Parte III
por Fator X - LegadoPARTE 3
A Guerra Civil Americana, também conhecida como Guerra da Secessão, foi motivada pela oposição dos congressistas nortistas dos Estados Unidos da América à escravatura dos negros pelos Estados do sul, que os usavam nas plantações de algodão.
Mas segundo o senador sulista Jefferson Davis, “não era o sentimento de humanidade que influenciava os congressistas nortistas a defender o fim da escravidão, mas sim porque tinham a maioria no Congresso e queriam uma legislação para promover a indústria do norte, às expensas do povo do sul.”
Realmente, os nortistas achavam que a escravatura não era mais um
bom negócio para os seus interesses comerciais. A indústria cresceria
mais com os negros livres.
Com a eleição do presidente Lincoln, favorável ao fim da escravidão, os Estados sulistas Carolina do Sul, Mississippi, Flórida, Alabama, Geórgia, Louisiana e Texas cessaram de pertencer à União, (daí o nome Guerra da Secessão), se desligando do governo central e formando os Estados Confederados.
Na madrugada de 12 de abril de 1861, a artilharia sulista bombardeou o Fort Sumter, situado em Charleston Harbor, transformando o clima de tensão que crescia entre a União e os Estados Confederados em uma guerra civil que produziria 600.000 mortos e 300.000 feridos, no decorrer de quatro anos e dois meses.
Charles Talbot reuniu a família na biblioteca e deliberou, depois de ficar pensativo mascando o seu charuto:
-Temos que agir rápido. Breve todas as estradas, ferrovias e portos estarão bloqueados pelos ianques. Sherry e Vivien, vocês serão levadas para New York por um homem de minha confiança. Ficarão na casa que possuo lá e me aguardarão se juntar à vocês dentro de uma semana.
Vivien se colocou de pé, desagradavelmente surpresa.
-Por que devemos ir para New York? Estamos seguras aqui na fazenda!O nosso estado não é confederado!
-Não por muito tempo. O Estado da Virgínia ainda não se juntou aos estados confederados, mas acredito que agora não demorará muito para fazer isso. Temos que sair daqui antes que sejamos impedidos. E pelo que conheço do norte, o sul não vencerá essa guerra. Os ianques possuem as fábricas de armas e munições, além de uma maior frota de navios, infraestrutura e maior número de soldados. Mais cedo ou mais tarde, os estados confederados cairão de joelhos. E não quero estar aqui para ver isso. Felizmente tenho meus negócios de exportação em New York.
-Pai, por que você e Vicent não vão logo para New York com nós duas? – Perguntou Vivien, ainda atordoada com os acontecimentos.
Ele a fitou preocupado, esquecendo que havia proibido ela de se dirigir à ele. Mas a guerra mudava tudo. Subitamente, o modo de Vivien se vestir não era tão importante. Numa guerra, o importante era viver. O resto era supérfluo.
-Temos que deixar as coisas organizadas, delegar poderes e tarefas, selecionar o que devemos levar para New York. Calculo que poderemos viajar dentro de três dias.
-Podemos esperar. Acho melhor viajarmos todos juntos – Disse Vivien, com ar decidido – Não viajarei sem você e Vicent, pai.
Charles Talbot fitou Vivien e viu o olhar resoluto dela. Sorriu, sabendo que ela não aceitaria deixá-los ali e ir embora com medo da guerra, como qualquer mocinha da idade dela. E sentiu orgulho da coragem da filha.
-Está bem, sei que será inútil tentar mudar sua mente… vá então começar a separar o que deseja levar, filha. Aconselho a levar o que tem de mais valor. Não sei o que acontecerá com nossa casa.
E assim foi feito. Vivien pegou suas joias, herança de sua mãe para ela, separou uma dúzia de suas melhores roupas, botas e outros objetos.
Vicent queria casar o quanto antes e levar Audrey Lancaster com ele, mas o pai desaprovou a idéia:
-Estamos no início de uma guerra, filho. Não é uma boa época para começar uma família. É melhor você sair daqui sem outra pessoa para cuidar. Não sabemos se você será convocado para lutar.
-Mas pai, eu amo Audrey Lancaster! E quero casar-me com ela!- Protestou Vicent.
-O casamento pode esperar. Não vou apoiar sua idéia. Essa moça nem parece gostar de você. Talvez seja um aviso do destino, essa guerra. Não vai se casar agora, Vicent. Se ela gosta realmente de você, ela esperará a guerra acabar. Assunto encerrado.
