Fanfics sobre Xena a Princesa Guerreira

    parte 6

            Vivien empalideceu pela notícia, seu coração disparou. Ela olhou para Mooke com incredulidade.

             -Vicent chegou?! Está aqui?! Como?! A guerra não acabou!

             -Mas ele chegô, miss Vivien! – Disse Mooke, chorando.

             -Onde está ele? Fale! – Perguntou nervosamente, as mãos trêmulas.

             -No quarto de hóspidi! Ele  tá muito doente, miss Vivien! – Choramingou Mooke, se adiantando para as escadas que levavam ao segundo pavimento.

             -Pare de me chamar de miss Vivien, Mooke! – Sussurrou Vivien, seguindo-a – Quer que descubram quem eu sou?

             -Oh, perdão! Tá bem, eu vô chamá ocê cum nome dele!

             Elas chegaram no segundo pavimento e Mooke abriu a última porta, afastando-se para Vivien passar. Vivien entrou no quarto e estacou com a cena:

             Parcamente iluminado pela luz de um lampião, deitado na cama no centro do quarto, aquele homem alquebrado voltou o rosto, olhando com medo no olhar para ver quem havia entrado.

             Vivien aproximou-se lentamente, como se estivesse em um cenário de pesadelo, tentando reconhecer naquele homem o seu irmão. A beleza dos traços aristocráticos, do corpo jovem e atlético, dos cabelos sedosos, da pele imaculada, dos olhos azuis, dera lugar à um rosto encovado, os olhos fundos nas órbitas enegrecidas, os lábios pálidos e crestados pela febre, os cabelos sem vida e ralos, o corpo emagrecido, com braços ossudos.

             Vivien sentiu as lágrimas deslizando pelos seus olhos, quando se inclinou para ele, tomando a mão dele entre as suas. A mão dele estava quente e o rosto dele molhado de suor.

             -Vicent… Vicent, meu irmão… o que fizeram com você? – Sussurrou Vivien, sentindo seu peito se contrair de angústia, ao ver seu querido irmão tão maltratado.

             A mão de Vicent apertou a sua fracamente. Seus olhos tiveram um brilho fugidio. Ele fedia a suor e sujeira, suas roupas estavam imundas.

             -Vivien… – Disse ele, com voz baixa, fitando-a com evidente admiração – Meu Deus, é você…pensei… que estava louco… me vendo como eu era…

             Ele começou a tossir, o corpo sacudindo com cada tosse. Vivien colocou a mão na testa dele, afastando os cabelos, cariciosamente. A testa dele ardia em febre! Ela voltou-se para Mooke, gritando:

             -Providencie água quente para banhá-lo e um caldo quente para ele tomar! Vá!

             Mooke saiu correndo e Vivien pegou uma toalha ao lado da mesinha de cabeceira, limpando um laivo de sangue no canto da boca do irmão, fitando-o cheia de preocupação.

             -Fique quieto, Vicent…nós vamos cuidar de você…

             Ele a fitou com olhar febril.

             -Vivien… preciso falar… não tenho muito tempo… – Ele disse, entre arquejos – Eu sei… que estou morrendo…

             Ela o fitou com desespero.

             -Não, Vicent! Você vai ficar bom! Não fale assim!

             Ele apertou sua mão com uma força inesperada.

             -Não, me deixe… falar!…Vivien… eu sou um desertor…eu fugi, Vivien… eu não agüentei mais ver tanta morte…nossa divisão estava… encurralada… no cemetério de   Gettysburg…e foi massacrada…e eu fugi… fugi depois de me esconder dentro de um mausoléu… roubei roupas de um civil morto…e foi assim que vim para cá…viajando escondido em um trem de carga…andando no mato escondido durante muito tempo…

             Ele teve outro ataque de tosse. Vivien o amparou nos braços, até que Mooke chegou com um balde de água, toalhas e sais de banho. Ela e Vivien despiram as roupas sujas de Vicent e Mooke começou a  limpar o corpo emagrecido do rapaz com uma toalha umidecida na água quente. Vicent tinha várias escoriações pelo corpo, com feridas inflamadas e Mooke passou uma pomada para desinfetá-las.

             Limpo e com um pijama novo que Vivien mandou Mooke pegar, Vicent foi coberto com uma manta de lã e Vivien sentou ao lado da cama, fitando-o com ar preocupado. Ele respirava com visível dificuldade, os olhos fechados.

             Mooke chegou com uma tigela de sopa numa bandeja e a  colocou sobre a mesinha de cabeceira. Vivien tocou o braço dele suavemente,   pegando a tigela e a colher e chamando-o:

             -Vicent… tome a sopa…

             Ele abriu os olhos, fitando-a com tristeza.

             -Não adianta… tudo que como, me dá ânsia de vômito…estou mal, Viv… e preciso falar…por favor… me ouça…

             -Está bem… fale… mas depois vai comer e descansar – Disse ela, colocando a tigela e a colher na bandeja.

             -Viv… você sempre fez… coisas em meu nome…que me fizeram admirado aos olhos das outras pessoas… e agora… vejo que adotou a minha personalidade… completamente…

             Vivien baixou os olhos, envergonhada.

             -Perdoe-me, Vicent… eu precisei, para cuidar dos negócios… mas vou voltar a ser Vivien novamente, agora que você chegou…

             Ele segurou sua mão, apertando- a .

             -Não, Viv…eu não a estou… reprovando… ao contrário… preciso que faça… uma coisa como se fosse eu…

             Ela ergueu os olhos, encarando-o.

             -O que quer que eu faça, Vicent?

             Ele a fitou com desespero.

             -Peço que se case… com Audrey Lancaster…

             Ela o fitou com incredulidade, enrubescendo.

             -Vicent! Isso é impossível! Eu seria desmascarada logo por Audrey na noite de núpcias e iria para a cadeia!

