativa de Chipre. A mulher, viúva de Pompeu, está parada no cais. Entre sua classe, o luto assume a forma de uma raiva entorpecida, inexplicável e inflexível, a menos que provocada.

Xena, é claro, sempre foi a provocadora perfeita. Embora sua intenção neste caso não seja provocar, mas expiar. Ela sabe que Cornélia, a viúva, a considera responsável pela morte de Pompeu. Xena aceita isso porque sente o mesmo. Uma coisa é matar um homem com as próprias mãos; outra bem diferente é desencadear uma sucessão de eventos que resultam em uma morte ignóbil e sem sentido. Ela caminha pelo cais como se Cornélia fosse sua algoz. O que, de certa forma, poderia ser. O rosto da viúva é como uma máscara usada em uma peça – não necessariamente uma tragédia, mas uma comédia. Daquelas comédias dolorosas e niilistas que, se ponderadas profundamente, cortam até o osso.

“O navio está à sua espera.” Xena se fortalece com um suspiro. “Cornélia, eu – ” Ela para, pois a viúva abre a boca como se fosse falar. Em vez disso, um cuspe atinge seu rosto. Não é a primeira vez, nem mesmo o incidente mais doloroso e insultante – essa honra pertence à sua mãe, que cuspiu nela após o funeral de Liceu – , mas Xena sempre esperou que seu status atual no mundo evitasse futuros episódios como esse.

Do cinturão, ela remove um punhal recém-afiado e o oferece a Cornélia, com o cabo voltado para frente. Os olhos da viúva brilham de maneira selvagem e assustadora – um leque de possibilidades sombrias claramente se desenrola em sua mente. O que estou fazendo? Xena apenas espera que, se ela pegar o punhal, erre o alvo e o golpe seja fraco. Além disso, sente um pequeno consolo ao saber que, apesar de seus apelos formais contrários, Pullo já prometeu “matar a velha maldita” caso Cornélia tenha sucesso em vingar a morte do marido.

Xena engole seco. “Você tem esse direito.”

Imóvel, Cornélia encara a lâmina. Ela ri de forma nauseante, o que não exatamente encoraja Xena, e pega o punhal. Passa o polegar pela lâmina, cortando a pele fina e macia demais para lidar com uma arma. Então, com um gesto displicente, lança o punhal ao mar. “Se tenho esse direito,” declara a viúva com uma voz rouca e sibílica, “então eu a condeno ao pior destino possível: viva com isso.”

O vento marítimo infla as velas do navio. A Imperatriz se afasta.

Sob cerco

Ao anoitecer, as chamas de um incêndio distante afastam a escuridão que se aproxima. De um parapeito da residência real – que, por padrão, agora é sua residência solitária – Xena observa o fogo. Seus soldados controlam o palácio e o porto. O restante de Alexandria, no entanto, está desconsolado com a ausência do rei e propenso a problemas. Como tumultos e incêndios aleatórios.

Por quê? ela se pergunta. Quando colocou o choramingante rei de joelhos – em um gesto que mais ou menos renunciava à sua soberania sobre Alexandria e resultava na fuga de Ptolemeu do palácio – ela havia ingenuamente pensado que sua marca particular de ordem resolveria tudo. Os carregamentos de grãos para Roma seguiriam conforme o planejado, o que desviaria a atenção da execução desleixada de um cônsul e oficial do Império e, além disso, desarmaria a situação política com os Optimates.

Não que ela – ou qualquer outra pessoa na cidade – esquecesse tão facilmente de Pompeu. Até que pudesse nomear um regente decente – a saber, Cleópatra –  não havia nada a fazer além de governar a cidade com justiça e equidade. Certamente os alexandrinos prefeririam um regente forte e justo a um tolo e fraco.

Na praça aberta abaixo do palácio, outro confronto explode entre seus soldados romanos e os remanescentes dispersos do exército de Ptolemeu.

Aparentemente, não.

Ela suspira. Qualquer líder, por mais fraco ou despótico que seja, é preferível a um estrangeiro. Foi isso que a expulsou de Anfípolis – incapaz de suportar a ideia de sua terra natal controlada por um senhor da guerra, ela lutou. E, mesmo tendo vencido, perdeu tudo. Ironia das ironias, agora está do outro lado mais uma vez – a forasteira, mais odiada aqui do que quando pisou em Roma pela primeira vez.