Vicent não ousou, como sempre, desafiar o seu pai. Calou-se, mesmo inconformado com a decisão dele. Mas escondido foi até a fazenda dos Lancaster para se despedir da noiva.
Para a madrasta de Vivien, Sherry, parecia que a guerra simplesmente não existia. A Virgínia não era um estado confederado e isso lhe bastava para ignorar o aborrecido acontecimento.Na mesa do jantar só comentava sobre a festa da noite anterior, enquanto olhava para Vivien com deboche.
Vicent estava sombrio, sem olhar para ninguém, e Vivien calculou que ele estava triste em não poder casar-se com Audrey Lancaster. Entendia a tristeza dele. Se estivesse no lugar dele, estaria assim também. Ter que deixar a bela Audrey para trás, sem saber quando poderia voltar, devia ser angustiante. Ela mesma estava triste em pensar que talvez nunca mais visse Audrey. Aquele anjo de olhos verdes como os campos de sua terra…
-Vivien!
Vivien ouviu o chamado impaciente e fitou a madrasta com olhar frio.
-O que é?
-Estou falando com você há tempos, e você não me responde!
Vivien se armou de paciência e encarou a mulher .
-Bem, estou ouvindo agora! O que quer me dizer?
-Estava falando que você perdeu uma bela festa! O noivado de seu irmão com Audrey Lancaster! Se você se vestisse decentemente, poderia ter ido e ver como haviam rapazes de boas famílias, solteiros e educados! Os Matersons, os Simpsons, os Wesley, os Clayton…e as moças estavam deslumbrantes em belos vestidos trazidos de New York!
Vivien a fitou com desprezo, falando com frieza:
-Estou pouco me importando com essas idiotices! Se você quer falar sobre festas, procure outros ouvidos que gostem de ouvir futilidades!
Sherry a fitou com ar ofendido.
-Oh, você acha esse assunto uma futilidade! É por isso que não dá atenção às roupas que usa, vestindo-se de modo ridículo para uma lady! Como está enganada, minha cara! A aparência é tudo! Sem boas roupas e cabelos bem cuidados e no tamanho certo, parece mais uma de nossas criadas, e nenhum homem que seja um gentleman irá sequer olhar para você! – Completou, maldosa.
Vivien cerrou os punhos, fitando-a encolerizada.
-Cuide de seus próprios assuntos e deixe-me em paz!
Charles Talbot ergueu os olhos do prato, aborrecido. Fitou a mulher com reprovação.
-Sherry, quer parar de provocar minha filha? Ela já foi castigada, não pôde participar da festa. E você fica aí provocando-a!
Sherry o fitou com olhar inocente.
-Eu, provocando-a? Meu Deus! Só estou querendo incutir um pouco de bom senso na cabeça dessa menina!
-Que bom senso? Você não tem senso nenhum! É uma perdulária, não sabe administrar uma casa, só fala bobagens! – Disse Charles Talbot, com dureza.
Sherry o fitou chocada. Vivien e Vicent se entreolharam. Lá vinha mais uma briga entre eles. No pouco tempo que Vivien estava em casa, já havia visto seu pai e a mulher dele brigarem dezenas de vezes.
-É isso o que pensa de mim?! Então, por que casou-se comigo? Pois eu mesma respondo, não precisa procurar o motivo: por que você sabia que não conseguiria arranjar uma mulher melhor que eu, seu velho babão! Eu sou ainda jovem, mas você é um velho! Não é mais um homem !
Vivien e Vicent se assustaram. Sherry nunca antes insultara o velho Talbot de forma tão humilhante!
Charles Talbot estava escarlate, o rosto contorcido numa expressão de profunda ira. Ele ergueu a mão, apontando para ela, dizendo ofegante:
-Sua… sua vagabunda! – Falou, começando a se erguer – Eu estava louco quando casei com uma mulher como você! Mas agora chega… você vai embora… dessa… casa…
O fôlego faltou. Charles Talbot arregalou os olhos, levou a mão ao peito e caiu para trás, pesadamente. A cadeira virou com o impacto e Vivien e Vicent se ergueram em um pulo, gritando de susto.
Vivien correu para ele e colocou a cabeça do pai em sua coxa, olhando-o aflita. Ele estava desmaiado, com uma expressão de dor. Ela fitou Vicent, que os olhava agachado ao lado, segurando a mão do pai, apavorado.