             -Não, Viv!… Você não entendeu… você contará à ela a verdade… que adotou minha personalidade… por causa da guerra… e ela entenderá…

             -Mas por que eu me casaria com Audrey? Por que motivo?

             Vicent baixou a cabeça, envergonhado.

             -Por que eu…eu a desvirginei, Viv… e ela talvez tenha ficado grávida…e se isso aconteceu… ela está desonrada… e meu filho… considerado um bastardo!

             Vivien o fitou consternada com a notícia. Sentiu profunda decepção pelo ato de seu irmão.

             -Vicent! Que loucura fez! Você sabe que uma moça que perde a virgindade sem ser casada, é considerada uma rameira! O pai dela pode ter expulsado ela de casa!

             -Eu sei… e o remorso tem me perseguido esse tempo todo… eu fui egoísta… e não pensei nas consequências…só pensei que assim ela me esperaria…e não se casaria com outro… e agora… como castigo… vou morrer…

             -Não fale isso, Vicent! Você vai ficar bom! Amanhã vou chamar um médico e ele vai tratar de você!

             Ele a fitou com tristeza.

             -Já é muito tarde, Viv…eu quero que me prometa…prometa, Viv… que vai casar com ela em meu nome… que vai cuidar dela…e de meu filho, se ela o teve…

             -Vicent… isso é uma loucura… Audrey poderá denunciar-me… e irei presa.

             -Ela não fará isso…prometa, Viv, por Deus… se você tem afeto por mim, prometa… – Pediu Vicent, segurando as mãos de Vivien convulsivamente, os olhos implorando.

             Ela o fitou com lágrimas nos olhos, percebendo que aquele pedido era extremamente importante para o irmão, e nunca poderia negar isso à ele.

             -Está bem, Vicent, eu prometo.

             Ele soltou suas mãos e deitou a cabeça no travesseiro, suspirando. Parecia cansado, mas em paz. Sorriu fracamente, fitando-a com gratidão.

             -Obrigado, Viv… agora posso morrer em paz…

             -Não fale isso, Vicent! Agora, tome a sopa, por favor… – Disse, pegando a tijela novamente e levando a colher aos lábios do irmão.

             Ele tomou a primeira colher, a segunda, mas na terceira ele começou a tossir e seu corpo convulsionar. Vivien largou a tigela na bandeja e passou o braço pelos ombros de Vicent, erguendo-o um pouco, enquanto Mooke pegava uma toalha e colocava diante da boca do rapaz, nervosamente.

             E esse gesto foi providencial, pois logo em seguida uma golfada de sangue foi expelida pela boca dele, na toalha. Vivien se apavorou, vendo o sangue.

             -Mooke! Vá chamar um médico! – Gritou, desesperada – Não podemos esperar até amanhã!

             -Quem, miss Vivien? – Perguntou Mooke, com os olhos arregalados – Nós num cunhecemo ninhum médico!

             Vivien a fitou com apreensão. Ela tinha razão! Não conheciam nenhum médico em New York! Culpa sua, por medo de consultar um médico e ele descobrir que era uma mulher! E agora, tarde da noite, não iria achar um médico. Teria de esperar o dia amanhecer.

             Ela fitou Vicent. Ele suspirou, o corpo parou de convulsionar e se acalmou. Ela o colocou novamente deitado e o chamou baixinho. Ele apenas abriu os olhos, fitou-a e tornou a fechá-los. Parecia exausto. O esforço de falar o exaurira. Olhou para Mooke que a fitava esperando ordens.E ela teve uma idéia. Ergueu-se, falando:

             -Mooke, fique aqui, velando Vicent. Eu vou falar com minha vizinha se ela conhece um médico e se conhecer, irei em busca dele. Quando o médico chegar, não fale nada, ouviu? Bico calado.

             Mooke assentiu e Vivien saiu, indo procurar ajuda. A madrugada estava gelada e Vivien levantou a gola do jaquetão de veludo.Atravessou a cerca de sebes e foi até a porta principal da casa de Deidre, batendo e chamando:

             -Deidre! Deidre!

             Minutos depois, a porta abriu. Deidre apareceu vestida com um  robe sobre sua camisola e fitou Vivien com apreensão.Mesmo com sua preocupação, Vivien não pôde deixar de perceber como ela estava encantadora naqueles trajes.

             -O que houve, Vicent?

             Vivien sorriu timidamente.

             -Desculpe-me acordá-la em hora tão tardia com esse frio, Deidre. Mas surgiu uma emergência. Meu irmão chegou e está passando mal. Preciso arranjar um médico e não conheço nenhum na cidade. Poderia indicar-me um? Eu ficarei muito grato.

             Ela a fitou surpresa.

             -Seu irmão chegou?! Sim, conheço um bom médico, que por sorte mora há uma quadra daqui. Espere, vou vestir-me e acompanhá-lo.

             -Não precisa, Deidre. Basta dar-me o nome e endereço dele. Eu estou com muita pressa.

             -Não demorarei muito. E comigo, você encontrará onde ele mora mais rápido.

             Vivien a encarou e falou enfática:

             -Por favor, Deidre, apenas me dê o nome e endereço dele. Amanhã falarei com você com calma.

             -Oh… está bem… – Concordou Deidre, percebendo que não devia impor sua presença – Um momento, vou escrever. Não quer entrar?

             -Não, eu espero aqui.

             Dreidre  entrou e voltou pouco depois com um papel na mão, que estendeu para Vivien.

             -Aqui está. É uma casa de tijolos vermelhos, com janelas marrons. O nome dele é Josef Mutt. A rua é a segunda à direita.

             -Obrigado, Deidre. Até amanhã – Disse Vivien, pegando o papel e sorrindo apressada. Afastou-se rapidamente, dirigindo-se para a direita.

             Foi fácil achar a residência do médico. O  dr. Mutt  era um velhinho simpático, que a atendeu com um robe sobre o pijama, e que assim que Vivien explicou o que estava havendo, ele foi trocar de roupa e a acompanhou até sua casa.