Ao lado dela, Tito Pullo também observa o conflito abaixo enquanto dois membros da Guarda Pretoriana pairam nervosos atrás dele. Assim como as tropas regulares, os pretorianos esperavam um feriado exótico em Alexandria – e não uma guerra civil. Na praça abaixo, uma falange de soldados ptolemaicos renovou a luta, e os romanos agora estão em menor número.

“Isso está ficando perigoso demais”, comenta Pullo, a mão se fechando possessivamente sobre o cabo de seu gládio. “Quer que desçamos?”

Xena balança a cabeça. “Ainda não. O que eles têm em números, falta em bom senso. O exército de Ptolemeu é como uma cobra sem cabeça.”

Desanimado ou confuso, Pullo franze o cenho com a metáfora.

Xena esfrega o maxilar, pensativa. Algo ocorre a ela. “Pullo.”

“Sim, Imperatriz?”

“Onde está-” Ela interrompe a frase de maneira sugestiva, levantando uma sobrancelha para enfatizar.

A boca dele se abre.

“Perdeu ela de novo, foi?”

“Não”, retruca rapidamente, e depois mais enfaticamente: “Não.”

“Então, onde, por Zeus, está-?”

Pullo aponta para a praça. “Lá embaixo.”

E lá está ela. O suficiente da luz do entardecer reflete no cabelo loiro de Gabrielle – como se a gladiadora fosse um pequeno farol de Alexandria – enquanto ela avança na batalha, armada com uma lança e um gládio. De forma astuta, ela usa a lança como um bastão, derrubando o máximo de homens que consegue; em uma postura baixa e ousada, ela varre dois homens do chão, lançando-os contra outros dois. Como um raio na roda, a lança brilha em movimento, atingindo cabeças e derrubando pés antes de se alojar fatalmente em um soldado, tornando-se inútil e sendo abandonada. Esse turbilhão de golpes encoraja os romanos, que lutam com mais vigor e, eventualmente, dispersam o restante de seus oponentes até que não sejam nada além de sombras engolidas pela escuridão do anoitecer.

Que Xena precise lembrar a si mesma de respirar não é, acredita ela, um bom sinal. Seja como observadora ou participante, o entusiasmo de uma boa luta não é uma sensação nova para ela. Ela não quer nada mais do que estar lá embaixo, ao lado da gladiadora. Nada surpreendente, pensa; ela sempre quer estar no meio da ação. Um certo elemento, no entanto, corrompe essa exultação pura: preocupação.

Pullo ri admirado. “Se você tivesse mais dez como ela, não precisaria esperar pelas tropas de Pérgamo.”

“Se eu tivesse mais dez como ela-” Xena interrompe abruptamente para censurar o restante de seu pensamento lascivo: Eu talvez conseguisse convencer uma delas a dormir comigo. Em vez disso, ela direciona sua frustração ao infeliz Pullo. “Sim, isso seria maravilhoso, mas a verdade é que só tenho uma dela, e gostaria de mantê-la intacta e viva. Ela é valiosa demais para ser desperdiçada em disputas mesquinhas com um bando de alexandrinos incompetentes que minha mãe poderia derrotar com um arsenal de louças de cozinha!”

Durante esse desabafo, o sorriso fácil de Pullo endureceu gradualmente em uma máscara profissional.

“Vá buscá-la. Traga-a de volta aqui.”

“Imperatriz!” Ele hesita. “Você ficará bem?”

“Vá. Estarei bem.” Xena aponta com o polegar para o pedaço de músculo romano atrás dela. “Estou em boas mãos aqui com – qual é o seu nome?”

Confuso e alarmado, o centurião pisca. “Gneu, Imperatriz.”

“Ah, Gneu. O bom e velho Gneu.” Ela lança um olhar crítico a ele. “Por que você tem que se chamar Gneu? Por que você tem que ter o mesmo maldito prenome que Pompeu?”

Ainda mais alarmado, o centurião gagueja, impotente: “Eu-”

“Deixa pra lá. O latim é uma língua miserável. Certo, Gneu, você fica comigo. E Pullo, você vai atrás dela. Vá encontrá-la, fique de olho nela, já que você faz isso tão bem.”