-Vá chamar o doutor Prescot! Ele está desmaiado, Vicent! – Gritou ela.
Vicent saiu da sala gritando pelos criados. Vivien fitou sua madrasta acusadoramente. Ela fingia consternação, com as mãos no rosto.
-Se ele morrer, será por sua culpa, sua vìbora! – Jogou, com tom ameaçador – E eu juro que vou expulsá-la daqui a pontapés!
Quando o médico chegou, pouco pôde fazer. O coração do velho Talbot não resistiu e ele faleceu quando o dia raiava.
A casa virou um pandemônio, com os criados andando sem rumo, chorando a perda do patrão que sempre os tratara com tolerância e brandura. Mooke chorava copiosamente em um canto e Vicent caíra em um abatimento total, com um olhar perdido no espaço. A viúva de Charles Talbot choramingava que ela não tinha culpa, o velho já estava doente e nunca se cuidara.
Foi Vivien quem tomou as rédeas da situação. Mandou os criados irem preparar o salão principal para o velório, mandou dois outros irem preparar o corpo de seu pai, vestindo-o com seu melhor terno, sacudiu Mooke com energia, dizendo que precisava dela, fazendo-a ir fazer suas tarefas vespertinas, e saiu para ir tratar do funeral.
Quando ela voltou, por volta de meio-dia, com três homens transportando numa carruagem o esquife e flores, seu pai foi colocado no caixão forrado de cetim branco e coberto de flores, no centro do salão, com castiçais de prata nos quatro cantos, com longas velas acesas. Ela vistoriou tudo, dando o seu toque final.
Todos a olhavam assombrados com o seu dinamismo e aparente frieza. Mas se olhassem bem em seus olhos, veriam a dor em seus olhos sombrios. Vivien sabia que tinha de ser forte. Vicent estava aparvalhado com a morte do pai e a viúva Sherry não tinha a menor iniciativa para as atitudes práticas que o acontecimento requeria. Ela tinha que sufocar sua dor e agir, tomar a frente de tudo.
Ela foi para o quarto e tomou um banho, vestindo o vestido negro que comprara para o funeral. Devia esse respeito ao seu pai, nesse dia. Prendeu os cabelos e olhou-se no espelho. O vestido a transformara novamente em uma bela moça, apesar de ser austero, com gola alta e mangas compridas, com punhos de renda francesa. O espartilho a tornava ainda mais esguia e a saia rodada, sustentada por cinco anáguas, dava-lhe um ar de distinta dama.
Foi para o salão, sua saia armada fazendo um ruído peculiar, com seus passos. As primeiras pessoas que conheciam seu pai já começavam a chegar. O xerife, o prefeito, o tabelião…
Ela notou Vicent chorando em um canto. Ela se aproximou dele e o segurou pelos ombros. Ele a fitou com os olhos vermelhos de chorar.
-Precisa ser forte, Vicent – Disse, baixinho – Você agora é o chefe da família.
Ele a fitou com ar amedrontado.
-Não!… não quero ser chefe de nada…eu… não entendo nada de negócios, Vivien… oh, Deus, não sei o que vou fazer de minha vida agora…
-Depois falaremos sobre isso. Agora, reaja! Porte-se como um Talbot ! Erga a cabeça e pare de chorar! – Disse Vivien, com energia, mas baixo – Também estou sofrendo a morte de nosso pai, Vicent… mas tenho que deixar as lágrimas para depois!
Ele a fitou com tristeza.
-Eu não consigo… sinto-me perdido, sem meu pai… – Soluçou ele.
Nesse momento, Audrey Lancaster chegou com seu pai e a mãe. Eles se aproximaram e o velho Lancaster pousou a mão no ombro de Vicent, falando com voz branda:
-Vim assim que soube, rapaz… lamento muito… seu pai vai fazer falta…
Vicent abraçou o homem, chorando.
Audrey olhou com vivo interesse para Vivien. Seus olhos se encontraram e Vivien sentiu um arrepio em sua nuca. Como Audrey era linda! Parecia um anjo, uma visão do paraíso, em meio a tanta tristeza.
Elas foram apresentadas por Vicent, que procurou se recompor diante da noiva. Os olhos de Audrey fitaram os de Vivien com compaixão, enquanto tomava as mãos de Vivien nas suas, apertando suavemente. Vivien pareceu sentir um choque com o contato, estremecendo.