             Pouco adiantou todos os cuidados médicos. Ao amanhecer, Vicent foi vencido em sua luta contra a morte, se sufocando com um edema do seu pulmão dominado pela tuberculose galopante, um tipo de tuberculose que matava em pouco tempo.

             Vivien caiu em um choro desesperado. Seu querido irmão estava morto! Vicent havia sido a única pessoa em quem confiava plenamente, com quem podia abrir sua alma, que a entendia, e a sua falta seria eterna em sua vida. Sentia-se como se houvesse perdido um braço, ou uma perna.

             -Meu irmão está morto! – Gemeu ela, olhando o corpo sem vida de Vicent – Tão jovem, e perdeu a vida por causa dessa guerra idiota! Maldita guerra! – Gritou, entre soluços.

             O médico cobriu o rosto do rapaz com a coberta. Pegou um bloco de papel com seu nome impresso e começou a preencher o atestado de óbito, falando em voz alta:

             -Certifico que no ano de graça do Senhor…

             Ele parou e olhou para Mooke, já que Vivien não podia responder, soluçando com as mãos no rosto, completamente transtornada.

             -Como era o nome dele?

             Mooke falou sem hesitação. Já havia pensado em um nome, sabendo que Vivien não podia dar o nome verdadeiro dele:

             -Dennis Talbot, dotô.

             Ele ecreveu o nome e tornou a perguntar:

             -Sabe a data que ele nasceu? Percebi que os irmãos eram gêmeos.

             Mooke o fitou confundida.

             -O  irmão ia fazer vinte  e cinco anos, dotô. Nasceram no dia 20 de dezembro. Num sei o ano.

             O médico fez as contas mentalmente.

             -Hum, nasceram no ano de 1848. Então…No ano de Graça do Senhor, no dia 12 de dezembro de  1863,  Dennis Talbot, nascido em 20 de dezembro de 1848,  veio a falecer, em consequência de edema pulmonar causado por tuberculose, aos vinte e quatro anos, – Disse, escrevendo no papel. Assinou, colocou seu carimbo e estendeu o documento para Mooke, junto com um pequeno vidro de remédio.

             -Esse papel é o atestado de óbito. Guarde que vocês vão precisar dele para o funeral. E esse vidro é um remédio para seu patrão se conservar calmo. Se ele ficar muito agitado, dê dez gotas em dois dedos de água para ele beber, entendeu? E quando o sr, Vicent estiver mais calmo, depois do funeral,  ele pode mandar alguém  pagar a consulta médica lá em minha casa.

             O doutor se aproximou de Vivien e a fitou com compaixão.Ela chorava ao lado da cama do irmão, segurando a mão dele, com um olhar ausente.Teve que chamá-la três vezes, para Vivien perceber o médico ao seu lado. Ergueu o rosto para ele, com lágrimas escorrendo pelo rosto.

             -Senhor Talbot, preciso ir agora. Se precisar de meus serviços, pode mandar chamar-me. Deixei um vidro de calmante, caso precise tomar para se acalmar.

             Vivien o fitou assentindo vagamente. Mal havia ouvido o que ele havia dito. Estava arrasada com a morte de seu irmão.Ela não se conformava. Seu querido irmão, tão jovem, morto! A tuberculose havia tirado sua vida! Quantas privações devia ter passado, para contrair essa doença! Quanto sofrimento!

             O médico saiu. Vivien continuou ao lado do irmão, com ar ausente. Mooke a chamou e ela olhou para a criada com raiva.

             -Me deixe em paz! Preciso ficar com meu irmão!

             -Miss Vivien, percisa tratar do interro! Eu num sei tratar disso!

             -Saia daqui! Deixe-me ficar com Vicent!

             Bateram na porta. Mooke foi atender, esperançosa de quem havia chegado pudesse fazer Vivien reagir. Abriu a porta e se viu diante de Deidre, que a fitou com ar preocupado.

             -Bom dia. Sou Deidre, vizinha de vocês… o senhor Vicent procurou-me ontem pedindo o endereço de um médico para o irmão que chegou e fiquei preocupada…e vim saber notícias, se está tudo bem…

             -Oh, miss Deidre! – Disse Mooke, baixinho, juntando as mãos, com os olhos cheios de lágrimas – Deus que mandou ocê! Pelo amô de Deus, fale com… o sinhô Vicent! Ele tá ali sem querer ouvir ninguém, pruquê seu irmão morreu!

             Deidre passou por ela, transtornada com a notícia. Mooke fechou a porta e voltou-se para ela.

             -O irmão de Vicent morreu?! – Disse Deidre, atônita – Ele disse-me que seu irmão estava passando mal, mas não sabia que era tão grave! De quê ele morreu?

             -De tuberculose! O pobre rapaz se sufocô em seu próprio sangue! Foi triste de vê!

             -Vicent já havia me falado sobre ele… leve-me até Vicent, ele deve estar arrasado…

             -Venha, miss… eles tão lá em cima…

             Deidre seguiu Mooke e entraram no quarto. Vivien nem sequer olhou para ver quem havia chegado, sentada ao lado da cama segurando a mão do irmão.

             Deidre aproximou-se lentamente, comovida pela cena. Vicent parecia em estado de choque, sem tomar conhecimento do que o rodeava. Ainda estava com as roupas que havia comparecido à festa.

             Deidre parou atrás dele, pousando as mãos nos ombros largos e fitando o morto. Vicent havia descoberto o rosto do irmão e Deidre contemplou impressionada a semelhança dos gêmeos. Mesmo alquebrado pela doença e a morte, dava para perceber que os irmãos eram gêmeos idênticos.

             -Vicent… levante-se… precisa descansar… – Sussurrou Deidre no ouvido de Vivien, alisando os ombros dela.