Sob essa avalanche de escárnio merecido, Pullo recua. Durante horas, ele vasculha as ruas escuras antes de desistir por puro cansaço e voltar ao palácio, onde a encontra sozinha em seu quarto, ensanguentada e coberta de fuligem – pois, após sua batalha inicial, encontrou mais duas lutas de rua para vencer e ainda apagou um incêndio – devorando vorazmente uma perna de cordeiro enquanto relê seu amado Cícero à luz de velas. Apesar de seu olhar mais feroz, ela apenas pisca e mastiga.

Com os lábios tremendo de raiva, ele rosna uma exigência: “E então?”

“Foi uma noite ocupada.”

“É só essa porra que você tem a dizer?” grita Pullo, incrédulo.

Como pagamento pelo incômodo que causou a ele, ela decide compartilhar uma preocupação íntima e urgente, algo que não ousara dizer em voz alta para ninguém: “Estou ficando um pouco cansada de Cícero”, admite.

O idílio

Ela ouviu falar da biblioteca no banquete, pouco antes da descoberta do presente infeliz de Ptolemeu, em um fragmento de conversa entre um bêbado e sua encantadora acompanhante: ” – tem acesso à maior biblioteca conhecida pelo homem bem aqui, e ele quer ir para Pérgamo estudar!”

“Claramente,” respondeu a mulher, “ele quer se afastar de você.”

Nesse ponto, o restante da conversa se perdeu para Gabrielle, pois ela ouviu o jovem rei referir-se a Xena como uma velha bruxa. Ela lançou um olhar furioso ao garoto tolo antes de se afastar, silenciosamente exultante, em uma fantasia sobre encontrar a biblioteca da cidade e até mesmo entrar nela – talvez passando por cima dos corpos de bibliotecários empalados. Ela sabia que seu tipo – uma escrava, uma mulher, uma estrangeira suja com as mãos manchadas de sangue – não teria permissão para entrar.

Em seu primeiro dia em Roma, tantos anos atrás, tropeçando descalça e acorrentada na lama, ela passou por um templo com um pátio cheio de homens – jovens e velhos, fortes e gordos, barbudos e de rostos lisos – todos lendo, trocando e discutindo pergaminhos. Sua tentativa de olhar discretamente foi interrompida quando um dos mercadores de escravos bateu com um cajado em suas costas e a jogou de cara na lama.

Mas o vislumbre desse idílio, esse Elísio tão próximo, permaneceu indelével em sua mente. Quando não a torturava com a aparente injustiça de um mundo elevado tão distinto do seu, a tentava com a proximidade: Todo o conhecimento do mundo conhecido ao alcance de suas mãos. Talvez então ela finalmente entendesse o velho e cansado enigma de sua vida, por que as coisas aconteceram como aconteceram, e por que às vezes sonhava tão vividamente com uma vida estranhamente paralela a esta. E por que, às vezes, a Imperatriz aparecia nesses sonhos.

No sistema séptico secreto de sua majestade

São titãs, ela pensa. Ou gigantes. Talvez sejam gigantes.

Eles guardam a entrada da magnífica biblioteca, um longo templo de pedra e tijolo, com um telhado de terracota que brilha ao sol; em dias nublados, o telhado assume a tonalidade de sangue seco. Alguns buscam alívio do calor na água estagnada de uma fonte aninhada pelas asas sólidas da biblioteca, criando uma praça aberta e arejada.

Primeiro, ela tenta uma distração. Paga um mendigo ágil para causar confusão do lado de fora. O mendigo grita e assusta as pessoas – enquanto tira seus trapos e urina na fonte – de modo que os guardas saem correndo para fora. Enquanto o mendigo os envolve em uma prolongada dança ao redor da fonte, ela se esgueira para dentro da biblioteca e, indecisa e sem fôlego, sobrecarregada pela beleza sombria e fresca do sagrado salão, fica parada, boquiaberta, em total admiração.

A sombra de Serápis[1] projeta-se em voo na parede, afastando-se do aglomerado de velas no altar. Um homem idoso, vestindo uma túnica, aparece e, ao mero vislumbre dela, solta um grito que atrai a atenção de outro guarda colossal, que a agarra e a sufoca contra ele, como uma criança entusiasmada com um gatinho, enlaçando seu braço – mais grosso que a coxa dela – ao redor de seu pescoço. Instintivamente, ela agarra o braço que está esmagando sua traqueia.