-Infelizmente não posso dizer muito prazer, devido à circunstância, Vivien… – Disse Audrey, com voz doce – Lamento muito a sua perda.
-Obrigada, Audrey… – Murmurou Vivien, emocionada.
Audrey sorriu e soltou a mão de Vivien. Os pais da moça deram os pêsames à Vivien e ela respondeu automaticamente, vendo Vicent segurar a mão de Audrey e a puxar para um canto da sala. Ela notou que Audrey fitou seu irmão com um olhar nada afetuoso ou piedoso. Ela parecia aborrecida e Vivien passou por eles, a tempo de ouvir Audrey dizer com voz fria:
-Pare de chorar, Vicent! Você é um homem! Veja o exemplo de sua irmã: está controlada e recebendo as visitas com dignidade. Por que não faz o mesmo?
-Você nunca vai me perdoar, Audrey? – Disse Vicent, com lamento na voz.
Vivien se afastou, não querendo ser indiscreta. Mas aquele diálogo ficou em sua cabeça: o que Vicent fizera, para perguntar se Audrey não iria perdoá-lo?
Outras pessoas começaram a chegar. Vivien recebia as pessoas, abafando sua própria dor, para poder cumprir sua tarefa. Sentia o olhar de Audrey seguindo-a, ignorando o noivo ao seu lado, e isso a fazia pensar mil coisas, não podendo acreditar que que o que motivava aquela atenção fosse o mesmo sentimento que sentia pela garota. Por que ela a olhava tanto? Curiosidade? Não sabia, mas estava se sentindo feliz com aquela atenção. Oh, que pecado! Seu pai ali morto, e ela feliz com o olhar de Audrey! Procurou esquecer da presença da moça, mas era difícil.
Audrey e os pais foram embora à noite. Audrey e a mãe ajudaram a receber os visitantes, servindo café, água, pegando cadeiras para as senhoras de mais idade se sentarem.
Audrey se aproximou de Vivien, que estava de pé ao lado do esquife e pousou a mão em seu braço, suavemente, dizendo baixinho:
-Vivien, deve ir descansar… já passa das oito da noite e amanhã será um dia duro. A maioria das pessoas já se retiraram.
Vivien olhou para Audrey, agradecida.
-Tem razão, vou recolher-me. Tomar um banho quente e descansar um par de horas. Amanhã será um dia duro. Obrigada, Audrey. Você nos ajudou muito hoje. Também deve estar cansada.
-Meus pais já estão se despedindo dos amigos. Logo iremos para casa. Até amanhã, Vivien. Que Deus lhe dê forças para enfrentar o dia de amanhã.
E Audrey se foi, deixando Vivien com sua tristeza.
O funeral foi realizado na manhã seguinte. Após a missa de corpo presente na igreja, Charles Talbot foi enterrado no mausoléu da família, ao lado da sua primeira esposa.
Vivien voltou para casa com o irmão e a madrasta, que se mantivera com um olhar compungido, de viúva sofredora. Vicent não parava de chorar e Vivien teve que metê-lo na cama com um chá de camomila quente. Depois, foi deitar exausta.
No escuro do quarto, ela ficou pensando como tudo mudara de repente. A guerra, a morte do pai…a sua paixão impossível por Audrey…e agora, como seria? Sem o pai, ela e Vicent teriam de tomar as rédeas dos negócios. E como Vicent, não sabia nada dos negócios do pai, mas não podia deixar tudo cair nas mãos da insuportável Sherry, que derreteria toda a fortuna deixada pelo marido. Então, se Vicent recusasse a tarefa, ela teria que tomar tudo nas mãos.Teria que ser forte pelos dois.
Pensou em seu pai com carinho e saudade. Nunca mais o veria! Nunca mais ouviria seu riso, sua voz! O seu querido pai, que amava tanto! Lembrou de várias fases de sua vida com ele, de cenas felizes de sua infância.
Finalmente, ela cedeu ao seu sentimento de dor, sufocado em um ar de aparente calma para enfrentar a tragédia, e o deixou vir à tona e fluir em forma de pranto. Chorou durante muito tempo, até adormecer.
Mal o dia clareou, ela acordou e se levantou. Chamou Mooke para preparar seu banho. Mooke fez seu trabalho em em silêncio, entendendo que Vivien não queria falar sobre o dia anterior. Ela esfregou as costas de Vivien, trouxe-lhe a toalha e avisou, com voz contida:
-Vou fazer o café da manhã. Se precisar de mim, me chame, miss Vivien.