             A voz macia de Deidre despertou Vivien de sua introspecção. Ela ergueu os olhos vermelhos de chorar e descansou a cabeça no peito de Deidre, falando desconsolada, em um soluço:

             -Meu irmão morreu, Deidre… perdi meu irmão…

             Levada por uma grande ternura, Deidre rodeou os ombros de Vivien com um braço e   pousou a outra mão livre nos cabelos dela, puxando-a para seu peito, em um abraço.

             Vivien soluçou contra o peito de Deidre, mas sentindo um grande alívio em sua dor, com aquele abraço que a fazia sentir-se querida  e pensar que não estava só. Rodeou a cintura de Deidre com os braços, apertando sua cabeça contra os seios de Deidre, como um náufrago procurando proteção em uma tempestade.

             Deidre sentiu uma doce emoção com aquele contato.Sentiu o perfume dos cabelos de “Vicent”, o calor do seu rosto contra seu peito, e nem se importou em saber que o conhecia há apenas um dia, e que aquele contato era íntimo demais, só sendo aceitável entre marido e mulher. Ela agora sabia que estava terrivelmente atraída por Vicent Talbot e começando a se apaixonar perdidamente.

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             Com o seu dinamismo, Deidre tomou à frente de tudo. Providenciou o funeral de “Dennis” Talbot, fez Vivien alimentar-se e dormir, sempre presente e prestativa, procurando ajudar Vivien a se recuperar do abalo da perda que sofreu. Mas logo no início da cerimônia do funeral, Vivien passou mal e foi amparada por Deidre, que a ajudou a presenciar a cerimônia. Foi uma cerimônia simples, com apenas Vivien, Mooke e Deidre, oficiada por um padre.

             Mooke havia prevenido Vivien sobre a mudança de nome do irmão. Ela concordou, com pesar. Mooke havia dado o nome de um primo seu também falecido há cinco anos atrás.Tinha de calar-se e aceitar essa farsa, ou sua identidade seria descoberta e iria para a cadeia. O que era um disfarce provisório agora seria definitivo. Ela agora era Vicent Talbot. Ela viveria uma vida roubada de seu irmão. O que a consolava era que Vicent havia percebido a sua troca de identidade e não a havia censurado, até havia pedido que casasse com Audrey no lugar dele. Havia prometido isso ao irmão, mas como fazer esse ato ? Seria uma loucura! Audrey a denunciaria, quando descobrisse a farsa!

             Mooke se tomou de amores por Deidre Mackena, que passou a visitar Vivien todos os dias pela manhã. Achava ela uma dama, uma pessoa maravilhosa e bondosa, uma amiga ideal para Vivien, mesmo ela não sabendo que Vicent era na verdade Vivien.

             E aos poucos, Vivien foi se recuperando da dor de sua perda, que  se suavizou em um  vazio que seria   sentido para sempre.

             Já faziam  dez dias que Vicent havia sido enterrado. Vivien finalmente se sentiu com forças para voltar a viver sua vida normal e o ânimo para pensar em coisas práticas. Era um domingo frio, mas  de céu azul.  pela janela aberta Vivien podia ouvir o riso e grito  das crianças que brincavam na praça em frente à sua casa, fazendo bonecos de neve. Vivien foi até a janela e olhou para a paisagem. A vida continuava, pensou. Tinha que seguir em frente.

             Bateram na porta e Mooke foi atender. Deidre entrou, linda em um vestido cor de pêssego, com um casaco de veludo verde escuro, um encantador chapéu de feltro com um largo laço de veludo amarrado sob o queixo, acompanhando a cor do casaco. Deidre era uma das mulheres mais elegantes da cidade, sempre vestida com bom gosto.

             -Bom dia, Mooke! – Disse Deidre, sorrindo radiosamente.

             Mooke retribuiu o sorriso abertamente.

             -Bom dia, miss Deidre! Chegou à tempo para o desjejum!

             -Oh, Mooke, já comi, obrigada, apenas vou aceitar uma xícara de chá – Disse Deidre, fitando Vivien que veio até o hall de entrada   recebê-la. O olhar de Deidre percorreu Vivien, admirando a elegância dela. Vivien, em sua identidade como Vicent, tinha satisfação em adquirir roupas, agora que podia vestir trajes masculinos. Sempre invejara os homens, que podiam vestir ternos, jaquetas e coletes, e agora que podia fazer isso, gostava de caprichar em suas roupas. Estava com um terno azul da prússia com camisa de seda branca e um laço de veludo preto como gravata. Complementando, botas de fino couro negro. Ela podia ser considerada o exemplo da elegância masculina da época. Os cabelos negros jogados para trás, com mechas que iam até o pescoço, davam-lhe  um ar de poeta, que encantava as mulheres.

             Deidre não pôde evitar o desejo   surgir em seu olhar, ao contemplar aquele “homem” tão atraente. Ele sorriu e Deidre sentiu seu coração derretendo, à vista daquele sorriso de dentes perfeitos, lábios sedutores e olhos magnéticos.

             “Meu Deus – Pensou ela – Esse homem me deixa transtornada!”

             -Bom dia, Deidre – Disse Vivien, segurando as mãos que Deidre lhe estendeu – É muito bom vê-la tão radiosa nessa manhã de domingo! Venha sentar-se comigo à mesa e conte-me onde vai tão elegante!

             As mãos de Deidre tremeram entre as suas. Vivien as soltou, pensando se aquele tremor era de frio ou algo mais.Fez um gesto para Deidre passar. Ela sorriu e se dirigiu para a sala de refeições.Vivien puxou a cadeira e ela sentou. Vivien sentou ao lado dela, enquanto Mooke servia.

             -Bem, vim chamá-lo para me acompanhar à igreja, Vicent. E também saber de seus planos para o Natal. Acaso percebeu que só faltam dois dias para o Natal?

             Vivien a fitou e seu sorriso morreu.

             -Não, não percebi. Na verdade, esse natal não tem significado nenhum para mim. Meus pais e meu irmão estão mortos, eu não tenho família para comemorar o Natal.