Claramente subestimei a situação dos guardas.

Fique mole. Sempre, esse era o conselho de Iolaus nessas situações: Seja escorregadia, como uma enguia. Exceto que, desta vez, ela permite que suas emoções reinem e luta descontroladamente, porque o prêmio aqui, a biblioteca, parece maior do que a própria sobrevivência na arena. Antes que o guarda consiga estrangulá-la até a morte, no entanto, ele a arremessa para fora do prédio, como se ela não fosse mais do que uma bola em um jogo de episkyros[2]. Ela atinge o chão rolando, cobrindo-se de poeira ao longo do caminho, antes de parar perto da fonte. Ela fica ali deitada por um tempo. O mendigo que ela havia subornado mais cedo olha para ela com pena. Chegamos a isso, ela pensa. Esfregando o pescoço, ela se senta e encara a porta perpetuamente fechada para ela. Ainda está sentada no chão quando a Imperatriz e um punhado de guardas pretorianos, incluindo Pullo, a encontram.

Para seu crédito, Xena está divertida. “Eu devia saber que você estaria aqui.” Ela estende um braço para Gabrielle, que se agarra a ele e se levanta.

“Por que você não está no palácio?” Gabrielle solta sem pensar.

“Fiquei entediada. Além disso, quanto mais eu ficar barricada como uma prisioneira, mais as pessoas vão me ver como fraca e com medo. Preciso começar a agir como uma governante, e não como uma refém.”

A gladiadora sacode a poeira de sua túnica. “Potino ainda está à solta.” Ela lembra gentilmente à Imperatriz sobre o eunuco conspirador de Ptolemeu. O ex-rei havia sido encontrado morto, afogado no Lago Mareotis, dias atrás.

“Eu sei. Mas sem seu rei, ele está impotente. Ainda assim, ele pode procurar Cleópatra e se aliar a ela. É por isso que é importante encontrá-la o mais rápido possível.” A Imperatriz lança um olhar longo e admirado ao edifício. “Faz muito tempo desde que estive aqui pela última vez.”

“Você esteve na biblioteca?” Gabrielle percebe que sua boca está aberta. Ela a fecha, apenas para abri-la novamente: “Eu pensei que não permitiam mulheres…”

“Oh, não foi na biblioteca propriamente dita. Há um mitreu embaixo do edifício. Foi onde eu tive minha iniciação.” Diante das expressões curiosas de Gabrielle e Pullo – que parou de limpar as unhas com uma faca e que, como muitos soldados, respeita o culto de Mitra além das palavras – ela provoca ainda mais: “Tive que lutar contra um touro nua, cortar sua garganta, drenar o sangue, e então eles me colocaram em um poço e jogaram o sangue em mim. Bons tempos.”

Pullo se pergunta se uma declaração de amor seria inoportuna. Sabiamente, mantém-se em silêncio.

Esfregando o queixo, Xena mais uma vez olha para o prédio. “Obviamente, eles ainda têm os gigantes guardando o lugar – caso contrário, você teria conseguido entrar.” A Imperatriz então faz algo curioso. Como se estivesse procurando por algo, ela anda de um lado para o outro. Finalmente, encontra o que quer: uma grande pedra que cabe perfeitamente em sua mão. “Pullo, traga um desses idiotas gigantes aqui fora.”

Pullo caminha com confiança até a porta, abre-a com esforço e berra: “Ei! Barrigudo! Uma palavrinha, por favor!” Ele quase é atropelado quando um guarda gigante, furioso, corre para fora.

Tudo acontece tão rápido que Gabrielle não consegue apreciar a forma perfeita do arremesso: o preparo, o giro, o torque do longo braço de Xena enquanto ela lança a pedra pelo ar, atingindo o guarda bem entre os olhos. O sangue floresce em seu rosto, e ele desaba, morto, sem emitir som algum além do estrondo de sua queda.

“Muito bem!” Xena solta um suspiro de satisfação. “Isso deve mandar uma mensagem.”

Enquanto Pullo circula cautelosamente o gigante, procurando sinais de vida, Gabrielle só consegue encarar a Imperatriz, espantada.