-Está bem, Mooke.
Ela vestiu o culote cinza, que moldava suas pernas longas, a blusa de seda negra e calçou as botas. Escovou seus cabelos e foi ao quarto de Vicent. Ele ainda dormia e ela o sacudiu levemente pelo braço. Ele abriu os olhos e a fitou surpreso.
-Já acordou? É ainda tão cedo!
Ela puxou as cobertas dele, sorrindo.
-Levante-se, preguiçoso! Temos muita coisa para decidir!
Vicent sentou na cama, passando as mãos pelos cabelos bastos. Olhou-a atordoado.
-Decidir o quê?
-Temos que decidir sobre a administração dos negócios de nosso pai. Temos que fazer uma reunião familiar. Durante o velório de nosso pai, o tabelião, sr. Altman, disse-me que papai fez um testamento recentemente. Está em seu poder. Ele virá aqui amanhã para fazer a leitura. Com a guerra, não podemos esperar muito.
Vicent a fitou com tristeza.
-Não quero administrar esses negócios, Viv. Não sei muita coisa sobre eles e sei que não saberia administrá-los bem. Você quem deve administrá-los.
Vivien fez uma expressão decepcionada.
-Você é muito medroso, Vicent! Eu também não sei nada, mas não quero que os negócios caiam nas mãos de Sherry. Se você se recusar, eu tomarei à frente deles. Aprenderei rápido, tenho certeza, a administrá-los.
-No que depender de mim, eu passarei para você cuidar. Você é mais dinâmica e esperta, Viv – Replicou ele, pensativamente – Eu não estou com cabeça para administrar negócios.
Ela o fitou preocupada.
-Está havendo algum problema com você e sua noiva, Vicent?
Ele a encarou.
-Por que pergunta isso?
-Bem… durante o velório me pareceu que vocês discutiam… ela parecia de mau humor…
Ele baixou a cabeça.
-Audrey está com ódio de mim, Viv. Por ela, nosso noivado já teria acabado.
Vivien o fitou com o coração disparado. Audrey não queria casar com Vicent!
-Ódio de você?! O que você fez, para provocar esse ódio, Vicent?
-Não quero falar sobre isso agora, Viv.
-Está bem. Agora vou mandar Mooke chamar Sherry. Espero-o na biblioteca, não demore.
-Ok, logo estarei lá.
Vivien desceu e mandou Mooke chamar a viúva de seu pai. Vivien foi para a biblioteca esperar. Mooke voltou momentos depois e informou que Sherry havia recusado o pedido. Não ia acordar cedo para reunião alguma.
Vivien mordeu os lábios com um brilho perigoso no olhar.
-Ok, Mooke. Deixe que eu cuido disso. Apenas traga café e biscoito para três, aqui na biblioteca.
Vivien saiu e se dirigiu para o segundo pavimento. Girou a maçaneta da porta do quarto da madrasta e empurrou a porta, entrando.
Sherry ergueu a cabeça, surpresa por alguém ter o atrevimento em entrar em seu quarto sem se anunciar. Viu sua enteada, que avançou com ar decidido.
-Que é isso? Como se atreve a invadir meu quarto? – Gritou, sentando-se na cama.
Vivien parou diante da cama, olhando para a madrasta com desprezo.
-A boa vida acabou, Sherry Mallory! Meu pai morreu por sua causa, e eu vou cobrar isso de você enquanto estiver nessa casa! Levante-se! Você recebeu um recado e não o atendeu!
-Isso é um absurdo! Tenho meus direitos nessa casa! Você não pode fazer isso comigo, sua pirralha maluca! – Gritou Sherry, sentando na cama.
-Não posso? Pois vou lhe mostrar!
Vivien puxou as cobertas dela, jogando-as no chão, revelando uma mulher de camisola, com peitos grandes caídos e uma barriga proeminente que o espartilho disfarçava.A bruxa fitou Vivien, furiosa.
-Atrevida! Vai me pagar essa afronta! – Gritou, com voz estridente.
Vivien a encarou com dureza.
-Eu e Vicent estamos esperando-a na biblioteca. É bom que venha logo, ou virei buscá-la com menos paciência.