             Deidre pousou a mão sobre a dela, apertando-a confortadoramente. Seus olhos verdes a fitaram sérios e cheios de ternura.

             -Vicent… eu acho que  existem dois tipos de famílias… a família em que você nasceu, e a família que você cria… e vou mais além: eu acho que uma família não é criada apenas pelo casamento. Uma pessoa pode adotar outra como pertencendo à sua família, devido à laços de amizade  e de afinidades.E eu quero que você se sinta parte de minha família. Você não está só, Vicent. Eu estou aqui e quero que saiba que pode contar comigo. Você vai passar o natal comigo e não aceito recusa.

             Vivien a fitou emocionada. Sentiu a sinceridade de Deidre em cada palavra.Com certa dificuldade, conseguiu falar:

             -Eu agradeço, Deidre, mas sua família não me conhece. Não quero causar problemas para você.

             -Tenha certeza que eles vão adorar me ver acompanhada por você, Vicent. Depois que fiquei viúva, meus pais vivem me pressionando para eu arranjar um namorado e casar. Deixe eles pensarem que estou seguindo seus conselhos. Depois do natal, esclarecerei que você é apenas um amigo.

             -Huh… espero que saiba o que está fazendo… eu odiaria que seus pais pensassem que sou um conquistador que a iludiu.

             -Eu prometo que não deixarei isso acontecer – Disse Deidre, fitando-a séria.

             Após o café da manhã, foram à missa dominical. Deidre também era católica, algo raro nos estados nortistas. Depois da missa, foram passear na praça e Viviem mais uma vez ofereceu o braço galantemente à Deidre, sentindo a alegria de andar de braço dado com uma mulher bonita, algo que jamais poderia fazer se não fosse a sua falsa identidade. Sentiu um pouco de culpa por estar enganando Deidre, mas era tão bom poder fazer coisas que lhe seriam proibidas como Vivien!

             Percebeu os olhares de inveja dos homens e das mulheres. Sorriu. Os homens a invejavam, e as mulheres invejavam Deidre.Era engraçado.

             -Qual o motivo desse sorriso, Vicent? – Perguntou Deidre, com disfarçado ciúme, sorrindo.

             Vivien a fitou nos olhos.

             -Bem… é um sorriso de orgulho, Deidre… – Mentiu.

             -Orgulho? De quê? – Perguntou Deidre, erguendo as sobrancelhas.

             -Orgulho por ser invejado pelos homens, por estar com uma linda mulher.

             Bem, isso era verdade, pensou Vivien.

             Deidre a fitou com um sorriso luminoso.

             -Acha-me bonita, Vicent?

             -Bem… sim, claro,Deidre… você é muito bonita.

             -Oh! Obrigada, Vicent… e devo dizer que aposto que também estou sendo invejada.

             -Você acha? – Perguntou Vivien, fitando-a nos olhos.

             -Sem dúvida! Já percebi o olhar das mocinhas em você, Vicent. Você é um dos homens mais bem apessoados que já conheci.

             Vivien ficou vermelha. Se ela soubesse a verdade!

             Deidre riu, fitando-a com os olhos brilhando.

             -Não fique encabulado, Vicent. Isso é um dom. Deve se orgulhar disso.

             -Humm… vamos mudar de assunto? O que devo levar para a ceia de natal com seus pais?

             Deidre riu, vendo o evidente mal estar de Vicent com seus elogios.

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             Na noite de natal, Deidre foi à casa de Vivien buscá-la às sete da noite. Mooke havia assado um peru, e feito outras guloseimas, mas havia jantado e ido dormir cedo, cansada.Assim, foi a própria Vivien quem abriu a porta, sorrindo para Deidre, que estava linda como sempre, com um vestido azul e uma capa capa de veludo em tom mais escuro.Os louros cabelos estavam presos por um laço de veludo, mostrando o delicado pescoço.

             -Feliz natal, Vicent. Está pronto para ir?

             Vivien apalpou os dois pequenos embrulhos no bolso do jaquetão de camurça e assentiu, sorridente. Pegou seu chapéu de abas curtas e o colocou.

             -Feliz natal, Deidre. Espero que tudo dê certo. Odiaria ser o motivo de estragar o seu natal e de seus pais.

             -Não se preocupe, tudo vai se sair bem. Venha, a carruagem já está esperando.

             Elas caminharam até a carruagem, que o ajudante do condutor mantinha aberta.

             -Boa noite, senhor – Disse o homem, respeitosamente.

             -Boa noite – Respondeu Vivien, tomando a mão de Deidre e ajudando-a a subir na carruagem.Subiu em seguida e o ajudante fechou a porta. Logo depois a carruagem saiu.

             Vivien olhou para Deidre. Mal a podia ver, na escuridão da noite.As ruas eram iluminadas com luz de gás, sendo uma iluminação precária. A carruagem possuía dois lampiões no teto externo para iluminar o caminho, e isso era tudo.

             -Avisou seus pais que ia levar companhia? – Perguntou.

             -Não. Se o fizesse, iriam me encher de perguntas. Na sua frente, vão se comedir.

             -Oh… espero que não haja nenhum problema com minha inesperada companhia – Disse Vivien, preocupada.

             Deidre pousou a mão em seu braço.

             -Não se preocupe, Vicent, não haverá problema.

             Eles se calaram, cada um entregue aos seus pensamentos e sensações.

             Deidre sentindo a proximidade de “Vicent” excitá-la  de uma forma que seu marido nunca conseguira. Para ela, era uma novidade ficar excitada pela proximidade de um homem. Seu marido, mesmo a tocando em seus momentos íntimos, só conseguia despertar nela repulsa. Já Vicent…Deus, como tinha vontade de acariciar aquele rosto belo, fitar aqueles olhos magnéticos, beijar aqueles lábios vermelhos…enfim, entregar-se toda. Mas tinha que conter-se e isso era um suplício.Vicent não apreciaria uma mulher se insinuar para ele como uma prostituta.