“Os gigantes têm um ponto fraco,” Xena explica. Ela bate em um ponto acima da ponte do nariz. “Aqui. Você acerta eles ali, estão praticamente mortos. Acho que você nunca enfrentou um gigante na arena, né? Ainda bem. Agora ouça.” Xena esfrega as mãos, empolgada. “Aqui está o plano. Vamos dizer ao bibliotecário que você é minha escriba pessoal e que precisa de acesso ilimitado à biblioteca para pesquisar – sistemas babilônicos de esgoto para um projeto de melhoria urbana sancionado pela realeza. Certo?” A Imperatriz interpreta o alarme e a confusão de Gabrielle como total conformidade. “Excelente. Vamos lá. Pullo, pode levar o gigante embora?”

Pullo franze o nariz. “Pra onde?”

“Você vai descobrir,” retruca Xena. Eles empurram as grandes portas, e uma lufada de ar fresco os recebe.

Gabrielle pensa no pobre e magro homem idoso que encontrou antes e pergunta, apreensiva: “Você não vai matar o bibliotecário também, vai?”

“Não estou planejando isso. De alguma forma, suspeito que seria mais difícil matá-lo do que o gigante.”

Uma leitura leve

Ela não sabe por onde começar. Fileiras e mais fileiras de estantes, abarrotadas de pergaminhos, até onde a vista alcança – como estão organizadas? Por autor ou por assunto? Por que alguns estão encapados com couro ou linho e outros não? E por que o antigo bibliotecário pairava tão perto dela, nervoso e esquivo nas volumosas dobras de sua túnica? Ela sabe o porquê. Mas o velho não está tão desconfortável a ponto de não usar sarcasmo: “Imagino,” murmura ele, arqueado, com os lábios contraídos, enquanto lança outro olhar ao corpo musculoso e escassamente vestido de Gabrielle, “que você quer ler Safo.”

Gabrielle desvia o olhar dos pergaminhos. “Quem?”

Os longos dedos ossudos e frágeis do bibliotecário se abrem dramaticamente ao lado de suas têmporas. “Os deuses me guiem. Você é ainda mais primitiva do que eu imaginava.”

Como Gabrielle suspeitava, este velho enrugado, que ela havia encontrado em sua primeira entrada na biblioteca, era de fato o chefe dos bibliotecários. Seu nome era Apolônio. Para seu crédito, ele se saiu bem durante a visita inesperada da Imperatriz – mesmo depois que ela matou seu guarda favorito – e foi informado friamente de que não tinha escolha a não ser permitir que uma mulher bárbara, empoeirada e desleixada, vagasse livremente dentro da grande e sagrada biblioteca. A gladiadora podia perceber que ele não acreditava por um momento sequer na história sobre os sistemas de esgoto babilônicos; mas alguém não chegava à idade dele, muito menos ascendia a uma posição de considerável poder, sendo excessivamente ou estupidamente conivente com regras arbitrárias.

Apolônio caminha arrastando os pés pelo labirinto da biblioteca, um minotauro melancólico perseguido por uma curiosa Teseu. “Eu gostaria que você usasse uma túnica. É o mínimo apropriado.”

Está quente. Mas ela percebe que ele poderia ser muito menos receptivo. “Claro. Usarei uma da próxima vez.”

Ele grunhe e para abruptamente. “Ah. Aqui estamos.” Ele remexe em uma estante, jogando pergaminhos no chão. Alarmada e discretamente horrorizada com tal tratamento descuidado, Gabrielle os reúne e os segura nos braços como se fossem um bebê envolto em pergaminhos.

“Pessoalmente,” diz Apolônio enquanto estreita os olhos para alguns pergaminhos aqui e ali, “acho que ela é superestimada. Ginástica erótica. Importunando Afrodite por causa do amor de alguma pastora de olhos bovinos ou o que quer que seja. Mas, pelos deuses, ela é popular. É por isso que temos quase cinquenta cópias de tudo o que ela escreveu!” Ele troca o pacote nos braços de Gabrielle por um novo, presumivelmente da poeta superestimada e muito popular. “Leve-os – para o palácio, se quiser. Não me preocupo com eles. Como eu disse, temos muitas cópias. Agora.” Apolônio suspira. “O que vem a seguir?” Seus longos dedos tamborilam pensativamente contra os lábios. Ele olha para a gladiadora como se ela fosse um projeto – algo a ser consertado, não muito diferente das prateleiras instáveis que abrigam os pergaminhos de retórica.