Saiu, batendo a porta. Era bom aquela bruxa ver logo que não estava lidando com uma mocinha boba.
Vivien encontrou Vicent já na biblioteca esperando. E minutos depois a viúva chegou, vestida de preto e com um olhar cheio de ódio, que Vivien enfrentou com frieza. Vicent a olhou com indiferença.
Vivien foi objetiva:
-Sente-se. Apesar de você não nos suportar e isso ser recíproco de nossa parte, precisamos conversar.
Sherry se sentou afetadamente, com ares de grande dama.
-Seja breve –Disse, secamente – Não posso perder meu precioso tempo com dois pirralhos insolentes.
-Pois bem, vou direto ao assunto:agora que meu pai morreu, não há necessidade de ficar morando com nós. Ainda não foi lido o testamento, mas presumo que você queira voltar para New York, de onde veio.
Sherry encarou Vivien com ironia.
-Pensou certo, pirralha. Vou vender essa propriedade e ir para New York vender a companhia de exportação de seu pai. Depois, divido o dinheiro e vou morar em New York, na casa que Charles tem lá. Vocês façam o que quiserem de suas vidas, que não me importo!
Vivien a encarou indignada.
-Vender Paradise? Jamais! É o lar de Vicent e meu, depois da guerra, pretendo morar aqui! Você quem deve ir embora, para onde saiu! Eu e Vicent vamos vender a companhia e lhe dar a sua parte, para que nos deixe!
Sherry ergueu-se com um sorriso irônico.
-Isso é o que vamos ver. Vou aguardar a leitura do testamento aqui, pois tenho certeza que vou herdar tudo e vou fazer o que pretendo. Quando me casei com Charles, ele fez um testamento me deixando como herdeira da maior parte de seus bens, eu tenho uma cópia comigo do documento!Passe bem, Vivien!
E Sherry saiu com a cabeça erguida orgulhosamente.
Vicent fitou a irmã, que sorria.
-Por que está sorrindo? A velha bruxa vai nos deixar com migalhas, se diz a verdade!
Vivien ergueu as sobrancelhas perfeitas, fitando o irmão com um meio sorriso afetado.
-Vicent, ela deve ter mesmo esse testamento, só que nosso pai fez um outro mais recente, que invalida o que ela tem. Mas vamos deixar ela ter a surpresa amanhã.Vamos esperar até amanhã, e resolveremos tudo. Não quero ficar mais tempo convivendo com essa mulher.
Vicent a encarou com tristeza.
-Faça o que achar melhor, Vivien. Eu não quero esquentar minha cabeça com isso.
Vivien encarou o irmão com preocupação.
-Vicent, o que está havendo entre você e sua noiva? Você disse que ela está com ódio de você. Por que ela está sentindo isso? O que você fez à ela, Vicent?
Ele a fitou e desviou o olhar, se erguendo.
-Já disse que não quero falar sobre isso.
E dizendo isso, ele se retirou, deixando Vivien surpresa. Vicent nunca antes havia escondido dela nada sobre sua vida. Por que não queria falar, agora? Bem, não podia forçá-lo a falar. O melhor era esperar que ele contasse o que estava se passando quando ele tivesse vontade. Já tinha muito problema para pensar. Estava cuidando de supervisionar a embalagem de vários objetos para levar para New York. A morte do pai adiara a partida em três dias, mas ela pretendia viajar logo, antes que fossem bloqueadas as saídas da cidade.
No dia seguinte, por volta das dez da manhã, o tabelião chegou com o testamento. Vivien, Vicent e Sherry se reuniram na biblioteca e o tabelião tomou a palavra:
-Conforme vontade de Charles Talbot, aqui estou para ler o testamento que manifesta a sua vontade na divisão dos seus bens. Alguma pergunta, antes de eu proceder a leitura?
Sherry sorriu vitoriosa.
-Não, pode começar a leitura, dr. Altman.
Vicent e Vivien assentiram. E o tabelião começou a ler.À cada palavra, o sorriso de Sherry foi desaparecendo do rosto dela. Ela ergueu-se, agitada.
-Um momento! Eu tenho a cópia do testamento, e ele está completamente diferente!
O tabelião a encarou impassível.
-Sim? Qual a data desse testamento, senhora Talbot?
Ela estendeu o papel que tinha nas mãos para o tabelião, com arrogância na voz:
-A data é de cinco de abril de 1857, dois dias depois de meu casamento com Charles! Nunca vou esquecer! Veja!