             Vivien sentia a proximidade de Deidre, seu perfume delicioso, e aquela mão pousada em seu braço fazia seu coração acelerar. Estava há mais de dois anos sem ter sexo com alguém e seu corpo sentia essa falta. Deidre era uma mulher muito desejável, além de ser inteligente, sensível e encantadora. Era uma mulher fácil de amar. O mais impressionante é que ela conseguira em pouco tempo apagar o restante da sua paixão por Audrey de seu coração. Havia se apaixonado por Audrey, mas agora reconheceu que as primeiras paixões da juventude são intensas e parecem ir durar por toda a vida. Mas se não for alimentada, morre como uma plantinha seca sem água. E a sua paixão por Audrey não havia sido alimentada por um beijo, um simples gesto de carinho ou um olhar. E naqueles anos sem ao menos ver o objeto de sua paixão, seu sentimento tinha definhado como uma planta e havia morrido. E agora, era Deidre quem aos poucos se instalava em seu coração.

             Tinha medo do que sentia. Deidre, como Audrey, seria mais um amor impossível. Havia notado os olhares dela, seu interesse, mas Deidre pensava que ela era um homem! Se descobrisse que por baixo daquela aparência de moço elegante havia uma mulher, com certeza a atração dela se tornaria uma profunda decepção e repulsa. Ela era uma farsa, um triste embuste.

             Sentiu revolta e tristeza pelo seu destino. Deus, seria sempre assim sua vida? Sem ter direito de amar e ser feliz?

             Chegaram à casa dos pais de Deidre quinze minutos depois. Era uma casa grande de estilo vitoriano, cercada por pinheiros.Pela casa, Vivien percebeu que os pais de Deidre eram pessoas de posses.

             Foram recebidos por uma criada uniformizada que recolheu seus casacos e chapéu e Deidre pegou Vivien pela mão, conduzindo-a até o salão principal, onde três homens e uma mulher conversavam sentados em poltronas.

             Vivien notou o olhar de surpresa da mulher, uma senhora de meia idade magra e loura, parecida com Deidre, sendo evidente ser sua mãe.E o olhar de desaprovação do homem ao  lado dela, um homem de cabelos grisalhos e frios olhos azuis, pequenos e fundos como de um babuíno. Os outros dois homens olharam sua chegada com surpresa e decepção. Um era  careca, e com uma barba grisalha, o outro devia ter uns trinta anos,  com cabelos negros de costeletas e um bigode recurvado sob o nariz adunco.

             -Boa noite, senhores! – Disse Deidre, se aproximando – Senhores, quero lhes apresentar o senhor Vicent Talbot.

             Vivien notou o olhar trocado entre o homem e a mulher, que deviam ser os pais de Deidre. Eles pareciam estupefatos com sua chegada.

             Dreide parou diante dos pais e indicou-os com um gesto para Vivien.

             -Vicent, esses são meus pais,  Celine  e George Buster – Disse, com voz firme.

             A mãe de Deidre foi a primeira a reagir, estendendo a mão com um sorriso forçado, dizendo com voz fria:

             -Prazer em conhecê-lo, senhor Talbot.

             Vivien tomou a mão da mulher e se inclinou galantemente, beijando-a e dizendo com sua voz mais grave:

             -Muito prazer, madame, estou encantado.

             Soltou a mão da mulher e olhou para o pai de Deidre, estendendo a mão:

             -Senhor, muito prazer. Sinto-me honrado em estar aqui em sua casa, em um dia tão especial.

             O pai de Dreide, depois de ligeira hesitação, apertou a mão que lhe era estendida e indicou os outros dois homens que fitavam Vivien com evidente consternação, apresentando-os:

             -Senhor Talbot, apresento-lhe o juiz Bertran Stockwel e seu filho Abrahan.

             Vivien inclinou a cabeça cortezmente para os dois.

             -Muito prazer, senhores.

             -Bem… vou providenciar uma bebida para os senhores – Disse Celine, fitando a filha nos olhos – Vem comigo ajudar-me, Deidre?

             Deidre sabia muito bem que sua mãe não precisava de ajuda, tendo duas criadas em casa, mas seguiu a mãe, depois de fitar Vivien com um sorriso encorajador. Assim que chegaram à cozinha, a mãe de Deidre se voltou para ela com ar reprovador.

             -Por que não avisou que viria com um acompanhante, Deidre? Você nos deixou constrangidos!

             Deidre ergueu as sobrancelhas com fingida surpresa.

             -Por que os deixei constrangidos? Convidei um homem fino e educado, que sabe se conduzir muito bem socialmente!

             -Você sabe que o filho do juiz Stockwel está cortejando você e deve estar chocado em vê-la chegar acompanhada de um desconhecido!

             Deidre encarou a mãe com desgosto evidente.

             -Ele está querendo cortejar-me, mas eu já demonstrei de muitas formas que não estou interessada nele! Se aquele idiota pensa que vou aceitar ser algo mais que conhecida dele, pode perder as esperanças! Eu não o suporto, mãe!

             -Como pode falar assim? Ele é filho do juiz, único herdeiro de  uma bela fortuna! Qualquer moça ficaria feliz em ser alvo do interesse dele!

             Deidre fitou a mãe, indignada.

             -Qualquer moça interessada no dinheiro deles, não eu! Sabe o que penso, minha mãe, não vou ser manipulada para casar-me mais uma vez sem amor!

             -Muito bem, então diga-me: está acaso apaixonada por esse desconhecido? O que ele é seu? Namorado?

             -Vicent é um amigo meu, e quero que seja bem tratado aqui, porque ele merece!É um homem maravilhoso!

             A mãe de Deidre olhou para a filha surpresa. Ela nunca havia visto a filha com aqueles olhos tão brilhantes, a voz cheia de paixão! Vicent Talbot conseguira provocar isso em Deidre, sua fria filha, que não parecia gostar de homens!

             -Humm… o que esse homem é na vida? Notei o sotaque sulista dele!