Então, todos os nomes, adormecidos na mente de Gabrielle, mas retidos e catalogados através de anos de conversas ouvidas entre os intelectuais de Cato durante jantares e pergaminhos parcialmente lidos fornecidos pela filha mais velha de Cato, todos eles, como reforços durante uma batalha, diligentemente ressurgem na linha de frente de sua consciência. “Anaxágoras. As Histórias de Estrabão. Sobre o Estado Original das Coisas, de Protágoras. Plínio, o Velho, especialmente seu trabalho sobre retórica-” ela para para respirar.

Apolônio faz uma pausa. “Bem,” ele finalmente admite, “talvez você não seja completamente sem esperança.”

Fazendo uma entrada com seu estilo usual

Nas semanas que se seguem, Gabrielle se vê mergulhada no que facilmente considera a rotina mais feliz e satisfatória de sua vida até então: manhãs passadas na biblioteca, tardes divididas entre leitura no palácio de quaisquer pergaminhos que Apolônio lhe permita emprestar e atendendo à Imperatriz quando necessário. Às vezes, à noite, ela perambula pelo palácio e seus arredores, antecipando problemas – ansiando por eles, na verdade, porque, embora sua mente agora esteja bem além de suas habituais expectativas humildes, seu sangue ainda canta por combate.

Na vasta suíte da Imperatriz, Gabrielle está sentada no parapeito de uma janela, observando periodicamente o pátio e os arredores em busca de atividade. Satisfeita por enquanto, volta sua atenção para as Histórias de Estrabão. Está lendo fora de ordem porque Apolônio perdeu os volumes iniciais. Não importa. Ela se perde na jornada de Estrabão ao Reino de Cuxe.

Até que Xena irrompe no quarto, acompanhada do mau humor usual que fermenta após um dia inteiro ouvindo e resolvendo queixas da população. Ela queria parecer uma “governante comum” para os alexandrinos e, infelizmente, seu desejo foi atendido, ao menos em parte, pois o povo comum não tem pudores em peticionar à Imperatriz sobre viadutos quebrados, a paternidade do bebê de uma escrava ou cabras roubadas.

Em uma concessão ao protocolo, Xena veste-se com o traje típico de uma realeza egípcia, incluindo a pesada peruca trançada de cabelos pretos rígidos, com franja e fios de ouro. No entanto, assim que a porta se fecha, ela arranca a maldita peruca da cabeça, xinga os egípcios, seus rituais e estilos, e a invisível e desaparecida Cleópatra, que é o ícone desse estilo. Ela joga a peruca para um escravo, que mal consegue segurá-la. Os outros atendentes a cercam como presas, aproveitadores prontos para pegar um bracelete ou um pedaço de seda, devoradores de cada desejo antecipado.

“Saíam,” ordena ela.

Os atendentes desaparecem imediatamente. Gabrielle, seguindo o exemplo, reúne seus pergaminhos, pronta para se retirar para o santuário de seu pequeno quarto. Um pergaminho escapa e rola provocadoramente pelo chão.

Xena a encara com um olhar penetrante. “Você, não.”

Gabrielle senta-se, mas não ousa abrir os pergaminhos.

“Por que administrar Alexandria é tão tedioso quanto administrar Roma?” Xena reflete em voz alta. “Não responda.” Ela se inclina e arranca dos pés um par de sandálias que parecem dolorosas. “Zeus. Se é que isso é possível, eles são ainda mais patéticos que os romanos – mais choramingas, reclamando das coisas mais ridículas-” Xena para abruptamente. “Droga.” Ela passa a mão pelo cabelo suado e murchado. Fica imóvel. “Por quê? O que estou fazendo?”

Ignorando a pergunta retórica, Gabrielle olha com saudade para Estrabão. Quando volta a olhar para Xena, percebe que a Imperatriz está tirando seu vestido cerimonial. O que você está fazendo? Você está tirando a roupa na minha frente. Como escrava, Gabrielle estava mais do que acostumada a estados de nudez entre homens e mulheres em casas romanas comuns; ela até viu mais de Cato do que gostaria. Então, ela não faz ideia de por que ver esta mulher em particular completamente nua é tão… desconcertante.