O tabelião pegou o documento, olhou a data e devolveu para a viúva com um sorriso divertido.
-Realmente, senhora Talbot, é um testamento que foi lavrado por um colega meu. Mas esse testamento foi substituído por outro datado em 15 de março de 1861, o qual estou lendo e foi feito em minha presença. Assim sendo, o novo testamento revoga o anterior.
Sherry empalideceu visivelmente.
-Não é possível! Vou contestar esse falso testamento na justiça! Meu marido jamais faria isso comigo! –Gritou, com ódio.
O tabelião a fitou sem perder a fleuma. Já estava acostumado com essa cena em leitura de testamentos.
-Faça o que quiser, senhora Talbot. Mas aviso que só vai perder tempo e dinheiro com advogados e custas do processo. Esse testamento que lavrei é autêntico e válido, e minha reputação é idônea . Aconselho-a a se acalmar e deixar-me cumprir minha tarefa.
Sherry Talbot se sentou com uma expressão de ódio. E o tabelião cumpriu sua missão.
O testamento legou a Fazenda Paradise para Vicent e Vivien. A companhia de exportação em New York, para Vicent. A casa em New York para Sherry, assim como um terço dos investimentos que tinha na bolsa de New York. Os dois terços restantes, seriam divididos entre Vicent e Vivien.
O tabelião forneceu cópias do testamento para os três herdeiros, despediu-se e se foi.
Sherry Talbot olhou para os filhos do falecido marido com ódio, dizendo entre dentes:
-Vou embora amanhã desse lugar detestável! E desejo que vocês se danem e que aquele patife do Charles apodreça no inferno!
Vivien se ergueu, indignada, fitando a mulher com os olhos brilhando de ira.
-Quanto antes sair daqui melhor, sua bruxa! Retire-se de minha presença, ou a farei engolir suas palavras! – Disse Vivien, ameaçadoramente.
O medo brilhou nos olhos de Sherry. Vivien, com aquela altura e seu olhar destemido, impunha respeito e a fazia ter medo de ser agredida pela moça. Saiu rapidamente, tentando não demonstrar o medo que sentiu.
Vicent olhou para Vivien com gravidade.
-Viv, você agora tem praticamente tudo em suas mãos. Eu confio em sua capacidade de administrar tudo com sabedoria. Vou passar uma procuração para você e pensar o que vou fazer de minha vida.
Ela o fitou surpresa.
-O que quer dizer com isso? Não vai comigo para New York?
-Não, Viv . Não tenho nada a fazer lá. Eu quero ficar aqui, perto de Audrey.
-Mas…você não disse que ela o está odiando?
Ele desviou o olhar.
-Sim, mas tenho esperanças que ela mude de idéia.
-O pai dela sabe o que ela está sentindo por você?
-Acho que sim, mas ele deseja nosso casamento. Ele não se importa com o que ela sente, diz que as mulheres não sabem o que é melhor para elas.
Vivien sorriu com desdém.
-Claro que ele deseja esse casamento! Você é o melhor partido da cidade! Ainda mais depois da morte de nosso pai, sendo o herdeiro principal! O velho Lancaster está de olho em seu dinheiro!
Vicent a fitou com ar decidido.
-Não me importo. O que quero é que Audrey me ame! E vou lutar para isso!
-Vicent, esqueça essa moça que não o ama e venha comigo! Breve a guerra vai estar aqui também!
-Não! Siga seu destino, Viv! Eu seguirei o meu.
-Vicent, vou adiar minha viagem. Você não pode ficar aqui.
-Não, Viv! Deve ir logo, antes que o nosso estado também se separe do governo central. Ouvi comentários que a Virgínia também vai se juntar aos Estados Confederados. E não quero me sentir culpado por você ficar aqui, impedida de ir para New York.
Mas Vivien não desistiu de convencer o irmão a acompanhá-la. Adiou sua viagem, aproveitando para tratar da administração da fazenda. Fez uma reunião com os empregados, delegou tarefas. Despachou por trem os objetos de maior valor da fazenda. E tentou convencer Vicent a acompanhá-la. Mas ele fez uma procuração delegando poderes para ela administrar os negócios e os investimentos em New York, sem mudar de idéia.
No dia 17 de abril de 1861, cinco dias depois da eclosão da guerra, o Estado da Virgínia também se separou da União e se tornou mais um Estado Confederado.
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