             -Vicent é um homem de negócios, tem uma firma de exportação aqui em New York e é de uma ilustre família sulista.Ele é rico, se é isso que quer saber, mãe!

             Celine sorriu. Menos mal. Um homem rico sempre seria bem recebido em sua casa.E tinha que admitir que Vicent Talbot era um gentleman, havia cumprimentado ela com muito estilo.

             Na sala, havia se feito um certo silêncio depois que Deidre saiu com a mãe. O pai de Deidre fez um gesto para Vivien sentar e ela sentou numa poltrona de dois lugares, a única diponível, já que as outras estavam ocupadas pelos homens.

             O pai de Dreide olhou para Vivien com o cenho franzido.

             -O senhor é sulista, não? Notei o sotaque.Mora em New York ou está de passagem?

             Vivien respondeu calmamente. Viera preparada para esse tipo de pregunta:

             -Estou vivendo aquí, onde possuo negócios, senhor.

             Os olhos de George Buster brilharam de cobiça. Dinheiro. Isso que importava.Será que aquele fedelho imberbe tinha dinheiro?

             -Oh, sim? E que tipo de negócio é o seu, senhor Talbot?

             -Exportação e importação, senhor. Exporto algodão e trigo para a Inglaterra e importo café, açúcar e especiarias.

             A conversa derivou para negócios. E o pai de Deidre ficou surpreso com a sagacidade daquele rapaz imberbe para dirigir seus  negócios. Ele acertadamente estocara seus produtos e agora, com os preços nas alturas com a guerra, estava vendendo tudo com altos lucros.

             Deidre entrou na sala com taças de vinho e serviu a todos ajudada pela mãe.Abrahan, o filho do juiz, sorriu para ela untosamente.

             -Está linda como uma flor, miss Deidre .

             Deidre o fitou friamente e falou sem entusiasmo, diante do pobre elogio.

             -Obrigada.

             Ela sentou ao lado de Vivien, depois de oferecer uma taça à ela e ficar com uma.

             -Sr. Talbot, como conheceu miss Deidre? – Perguntou o juiz.

             Vivien fitou o homem, que não parecia nada amigável, com seu ar arrogante como o filho.

             -Miss Deidre é minha vizinha. Nos conhecemos no jardim de nossas casas – Respondeu, encarando-o.

             -Como foi isso?

             -O cãozinho de miss Deidre me atacou e ela veio em meu socorro e ajudou-me.

             -Ajudou? Como?

             Vivien sentiu uma raiva crescendo em seu íntimo.Aquele homem acaso pensava que ela lhe devia satisfação de seus atos com Deidre? Havia percebido os olhares hostis dele e do filho desde que chegara. E não precisava ser um gênio para perceber que o motivo dessa hostilidade era ciúme por Deidre ter chegado com ela. Aquele rapaz com nariz de tucano e olhar arrogante, como o  de seu pai, era um pretendente de Deidre.

             -Eu o levei à minha casa e fiz curativo ma mão dele, sr. Stockwel – Disse Deidre, em tom de desafio.

             O juiz e o filho a fitaram chocados.

             -A senhorita… levou para dentro de casa um homem que acabou de conhecer? Ficou sozinha com ele?!

             -Fiquei, sr. Stockwel. E o sr. Talbot não me faltou o respeito, nem atacou-me em um acesso de luxúria!

             As expressões dos homens eram cômicas, em seu estupor.Vivien trocou um olhar com Deidre e elas riram, para maior consternação dos homens.

             O pai de Deidre pigarreou e desviou a conversa para negócios. E o jantar foi servido à meia noite, e todos brindaram ao natal com champanhe. Vivien tirou de seu bolso do paletó um pequeno  embrulho   vermelho. Estendeu para a mãe de Deidre, falando :

             -Para a senhora, uma pequena lembrança. Feliz Natal!

             A mulher pegou o embrulho surpresa e sorridente. Abriu-o rapidamente e arregalou os olhos. Era um lindo broche de ouro!

             -Oh, Sr. Talbot, que delicadeza de sua parte! Adorei o presente! Obrigada!

             E ela mostrou o presente ao marido, ao juiz Bertran e o filho, que olharam para Vivien com despeito e inveja.

              O juiz e o filho se despediram logo depois. Eles estavam cheios de raiva e inveja de Vivien, e mal podiam disfarçar.

             Vivien se despediu pouco depois, e Deidre disse que também iria acompanhar o Sr. Talbot, para ele não voltar sozinho. Seus pais protestaram, mas Deidre fez o que pretendia.

             Fizeram a volta falando sobre a noite que tiveram. Deidre contou que o juiz queria arranjar uma mulher para o filho, que era um idiota e vivia às custas do pai, sem trabalhar. E ele havia cismado em se casar com ela, mesmo sendo tratado com indiferença. Seus pais concordavam com as pretenções dele, por acharem Abrahan um bom partido, principalmente sua mãe. E concluiu, rindo:

             -Mas agora que ela conheceu você, Vicent, ela ficou encantada com você e acha que você é melhor pretendente para mim que Abrahan.Também, quem mandou você ser tão galante e encantador com minha mãe?

             Vivien não disse nada. O que podia dizer sobre o que Deidre dissera? Que sua mãe estava totalmente enganada, porque ela era uma fraude, uma mulher que se escondia na identidade do falecido irmão? Ah, se ela soubesse…provavelmente a expulsaria de sua casa como a um cão de rua.

              Vivien caiu em silêncio, acabrunhada.  Deidre a fitava e pensava o que fizera Vicent ficar tão calado.

             Chegaram ao seu destino e Vivien levou Deidre até a sua porta. Deidre a fitou com tristeza e pediu:

             -Vicent, pode entrar por uns minutos? Gostaria de falar com você.

             Vivien hesitou. Mas viu aqueles belos olhos tão tristes que concordou.

             -Está bem, por uns minutos… estou exausto.