Especialmente porque Xena parece tão casual quanto a isso. “Me diga o que está lendo.” A Imperatriz rapidamente passa uma escova pelos cabelos. Enquanto está nua.

Cicatrizes. Estou lendo cicatrizes. Xena tem algumas, nada muito sério, exceto uma longa que atravessa seu torso – Gabrielle consegue perceber que o ferimento foi cauterizado, e não costurado – e outras menores na perna direita, o padrão sugerindo vários golpes de uma maça. De repente, essas cicatrizes se tornam tão fascinantes quanto os pergaminhos aos seus pés. No entanto, o mais marcante é algo inorgânico: uma fina corrente de ouro que circunda a cintura da Imperatriz. Gabrielle percebe que Xena espera uma resposta e tenta dizer “Estrabão”, mas o que sai é um ruído estranho, como o piar de um filhote faminto.

Xena parece intrigada, como se a gladiadora estivesse tentando conversar em uma nova língua. “O quê?”

“A corrente,” Gabrielle finalmente diz. “A corrente que você está usando. É muito… bonita.” Aquele calor no rosto – será que ela está doente novamente?

“É um cinto de castidade.”

Gabrielle pisca.

“Era pra você rir. É uma piada.”

“Ah.” Ela não ri.

“Se eu dependesse de você para ser um bajulador ou um pau-mandado, gladiadora, eu teria que executá-la.” Xena suspira e coloca um robe. “Venha comigo. Vou aos banhos.”

“Eu já me banhei hoje.” Descontente, Gabrielle franze a testa. “Estou fedendo?”

Xena lhe lança um olhar exasperado.

“Ah!” Rapidamente, a gladiadora troca o pergaminho pela espada.

No banho, o conforto da água morna envolve a Imperatriz. Antes de entrar na piscina de mármore, porém, Xena remove a corrente – franzindo a testa enquanto a enrola em sua mão, percebendo o quanto está cansada dela e do que ela representa. Ela está aliviada por a taciturna gladiadora não ter feito perguntas sobre a corrente. De fato, é um “cinto de castidade”, outro dos curiosos presentes “engraçados” de César, dado a ela na noite de núpcias. “Eu sei que você não será uma enfadonha matrona romana. Sei que você não será fiel. E eu também não serei. E é exatamente isso que eu quero.” Isso dito enquanto ele colocava a corrente, fria contra sua pele suada, e beijava um caminho ao longo de suas costas. Ela riu com ele sobre isso, professando alívio por ele ser tão “esclarecido”, embora ele parecesse um tanto autossatisfeito com tudo aquilo. Foi apenas na névoa leitosa da manhã que ela, silenciosamente, se incomodou com o presente, com a suposição de que ela, pelo menos para ele, não era digna da expectativa de exclusividade, daquele esforço pela fidelidade. Para César, a única lealdade necessária que ela deveria possuir era para com Roma, e aparentemente sua existência como uma pirata sem rumo o tinha convencido de que ela era incapaz de qualquer tipo de lealdade, exceto aquela que gerasse poder e privilégio.

Ela mergulha sob a água. Quando emerge, a gladiadora está ajoelhada na beira da piscina, com um ar quase de ninfa expectante, criando uma estranha e abrupta intimidade entre as duas. Gabrielle está tão próxima que as cores mutantes e estranhas de seus olhos, como um mosaico que reflete os humores e luzes do dia, tornam-se quase inescapáveis. Para recuperar o equilíbrio, Xena foca momentaneamente no pé sandaliado da gladiadora, na panturrilha musculosa, nas pequenas cicatrizes no joelho que lembram um cardume de peixes prateados, antes de voltar a encarar o olhar de Gabrielle.

“Sim?”

“Há dois egípcios – Pullo diz que eles são ex-soldados do exército de Ptolemeu – pedindo uma audiência com você agora. Eles trazem um presente.”

Xena ri sem alegria e apoia a cabeça nos braços úmidos. “Como se isso tivesse dado tão certo da última vez.” O leve sorriso que Gabrielle oferece a ela, Xena pensa, valerá qualquer que seja o incômodo presente.