             Deidre meteu a chave na fechadura e abriu a porta. Entraram e ela tirou o o casaco de veludo, pendurando no cabide do corredor. Pegou o chapéu de Vivien e o jaquetão de camurça, fazendo o mesmo.

             -Venha, vamos até a sala. Quer que eu prepare um chá?

             -Não, Deidre. Obrigado.

             Vivien a seguiu e Deidre sentou em um sofá, batendo com a mão ao lado, dizendo com um sorriso triste:

             -Sente-se aqui, Vicent.

             -Eu prefiro sentar na poltrona – disse Vivien, sentindo que estava pisando em terreno perigoso. Deidre estava tão linda, que tinha medo de demonstrar seu desejo por ela.

             -Por favor, Vicent, sente-se aqui. Eu não mordo.

             Vivien sorriu fracamente e sentou ao lado dela, voltando-se para fitá-la.

             -Muito bem, Deidre, sou todo ouvidos.

             Deidre a encarou com tristeza.

             -O que foi que falei, que o transtornou? Será porque eu disse que minha mãe o deseja como pretendente meu? Vicent, eu não disse nada à ela que a fizesse pensar que existe interesse seu por mim. Não se preocupe, eu sei que você jamais se interessaria por uma mulher como eu, a não ser para amizade.

             Vivien a fitou surpresa. Não esperava ouvir isso de Deidre.

             -Deidre! O que a faz pensar que eu nunca me interessaria por você além de amizade?

             Ela baixou o rosto, evitando seu olhar.

             -Eu sei que sou uma mulher fora dos padrões desejados pelos homens. Sou inteligente demais para o gosto de vocês, tenho atitudes  e pensamentos ousados para nossa sociedade, como as mulheres terem direito a votar, a trabalhar fora de casa e escolher com quem deseja casar.

             -Deidre, já falamos sobre isso! E eu concordei com suas idéias!

             -Sim, mas é fácil concordar com elas, quando não é a sua mulher que as possui. Você naturalmente não escolheria uma mulher como eu para casar – Disse Deidre, tão baixinho que Vivien teve que esforçar-se para ouvir.

             Vivien não se controlou mais. Colocou dois dedos sob o queixo de Deidre e ergueu sua cabeça com eles, fitando-a com carinho. Os belos olhos verdes se encontraram com os seus  temerosos e expectantes.

             -Deidre… – Sussurrou Vivien, emocionada – Você é uma mulher que um homem de bom senso  e bom gosto desejaria ter como esposa. E seria muito feliz.

             Ela sorriu tristemente, os olhos se enchendo de lágrimas.

             -Mas não você, não é?

             Vivien recolheu a mão e desviou o olhar para a janela.Ergueu-se e falou com voz contida:

             -É melhor eu ir embora. Já é tarde.

             Deidre ergueu-se também e a encarou com os olhos cheios de paixão e sofrimento.

             -Vicent…vou falar, isso está queimando-me por dentro… sabe o que é uma mulher sonhar com um modelo de homem e achar que nunca vai encontrá-lo? E o encontrar de repente, na sua frente? Isso aconteceu comigo quando o vi, Vicent… eu o amo desde que o vi lá no seu jardim, com a mão ferida pelo meu cãozinho e me fitando com esses olhos azuis…e com o passar dos dias, esse sentimento foi crescendo à ponto de sentir-me sufocando… querendo desesperadamente ao menos estar ao seu lado… ver seu sorriso e ouvir sua voz.

              -Deidre! – Disse Vivien, sentindo seu coração disparar de emoção – Você está tão enganada! Não sou esse homem que sonha!

             Deidre avançou e pousou as mãos nos ombros de  Vicent.  Ela, agora que havia revelado o que sentia, iria até o fim para ter o amor daquele  homem  que dominava seus pensamentos  e corpo como um  feitiço.Estava pela primeira vez na vida apaixonada e tinha certeza que se não fosse dele, não seria de mais ninguém.

              -Vicent! Diga que me quer, diga que me deseja tanto quanto eu o desejo!Eu o amo tanto, querido!

             Vivien sentiu-se como lançada em um vagalhão, a razão tentando desesperadamente não submergir no mar de paixão que via nos olhos de Deidre. Mas era apenas uma mulher comum. E ela precisaria ser um ser com uma pedra no lugar do coração e ter água correndo nas veias, para resistir ao fogo nos olhos daquela  mulher linda, sexy e faminta de amor.

             Vivien a abraçou apertadamente, sentindo os braços de Deidre se lançarem em seu pescoço, e ela estremecer de emoção, gemendo contra sua boca:

             -Eu o amo, Vicent. Eu quero ser sua totalmente, como nunca fui de alguém.Toma-me. Faça o que quiser, porque eu o amo tanto que só me sentirei mulher sendo sua!

             Suas bocas se encontraram em um beijo faminto, cheio de desejo, devastador em seu poder. E Vivien sugou aqueles lábios macios como um náufrago sedento numa fonte de água pura e cristalina. Sentia o corpo de Deidre palpitando em seus braços, as mãos dela em seus cabelos, puxando sua cabeça mais ainda para o encontro das bocas famintas, o corpo estremecendo e se apertando contra o seu. Se entregando, mas também exigindo, cheio de paixão.

             Vivien pousou a mão sobre o seio de Deidre e ela gemeu contra seus lábios, descolando  a boca da sua para beijar o rosto de Vivien  no queixo, nos olhos, na ponta do nariz, nas faces, falando fora de si:

             -Meu amor… meu amor… eu o amo…amo seu cheiro…sua pele…o toque de suas mãos…seu olhar…seu sorriso…

             Vivien fechou os olhos. Ela queria Deidre. Ela precisava sentir o corpo dela contra o seu. Ali. Sem mais protelação.

              Lá fora, a guerra continuava. Mas Vivien queria esquecer essa dura realidade. Ela queria ter direito à uma parcela de amor e felicidade. E o mundo que se danasse!

             E ela apertou-se mais contra Deidre.

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