Uma hora depois, já vestida e com o cabelo ainda irritantemente úmido contra o pescoço, Xena observa sombriamente enquanto os dois egípcios tropeçam em sua antecâmara, carregando desajeitadamente entre eles um tapete velho e surrado. Os ex-soldados não estão em condições melhores que o tapete: seus uniformes estão sujos e esfarrapados, e suas sandálias empoeiradas e quebradas batem ruidosamente contra o piso de mármore enquanto se aproximam.

Xena olha criticamente para o tapete disforme, imaginando se desta vez decidiram trazer uma naja – ou um exército de najas:

“Vocês só podem estar brincando comigo.”

“Imperatriz,” começa um dos soldados em um tom baixo e untuoso, “rogamos a você, por favor, não se deixe enganar pela aparência humilde deste presente. Pois o que ele contém é, de fato, inestimável.”

A Imperatriz aperta o nariz entre os dedos. “Deixe-me avisar desde já – se o corpo de Pompeu estiver aí dentro, vou matar vocês dois na hora.”

Ambos os soldados balançam vigorosamente a cabeça. Xena lança um olhar para a gladiadora, que está de pé com sua postura fluida, enganadoramente relaxada, mas cuidadosamente preparada, como um gato pronto para atacar.

“Muito bem, rapazes. Vamos ver o que vocês têm.”

O tapete se desenrola e de dentro dele cai uma mulher. Cleópatra, é claro. O primeiro ato da rainha egípcia ao ser libertada do tapete velho e empoeirado para o santuário do palácio real é espirrar várias vezes.

“Modo de transporte horrível,” murmura para ninguém em particular.

Xena estuda a rainha: pequena, ainda mais baixa que a gladiadora; esbelta, mas com curvas apelativas; pele bronzeada; rosto dominado por um nariz grande e lábios finos – mas também possuindo olhos dourados e hipnotizantes que avaliam desafiadoramente a Imperatriz, esta intrusa em terras ptolemaicas, esta convidada posando como dona do palácio. Atraente, pensa Xena, mas não a magnífica criatura sobre a qual os escribas tanto escrevem. Xena despeja vinho em uma taça, hesita, depois despeja mais em outra taça.

“Boa artimanha.” Ela ergue um brinde a Cleópatra. “Remonta a Dido de Cartago. Dizem que ela usou isso para seduzir um rei tiriano. Enéias, é claro, recebeu um tratamento mais direto – os romanos geralmente ficam perplexos com rituais de acasalamento elaborados.”

“E você saberia, não é?” Cleópatra retruca, e então faz uma pausa para garantir que sua resposta não seja interpretada como hostil. Ela ri suavemente. “Bem. Fui avisada de que você não se impressiona facilmente.” Recusando a ajuda de seus soldados com um gesto, ela se levanta.

“Mas você não é uma romana, Xena de Anfípolis.”

“Verdade.” Xena entrega uma taça de vinho à rainha e, com esse gesto simples, inicia a dança – o ritual delicioso marcado pelo toque familiar da perseguição. Ainda assim, desta vez, o prazer é diminuído pelo fato de Gabrielle ser testemunha dessa parte predatória de si em ação. “Está decepcionada por eu não ser César? Ou Marco Antônio?”

Cleópatra olha para o interior da taça. “Eles são lendários.” Erguendo os olhos para Xena, ela libera um sorriso tão inesperadamente deslumbrante que sua reputação como grande beleza agora se confirma de forma arrebatadora. “E você também.”

É um elogio fácil, parte do jogo – ou melhor, da cerimônia de abertura. E, como competidores em qualquer esporte, as duas monarcas ignoram o tédio ansioso dos atendentes de Cleópatra, que se concentram apenas na possibilidade de conseguirem sua primeira refeição decente em semanas, e o divertimento de Gabrielle, que revira os olhos diante desse espetáculo aparentemente ridículo e se pergunta o quão grande e transcendente a beleza realmente é quando não passa de uma maquinação em busca de poder.

[1] Serápis foi uma divindade sincrética helenístico-egípcia da Antiguidade Clássica. Seu templo mais célebre localizava-se em Alexandria, no Egito.

[2] Episkyros era um jogo de bola da Antiga Grécia, jogado por duas equipas de 12 a 14 jogadores cada, em um campo delimitado. O nome do jogo vem do grego antigo Epískyros, que significa “bola comum”.

Nota